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quinta-feira, 10 de julho de 2025

Clóvis Moura e a América Latina - Gabriel dos Santos Rocha (Blog da Boitempo)

Clóvis Moura e a América Latina

Por Gabriel dos Santos Rocha
Blog da Boitempo, 10/07/2027

.. A emancipação dos subalternos foi um interesse constante que perpassou toda a obra e o engajamento político de Clóvis Moura...

"O ano de 2025 marca o centenário de nascimento de Clóvis Moura (1925-2003). O crescente interesse por sua obra neste primeiro quarto do século XXI mostra a atualidade de seu pensamento. Isso se deve não apenas à genialidade do autor, mas também aos principais problemas por ele pautados, os quais continuam na ordem do dia, a exemplo da exploração da classe trabalhadora pelo capital e do racismo como ideologia de dominação no capitalismo."
Publicado em 10/07/2025


Clóvis Moura foi um intelectual polígrafo: jornalista, poeta, crítico literário, historiador e sociólogo. Sua produção nas ciências humanas é sobretudo ensaística, teórica e metodologicamente orientada pelo marxismo. Seus principais trabalhos estão nos campos da história e da sociologia. No entanto, o autor também dialogou bastante com a antropologia e a economia política. Embora tenha escrito sobre assuntos variados, Moura é conhecido por seus estudos sobre o negro na história do Brasil. Esse certamente foi o tema ao qual mais se dedicou. Ao longo de quase cinco décadas, produziu uma obra voltada amplamente para os períodos escravista e pós-abolição, conferindo centralidade às insurreições negras contra a escravidão no passado, à luta antirracista no presente, sem perder de vista a relação entre escravidão, capitalismo e racismo. Moura foi também um militante comunista e antirracista que tomou partido na busca por uma transformação radical da realidade brasileira. Sua obra aventava a revolução socialista.
Destacam-se na produção de Clóvis Moura os estudos sobre os quilombos, guerrilhas e insurreições negras no escravismo, tema central no conjunto de sua obra desde Rebeliões da Senzala, seu livro de estreia e com maior número de edições — atualmente seis, sendo quatro publicadas durante a vida do autor. Trata-se de um ensaio histórico que aborda as insurreições negras como um elemento sistêmico e dinâmico do escravismo colonial. Para Moura, tais lutas expressavam a contradição entre senhores (escravocratas) e escravizados, as “classes” fundamentais do Brasil escravista (Colônia e Império). Amparado em fontes primárias e na até então escassa bibliografia sobre o tema, Rebeliões da Senzala interpreta a luta de classes no Brasil a partir da dialética do senhor e do escravizado, perspectiva pouco explorada até os anos 1960, mesmo entre marxistas.
Apesar do relativo silêncio sobre sua obra por parte da academia, há um crescente interesse por Clóvis Moura nas duas últimas décadas, a exemplo de dissertações de mestrado, teses de doutorado, artigos acadêmicos, reedições de livros do autor — com destaque para o trabalho da editora Dandara – que vêm enfatizando outras de suas contribuições, a saber: o papel do racismo na estratificação social brasileira e a luta antirracista encabeçada pelo associativismo negro nas diferentes fases do Brasil República, além da crítica ao quietismo de setores da academia diante de problemas fundamentais da sociedade etc. Tais temas aparecem marcadamente na produção de Moura a partir dos anos 1970, período no qual passou a colaborar ativamente com o movimento negro, aprofundou conexões com intelectuais e instituições de outros países e teve alguma aproximação com a academia.
Um tema ainda pouco estudado, com raríssimas e louváveis exceções, é a relação do autor com a América Latina. Dentre as exceções, destacamos o livro Racismo e luta de classes na América Latina, de Cristiane Sabino de Souza, que, embora não seja um trabalho sobre Clóvis Moura, utiliza amplamente a produção do autor para analisar a relação entre o racismo e a superexploração da força de trabalho no capitalismo dependente, posição na qual se localizam o Brasil e os demais países latino-americanos no capitalismo mundial. Destacase também um artigo de Patrick Oliveira, de 2023, que revisita os escritos de Moura sobre a América Latina localizando as contribuições do autor para o pensamento marxista sobre a escravidão, além de refletir, também, sobre as lutas políticas dos trabalhadores em países de capitalismo dependente Embora tenhamos essas importantes contribuições, ainda há muito a ser estudado sobre o tema.
A América Latina é pouco presente nas publicações de Clóvis Moura. Mas isso não significa que o continente tenha sido ignorado ou desconsiderado por ele. Ao contrário, apesar de o próprio Moura ter escrito pouco sobre o assunto — no que tange ao conjunto de sua obra —, a América Latina foi um tema de seu interesse, estando presente também em suas referências políticas e literárias. Além disso, a correspondência com outros autores e instituições latino-americanas nos revela sua rede internacional de sociabilidade intelectual e política. É o que buscaremos demonstrar neste artigo.
Literatura e revolução
A relação de Moura com a América Latina se evidencia mais a partir dos anos 1970, quando a agenda intelectual do autor se tornou mais dinâmica com os convites de instituições acadêmicas e centros de pesquisa para ministrar cursos, palestras e participar de eventos, em âmbito nacional e internacional. A repercussão da segunda edição de Rebeliões da Senzala (1972) pode ter contribuído na dinamização dessa agenda, uma vez que, diferentemente da primeira, teve maior circulação e passou a ser citada por outros autores. Além de Nelson Werneck Sodré, José Honório Rodrigues, Luiz Luna e outros no Brasil, o livro foi referenciado pelo historiador estadunidense Eugene Genovese como uma valiosa contribuição em From Rebellion to Tevolution [Da rebelião à revolução]. Dentre os eventos internacionais que Moura participou na década de 1970, estão o Colóquio sobre a Negritude e América Latina (Senegal, 1974), o Encontro Anual da Latin American Studies Association (Estados Unidos, 1977), e os I e II Congresso de Cultura Negra das Américas que ocorreram, respectivamente, na Colômbia (1977) e no Panamá (1980).
No entanto, ainda que a América Latina tenha se tornado mais evidente na trajetória de Moura naquela década, o autor começou a se relacionar muito antes com produções intelectuais latino-americanas que fizeram parte de sua formação. Moura foi um intelectual formado na militância comunista, e atuou na política cultural do Partido Comunista Brasileiro (PCB). A literatura, uma de suas áreas de atuação, foi um elo importante com a América Latina. Nesse campo, destaca- -se como referência o poeta e comunista chileno Pablo Neruda. Em 1949, em atividade no PCB na Bahia, por recomendação de seu amigo Darwin Brandão Moura tentou publicar um “Poema de solidariedade a Pablo Neruda” na revista Correio das Artes, editada por Edson Regis. Porém, naquele contexto de ilegalidade do partido e de perseguições aos comunistas, a publicação do poema foi negada.
A homenagem ao poeta chileno continha um teor político que incomodaria as autoridades. Assim como no Brasil de Dutra, o comunismo era perseguido no Chile de González Videla (1946-1952). Em 1948, um mandado de prisão chegou a ser emitido contra Neruda que, após passar meses escondido, teve que fugir para a Argentina. No referido poema, Moura escreveu:
[…] o teu perfil chileno entre índios sem terra
entre mães assassinadas,
himens partidos
massacre de grevistas
assombra a tirania
e afugenta a noite.
O poeta chileno voltaria a ser homenageado anos após sua morte em “Soneto Funeral a Neruda”, publicado em Manequins Corcundas, um dos livros de poesia de Moura.
Ainda atuando na política cultural pecebista, nos anos 1950 Moura se mudou para São Paulo e passou a colaborar com a Fundamentos: Revista de Cultura Moderna, editada entre 1948 e 1955. O periódico teve entre seus editores e colaboradores Afonso Schmidt, Artur Neves, Vilanova Artigas, Caio Prado Jr., Astrojildo Pereira, entre outros. Moura participou do Conselho de Redação da Fundamentos, além de publicar poemas e artigos. Dentre eles está um texto em homenagem ao centenário de José Martí, poeta, ensaísta e líder da independência cubana que se tornou símbolo de luta para os revolucionários latino-americanos. Em tal texto, Moura fez uma apreciação da obra poética de Martí, além de recuperar aspectos dos ensaios políticos do líder cubano, destacando elementos caros aos comunistas, como a luta anti-imperialista e anticolonial, a soberania e a autodeterminação dos povos, como vemos no excerto a seguir:
“O pensamento político de Martí, da forma como foi enunciado na época pelo seu autor, ainda é para todos nós, povos americanos, um grande manancial de experiências, não só pela sua profundeza teórica que muitas vezes chega a surpreender, como pela sua atualidade. Uma das facetas mais atuais do seu pensamento é, sem nenhuma sombra de dúvida aquela que se refere às ameaças frontais do imperialismo ianque à independência e segurança dos povos semicoloniais e dependentes. Sua posição, nesse particular, foi sempre incontestavelmente clara e os escritos que deixou sobre o assunto poderiam formar uma antologia atualíssima em muitos aspectos.”
No entanto, o texto não menciona o levante do Quartel Moncada ocorrido em 26 de julho de 1953 e liderado por Fidel Castro. Não era possível prever que em poucos anos aquele fato desencadearia uma revolução triunfante em 1959 e levaria Cuba ao socialismo. Contudo, anos depois Moura dedicaria algumas páginas a Cuba no seu livro de 1977 O negro: de bom escravo a mau cidadão? Em um capítulo intitulado “Dos palenques à independência”, o autor abordou o peso da escravidão na ilha e destacou a importância dos palenques (equivalentes aos quilombos no Brasil) e cimarrones (como eram chamados os escravizados rebeldes) no processo emancipatório de Cuba no fim do século XIX.
Moura considerou que, após a abolição da escravidão e a independência, o negro cubano foi lançado à marginalização e à miserabilidade em um “sistema de compressão social que objetivava satisfazer as expectativas de lucro máximo das grandes haciendas controladas pelos monopólios internacionais”. O autor também demonstrou esperança com a Revolução Cubana, afirmando que somente em 1959 abriram-se “perspectivas para a reintegração do negro na sociedade, em termos e nível de igualdade com as demais classes, camadas e segmentos sociais”. Moura via em Cuba o primeiro grande laboratório onde o modelo de uma “democracia racial” na América Latina estava sendo criado.
Intercâmbio intelectual
O interesse de Moura pela América Latina também pode ser notado no intercâmbio intelectual com autores e instituições de diferentes países latino-americanos a partir dos anos 1960, como nos revela sua correspondência. O escritor argentino Mario Marcilese escreveu uma carta a Moura no dia 1o de setembro de 1964 solicitando-lhe informações biográficas. Embora estivesse escrevendo a um brasileiro, o argentino afirmava que vinha se dedicando ao trabalho de conhecer e divulgar a vida e a obra de escritores hispano-americanos frente ao problema de “a América desconhecer sua literatura e seus autores”. Marcilese não mencionou como tinha obtido o contato de Moura, mas afirmou conhecer “tudo o que se dizia sobre sua pessoa e sua obra”, e disse que gostaria de saber o que o próprio Moura teria a dizer de si mesmo além de pedir-lhe para enviar livros de sua autoria.
Em linhas gerais, essa carta de Marcilese se refere à literatura, o que nos leva a inferir que ele tinha informações sobre as atividades literárias de Moura Em nenhum momento o remetente tocou em temas como história, sociologia e política. Em outras duas cartas que enviou a ele em 1965, uma de 24 de março e outra de 30 de agosto, Marcilese sinalizou que o autor pretendia publicar uma antologia literária latino-americana, e mostram que Moura lhe enviou as informações e os livros solicitados. Em 26 de agosto de 1970, contudo, o escritor argentino comunicou que a referida antologia estava em preparação, mas que a literatura brasileira ficaria de fora por ele próprio não dominar o idioma.
Além da literatura, temas relacionados à história, à sociologia e à política da América Latina também aparecem na correspondência de Moura. Em 1964, o autor solicitou à Unesco fontes e bibliografia de pesquisas sociológicas acerca da vida rural, urbanização, migrações e outros temas relacionados ao continente. A resposta da instituição veio em uma carta de 9 de setembro daquele mesmo ano, assinada por W. Thomas Shepard, do Departamento de Ciências Sociais, que indicava: 1) o envio de um folheto informando as publicações da Unesco acerca dos temas solicitados e as instruções para obtê-las; 2) um informe das principais atividades da Unesco no campo das ciências sociais sobre problemas contemporâneos da América Latina, com estatísticas e outras informações. Shepard também sugeriu que Moura procurasse o Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura, na Avenida Presidente Vargas, n. 62, 5º andar, no Rio de Janeiro, onde conseguiria mais informações sobre as atividades da Unesco.
Em 1o de setembro de 1964, Manuel Diégues Júnior, diretor do Centro Latino-Americano de Pesquisas em Ciências Sociais, respondeu a uma carta de Moura do dia 27 de agosto daquele ano:
“Quanto aos diversos pontos abordados em sua carta, podemos informar:
a) o preço de assinatura da revista América Latina é de C$ 2.000,00 (dois mil cruzeiros) pagáveis mediante ordem de pagamento em nome do Centro Latino-Americano de Pesquisas em Ciências Sociais, Av. Pasteur, 431; Rio de Janeiro – ZC-82, ou através [de] cheque nominativo pagável nesta Cidade;
b) a revista América Latina que era anteriormente intitulada Boletim do Centro Latino-Americano de Pesquisas em Ciências Sociais começou a ser editada em 1958. A partir de 1962 passou a chamar-se América Latina, com nova apresentação gráfica. De 1958 a 1961, todos os números se acham esgotados. De 1962 até a presente data possuímos disponibilidades, e o preço para números atrasados é o mesmo do corrente ano, C$ 2.000,00 por ano (4 números por ano) […].”
Em outra carta de 14 de dezembro de 1964, Manuel Diégues Júnior confirmou o recebimento de C$ 3.900,00 (três mil e novecentos cruzeiros) e o envio, pelos correios, das publicações solicitadas por Moura. O remetente ainda lamentou o atraso no atendimento ao pedido de Moura em 4 de setembro daquele mesmo ano.
Outra carta em papel timbrado da Unesco assinada por A. Marin, datada em 16 de novembro de 1964, faz referência a livros solicitados por Moura. Eles seriam enviados para a Fundação Getulio Vargas, que seria o agente depositário daquela compra, e com quem Moura deveria liquidar a fatura do material adquirido. Os títulos das obras estão em espanhol, resumidos, e a carta não menciona os autores. Os exemplares enviados foram: Aspectos Sociales […] Vol. II; Aportaciones positivas de los inmigrantes; Migración Internacional y desarrollo económico; La Ciencia económica y la acción. Além desses, o remetente também menciona títulos solicitados por Moura que estavam esgotados, como Aspectos Sociales […] Vol. I; El Movimiento Ecuménico y la Cuestión Racial; Les Elites de Couleurs dans une ville Bresilienne e La Iglesia Católica y la Cuestión Racial. Por fim, o remetente indica o endereço de duas editoras para Moura adquir outros dois títulos solicitados: El Racismo ante la Ciencia Moderna (Ediciones Liber) e Sociedad y Educación en América Latina (Editorial Universitaria de Buenos Aires).
No dia 31 de julho de 1970, Graziella Corvalán, representante da Revista Paraguaya de Sociología do Centro Paraguayo de Estudios Sociologicos, respondeu a uma carta de Moura agradecendo o interesse do autor naquele periódico e informando o preço da assinatura anual a US$ 3.50. Corvalán também agradeceu o envio do livro Rebeliões da Senzala, porém, acusou não tê-lo recebido. Aliás, o não recebimento — ou o atraso no recebimento — de livros e periódicos enviados pelo correio aparece na correspondência de Moura com outros interlocutores — às vezes ele próprio recebia com atraso, às vezes não recebia materiais que lhe eram enviados.
Em 5 de agosto de 1970, Alfredo Poviña, do Departamento de Sociologia da Universidad Nacional de Cordoba, agradeceu os comentários de Moura a seu livro Historia de la Sociología Latinoamericana em uma carta na qual também lhe indicou a leitura de uma outra obra, Nueva História de la Sociología Latinoamericana, e afirmou que enviaria outros trabalhos de sua autoria na área de sociologia.
No dia 17 de setembro de 1970, José Trueba Davalos, do Instituto Mexicano de Estudios Sociales, agradeceu o envio de um livro de Moura (não mencionou o título), e afirmou estar enviando um folheto com informações sobre o instituto e uma lista de publicações.
O intercâmbio intelectual latino-americano também ocorria por meio de convites para Moura colaborar com publicações e participar de eventos. Em 8 de abril de 1970, um interlocutor do México que assina como Pablo se referiu a Moura como “estimado amigo”, além de mencionar Nicomedes, amigo em comum entre ambos que, naquele momento, tinha poemas traduzidos no Senegal. Pablo participava do conselho editorial de uma revista de sociologia da Universidade Central do Equador e propôs que Moura se tornasse um correspondente do periódico no Brasil, enviando informações sobre as ciências sociais no país, resenhas de livros, congressos, seminários, bem como estabelecendo intercâmbio com revistas brasileiras similares. O remetente também convidou Moura para colaborar em uma publicação coletiva que seria organizada no México com o tema “Autoritarismo e Estado na América Latina”. Não sabemos se esse trabalho chegou a se concretizar, mas sabemos que anos depois, em 1976, Moura teve um livro publicado pela editora mexicana Ediciones Siglo XXI, o Sociología de la Práxis, depois publicado no Brasil pela editora Ciências Humanas com o título A sociologia posta em questão (1978).
Produção sobre a América Latina
Como vimos, a correspondência com intelectuais, editores e instituições nos mostra o interesse de Moura em estudar a América Latina, além de revelar uma rede internacional de sociabilidade do autor. Cabe ressaltar que, em tal contexto, Moura produziu seu principal texto sobre o processo histórico-social latino-americano, “O negro na emancipação da América Latina”, originalmente concebido como uma comunicação no Colóquio sobre Negritude e América Latina ocorrido em Dakar entre os dias 7 e 12 de janeiro de 1974. O convite para esse evento veio do próprio presidente do Senegal, Leopold Sédar Senghor, e do reitor da Universidade de Dakar, Seydou Madani Sy, possivelmente intermediado por René Durand, professor daquela instituição com quem Moura vinha se correspondendo. No colóquio também estiveram outros intelectuais latino-americanos, como Nicomedes Santa Cruz (Peru) e Manuel Zapata Olivella (Colômbia), com os quais Moura manteria amizade e se corresponderia durante anos.
No evento, Moura versou sobre o protagonismo negro nas lutas contra a escravidão na América Latina e a participação negra nos processos emancipatórios de diferentes nações do continente onde houve escravização de africanos, a exemplo do Peru, Colômbia, Venezuela, Haiti, Cuba e outros. Embora o foco principal do texto seja o papel das lutas contra a escravidão nos processos de independência, Moura também considerou problemas contemporâneos comuns aos países latino-americanos:
“Procuraremos abordar uma série de fatos e processos que demonstraram como, ontem como hoje, de diversas formas e em níveis mais ou menos profundos, o negro atuou e continua atuando como força social dinâmica e muitas vezes radical na América Latina. Ontem visando modificar o sistema colonial escravista e atualmente procurando destruir os entraves, obstáculos e limitações da situação de dependência em que se encontram os seus respectivos países. Procura abrir o leque das alternativas no rumo da emancipação continental, única forma que vê para solucionar o seu problema que é cumulativo: como negro, que tem de lutar contra o preconceito de cor, e como pobre, que tem de lutar contra proletarização, a miséria e a marginalização.”
A partir das discussões no Colóquio em Dakar, Moura escreveu posteriormente o texto “Os dilemas da negritude”, no qual polemiza, junto do antropólogo brasileiro Renê Ribeiro e o espanhol German de Granda, participantes do evento que “estavam à direita da negritude”, confundindo o termo com um “possível estereótipo de que deveria ser elucidado e desmascarado”. Polemizou também o conceito de negritude que orientava o Teatro Experimental do Negro de Abdias do Nascimento nos anos 1950 e, segundo Moura, restringia-se a “uma intelectualidade negra pequeno burguesa”. Contudo, Moura não refutava aprioristicamente o conceito de negritude. Defendia-o como “generalização das contradições criadas em uma sociedade opressiva, e unidade entre teoria e prática no sentido de desalienar não apenas as populações negras, mas todos aqueles estratos populacionais que se sentem oprimidos ou marginalizados pelo sistema dominante em qualquer parte”.
Após o colóquio em Dakar, Moura manteve por longos anos extensa correspondência com o escritor afro-colombiano Manuel Zapata Olivella, que organizaria os I e II Congresso de Cultura Negra das Américas. O I Congresso ocorreu em Cali, Colômbia, em 1977. Moura, na ocasião à frente do Instituto Brasileiro de Estudos Africanistas, ficou encarregado de coordenar a delegação brasileira para o evento. Assim, convidou alguns intelectuais para participar no evento, dentre os quais a historiadora Beatriz Nascimento, o sociólogo Eduardo de Oliveira e Oliveira, a historiadora Marina Sena, a jornalista Mirna Grzich, entre outros. Entre os convidados também estava o fundador e diretor do Centro de Estudos Africanos da Universidade de São Paulo (USP), Fernando A. Albuquerque Mourão.
Fernando Mourão era docente da USP e participou do monitoramento de atividades que a ditadura considerava “subversivas”, incluindo eventos organizados pelo movimento negro ou por intelectuais vinculados à luta antirracista. Suas atividades como informante da ditadura ocorreram principalmente no meio acadêmico. Mourão repassou as informações (inclusive a carta de Clóvis Moura) sobre o I Congresso de Cultura Negra das Américas à Assessoria de Segurança e Informação da USP – órgão que monitorava estudantes, docentes e funcionários da USP. A delação resultou no impedimento de Moura e quase toda a delegação brasileira de participar do evento.
Nesse período, havia no Brasil a cobrança de um depósito compulsório para viagens ao exterior. Poucos dias antes do evento, o MEC vetou a isenção do depósito. Além do próprio Clóvis Moura, quase toda a delegação brasileira perdeu o congresso. Só viajaram para Cali: a jornalista Mirna Grzich, financiada pela revista Visão, a historiadora Marina Sena, financiada pelo governo de Minas Gerais e Eduardo de Oliveira, que valeu-se de um empréstimo bancário pessoal e de uma bolsa da Fundação Ford.
O II Congresso de Cultura Negra das Américas ocorreu no Panamá, em 1980. No entanto, dessa vez, Moura conseguiu participar. Sua comunicação para o evento, “Escravismo, Colonialismo, Imperialismo e Racismo”, foi posteriormente publicada no livro Brasil: as raízes do protesto negroxxxiv. No mesmo livro, publicou também seu texto de comunicação no Encontro da Latin American Studies Association, ocorrido em Huston, nos Estados Unidos, em 1977, o qual se intitulava “Contribuição do negro às artes no Brasil”.
Conclusões
O ano de 2025 marca o centenário de nascimento de Clóvis Moura (1925-2003). O crescente interesse por sua obra neste primeiro quarto do século XXI mostra a atualidade de seu pensamento. Isso se deve não apenas à genialidade do autor, mas também aos principais problemas por ele pautados, os quais continuam na ordem do dia, a exemplo da exploração da classe trabalhadora pelo capital e do racismo como ideologia de dominação no capitalismo. O Brasil foi o principal objeto de estudos de Moura, bem como seu espaço de atuação política. Contudo, recuperar o intercâmbio do autor com a América Latina nos possibilita ver a dimensão internacionalista de sua formação e de sua trajetória intelectual e política. A relação entre racismo e capitalismo dependente — problema crucial nas análises do autor sobre o Brasil contemporâneo — também ocorre nos países latino-americanos marcados pelo passado colonialista e escravista do antigo regime, assim como nos países africanos e asiáticos subjugados pelo neocolonialismo nos séculos XIX e XX.
Como tentamos demonstrar neste artigo, a América Latina foi um tema de interesse de Moura, ainda que não tenha sido o foco principal de sua obra. O autor não apenas buscou referências e fontes de estudo, como também estabeleceu uma rede internacional de sociabilidade intelectual e militante no continente. Talvez possamos dizer o mesmo em relação à África, considerando que o autor não apenas participou do Colóquio sobre Negritude e América Latina no Senegal, como também se correspondeu com intelectuais e lideranças africanas.
Portanto, Moura estudou a realidade brasileira sem perder de vista a dimensão internacional do capitalismo, buscando compreender também a situação de outros países da periferia do sistema nos quais se situam majoritariamente povos racializados, e no qual também ocorre historicamente a relação entre racismo, dominação política e exploração da força de trabalho. O referido ensaio do autor, “O negro na emancipação da América Latina”, versa sobre a realidade de países nos quais a dependência econômica externa, a segregação social interna e a autocracia como técnica política das classes dominantes são elementos de longa duração, assim como também são as variadas formas de rebeldia dos subalternos, desde os quilombos e palenques do passado aos movimentos de trabalhadores do campo e das cidades no presente. Cabe ressaltar que tal ensaio foi apresentado por Moura em Dakar, em 1974, em um contexto de lutas sociais candentes no Terceiro Mundo: a independência das colônias portuguesas em África, o triunfo do Vietnã contra os Estados Unidos, as lutas contra as ditaduras em vários países da América Latina etc. A emancipação dos subalternos foi um interesse constante que perpassou toda a obra e o engajamento político de Clóvis Moura.
* Este artigo foi originalmente publicado na edição de número 44 da revista Margem Esquerda, publicação semestral da Boitempo.
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Gabriel dos Santos Rocha é doutorando em História Econômica, mestre em História Social e graduado em História pela Universidade de São Paulo.

Opinião: Uma avaliação dos nossos riscos - William Waack O Estado de S. Paulo

Opinião
William Waack
Uma avaliação dos nossos riscos
A direita brasileira identificada com Trump vai sofrer graves danos eleitorais
Do ponto de vista exclusivamente comercial e geopolítico o tratamento que o presidente dos EUA dá ao Brasil é simplesmente burrice
O Estado de S. Paulo, 09/07/2025
Atualização: 10/07/2025 | 10h01

O ataque do presidente americano ao Brasil não tem paralelos históricos. Trata-se sobretudo de uma agressão política, cujos termos são por definição inegociáveis. Trump age com a prepotência de quem, de fato, escolheu dividir o mundo em esferas onde os fortões fazem o que querem, e os fracos — como o Brasil — que se virem.
A última vez em que um presidente americano agiu contra o Brasil por questões políticas ocorreu sob Jimmy Carter a meados da década de setenta. As semelhanças são remotas dada a brutalidade — e a irracionalidade ideológica — exibida por Trump neste momento.
Naquela época dois fatores haviam se combinado: a pressão contra a ditadura militar brasileira por conta de violações de direitos humanos e o acordo nuclear que o Brasil assinara com a Alemanha, que incluía a transferência de tecnologia sensitiva. O presidente era o general Ernesto Geisel, que reagiu cancelando um acordo de cooperação militar com os EUA. O Brasil acabou fazendo um programa nuclear paralelo e a democratização liquidou a questão dos direitos humanos.
Do ponto de vista exclusivamente comercial e geopolítico o tratamento que Trump dá ao Brasil é simplesmente burrice. Mas é um extraordinário nível de mediocridade estratégica, ignorância histórica e posturas prejudiciais aos próprios interesses da super potência que Trump vem exibindo desde que assumiu. Em nome de um eleitorado que aplaude o populista que está diminuindo em vez de aumentar a liderança e capacidade de ação americana.
Os danos comerciais ao Brasil são consideráveis mas em situações semelhantes de imposição de tarifas Trump demonstrou a falta de consistência habitual — é algo que pode ser eventualmente “negociado”. O problema muito mais grave é político e terá impacto também no contexto eleitoral doméstico brasileiro.
Como aconteceu em países como Canadá, Austrália, México e, até certo ponto Alemanha, a interferência política de Trump nos assuntos de cada um produziu os resultados contrários. Ou seja, Trump desmoralizou, enfraqueceu e tirou potencial eleitoral das forças políticas que quis “proteger”. No caso brasileiro, o clã Bolsonaro e todo agente político que aderiu ao fã clube de Trump.
É claro que esse é um problema do capitão e sua ilusão infantiloide de que um prepotente como Trump possa livrá-lo da cadeia — onde provavelmente mais e não menos gente vai querer vê-lo agora. Bem mais complicada é a situação do governo brasileiro que, ao contrário do exemplo da esquerdista que preside o México, não soube criar qualquer canal direto com a Casa Branca.
O Brasil é uma potência menor, com escassa capacidade de retaliação que não nos torne ainda mais vulneráveis, sobretudo em relação a insumos. É grande a tentação de pular para um lado no confronto geopolítico, mas um pouco de inteligência estratégica indica que os Trumps acabam indo embora, e a profundidade dos laços entre Brasil e Estados Unidos permanecem.
Mas o mais provável é que ninguém vai enxergar esse horizonte nos próximos dias.

Opinião por William Waack
Jornalista e apresentador do programa WW, da CNN
https://www.estadao.com.br/politica/william-waack/a-direita-brasileira-identificada-com-trump-vai-sofrer-graves-danos-eleitorais/?j=2132572&sfmc_sub=761468549&l=8503_HTML&u=65252480&mid=534001280&jb=3005&utm_medium=newsletter&utm_source=salesforce&utm_campaign=conectado&utm_term=20250710&utm_content=

Corte Europeia condena Rússia por atrocidades na Ucrânia - Rodrigo Craveiro (Correio Braziliense)

Estou imaginando que com esta decisão, de uma Corte de justiça respeitável, o Itamaraty vai finalmente soltar uma nota elogiando a conclusão a que chegou a Corte Europeia de Direitos Humanos em face de tão flagrantes provas de desrespeito ao Direito Internacional. Uma nota firma e condenatória das ações da Rússia, como sempre fez em casos semelhantes e como faz frequentemente em face dos crimes israelenses em Gaza e na Cisjordânia. Nada menos do que isto. PRA


"Corte Europeia condena Rússia por atrocidades na Ucrânia"
Corte Europeia condena Rússia por atrocidades na Ucrânia
Tribunal de direitos humanos sediado em Estrasburgo, na França, conclui que as forças de Vladimir Putin cometeram abusos e violações flagrantes e sem precedentes. Papa Leão XIV oferece Vaticano para sediar diálogo entre Kiev e Moscou
Por Rodrigo Craveiro
Correio Braziliense, 10/07/2025
https://www.correiobraziliense.com.br/mundo/2025/07/7196155-corte-europeia-condena-russia-por-atrocidades-na-ucrania.html

Vadim Yevdokimenko, 23 anos, perdeu o pai em 3 de março de 2022, em uma fábrica de vidros na cidade de Bucha, a noroeste de Kiev, capital da Ucrânia. "Os soldados russos o sequestraram e trancaram-no com cinco pessoas em uma garagem e o fuzilaram. Em seguida, atearam fogo aos restos mortais dele, pois queriam escondê-los", contou ao Correio. Ele soube da morte do pai da pior forma: por meio de um vídeo que acessou na internet mostrando moradores de Bucha torturados e assassinados. "Os bastardos que mataram meu pai merecem o fim doloroso", disse.

No mesmo dia, Yevhen Kizilov, 49 anos, estava no exílio, quando as forças de Moscou invadiram a casa da família, também em Bucha, levaram o pai dele, Valeriy Kizilov, 69, ao jardim e o executaram com um tiro na cabeça. Nesta quarta-feira (9/7), Vadim, Yevhen e milhares de outros ucranianos tiveram um vislumbre de justiça. A Corte Europeia de Direitos Humanos, em Estrasburgo (França), concluiu que, desde 2014, a Rússia comete abusos flagrantes e sem precedentes na Ucrânia.

A Rússia é acusada de execuções de "civis e militares ucranianos fora de combate", "tortura", "deslocamentos injustificados de civis" e até mesmo "destruição, saques e expropriações", disse o presidente do organismo, Mattias Guyomar. A decisão da Corte determina que o governo de Vladimir Putin "deve liberar imediatamente, e devolver de maneira segura, todas as pessoas que, no território ucraniano ocupado pelas forças russas ou sob controle russo, foram privadas de liberdade (...) e que estão presas".

Em seu julgamento, o tribunal cita evidências de uso de violência sexual disseminada e sistemática, acompanhada de atos de tortura, como espancamento, choques elétricos e estrangulamento. "Em nenhum dos conflitos anteriormente submetidos ao tribunal houve uma condenação tão universal do 'flagrante' desrespeito do Estado demandado aos fundamentos da ordem jurídica internacional estabelecida após a Segunda Guerra Mundial", afirma a decisão. A instância também concluiu que a Rússia foi a responsável pela derrubada, em julho de 2014, de um avião da companhia aérea Malaysia Airlines, matando 298 pessoas. A aeronave havia decolado de Amsterdão em direção a Kuala Lumpur, quando foi derrubada por um míssil no leste da Ucrânia.

Yevhen considera a condenação, por parte da Corte Europeia de Direitos Humanos, um marco histórico. "Ninguém esquecerá os crimes da Rússia. Eles entrarão para a história da humanidade. Além disso, este veredicto constitui uma confirmação jurídica internacional do sofrimento das vítimas da agressão russa, uma das quais sou eu", observou. O jornalista ucraniano acredita que a decisão firmará a base para o pedido dele por indenização contra a Rússia. "O tribunal estabeleceu um precedente legal que simplificará significativamente a prova de culpa de Moscou no meu caso", acrescentou.

Horas antes de o tribunal proferir a decisão, as forças russas realizaram o maior bombardeio com drones e mísseis em 1.232 dias de guerra. Durante a madrugada, o Exército russo lançou 728 drones e 13 mísseis contra quatro regiões da Ucrânia, incluindo a capital, Kiev. Ao menos 711 drones foram interceptadas e sete mísseis, destruídos, segundo a Força Aérea ucraniana. Os ataques deixaram oito civis mortos e ocorrem depois de o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, afirmar que Putin é "inútil" e "fala muita besteira" e anunciar a retomada de ajuda militar para Kiev.

Sanções

Em visita à Itália, onde se reuniu com o papa Leão XIV e com o presidente italiano, Sergio Mattarella, o líder da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, tornou a cobrar "sanções rigorosas" contra a Rússia e, especialmente, contra o setor petrolífero de sua economia. "Todos os que querem a paz devem agir", declarou, ao lembrar que o petróleo russo "tem alimentado a máquina de guerra de Moscou por mais de três anos". Kiev tem insistido que somente o fortalecimento das sanções pode acelerar o fim da guerra.

No encontro com Leão XIV, na residência de verão de Castelgandolfo, Zelensky ouviu do pontífice a oferta de colocar o Vaticano como sede para um diálogo com Moscou.

Lista de violações
Os principais crimes apontados pela Corte Europeia de Direitos Humanos

Ataques militares indiscriminados;
Tortura e uso de estupro como arma de guerra;
Execuções sumárias de civis e militares;
Detenções arbitrárias e ilegais de civis;
Intimidação e perseguição a grupos religiosos;
Deslocamentos forçados e transferência de civis;
Destruição, saques e expropriação de propriedades;
Supressão do idioma ucraniano nas escolas;
Transferência de crianças para a Rússia e, em muitos casos, adoção.
Maksym Yakovlyev, chefe do Departamento de Relações Internacionais e diretor da Escola de Análise Política da Universidade Nacional de Kiev-Mohyla.

"Nós, ucranianos, sofremos todos os tipos de torturas e terror da Rússia. Moscou viola, de forma contúnua, os direitos humanos. Insistimos em que os crimes russos devem ser punidos. Considero bom que haja um reconhecimento legal do fato de que os russos cometeram crimes. Mas, também, espero que eles sejam punidos por tais violações."

Maksym Yakovlyev, chefe do Departamento de Relações Internacionais e diretor da Escola de Análise Política da Universidade Nacional de Kiev-Mohyla

"A decisão da Corte Europeia de Direitos Humanos envia um claro sinal à comunidade internacional sobre a natureza criminosa das ações da Rússia. Além disso, para as vítimas da agressão russa, como eu, a decisão tem enorme significado psicológico e moral. Isso significa que o nosso sofrimento foi reconhecido e confirmado por uma instituição internacional autorizada."
Yevhen Kizilov, 49 anos, jornalista ucraniano cujo pai foi executado à queima-roupa em Bucha

A escalada - Paulo Roberto de Almeida

 A escalada

Argumentos teóricos, evidências empíricas não vão demover Trump de continuar perpetrando suas loucuras. Nem seus “melhores” conselheiros (se eles existem) o fazem. 

Agora, o presidente Lula não pode atuar de forma atabalhoada, intempestiva, apressada, em face de todos os anúncios de Trump. 

Cabe deixar a diplomacia pensar primeiro uma resposta quando atos concretos forem tomados. A devolução da carta de Trump é uma boa medida, pois ela está vazada em termos não diplomaticos e pouco condizentes com as práticas usuais em diplomacia. Mas declarações improvisadas de Lula não ajudam em nada exportadores e importadores dos dois paises. Só servem para criar problemas. 

O Brasil deve se pautar pelo Direito Internacional, não pelo machismo diplomático personalista.

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 10/07/2025

Os primeiros habitantes do Brasil - Aurelio Schommer

 Há cerca de 15 mil anos, a América do Sul era desabitada. Os primeiros humanos, vindos da Ásia, chegam ao continente então e se espalham de oeste para leste. No território que viria a constituir a capitania, província e estado da Bahia, os achados arqueológicos identificam os primeiros grupos há 7 mil anos, vivendo nas margens do rio São Francisco e em alguns de seus afluentes. Entre há 3 mil e mil anos, surgem na região os falantes do idioma tupi. Na altura de 1500, quando do primeiro contato com europeus, eles se localizam principalmente no litoral. Para o território hoje correspondente à Bahia, a separação era quase absoluta: falantes de tupi no litoral, falantes de outras línguas nas áreas ribeirinhas dos cursos d’água interiores.  

Não se sabe quantos nativos brasílicos viviam nessas terras em 1500. De modo geral, os não tupis, no interior, se caracterizavam pela transumância: passavam de uma área a outra durante o ano, conforme o regime de chuvas e para obter melhores resultados na caça e na coleta. Por vezes, essas migrações sazonais percorriam centenas de quilômetros. As habitações eram rudimentares, porque temporárias. Parte deles falava idiomas do tronco macro-jê; parte, da família linguística kariri; parte, línguas isoladas. Há indícios de que, entre eles, os paiaiás interagissem eventualmente com os tupis do litoral. Os demais evitavam adentrar as áreas de domínio tupi. Entre grupos não tupis, chamados genericamente “tapuias” pelos tupis, os conflitos eram frequentes, motivados por disputas por terrenos de maior fartura de caça. 

Os tupis cultivavam principalmente a mandioca, obtendo dela a farinha e a fécula, na forma de tapioca ou beiju. Suas aldeias eram numerosas, com até 500 habitantes. Mantinham-se em um mesmo terreno por cerca de 10 anos, até o relativo esgotamento da terra. Não faziam nem comércio nem amizade com as aldeias vizinhas. Eram rivais entre si por regra cultural, evitando a formação de um Estado para além do espaço de uma única aldeia. Por essa e outras características, o antropólogo Pierre Clastres chamou os tupis de sociedade contra o Estado. Não criavam animais. Desconheciam o uso de metais. Eram hábeis no fabrico de canoas, cerâmica e engenhosas armadilhas de pesca. 

Os indígenas encontrados por Pedro Álvares Cabral, descritos por Pero Vaz de Caminha, em Porto Seguro, eram tupis. Catarina Paraguaçu, esposa de Diogo Álvares, o Caramuru, era tupi. Os primeiros baianos de cultura luso-americana eram filhos de homens europeus com mulheres tupis. Durante o século XVI, franceses e portugueses disputaram a amizade, a colaboração, das diversas aldeias tupis. Tanto que os franceses patrocinaram uma viagem de Catarina à França para celebrar seu casamento. Depois, o segundo governador-geral português, Duarte da Costa, a presenteou com as terras que hoje abrigam as áreas mais nobres e valorizadas de Salvador. 


Os tupis não foram um estorvo ao estabelecimento de europeus na América. Foram, ao contrário, absolutamente essenciais ao comércio franco-americano e ao povoamento luso-americano. Os europeus batizaram grandes grupos de tupis com diversos etnônimos. Para os próprios tupis, a distinção não fazia sentido. O falante de tupi era simplesmente tupi, nada mais, não importando se os estrangeiros lhes chamassem caetés, tabajaras ou tamoios, caso de grupos tupis localizados nos atuais Alagoas, Pernambuco e São Paulo respectivamente. Na Bahia, tupinambás e tupiniquins. 


Quando se revoltavam, o resultado era catastrófico aos d’além-mar. O chefe Taparica devorou o primeiro donatário da Bahia, Francisco Pereira Coutinho, em ritual antropofágico típico dos tupis. Acabou ali, em 1548, o empreendimento com sede na Vila do Pereira, atual Porto da Barra, em Salvador. Em 1559, eclodiu uma revolta dos ditos tupiniquins da vila de Ilhéus, então próspera sede de capitania. A economia local só se recuperaria do estrago provocado pelos nativos mais de três séculos adiante. Naquele ano, o governador Mem de Sá recrutou ditos tupinambás de Salvador e Recôncavo para reprimir o levante. Deu-se então a Batalha dos Nadadores, na praia do Cururupe, em Ilhéus. Os tupinambás de Salvador levaram a melhor sobre os tupiniquins locais, derrotando a rebelião. Tradição muito recente identifica os vencedores de então como vencidos, quando a participação portuguesa no episódio foi muito diminuta. Tratou-se de uma guerra tupis versus tupis, uma entre muitas. Na ocasião, venceram os tupinambás, tendo por ali ficado muitos deles.


Ao final do primeiro século de interação luso-tupi no litoral baiano, esse grupo indígena estava em geral aculturados, mantido o uso da língua por uma minoria. Houve fusão étnica e genética entre portugueses e tupis em todo litoral, embora alguns tenham mantido identidade separada em aldeias ou aldeamentos jesuítas. Aos tupinambás e tupiniquins juntaram-se aparentados guaranis, vindos de São Vicente, e tupis potiguaras, dos atuais Rio Grande do Norte e Paraíba, ambos estabelecidos em Ilhéus. Poucos tupis morreram em confronto contra europeus. Muitos mais, por doenças trazidas por estes e pelos africanos, chegados em grande número a partir de 1570. A variedade africana da varíola revelou-se especialmente mortífera.


Os tupis formavam aldeias novas por um fenômeno cultural conhecido pelos etnólogos como profetismo. Um indivíduo desgarrava de sua aldeia e passava a recrutar outros alhures. Partiam em busca da chamada “terra sem males”. O profetismo foi acelerado pela presença europeia, reunindo os insatisfeitos e indispostos com a presença estrangeira. Essa migração foi especialmente aguda em São Paulo-Rio de Janeiro e em Pernambuco, muitos deles indo parar no litoral do Maranhão, em que reencontraram os franceses. Na Bahia, uma variação do profetismo agregou elementos da fé católica: a Santidade de Jaguaripe. Na década de 1580, numeroso grupo se instalou em um engenho de Jaguaripe, mantendo uma comunidade autônoma. Parte deles se deslocou para o interior do continente. Liderados por tupis, brancos, mestiços e africanos participaram desse experimento de sociedade, peculiar. 


Tupis e mamelucos, mestiços luso-ameríndios, acompanharam os pioneiros das entradas baianas ao interior, como Francisco Bruza Espinosa e Belchior Dias Moreia. Eles vararam os sertões em pequenos grupos e voltaram sãos e salvos, tendo contato com diversos grupos indígenas. Raros ademais os relatos de luso-americanos atacados pelos ditos tapuias nessas andanças de sondagem e descobrimento dos séculos XVI e XVII. Ainda na primeira metade desse último século, indígenas não tupis do chamado sertão de Rodelas, no São Francisco, enviam guerreiros seus para se juntar aos luso-americanos na luta pela expulsão dos holandeses do Nordeste brasileiro. Eles e outros grupos kariris forneceriam importantes contingentes militares para dar combate a quilombos de matriz africana, entre outras missões internas de guerra.


A partir de 1650, as famílias Peixoto Viegas, Ávila e Guedes de Brito patrocinam o povoamento propriamente dito dos sertões pelo gado bovino, que podia transportar a si mesmo aos mercados do litoral depois de criado. Buscam negociar com os nativos encontrados pelos caminhos. Quando dão presentes, como anzóis, facas, roupas e alimentos, ganham aliados entre os ameríndios. Podem, assim, estabelecer casas-fortes e fazendas de criação, contando eventualmente com os novos amigos como mão de obra e reforço na proteção a seus estabelecimentos. Os Ávila, os Guedes de Brito, Domingos Afonso Sertão e Manuel Nunes Viana especialmente levam a civilização baiana a Minas Gerais, Maranhão, Piauí, a Icó, no sertão cearense, e ao vale do Pajeú, em Pernambuco, espalhando seus gados. Desses, Francisco Dias d’Ávila II se mostra menos propenso a aceitar deslealdades ou pontuais resistências dos nativos, sendo dado a ações violentas contra alguns grupos, no São Francisco ou em Jeremoabo, ações por vezes exageradas nas crônicas para a obtenção de sesmarias, direitos sobre as terras ditas conquistadas ao gentio bravo, como se chamava os não colaboracionistas. Enquanto Antônio Guedes de Brito se mostrava mais tolerante quando pequenos grupos matavam bois para consumo próprio. 


Uma vez estabelecidos currais e vilas, passa a se registrar ataques com fins de saque, atribuídos a indígenas. Também nesses casos, os exageros convinham aos povoadores e aos encarregados de dar combate ao gentio bravo. Como convinha dizer que eram apenas ameríndios, pois nesses casos se podia persegui-los e escravizá-los, pelo menos temporariamente. Em muitos casos, quilombolas e criminosos comuns fugidos da justiça no litoral estavam nos grupos atacantes ou mesmo os lideravam. 


Não houve na Bahia ação militar organizada indígena. Nada como o exército do rei Janduí ou de seu neto, Canindé, tarairiús do vale do Açu, menos ainda do que a revolta de Tupac Amaru II, nos Andes, que alijou vastas áreas do domínio espanhol por décadas, exigindo, em ambos os casos, a mobilização de grandes contingentes militares oficiais. O que se deu na Bahia foi uma sucessão de ataques furtivos episódicos, motivados por quebras de promessas de parte a parte. Enquanto se mantinha as aldeias abastecidas de comida, aguardente, ferramentas e roupas, e não se abusava em excesso da colaboração dos nativos, tudo ia bem e, aos poucos, os ameríndios eram assimilados pela cultura baiana de matriz europeia. Assimilados, mas nem sempre aceitos em condição de igualdade. As mulheres e as crianças entre eles podiam se juntar aos agregados das fazendas ou aos moradores dos povoados e vilas. Eram bem-vindas, pois os filhos que tivessem com brancos ou negros livres seriam tidos por brancos e mestiços livres. Daí a herança matrilinear indígena representar mais de um terço dos marcadores genéticos dos atuais habitantes da região Nordeste do Brasil. Aos homens indígenas, as possibilidades de assimilação eram parciais, quase sempre em condição subalterna ou de inferioridade. Tanto que menos de 2% dos marcadores genéticos patrilineares dos atuais moradores do Nordeste são de origem ameríndia. 


Tidos como exceção no quadro de assimilação geral, os denominados maracás foram objeto de ação repressiva organizada, que contou até com a participação do paulista Estevão Baião Parente e seu exército de indígenas sulistas. Os combates se deram na região entre os atuais municípios de Iaçu e Ruy Barbosa. A vitória oficialista, vitaminada por forças paiaiás, foi rápida. Como resultado, Santo Antônio da Conquista dos Maracases, rebatizada João Amaro, atual distrito de Iaçu, foi núcleo pioneiro da expansão ao médio Paraguaçu. Data de pelo menos 1673, povoado inicialmente por 12 brancos e 43 índios aliados. Da região seriam levados até 2 mil indígenas a Salvador como presas de guerra. Apenas Baião Parente teria chegado com 550. A São Paulo teriam ido 800, dada a maior demanda local por “administrados”, eufemismo paulista para escravizados.


Ameríndios são homens tão racionais quanto quaisquer outros. Buscavam antes a negociação pacífica do que o confronto, aceitando muitas vezes se agregar à atividade agropecuária ou a reunião de grupos por padres missionários nos aldeamentos católicos, em que podiam manter a identidade indígena, enquanto tinham acesso à alimentação regular e a ferramentas. Capuchinhos franceses e italianos, e jesuítas administraram indígenas de diversas etnias, no litoral e nos sertões. Particulares também podiam reduzir grupos de uma região a um local determinado. O homem negro João Gonçalves da Costa, fundador do arraial da Conquista, atual Vitória da Conquista, se faria notável por ter aldeado camacãs, pataxós e outros maxacalis, tidos como dos grupos mais resistentes à assimilação, ambos falantes de línguas do grupo macro-jê. Costa e seus filhos, entre a segunda metade do século XVIII e a primeira do XIX, seriam responsáveis por trazer à civilização baiana o Planalto da Conquista, o Sertão da Ressaca e parte da área ao sul do curso do Rio Pardo. 


Por decisão do Marquês de Pombal, as missões católicas são descontinuadas. Antes, com o rei Pedro II de Portugal, os indígenas aldeados tiveram terras demarcadas para si. Com Pombal, essas terras podiam ser elevadas a sedes de novos municípios. A Bahia dera antes o exemplo em Água Fria, município paiaiá emancipado em 1727. Pombal, em 1758, concede aos paiaiás um segundo município: Santarém, atual Ituberá. Não tupis estavam no litoral, nesse e em outros casos, por terem sido deslocados para lá. 


Também foram elevados a sedes municipais, na mesma época, Trancoso, de tupis, depois incorporado a Porto Seguro; Vila Verde, também de tupis e também incorporado mais tarde a Porto Seguro; Olivença, de tupis, incorporado a Ilhéus no início do século XX; Mirandela, de kiriris, atual distrito de Banzaê; Canabrava, de kiriris, atual Ribeira do Pombal; Natuba, de kiriris, atual Nova Soure; Ipitanga, de tupis, rebatizada Abrantes, município com sede posteriormente transferida para Camaçari; Barcelos, de tupis; Almada, de grens, incorporada depois a Ilhéus; além de Pedra Branca, atual distrito de Santa Teresinha. Os indígenas ficavam submetidos à supervisão de um diretor não índio, mas podiam eleger seus próprios vereadores e gozavam dos mesmos direitos dos demais súditos do Império Português. Também podem ser creditadas aos indígenas as criações dos atuais municípios de Belmonte, Prado, Nova Viçosa e Mucuri, todos na então ouvidoria de Porto Seguro. Igualmente pertencia à jurisdição de Porto Seguro, portanto à capitania da Bahia, o município de São Mateus, ora no Espírito Santo, criado na mesma época e com a mesma motivação.


Em 1852, o número total de indígenas aculturados que, ainda assim, mantinha a identidade étnica de origem, foi estimado em 4.333 almas. A primeira contagem geral e oficial, vinte anos depois, em 1872, não menciona indígenas, compreendidos na categoria mais ampla dos ditos “caboclos”. O primeiro recenseamento brasileiro não era por autodeclaração. O recenseador devia distinguir brancos, pardos e pretos. Quem parecesse índio ou mestiço de índio era enquadrado no tipo “caboclo”. O censo então achou 49.882 caboclos na Bahia, 3,5% da população da época. Estavam em todos os 72 municípios, mas só constituíam maioria, mais de 80%, entre a população de Vila Verde. Curiosamente, na freguesia de Massacará, atual município de Euclides da Cunha, antigo aldeamento indígena, só apareceram 2% de caboclos. Em Olivença, apenas 13 indivíduos foram identificados como tendo traços indígenas ou mestiços, traços étnicos ou fenotípicos. Os locais faziam questão de negar pertencimento tupi, sendo a atual evocação étnica tupinambá no distrito de Olivença e arredores fato muito recente, também objeto de acirradas disputas políticas, com boa parte dos não índios se negando a reconhecer tal processo de etnogênese.

Termo mais adequado para descrever emergências indígenas do século XX é etnogênese, ou seja, a formação de novas identidades étnicas, em alguma medida reemergências de pertencimentos do passado. Etnogênese é preferível ao termo “remanescentes”, impreciso e por vezes a evocar preconceitos. 

As atuais terras indígenas situadas na Bahia foram todas objeto de etnogênese. Nelas vivem, segundo os últimos levantamentos disponíveis, pouco mais de 20 mil indivíduos, mais da metade deles autoidentificados como pataxós, um subgrupo maxacali. São secundados pelos tupinambás de Olivença, por pankararés, kiriris, tumbalalás, kaimbés, tuxás, kantaturés, pankarus, xukurus e tupinambás de Belmonte, nessa ordem. Todos falam predominantemente o português, embora algumas comunidades procurem resgatar as línguas de origem. É um direito inegável dessas populações se identificarem como indígenas. Quanto às demarcações, as atuais não pertencem ao terreno da história remota, pois nenhuma delas corresponde às decretadas em 1700 por Pedro II de Portugal, de 36 mil hectares cada, senão por aproximação em alguns casos.

Ameaças de Trump: "Coisa de mafiosos"- Editorial Estadão

 Editorial Estadão, 10/07/2025


Coisa de mafiosos

Que o Brasil não se vergue diante dos arreganhos de Trump. E que aqueles que são verdadeiramente brasileiros não se permitam ser sabujos de um presidente americano que envergonha a democracia

O presidente americano, Donald Trump, enviou carta ao presidente Lula da Silva para informar que pretende impor tarifa de 50% para todos os produtos brasileiros exportados para os EUA. Da confusão de exclamações, frases desconexas e argumentos esquizofrênicos na mensagem, depreende-se que Trump decidiu castigar o Brasil em razão dos processos movidos contra o ex-presidente Jair Bolsonaro pela tentativa de golpe de Estado e também por causa de ações do Supremo Tribunal Federal (STF) contra empresas americanas que administram redes sociais tidas pelo STF como abrigos de golpistas. Trump, ademais, alega que o Brasil tem superávit comercial com os EUA e, portanto, prejudica os interesses americanos.

Não há outra conclusão a se tirar dessa mixórdia: trata-se de coisa de mafiosos. Trump usa a ameaça de impor tarifas comerciais ao Brasil para obrigar o País a se render a suas absurdas exigências.

Antes de mais nada, os EUA têm um robusto superávit comercial com o Brasil. Ou seja, Trump mentiu descaradamente na carta para justificar a medida drástica. Ademais, Trump pretende interferir diretamente nas decisões do Judiciário brasileiro, sobre o qual o governo federal, destinatário das ameaças, não tem nenhum poder. Talvez o presidente dos EUA, que está sendo bem-sucedido no desmonte dos freios e contrapesos da república americana, imagine que no Brasil o presidente também possa fazer o que bem entende em relação a processos judiciais.

Ao exigir que o governo brasileiro atue para interromper as ações contra Jair Bolsonaro, usando para isso a ameaça de retaliações comerciais gravíssimas, Trump imiscui-se de forma ultrajante em assuntos internos do Brasil. É verdade que Trump não tem o menor respeito pelas liturgias e rituais das relações entre Estados, mas mesmo para seus padrões a carta endereçada ao governo brasileiro passou de todos os limites.

A reação inicial de Lula foi correta. Em postagem nas redes sociais, o presidente lembrou que o Brasil é um país soberano, que os Poderes são independentes e que os processos contra os golpistas são de inteira responsabilidade do Judiciário. E, também corretamente, informou que qualquer elevação de tarifa por parte dos EUA será seguida de elevação de tarifa brasileira, conforme o princípio da reciprocidade.

Esse espantoso episódio serve para demonstrar, como se ainda houvesse alguma dúvida, o caráter absolutamente daninho do trumpismo e, por tabela, do bolsonarismo. Para esses movimentos, os interesses dos EUA e do Brasil são confundidos com os interesses particulares de Trump e de Bolsonaro. Não se trata de “América em primeiro lugar” nem de “Brasil acima de tudo”, e sim dos caprichos e das ambições pessoais desses irresponsáveis.

Diante disso, é absolutamente deplorável que ainda haja no Brasil quem defenda Trump, como recentemente fez o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, que vestiu o boné do movimento de Trump, o Maga (Make America Great Again), e cumprimentou o presidente americano depois que este fez suas primeiras ameaças ao Brasil por causa do julgamento de Bolsonaro.

Vestir o boné de Trump, hoje, significa alinhar-se a um troglodita que pode causar imensos danos à economia brasileira. Caso Trump leve adiante sua ameaça, Tarcísio e outros políticos embevecidos com o presidente americano terão dificuldade para se explicar com os setores produtivos afetados.

Eis aí o mal que faz ao Brasil um irresponsável como Bolsonaro, com a ajuda de todos os que lhe dão sustentação política com vista a herdar seu patrimônio eleitoral. Pode até ser que Trump não leve adiante suas ameaças, como tem feito com outros países, e que tudo não passe de encenação, como lhe é característico, mas o caso serve para confirmar a natureza destrutiva desses dejetos da democracia.

Que o Brasil não se vergue diante dos arreganhos de Trump, de Bolsonaro e de seus associados liberticidas. E que aqueles que são verdadeiramente brasileiros, seja qual for o partido em que militam, não se permitam ser sabujos de um presidente americano que envergonha os ideais da democracia.

https://www.estadao.com.br/opiniao/coisa-de-mafiosos/

Livro: A Diplomacia dos bancos centrais: renovação versus anacronismo no Banco de Compensações Internacionais (BIS) - Davi Augusto Oliveira Pinto


A Biblioteca Digital da Funag "esconde" algumas preciosidades para o pesquisador de história diplomática, como pode ser este livro, de alguns anos atrás, que só agora vim a descobrir e que é de meu direto interesse nos trabalhos de história econômica.

A Diplomacia dos bancos centrais: renovação versus anacronismo no Banco de Compensações Internacionais (BIS)

Descrição:
Instituição financeira internacional mais antiga do mundo, o Banco de Compensações Internacionais (BIS) permanece relativamente desconhecido. Quem controla o chamado “banco central dos bancos centrais”? O que leva os principais banqueiros centrais do mundo a participarem regularmente de reuniões reservadas em uma bucólica cidade suíça? Para que servem os Acordos de Basileia? Por que a célebre conferência de Bretton Woods determinou a extinção do BIS? Houve colaboração entre a entidade e o regime nazista? Como a criação do Banco Central Europeu contribuiu para o ingresso do Brasil no BIS? Essas e outras questões são desvendadas neste livro, que, com base em inédita pesquisa nos arquivos do BIS, relata os esforços do organismo para permanecer relevante face a constantes mudanças ao longo das últimas nove décadas. O trabalho avalia a crescente participação do Banco Central do Brasil na instituição – um brasileiro ocupa desde 2015 o segundo cargo mais elevado na hierarquia burocrática do BIS – e examina implicações para a atuação do Itamaraty no contexto mais amplo da política externa Brasileira. 

Detalhes
Autor(a)Davi Augusto Oliveira Pinto
EditoraFUNAG - Fundação Alexandre de Gusmão
AssuntoAcordos de Basileia | Banco Central do Brasil (BCB) | Banco de Compensações Internacionais (BIS) | Brasil - História diplomática | Diplomacia financeira - cooperação entre bancos centrais | Itamaraty - política externa brasileira
Ano2021

Edição1ª edição

Nº páginas440

IdiomaPortuguês
ISBN978-65-8708-324-7

Mais uma dessas previsões aleatorias (perdão por especular) - Paulo Roberto de Almeida

Mais uma dessas previsões aleatorias (perdão por especular):

Dois poderosos dirigentes atuais, Trump e Putin, estão, de modo sistemático, meticulosamente, um deliberadamente, o outro de forma inconsciente ou involuntariamente, destruindo seus respectivos países, para dentro e para fora. 

Os EUA vão se recuperar, após a passagem do seu furacão eleitoral, pela democracia e pelas liberdades consagradas em sua formação cultural. 

A Rússia vai entrar num período de lutas internas, como a República da China já conheceu na primeira metade do século XX. Não sabemos ainda o que restará dela, pois os valores são outros, pouco propensos à democracia ou às liberdades. 

Enquanto isso, o Brasil segue o seu curso hesitante e impreciso, por falta de clareza de seus dirigentes.

Desculpem o atrevimento.

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 10/07/2025


A destruição de Bolsonaro pelo seu amigo Trump - Paulo Roberto de Almeida

A destruição de Bolsonaro pelo seu amigo Trump

O que o negacionismo vacinal não conseguiu fazer durante a pandemia, nem os vários atentados à democracia brasileira, tampouco a tentativa golpista demostrou possuir poderes efetivos, a tarificação precoce de Trump no comércio bilateral EUA-Brasil vai finalmente produzir um resultado fatal: afundar de vez o conceito do ex-presidente na aceitação nacional. Um bumerangue fatídico.

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 10/07/2025


quarta-feira, 9 de julho de 2025

O ataque de Trump à grandeza americana - Martin Wolf Financial Times

PRA: Apenas uma observação pessoal a este artigo de Martin Wolf: a China NÃO É COMUNISTA, sequer totalitária. Ela é uma autocracia conduzida por um partido leninista que constroi um capitalismo fortemente estatizado e estritamente controlado pelos milhares, milhões de mandarins, que são os funcionários do PCC, em nada marxistas, apenas tecnocratas disciplinados e obedientes ao Partido, para gozarem de melhores vantagens do capitalismo autoritário tipicamente chinês.
O ataque de Trump à grandeza americana
Martin Wolf
Em seis meses, o presidente dos EUA fez grandes avanços na implementação de uma agenda contra tudo o que tornou o país bem-sucedido
Financial Times, 9/07/2025
        Às vezes é preciso olhar para o quadro geral. Em 4 de julho de 2026, os EUA celebrarão seu 250º ano de independência. A própria declaração de independência afirmava que: "Consideramos estas verdades como evidentes por si mesmas, que todos os homens são criados iguais, que são dotados pelo seu Criador de certos direitos inalienáveis, que entre estes estão a vida, a liberdade e a busca da felicidade." Essas ideias foram realizadas de forma imperfeita. Uma guerra civil e o movimento pelos direitos civis ainda estavam por vir. No entanto, o nascimento dos Estados Unidos da América seria um momento extremamente significativo.
        Os EUA tinham o potencial de se tornar a primeira república verdadeiramente poderosa desde a romana, que pereceu na batalha de Ácio em 31 a.C. Sem o poder dos EUA, uma ditadura alemã ou russa certamente teria conquistado a Europa. Sem o exemplo dos EUA, o capitalismo democrático não teria se espalhado pelo mundo. Este seria um mundo muito mais pobre, assolado por todos os males do despotismo.
        Como argumentei em uma coluna de 2016, a chegada de Donald Trump ao cenário político coloca tudo isso em risco. O perigo está muito mais próximo hoje. Ele sobreviveu à tentativa de derrubar o resultado da eleição presidencial de 2020, para retornar triunfante em 2024. Trump está sem amarras. A energia desta administração está transformando o mundo.
        Comecemos pela frente doméstica.
    Estamos assistindo a um ataque ao estado de direito. Abbe Lowell, antigo defensor de Jared Kushner e Hunter Biden, adverte que Donald Trump está levando a democracia dos EUA ao ponto de ruptura. As ações incluem ordens executivas contra escritórios de advocacia e a nomeação de aliados não qualificados para posições-chave. O mais sinistro de tudo, como observa Edward Luce, é a expansão do poder e dos recursos do Serviço de Imigração e Alfândega (ICE, na sigla em inglês), que opera muito como uma polícia secreta.
Intimamente relacionado tem sido o ataque ao governo. O chamado Departamento de Eficiência Governamental de Elon Musk foi uma fraude. O objetivo não era a eficiência, mas a subserviência. Era destruir a independência dos servidores públicos.         No processo, muitas atividades valiosas também foram destruídas, notadamente os programas de saúde da Usaid. Os custos serão enormes.
        Outro aspecto é o extenso uso de poderes de emergência e decretos por Trump. Ele emitiu 168 destes últimos apenas nos primeiros meses deste mandato, elevando seu total a um número muito acima de seus predecessores recentes. Trump governa por decreto. Esse é um dos sinais de uma ditadura.
Uma preocupação adicional é a legitimação da corrupção. Isso é revelado em seu próprio comportamento e no de sua família. Também é demonstrado na pausa na aplicação da Lei de Práticas de Corrupção no Exterior (FCPA, na sigla em inglês), que já foi um exemplo de bom comportamento.
        Ainda mais fundamental é a guerra contra a ciência, uma fonte potente do excepcionalismo americano. Larry Diamond, de Stanford, um especialista líder em democracia, escreve: "O escopo e a profundidade da devastação que Trump está causando na liderança americana em ciência e tecnologia são tão massivos e abrangentes que é difícil entender sem recorrer a uma teoria absurda, como a de que Trump é um agente não da Rússia imperial, mas da China comunista".
        Por último, mas não menos importante, está a política fiscal recém-promulgada na "big, beautiful bill" (grande e belo projeto de lei). Isso garante enormes déficits fiscais por tempo indeterminado. Isso, por sua vez, também assegura enormes déficits em conta corrente para sempre, já que é assim que a economia dos EUA equilibra oferta e demanda.
        Agora, vejamos o impacto nas relações internacionais dos EUA e nos bens públicos globais.
        Acima de tudo, a guerra comercial não acabou. A pausa de 90 dias nas tarifas do "dia da libertação" está prestes a terminar. Acordos não foram alcançados com mais do que um punhado de parceiros. Esta guerra economicamente destrutiva contra os credores dos EUA e, sobretudo, a incerteza que ela cria, continuará. A guerra comercial representa um ataque às instituições criadas pelos EUA após a Segunda Guerra Mundial. Também está danificando as alianças dos EUA. De modo mais amplo, todos os compromissos dos EUA estão em dúvida: a humilhação grotesca de Volodymyr Zelensky na Casa Branca mostrou isso.
        O regime comercial era um bem público global. Outro tem sido o regime monetário baseado no dólar. Novamente, as políticas de Trump lançam dúvidas sobre a estabilidade da moeda e a credibilidade de seu emissor. Por último, mas não menos importante, embora totalmente alinhado com o ataque do movimento à ciência, está o virulento "negacionismo" climático: se é inconveniente, não pode ser verdade, é o lema. O paralelo histórico óbvio é com o lysenkoísmo, a ruinosa campanha stalinista contra a biologia evolutiva.
        Quase tudo o que Trump está fazendo enfraquecerá os EUA em sua rivalidade com a China. Esta rivalidade pode e deve ser gerenciada no interesse de todos. Mas eu, pessoalmente, quero desesperadamente que os valores fundamentais de liberdade de opinião, política democrática, estado de direito e abertura para o mundo como um todo sobrevivam. Trump não está apenas atacando esses valores em casa, ele os está enfraquecendo no exterior, notadamente destruindo a credibilidade dos EUA como aliado. Como se pode razoavelmente esperar que um EUA volúvel e fiscalmente pródigo, que está destruindo instituições e valores fundamentais, se iguale a um gigante com mais de quatro vezes sua população? Isso é certamente uma fantasia.
Em pouco menos de seis meses, apenas um oitavo de seu mandato, Trump fez grandes avanços em sua guerra contra tudo o que tornou os EUA bem-sucedidos.             Apenas a base Maga, Vladimir Putin e Xi Jinping deveriam se sentir felizes. A parte mais coerente do programa é a tentativa de transformar os EUA em uma autocracia.         Grande parte do resto é incoerente. Mas, dado o evidente sucesso, em seus próprios termos, de apenas seus primeiros seis meses, seria uma pessoa imprudente quem assumisse que esta contrarrevolução contra tudo o que os EUA representam, em casa e no exterior, fracassará. Pode-se ter esperança. Mas Trump está se saindo assustadoramente bem.

O tamanho da conta - Marcelo Guterman

 O tamanho da conta

MARCELO GUTERMAN
JUL 9, 2025

(Artigo da jornalista Vera Rosa, "A tradução do nós contra eles", Estadão 9/07)


A jornalista Vera Rosa explica a estratégia do governo na discussão sobre o sistema tributário. Cabe lembrar que tudo isso é marketing, pois o IOF está longe de ser um imposto que afeta somente o “andar de cima”. Mas sigamos.

Que o nosso sistema tributário é concentrador de renda não há dúvida razoável. Pessoas físicas com rendas mais altas se escondem atrás de pessoas jurídicas para pagarem menos imposto de renda. Desde o funcionário que constitui uma MEI, passando pelo profissional liberal até grandes empresários com esquemas sofisticados de blindagem patrimonial, todos usam alguma forma permitida em lei para fugir das garras do leão. Mas eleger o sistema tributário como o bode expiatório dos nossos problemas é jogar areia nos olhos da opinião pública, para que se distraia do principal fator de concentração de renda no Brasil: o desequilíbrio das contas públicas. Vou explicar no final.

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Focar na injustiça tributária é só uma forma de tornar moralmente desejável o aumento da carga tributária. Já pagamos 34% do PIB em impostos, mas o desejo da sociedade brasileira por mais benefícios, alimentado por políticos populistas, e a insaciável máquina do Estado brasileiro, acham 34% pouco, e querem mais. Assim, “taxar os ricos” torna socialmente aceitável o aumento da carga tributária.

Temos dois problemas com esse raciocínio. O primeiro é que, se 34% não são suficientes, quem disse que, por exemplo, 40% serão? Sabemos como a coisa funciona: toda receita adicional será engolida pela insaciável máquina de privilégios encastelada no Estado brasileiro. Além disso, e esse é o segundo problema, políticas públicas concentradoras de renda continuarão intactas. (Prometo um outro post listando políticas públicas, incluindo aquelas caras à esquerda, que concentram renda). Assim, o efeito de aumentar a carga tributária é aumentar a concentração de renda, não reduzi-la.

Toda essa discussão isenta o governo de atacar o problema do equilíbrio das contas públicas pelo lado das despesas, assumindo como premissa razoável de que 34% do PIB de carga tributária já é mais do que razoável em um país de renda mediana como o Brasil. E, ao abandonar essa questão, o governo está alimentando o principal fator de concentração de renda do País: o pagamento de juros.

A leniência no trato da dívida pública faz com que os juros a serem pagos aos seus financiadores precisem ser mais altos. Além disso, pressionam o Banco Central a manter juros elevados para conter a inflação. O resultado é que hoje o Estado brasileiro transfere entre 7% e 8% do PIB em juros para os detentores de poupança. Os demonizados “rentistas” só estão se aproveitando de um estado de coisas criado pelo próprio governo, ao não endereçar o problema do equilíbrio das contas públicas.

Discutir quem vai pagar a conta tem certamente o seu mérito, desde que não abandonemos o principal, que é a discussão sobre o tamanho da conta.

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O gasto com pessoal do poder público é a maior usina geradora infinita de déficit - Ricardo Bergamini

 O gasto com pessoal do poder público é a maior usina geradora infinita de déficit

Ricardo Bergamini

Prezados Senhores

No serviço público existe o crescimento vegetativo dos gastos com pessoal, assim sendo mesmo sem qualquer interferência do governante de plantão, os gastos com pessoal crescem com benefícios imorais existentes (promoções automáticas, quinquênios, licença prêmio, dentre centenas de outras aberrações ainda existentes no Brasil). Além do efeito cascata, qual seja: os aumentos no nível federal são automaticamente concedidos nos níveis estaduais e municipais.

Em 2024, comparativamente ao ano de 2002 houve aumento dos gastos com servidores de 6,99% em relação à carga tributária e 7,86% em relação ao PIB.

Em 2002 os gastos com pessoal consolidado (união, estados e municípios) foi de R$ 198,7 bilhões (13,35% do PIB), representando 41,64% da carga tributária. Em 2018 foi de R$ 1.129,0 bilhões (16,38% do PIB). Crescimento real em relação ao PIB de 22,70% representando 49,25% da carga tributária. Em 2022 migram para R$ 1.453,5 bilhões (14,66% do PIB), representado 43,46% da carga tributária. Em 2024 migram para R$ 1.691,5 bilhões (14,40% do PIB), representado 44,55% da carga tributária.

Um grupo de trabalhadores de primeira classe (servidores públicos) composto por 13,5 milhões de brasileiros (ativos, inativos, civis e militares) que representam apenas 6,65% da população brasileira, sendo 2,2 milhões federais, 4,9 milhões estaduais e 6,4 milhões de municipais custaram R$ 1.691,5 bilhões em 2024, correspondentes a 14,40% do PIB. Esse percentual representou 44,55% da carga tributária.

Na história do Brasil a nação sempre foi refém dos seus servidores públicos (trabalhadores de primeira classe), com os seus direitos adquiridos intocáveis, estabilidade de emprego, longas greves remuneradas, acionamento judicial sem perda de emprego, regime próprio de aposentadoria (não usam o INSS), planos de saúde (não usam o SUS), dentre muitos outros privilégios impensáveis para os trabalhadores de segunda classe (empresas privadas). Com certeza nenhum desses trabalhadores de primeira classe concedem aos seus empregados os mesmos direitos imorais.

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Câmara aprova texto-base de projeto que cria 160 cargos comissionados no STF

Durante a análise do texto, deputados protestaram contra a medida em meio a um debate sobre a necessidade de corte de despesas orçamentárias.

Por Luiz Felipe Barbiéri, Paloma Rodrigues, g1 e TV Globo — Brasília

09/07/2025

A Câmara dos Deputados aprovou nesta terça-feira (8) o texto-base de um projeto de lei que cria 160 cargos comissionados para o Supremo Tribunal Federal (STF).

Os parlamentares agora analisam os chamados destaques, sugestões de alteração no texto. Finalizada esta etapa, a proposta segue para análise do Senado. Os destaques devem ser analisados nesta quarta (10).

Durante a análise do projeto, deputados protestaram contra a medida em meio a um debate sobre a necessidade de corte de despesas orçamentárias.

Matéria completa clique abaixo:

https://g1.globo.com/politica/noticia/2025/07/09/camara-aprova-texto-base-de-projeto-que-cria-160-cargos-comissionados-no-stf.ghtml

terça-feira, 8 de julho de 2025

O Brasil no Brics - Rubens Barbosa O Estado de S. Paulo

 Opinião:

O Brasil no Brics

O Brics é visto, em Brasília, como instrumento-chave para reequilibrar a ordem mundial, contrapondo o domínio do G-7
Rubens Barbosa
O Estado de S. Paulo, 08/07/202

        No contexto atual de incertezas e insegurança global, o governo brasileiro organizou ontem, no Rio de Janeiro, o encontro de cúpula do Brics, sem a presença dos líderes da Rússia, China, Egito, Turquia, Irã e México.
        O Brics, hoje, ampliado, é integrado pelos cinco países originais (Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul) e agora pelos novos membros, Irã, Arábia Saudita, Egito, Etiópia e Emirados Árabes. Foi igualmente criada uma categoria de Países Associados, tendo sido convidados Cuba, Bolívia, Turquia, Nigéria, Indonésia, Argélia, Bielorrússia, Malásia, Uzbequistão, Cazaquistão, Tailândia, Vietnã e Uganda. A expansão do Brics permitirá um maior conhecimento e novas oportunidades de ampliação do intercâmbio comercial entre os países-membros. Existem cerca de 200 mecanismos de interação entre os países-membros, com reuniões entre ministérios e instituições oficiais e privadas que vão nessa direção. No tocante ao funcionamento do bloco, o Brasil apoiou a expansão do grupo (2023-2024) e defende termos de referência para a entrada de novos membros para preservar a coerência e eficácia do bloco. Há cerca de 35 países que manifestaram interesse em se juntar ao Brics.
        Apesar de dois de seus membros estarem envolvidos em conflitos regionais, o Brics, pelo seu peso político, econômico e comercial, tem sido um polo de atração, o que indica uma tendência à sua consolidação como um ator relevante no cenário global. Heterogêneo e com interesses nem sempre coincidentes, o Brics se tornou uma fonte de propostas de regras para a nova ordem internacional, embora haja preocupação de parte de seus membros com o risco de que o grupo se torne excessivamente politizado ou antiocidental, o que comprometeria sua capacidade prática. Por isso, apresentar-se como uma força de construção e de estabilização será um grande desafio para o bloco, levando em conta as guerras em curso e as atitudes antiocidentais de alguns de seus membros.
        A reunião mostrou a grande diversidade entre os países-membros e a divergência de interesses político e econômico-comerciais, mas a moderação prevaleceu sobre a confrontação. Além da declaração de líderes, foram aprovadas declarações sobre finanças climáticas; sobre governança global da inteligência artificial e a parceria do Brics para a eliminação de doenças socialmente determinadas. O Brasil contribuiu para encontrar fórmulas de conciliação sobre os temas dominados por questões geopolíticas globais, em especial, as guerras no Oriente Médio e na Europa e o protecionismo, em função do tarifaço dos EUA. O grupo condenou os ataques militares ao Irã e ao programa nuclear iraniano, reiterando o apoio às iniciativas diplomáticas relativas aos desafios regionais e reiterou as posições nacionais sobre a guerra na Ucrânia, expressas na ONU. O comunicado final registra a grave preocupação com a ocupação de Gaza e expressa o direito dos palestinos de um Estado independente e, quanto à ampliação do Conselho de Segurança da ONU, que Brasil e Índia deveriam ter um papel mais ativo em temas globais e nas Nações Unidas, inclusive no Conselho de Segurança.
        No contexto das atuais prioridades na política externa, o governo brasileiro mantém seu compromisso com o Brics como um meio estratégico para reforçar sua política externa, aumentar sua autonomia e atuar como liderança entre os países em desenvolvimento (Sul Global). O Brics é visto, em Brasília, como instrumento-chave para reequilibrar a ordem mundial, contrapondo o domínio do G-7, o esvaziamento do G-20 e de instituições lideradas por EUA e Europa. A presidência brasileira defendeu a reforma da governança global e a ampliação da voz dos países em desenvolvimento. Reiterou a necessidade da reforma do Conselho de Segurança da ONU, o fortalecimento da Organização Mundial do Comércio (OMC) e enfatizou a necessidade de mudanças no Fundo Monetário Internacional e no Banco Mundial, com maior representatividade e poder de voto para os emergentes. Ressaltou o diálogo sobre o uso de moedas locais no comércio com o objetivo de reduzir os custos das operações financeiras e sobre a cooperação entre os países do Brics para melhor utilização do sistema financeiro vigente. Defendeu maior atuação do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), com financiamentos que beneficiem infraestrutura e transição energética no Sul Global.
        Ao lado do apoio à agenda do Brics, o Brasil incluiu, com êxito, nas discussões e no comunicado final, a ampliação da cooperação entre os países em desenvolvimento nas áreas de saúde, com o estabelecimento de parcerias e projetos com os países-membros para ampliar a cooperação no combate a doenças tropicais; clima, no tocante ao aprimoramento das estruturas de financiamento para enfrentar as mudanças climáticas levando em conta a agenda da COP-30; comércio, na defesa de princípios básicos do comércio internacional, como o da nação mais favorecida, visando ao incremento do comércio entre os dez membros do bloco e buscando revigorar a OMC e crítica à política protecionista dos EUA; taxação dos super-ricos; inteligência artificial, com vistas a aprofundar as discussões sobre a governança da IA, com o apoio da governança inclusiva e responsável da IA para o desenvolvimento.

Presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE) e membro da Academia Paulista de Letras.

https://www.estadao.com.br/opiniao/rubens-barbosa/o-brasil-no-brics/

A volta ao mundo em 80 livros: revisitando Jules Verne - Paulo Roberto de Almeida (série “Clássicos Revisitados”)

A volta ao mundo em 80 livros: revisitando Jules Verne

Proposta de um novo livro da série “Clássicos Revisitados”.
Cidades, regiões e países pelas quais passaram Phileas Fogg e Passepartout

1) Londres, Inglaterra, Reform Club, Museu Madame Tussaud, Bank of England: Planning de Voyage: De Londres à Suez par le Mont-Cenis et Brindisi, railways et paquebots ... 7 jours De Suez à Bombay, paquebot ... 13 jours De Bombay à Calcutta, railway ... 3 jours De Calcutta à Hong-Kong (Chine), paquebot ... 13 jours De Hong-Kong à Yokohama (Japon), paquebot ... 6 jours De Yokohama à San Francisco, paquebot ... 22 jours De San Francisco à New York, railroad ... 7 jours De New York à Londres, paquebot et railway ... 9 jours Total = 80 jours
2) Dover,
3) Calais,
4) Paris
5) Mont Cénis,
6) Turim,
7) Brindisi,
😎 Suez,
9) Aden,
10) Bombai, Great Peninsular Railway
11) Buhrampour, Assurghur, Rothal, Kholby (por trem)
12) Allahabd (via Terrestre, por elefante, 2.000 libras)
13) Florestas da Índia: Bundelkung, Vindhias, Kallenger, Pillaji, Salvamento
14) Benares, Chandernagor, ville française
15) Calcutta,
16) Singapura,
17) Hong Kong
18) Shanghai
19) Yokohama pela linha Pacific Mail Steam, com o valor General Grant
20) San Francisco: Central Pacific,
21) Sacramento;
22) Reno
23) Salt Lake City (mórmons); Ogden station;
24) Wyoming
25) Medicine-Bow: ponte destruído
26) Denver, Colorado
27) Fort Kearney, ataque dos Sioux
28) Travessia em trenó sobre a neve
29) Columbus, Omaha, estado do Nebraska;
30) Iowa,
31) Des Moines,
32) Iowa City
33) Illinois
34) Chicago, rail-road, Chicago Rock Island Road
35) Indiana
36) Ohio
37) Pennsylvania
38) New Jersey
39) New York; o barco para Liverpool tinha partido 45 minutos antes
40) Barco Henrietta, em direção de Bordeaux, desviado para Liverpool
41) Queenstown, Irlanda
42) Dublin
43) Liverpool; preso em nome da Rainha
44) Londres
45) Reform Club, um minute antes da hora final
80 – 45 = 35 livros faltantes.
AGORA: livros para falar de todos esses lugares, desde o momento em que Phileas Fogg passou (1872) e nas décadas seguintes, até chegar à atualidade...
O que era o Brasil nessa época (Censo desse ano...)
Reproduzir trechos de Jules Verne (o imperialismo europeu, a supremacia colonialista britânica), a ausência de passaportes de entrada, vistos consulares, Suez e Lesseps, Aída de Verdi, os vapores e cabos telegráficos, a dominância da libra britânica, os horários dos trens e o cronograma dos vapores, a ausência de vacinas.
O atraso da Índia (livro de Robert Barro e Xavier Sala-i-Martin, Economic Growth), a selvageria dos EUA matando bisões e índios, e a fleugma dos ingleses: Phileas Fogg em nenhum momento perde a calma ou a cabeça, e sim se mantém imperturbavelmente sereno e tranquilo.
Livros de turismo e de história econômica.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 4982, 8 julho 2025, 2 p.

Um jantar “inesquecível” na Casa Branca, e uma conversa inacreditável - Paulo Roberto de Almeida

Um jantar “inesquecível” na Casa Branca, e uma conversa inacreditável:

Trump e Netanyahu coincidiram ontem, mais uma vez, em que é preciso expulsar, vender, eliminar os 2 milhões de palestinos da Faixa de Gaza, se livrar deles, para enfim construir, no espaço livre desse incômodo humano, uma Big, Beautiful, bright Riviera, um resort de luxo à beira do Mediterrâneo, para os seu negócios imobiliários e acolher os BBBs, os bilionários brancos e belos naquelas paragens.

Gostaria de ouvir a opinião a respeito dos meus amigos e conhecidos judeus, sionistas ou não l, apenas seres pensantes, o que eles, em especial o Julio Benchimol Pinto, têm a dizer sobre esse Big, Belo Projeto de dois supremacistas arrogantes. 

Não adianta me chamar de antissemita, pois estou apenas refletindo o que ouvi ontem na inacreditável entrevista à imprensa antes do jantar (quando devem ter combinado, em segredo, coisas ainda piores contra os pobres palestinos).

Se concluído o projeto, ele não eliminará o terrorismo: ao contrário, produzirá centenas, talvez milhares, de novos terroristas pelos anos à frente, não só no Oriente Médio, mas em todas partes do mundo, com força no território americano, contra americanos.

“Meu ódio será tua herança”, mas não é um filme…

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 8/07/2025