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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

A diplomacia brasileira numa nova conjuntura politica - Paulo R Almeida

Meu mais recente artigo publicado, talvez o último deste ano de 2010.

A diplomacia brasileira numa nova conjuntura política
Paulo Roberto de Almeida
Boletim Mundorama, 29 Dec 2010

A crer nas declarações, após o 31 de outubro de 2010, do presidente Lula, responsável inquestionável pela vitória eleitoral da candidata oficial Dilma Rousseff, o novo governo será constituído e conduzido à imagem e semelhança da presidente eleita. Ele também negou que vá ter, pessoalmente, qualquer influência sobre as decisões de governo a partir de 2011. A despeito dessas declarações, é provável que o novo governo conserve, grosso modo, as grandes linhas seguidas durante os dois mandatos do presidente Lula, o que foi aliás confirmado pela candidata eleita, que pautou sua campanha como estando marcada pela continuidade das mudanças empreendidas desde 2003. A rigor, a afirmação vale tanto para a economia e para as políticas sociais, que respondem por grande parte do sucesso do mandato que se encerra, quanto para a política internacional do Brasil e suas relações diplomáticas, de modo geral, terreno no qual as avaliações são mais circunspectas.

Partindo, justamente, do pressuposto de que a base política do novo governo se manteve, e até se reforçou, como resultado das eleições de outubro de 2010, bem como da possibilidade de que o principal artífice pela vitória de Dilma nestas eleições pretenda, em função de projetos políticos futuros, manter-se ativo no “mercado de consultoria presidencial”, é possível, assim, vê-lo articulando contatos e iniciativas que compreendam a frente interna, mas que também alcancem, de algum modo, a esfera diplomática. Independentemente, porém, desse tipo de interface operacional, aparentemente inevitável nas circunstâncias que cercaram o mais recente escrutínio presidencial – a mais de um título inédito na história política nacional –, a força do cargo, quando assumido plenamente, e características pessoais ligadas a cada uma das personalidades citadas, fazem com que se venha a assistir, necessariamente, um cenário bastante diferente daquele registrado nos últimos oito anos.

Peculiaridades especiais na forma de conduzir os assuntos de Estado, seja na frente interna, seja no âmbito externo, assim como simbologias ligadas a histórias de vida diferentes, sustentam o diferencial que pronto se observará. Dificilmente se poderá reproduzir, por exemplo, o protagonismo de Lula nos foros internacionais e nas relações bilaterais (em especial na África), assim como não se deve assistir novamente às suas formas especiais de interlocução, mais baseadas no instinto e no gosto da improvisação, do que propriamente no seguimento dos cânones burocráticos tradicionalmente ligados à figura presidencial. Assim, mesmo deixando de lado escolhas funcionais quanto ao novo titular da chancelaria – se de carreira ou não, de um ou outro gênero, como especulado abundantemente na imprensa – o mais provável é que a nova presidente imprima suas preferências pessoais e suas prioridades políticas à diplomacia que lhe caberá comandar a partir de 1o. de janeiro de 2011. Nessa área, porém, o peso da continuidade costuma ser maior do que no campo das políticas internas, inclusive porque a agenda vem em grande parte “pronta” do exterior. Alguns temas encontram-se inclusive na ordem do dia, como é sempre o caso nesse tipo de atividade, a exemplo dos que serão examinados a seguir.

Das três grandes prioridades do governo Lula na frente diplomática, não se pode dizer que alguma tenha sido encaminhada a seu termo lógico ou a resultados exitosos do ponto de vista do Brasil: o ingresso do Brasil no Conselho de Segurança das Nações Unidas, por exemplo, encontra-se no terrenos das possibilidades difusas, e assim promete permanecer no futuro indefinido, ainda que ostatus do Brasil, como ator de relevo no cenário internacional, seja hoje amplamente reconhecido; as negociações comerciais multilaterais, por sua vez, devem se arrastar penosamente por pelo menos mais um ano inteiro, completando assim um ciclo frustrante de dez anos de tergiversações, mas sempre com o ativo envolvimento do Brasil em todas as fases e configurações negociadoras; a integração sul-americana, finalmente, caminha num ritmo ambíguo, com muitas iniciativas no plano político, mas resultados menos seguros nos terrenos econômico e comercial (que deveriam ser, aliás, a base da integração). Todos esses temas serão retomados pela nova administração, que talvez queira imprimir novas características às demandas e ofertas brasileiras nos diferentes capítulos e frentes de negociação. Vários dos itens na agenda, não dependem, a rigor, da postura brasileira, já que cada um deles, em seus contextos respectivos, carregam o peso de interesses muito diversificados por parte dos principais parceiros envolvidos.

No plano da governança global, os avanços continuam sendo muito lentos ou frustrantes: meio ambiente, coordenação econômica internacional, segurança e terrorismo, constituem, por sinal, temas que transcendem a tradicional postura Norte-Sul, que, segundo certas visões maniqueístas, dividiria o mundo em países desenvolvidos, de um lado, e em desenvolvimento, do outro. Não se pode dizer, assim, que a ênfase na diplomacia Sul-Sul que caracterizou o governo Lula tenha as respostas e o formato adequados ao encaminhamento de todos esses temas inscritos na ordem do dia das negociações internacionais, tanto porque alguns dos supostos aliados na causa do desenvolvimento podem perfeitamente exibir posturas protecionistas e subvencionistas que confrontam diretamente nossos interesses exportadores agrícolas, entre outros exemplos. Assim, algum pragmatismo na formação de coalizões negociadoras é sempre recomendável.

Em temas como o da integração regional, qualquer observador isento pode constatar a imensa distância que existe entre um modelo tradicional de liberalização comercial e de abertura econômica – que deveria situar-se, lógica e necessariamente, na base de qualquer processo “normal” de integração baseado em clássicas vantagens ricardianas – e um outro “modelo”, de caráter mercantilista, dirigista, estatizante e politizado, avesso ao capital estrangeiro e aos sistemas de mercados, como o que vem sendo impulsionado por alguns países na região. Assim, dificilmente se poderá dizer que o Mercosul sairá reforçado ou dotado de maior coerência intrínseca ao integrar novos membros que de fato perseguem um modelo situado nas antípodas do que se entende normalmente por integração econômica.

Em temas essencialmente políticos, talvez se tenha, igualmente, de proceder a uma revisão de conceitos, a partir de questionamentos que surgiram quanto à postura brasileira em matéria de direitos humanos, por exemplo. Observadores da área, em geral representantes de ONGs humanitárias, não deixaram de observar – e alguns interlocutores até a questionar concretamente votos brasileiros nos foros pertinentes – a mudança de postura do Brasil em diversas ocasiões que envolveram resoluções críticas em relação a países reconhecidamente violadores dos direitos humanos, a pretexto de “não politização” desses temas e de uma preferência pelo “diálogo direto”. Causou especial constrangimento, nessas áreas, visitas e palavras amigáveis dirigidas pelo presidente Lula a dirigentes desses países, que são os mais visados pela comunidade internacional envolvida na proteção dos direitos humanos e na defesa das liberdades democráticas de maneira geral.

Em qualquer hipótese, a presença do Brasil cresceu enormemente no cenário internacional nesses anos de intenso protagonismo político e de uma ativa diplomacia presidencial, a um ritmo que talvez seja difícil de manter para personalidades menos carismáticas ou menos suscetíveis de manter a credibilidade nacional em situações de ambiguidade em face dessas questões de direitos humanos ou de clara seletividade no tratamento do princípio de não-intervenção. Amizades ostensivas com personalidades autoritárias e relações políticas com países vistos com desconfiança pela comunidade internacional – geralmente pelas mesmas razões, acima apontadas, que preocupam entidades voltadas para os direitos humanos e as liberdades democráticas – podem até se inscrever na lógica política de partidos cujos instintos primários se situem nessa tradição filosófica antidemocrática, mas certamente não contribuem para elevar a reputação moral de um país ou de seus dirigentes.

Finalmente, a questão das parcerias seletivas certamente ganharia em ser vista menos do lado do antihegemonismo instintivo, com alguns laivos de anti-imperialismo démodé, e mais pelo lado pragmático dos benefícios que possa trazer uma cooperação bilateral fundada em critérios de excelência, independentemente de suas coordenadas geográficas. Para todos os efeitos práticos, fases de transição política são sempre carregadas de incerteza quanto ao itinerário futuro, mas nunca se pode excluir boas surpresas com base na renovação de quadros e de políticas.

Paulo Roberto de Almeida é Doutor em ciências sociais pela Universidade de Bruxelas (1984); diplomata de carreira do serviço exterior brasileiro desde 1977; professor de Economia Política Internacional no Programa de Pós-Graduação em Direito do Centro Universitário de Brasilia – Uniceub; autor de diversos livros de história diplomática e de relações internacionais (www.pralmeida.org).

RBPI 2/2010: quase saindo do forno

Ainda não disponível, mas já fechada e na gráfica. Em poucos dias estará disponível, como suas antecessoras.
Aguardem um pouco...
Paulo Roberto de Almeida

Evento – Lançamento da edição 2/2010 (Vol. 53 – No. 2) da RBPI – IBRI

O Instituto Brasileiro de Relações Internacionais - IBRI anuncia o lançamento do número 2 do Volume 53 (2/2010) da Revista Brasileira de Política Internacional – RBPI, cujo sumário se vê abaixo. Este número e também assinaturas da RBPI podem ser adquiridos diretamente na Loja do IBRI.

Esta edição traz as seguintes contribuições:

Artigos
Rupturas e continuidades no padrão organizacional e decisório do Ministério das Relações Exteriores, por Ariane Roder Figueira
Os Processos Constituintes de 1946 e 1988 e a definição do papel do Congresso Nacional na Política Brasileira, por Marcelo Costa Ferreira
Intenções versus desempenho: o Brasil na política externa portuguesa (1976-2007), por Carmen Sofia Fonseca
A lógica da construção de confiança: Relações Brasil-Suriname entre 1975 e 1985, por João Nackle Urt
Brasil e China: uma nova aliança não escrita?, por Henrique Altemani de Oliveira
Brazil: an emerging military power? The problem of the use of force in Brazilian international relations in the 21stcentury, por João Fábio Bertonha
Sources of Brazil´s Counter-Hegemony, por Marcos Aurelio Guedes de Oliveira
Rendering peacekeeping instrumental? The Brazilian approach to United Nations peacekeeping during the Lula da Silva years (2003-2010), por Fernando Cavalcante
Never Before Seen in Brazil: Luis Inácio Lula da Silva´s grand diplomacy, por Paulo Roberto de Almeida
Brazil and the nuclear issues in the years of the Luiz Inácio Lula da Silva government (2003-2010), por Carlo Patti
The Brazilian Business World: The difficult adaptation to Globalization, por Virgílio Caixeta Arraes

Obituário
John Russell-Wood: obituário de um membro do Conselho da RBPI, por Paulo Roberto de Almeida

RBPI: uma revista pioneira sempre renovada

Sou, modestamente, um dos responsáveis pelo "salvamento" da RBPI, que ameaçava extinguir-se ao cabo de uma gloriosa existência no Rio de Janeiro, de 1958 a 1992.
Em sua fase de Brasília, tenho atuado, um pouco erraticamente, confesso, como "editor-adjunto" da RBPI, um título mais honorífico do que prático, mas que me esforço em honrar, colaborando sempre que posso.
Os números da RBPI se encontram disponíveis (pelo menos a partir de 1997) na plataforma Scielo (e antes disso no própio site do IBRI, num formato um tanto lento para consulta), e é no Scielo que se pode ler todos os números recentes da RBPI, como este número especial sobre a diplomacia do governo Lula: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_issuetoc&pid=0034-732920100003&lng=pt&nrm=iso

Revista Brasileira de Política Internacional
versão impressa ISSN 0034-7329
vol.53 no.spe Brasília dez. 2010

Sumário
Editorial
· An assessment of the Lula era
Cervo, Amado Luiz; Lessa, Antônio Carlos

Artigos
· A ascensão do Brasil no cenário internacional: o Brasil e o mundo
Cervo, Amado Luiz
· Setor Externo Brasileiro no início do século XXI
Baumann, Renato
· O Brasil e o multilateralismo econômico, político e ambiental: o governo Lula (2003 - 2010)
Visentini, Paulo G. Fagundes; Silva, André Luiz Reis da
· Quando países emergentes reformam a governança global das mudanças climáticas
Barros-Platiau, Ana Flávia
· Questões de segurança no governo Lula: da perspectiva reativa para a afirmativa
Villa, Rafael Antonio Duarte; Viana, Manuela Trindade
· Parcerias estratégicas do Brasil: um balanço da era Lula (2003 - 2010)
Lessa, Antônio Carlos
· Um novo diálogo estratégico: as relações Brasil-Estados Unidos na Presidência Lula (2003-2010)
Pecequilo, Cristina Soreanu
· Política externa brasileira para a América do Sul durante o governo Lula: entre América do Sul e Mercosul
Saraiva, Miriam Gomes
· A nova África e o Brasil na era Lula: o renascimento da Política atlântica Brasileira
Saraiva, José Flávio Sombra
· Parceria global emergente: Brasil e China
Haibin, Niu
· Pensamento internacional na era Lula
Bernal-Meza, Raúl
· A Política Externa Brasileira no governo do Presidente Lula (2003-2010): uma visão geral
Amorim, Celso

Cotas no Itamaraty: uma questao polemica

Até o presente momento, o concurso do Itamaraty tinha dois tipos de candidatos: os afrodescendentes beneficiados com bolsas do programa de "ação afirmativa" do MRE (mais CNPq e Seppir), e todos os demais, os "sem bolsa", independente de serem brancos ou amarelos "pobres". Um afrodescendente de classe média, desde que selecionado, poderia ser contemplado com generosa bolsa para estudar e se preparar para o concurso, que continuava a ser feito inteiramente em bases igualitárias, descontando-se o "empurrão" financeiro.
A partir de 2011, pode ser que tenhamos dois tipos de diplomatas: os afrodescendentes, beneficiados com a política de cotas raciais introduzida por simples portaria pelo ministro "sainte" (apud Lula), e todos os demais, de fato a maioria, mas ainda assim disputando sem o "empurrão" quantitativo agora criado.
Ou seja, ademais dos 300 aprovados na primeira fase, o concurso contará com 10% de "cotistas", que precisarão, obviamente, ser identificados por um "tribunal racial" do Instituto Rio Branco, mas cabe ainda determinar se esses 30 cotistas serão retirados dos bolsistas afrodescendentes, ou dos candidatos em geral, caso no qual se teria de fazer um novo processo de seleção durante a primeira fase do concurso (ou se aceitar a autodeclaração e se estipular, por exemplo, um percentual qualquer de notas inferiores à média, como atualmente parece ser aplicado para o caso dos "deficientes").
Em qualquer hipótese, a medida introduz uma cunha "racialista" num concurso que permanecia, até aqui, razoavelmente meritocrático (claro, sem considerar as "desigualdades estruturais" e a tal de "dívida histórica", que os adeptos das políticas de Apartheid racial sempre invocam como argumentos para justificar o tratamento racista e divisivo que consiste em separar os supostos afrodescendentes de todos os demais brasileiros não pigmentados).
A questão toda, junto com a medida agora tomada, é altamente polêmica, sujeita a controvérsias passionais, como já observado na discussão sobre o estatuto da (des)igualdade racial, aprovado pelo Congresso de maneira amputada (em relação ao que pretendiam os adeptos das políticas racialistas) neste ano de 2010.
O Brasil, pela ação do governo, está criando uma nação dividida em "raças", a pretexto de reparar "injustiças históricas". Não creio, sinceramente, que isso seja positivo, para o Brasil, para o Itamaraty, para os diplomatas em geral.
Paulo Roberto de Almeida

Concurso para admissão de diplomatas terá cotas para negros
Agência Brasil, 28 de dezembro de 2010

Nova regra já passa a valer no concurso do primeiro semestre de 2011, quando serão abertas 30 novas vagas para negros que passarem para a segunda fase

BRASÍLIA - O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, assinou nesta terça-feira, 28, portaria que institui a reserva de vagas para candidatos negros no concurso de admissão à carreira de diplomata, realizado pelo Instituto Rio Branco. A portaria será publicada amanhã no Diário Oficial da União.

Segundo a nova regra, que valerá para o concurso do primeiro semestre do ano que vem, serão abertas 30 novas vagas para negros que passarem para a segunda fase. Atualmente, 300 candidatos são classificados para a segunda etapa de provas. Agora, 330 participarão dessa fase, sendo 30 deles negros.

Ao todo, o concurso é composto de quatro etapas. A primeira é de múltipla escolha. Na segunda etapa, é aplicada uma prova de português e, na terceira, questões dissertativas sobre vários assuntos. A última prova é de línguas.

A portaria assinada hoje dá continuidade ao Programa de Ação Afirmativa do Instituto Rio Branco, iniciado em 2002, que concede bolsas de estudo a candidatos afrodescendentes, com o objetivo de auxiliar na sua preparação para o exame de admissão ao instituto.

Até o momento, 198 candidatos negros foram beneficiados pelas bolsas de estudo, dentre os quais 16 foram aprovados no concurso de admissão à carreira de diplomata.

De acordo com o Itamaraty, no primeiro semestre, deverão ser chamados para o curso de formação de diplomatas 26 candidatos que passaram nas quatro fases do último concurso.

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Da arte de iludir os incautos: a divida publica

O governo tem usado, cada vez mais, de mecanismos pouco transparentes para (deixar de) informar sobre a progressão da dívida pública.
Esta, junto com a contratação irresponsável de milhares de funcionários públicos e a distorção representada pelos aumentos dos salários do setor público muito acima dos níveis praticados no setor privado, constitui a verdadeira herança maldita a ser deixada para o próximo governo.
Paulo Roberto de Almeida

Há informações que faltam na dívida pública federal
Editorial - O Estado de S.Paulo
28 de dezembro de 2010

A emissão líquida (emissão menos resgate) da dívida pública federal foi de R$ 4,68 bilhões em novembro, com R$ 6,26 bilhões de dívida interna e o equivalente a R$ 1,58 bilhão de dívida externa.

Essas operações contribuíram para um aumento de 1,41% da dívida interna, que foi a R$ 1,574 trilhão, e para uma redução de 0,85% da dívida pública externa, que, com a valorização do real, representa R$ 91, 43 bilhões.

Ao valor da emissão líquida deve se acrescentar R$ 16,74 bilhões, correspondentes à apropriação positiva de juros, o que mais uma vez mostra quanto seria necessário de superávit primário para reduzir o impacto dos juros sobre o crescimento da própria dívida.

Esse impacto pode ser medido levando-se em conta o custo médio da dívida acumulado em 12 meses, que foi de 11,45%, passando de 11,38% para 11,62%, no caso da dívida interna, enquanto caía de 8,12% para 7,76% no caso da dívida externa, que pouco representa, hoje, na dívida pública. Convém notar que o relatório da dívida pública não fornece dados sobre o custo da emissão do mês, o que impede de verificar se está havendo um aumento dos juros, o que parece que se constata no caso da dívida externa, e a remuneração dos papéis da dívida interna continua muito atraente, e isso em razão da importância dos títulos prefixados que representam 36,04% do estoque e se aproximam do máximo previsto no programa de endividamento (37%).

Os vencimentos da dívida para os próximos 12 meses passaram de 22,88%, em outubro, para 23,53 %, em novembro, por causa das dificuldades que o Brasil está encontrando para colocar no mercado títulos de longo prazo. O prazo médio dessa dívida caiu de 3,59/ano para 3,53/ano em novembro, e a vida média reduziu-se de 5,58 anos para 5,45 anos. Esses dados indicam que o governo vai enfrentar muitas dificuldades para colocar títulos de longo prazo, indispensáveis para financiar investimentos, tarefa que até o momento cabe unicamente ao BNDES, que, para isso, tem de recorrer aos títulos da dívida pública, cuja remuneração é maior do que os juros cobrados por ele.

O relatório mensal da dívida pública em nenhum momento se refere às operações compromissadas do Banco Central, que oferece, a cada semana, papéis da dívida com a promessa de recompra. Algumas dessas operações são de curtíssimo prazo - operações de open market -, mas se percebe que os vencimentos em sete meses vêm subindo, já estão em quase R$ 100 bilhões e não constam da dívida pública, uma anomalia.

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

A Unasul e a democracia: um caso exemplar...

A Unasul se reuniu em outubro último para debater um suposto "golpe de Estado" contra o governo equatoriano; na verdade, apenas um protesto de policiais contra a redução de seus vencimentos, que degenerou em bagunça e manifestações armadas.
A nova entidade da "integração sul-americana" elaborou, então, uma "Carta Democrática" que visa isolar e punir países e regimes golpistas, com sanções diretas, interrupção de relações, corte de fluxos comerciais e de de transportes, suspensão de participação nessas entidades multilaterais, etc., ou seja, no papel, uma resposta musculosa e exemplar.
Ela só esqueceu de uma coisa: de definir o que entende por democracia, vocês sabem, aquela coisa de eleições livres, de separação de poderes, de partidos independentes, de Congresso funcionando normalmente, total liberdade de organização, de expressão e de manifestação, etc., etc., etc.
Seria interessante saber o que vai fazer a Unasul em relação a este caso exemplar...
Paulo Roberto de Almeida

Mordaça na internet
Editorial - O Estado de S.Paulo
27 de dezembro de 2010

A Venezuela acaba de ingressar no que se poderia chamar G-X, o grupo de regimes autoritários ou ditaduras escancaradas que tentam censurar aquele que, por sua própria estrutura, é o mais arisco dos meios de comunicação - a internet. Nas pegadas da China, Irã e Cuba, a Assembleia Nacional venezuelana aprovou a extensão à mídia eletrônica da restritiva Lei de Responsabilidade Social em Rádio e Televisão, implantada por Hugo Chávez em 2004.

No ano seguinte, a oposição boicotou as eleições legislativas em protesto contra o rolo compressor do governo. Foi um grave equívoco. O Parlamento que se formou em seguida - e cujo mandato se encerra em 4 de janeiro próximo - é um apêndice do chavismo, com um ou outro dissidente. Essa Assembleia de cartolina foi há pouco acionada pelo caudilho para desidratar a que a sucederá. Na nova legislatura, o bloco oposicionista ocupará 65 das 165 cadeiras, o suficiente para privar o autocrata da maioria qualificada de 2/3 que lhe tem permitido dar um verniz de legitimidade às suas políticas ditatoriais.

Para neutralizar os efeitos da rejeição popular expressa nas urnas de setembro último - e que, sob um sistema eleitoral não manipulado, teria se traduzido numa bancada oposicionista bem maior -, Chávez preparou um pacote de medidas encabeçado pela outorga do poder de legislar por decreto, à revelia do Parlamento, em relação a 9 áreas genericamente definidas, como defesa, telecomunicações, economia, tributação e cooperação internacional. O período excepcional - o quarto em 11 anos de chavismo - deveria durar 12 meses. De cócoras, a Assembleia o ampliou para 18 meses, às vésperas, portanto, do início da campanha para o pleito presidencial de dezembro de 2012.

Nada menos surpreendente, portanto, que ao golpe legislativo se seguisse o amordaçamento da internet. A nova lei liberticida obriga os provedores de acesso à rede a bloquear "sem demora" mensagens que possam, por exemplo, "fazer apologia do delito", "fomentar a inquietação entre os cidadãos" e "desconhecer as autoridades legitimamente constituídas". Para se ter ideia do alcance da intimidação, até os anunciantes em sites e portais passarão a ser responsáveis pelos conteúdos que infringirem as regras destinadas, no cínico linguajar dos escribas chavistas, a "fomentar o equilíbrio democrático entre os deveres, direitos e interesses" de provedores, autores e usuários da rede.

As penas para quem não se prestar ao trabalho sujo determinado na lei vão desde multas (de até 10% do faturamento bruto no ano anterior) à cassação do meio, passando pela suspensão do serviço por 72 horas. Contra mais esse golpe da "Revolução Bolivariana" para apressar o advento do "socialismo do século 21", no léxico da ditadura em avançado estágio de construção na Venezuela, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA emitiu um comunicado que considera a iniciativa um atentado "sem precedentes" à liberdade de expressão na internet.

A proposta aprovada, diz a nota, "penaliza os intermediários por manifestações de terceiros, por meio de normas ambíguas, sob pressupostos que a lei não define e sem que existam garantias do devido processo". É rigorosamente isso que fazem os regimes despóticos de todas as latitudes. O que eles não podem fazer é controlar a internet com a mesma brutal simplicidade com que apreendem um jornal ou revista ou encarceram jornalistas. Não que não seja possível cercear o tráfego na rede. Mas isso requer um aparato repressivo operando em tempo integral e com razoável grau de sofisticação tecnológica.

Na Venezuela, é certo que a vigilância sobre os conteúdos considerados hostis ao chavismo - capazes de "fomentar a inquietação entre os cidadãos" - será exercida sob a tutela dos agentes cedidos pelo ditador cubano Raúl Castro ao seu fraternal seguidor de Caracas. Esse é um aspecto do drama do vizinho país que não pode ser ignorado: quanto maior o garroteamento da sociedade e da economia nacional, inspirado por Havana, maior a presença castrista no Estado venezuelano.

Haiti: culpados supostos e verdadeiros...

Minha opinião sobre o "affair Seitenfus"
Paulo Roberto de Almeida 


Creio que se podem tirar lições das três matérias, abaixo, na sequencia, sobre o que se poderia chamar de "caso Seitenfus", o representante da OEA no Haiti, de nacionalidade brasileira, destituído do cargo pelo SG-OEA Insulza por ter feito críticas diretas à comunidade internacional e às próprias organizações internacionais, a começar pela ONU -- cujo trabalho no Haiti ele julga equivocado --, o que aparentemente motivou sua demissão. Digo aparentemente porque não se sabem quais seriam os motivos exatos, além dessa entrevista, que possam explicar essa decisão. Suspeito que existam outras razões, além da entrevista, na qual ele diz exatamente o que pensa sobre a ineficácia da ajuda ao Haiti e a terrível situação que ainda prevalece naquele pobre país caribenho, o exemplo mais conspícuo, na região, do que habitualmente se chama de "Estado falido".
Se a entrevista foi o que motivou a demissão, Seitenfus tem toda a minha solidariedade, pois não acredito que alguém possa ser demitido sumariamente apenas por uma entrevista, ainda que ela seja inconveniente do ponto de vista das posições oficiais (sempre hipócritas) da burocracia onusiana. Se foi por outro motivo, posso reconsiderar minha solidariedade, até informações suficientes ou explicações mais confiáveis.
Em todo caso, quero deixar de pronto estabelecido o que considero correto ou incorreto nessas matérias e entrevistas com Seitenfus.
Seitenfus critica países e organizações por não ajudarem suficientemente o Haiti, como se países e organizações devessem sempre servir de baby-sitters para governos ineptos, corruptos ou incapazes de resolver os grandes problemas nacionais. Concordo em que a assistência humanitária é incapaz de "produzir" desenvolvimento; ela apena remedia, não resolve, situações emergenciais, mas acaba drogando os recebedores na dependência da ajuda estrangeira, desestimula a produção doméstica, como Seitenfus aponta muito bem, mas não consegue interagir com governos que descambam frequentemente para a corrupção e o mal-governo.
Não creio que se deva recuar muito na história para contar a história de tragédias do povo haitinao, segundo ele "culpado", aos olhos das potências ocidentais, por rejeitar o colonialismo em 1804, e pagando portanto um alto preço por isso. Afinal de contas, mesmo com toda a dívida cobrada pela França -- por propriedades e expulsões decretadas naquela época -- o país dispos de pelo menos 150 anos de vida independente para tentar resolver seus problemas.
Os culpados pela situação atual do Haiti são, pela ordem: 
1) As elites haitianas, corruptas, ineptas, vendidas; continuam assim...;
2) o povo haitiano, mas deve-se considerar a ignorância geral do povo, como fator atenuante nessa tragédia ecológica que o próprio povo provocou (mas relembre-se que populações pastoris, ou agrícolas sedentárias, ao longo da história, sempre souberam administrar seus recursos escassos para não inviabilizar completamente seu modo de vida; que o povo haitiano não o tenho feito, pode ser um fator culpabilizante, também);
3) as organizações internacionais, como a ONU e a OEA, que insistem em "empurrar" ajuda em moldes tradicionais, criando a situação de dependência nefasta que se apontou;
4) as ONGs caritativas, que fazem uma indústria dessas atividades, agravando a dependência e tutelando clientelas, contornando os problemas reais que são os da construção do Estado e a emergência de lideranças representativas da população;
5) países potencialmente "acolhedores" de boat-people e refugiados econômicos, como seriam os EUA e a França, que assim transferem a ingênuos, como o Brasil, a tarefa de reter os haitianos em seu lugar, administrando um problema de "segurança", para o que é uma tarefa de governança fracassada.
Não creio que se deva atribuir agora responsabilidade às ex-potências coloniais, como a França, que se desligaram há muito tempo do Haiti, e que continuaram a colaborar com o país, com ditadura ou sem ditadura, e acolheram bastante dos seus filhos...
Resumindo: Seitenfus acerta em algumas coisas, erra em outras, e creio que sua crítica faz mais bem do que mal ao Haiti, mas obviamente organismos internacionais, como a ONU e a OEA, vivem em perpétua situação de hipocrisia e de erros burocráticos, que na verdade apenas perpetuam as próprias organizações e suas burocracias mastondônticas, cuja única razão de ser, justamente, é a de se perpetuar como burocracias dotadas de sua própria razão de existir, e seus milhares de funcionários inúteis (e bem pagos).
Ele erra ao pretender mais ajuda, mais engajamento da comunidade internacional, para finalmente se fazer "mais do mesmo", pois não é isso que vai "salvar" o Haiti. Confesso, porém, que não vejo solução para o Haiti, uma vez que o país não dispõe de elites comprometidas com os problemas do país e da população, apenas com seu próprio conforto e renda. O problema é que abandonar o Haiti tampouco é a solução, pois como no caso do Afeganistão, pode se tornar um porto seguro para bandidos de todas as espécies, no caso, traficantes de drogas e mercadores de armas e de todos os tipos de crimes.
A preocupação dos EUA e outros países é apenas com isso, não com o problema real do Haiti, embora existam, nos EUA e outros países, pessoas e ONGs sinceramente comprometidas em ajudar. O problema é que ninguém consegue ajudar um povo que não ajuda a si mesmo.
Quanto ao Brasil, não deveria ter ido, e só foi pela ânsia de prestígio internacional de seus dirigentes sedentes de reconhecimento exterior. O problema do Haiti ultrapassa a capacidade do Brasil resolver a situação e por mais que aumente a ajuda, pouco será feito, pois os recursos são dilapidados numa tarefa de Sísifo, sempre rolando a pedra montanha acima, para vê-la despencar ladeira abaixo pouco depois. 

Paulo Roberto de Almeida 


1) Entrevista original que motivou a demissão:
entretien 
Le Temps (Genève), lundi20 décembre 2010
«Haïti est la preuve de l’échec de l’aide internationale»
Par Arnaud Robert, de retour de Port-au-Prince
Diplômé de l’Institut de hautes études internationales de Genève, le Brésilien Ricardo Seitenfus a 62 ans. Depuis 2008, il représente l’Organisation des Etats américains en Haïti. Il dresse un véritable réquisitoire contre la présence internationale dans le pays
Le Temps: Dix mille Casques bleus en Haïti. A votre sens, une présence contre-productive…
Ricardo Seitenfus: Le système de prévention des litiges dans le cadre du système onusien n’est pas adapté au contexte haïtien. Haïti n’est pas une menace internationale. Nous ne sommes pas en situation de guerre civile. Haïti n’est ni l’Irak ni l’Afghanistan. Et pourtant le Conseil de sécurité, puisqu’il manque d’alternative, a imposé des Casques bleus depuis 2004, après le départ du président Aristide. Depuis 1990, nous en sommes ici à notre huitième mission onusienne. Haïti vit depuis 1986 et le départ de Jean-Claude Duvalier ce que j’appelle un conflit de basse intensité. Nous sommes confrontés à des luttes pour le pouvoir entre des acteurs politiques qui ne respectent pas le jeu démocratique. Mais il me semble qu’Haïti, sur la scène internationale, paie essentiellement sa grande proximité avec les Etats-Unis. Haïti a été l’objet d’une attention négative de la part du système international. Il s’agissait pour l’ONU de geler le pouvoir et de transformer les Haïtiens en prisonniers de leur propre île. L’angoisse des boat people explique pour beaucoup les décisions de l’international vis-à-vis d’Haïti. On veut à tout prix qu’ils restent chez eux.
– Qu’est-ce qui empêche la normalisation du cas haïtien?
– Pendant deux cents ans, la présence de troupes étrangères a alterné avec celle de dictateurs. C’est la force qui définit les relations internationales avec Haïti et jamais le dialogue. Le péché originel d’Haïti, sur la scène mondiale, c’est sa libération. Les Haïtiens commettent l’inacceptable en 1804: un crime de lèse-majesté pour un monde inquiet. L’Occident est alors un monde colonialiste, esclavagiste et raciste qui base sa richesse sur l’exploitation des terres conquises. Donc, le modèle révolutionnaire haïtien fait peur aux grandes puissances. Les Etats-Unis ne reconnaissent l’indépendance d’Haïti qu’en 1865. Et la France exige le paiement d’une rançon pour accepter cette libération. Dès le départ, l’indépendance est compromise et le développement du pays entravé. Le monde n’a jamais su comment traiter Haïti, alors il a fini par l’ignorer. Ont commencé deux cents ans de solitude sur la scène internationale. Aujourd’hui, l’ONU applique aveuglément le chapitre 7 de sa charte, elle déploie ses troupes pour imposer son opération de paix. On ne résout rien, on empire. On veut faire d’Haïti un pays capitaliste, une plate-forme d’exportation pour le marché américain, c’est absurde. Haïti doit revenir à ce qu’il est, c’est-à-dire un pays essentiellement agricole encore fondamentalement imprégné de droit coutumier. Le pays est sans cesse décrit sous l’angle de sa violence. Mais, sans Etat, le niveau de violence n’atteint pourtant qu’une fraction de celle des pays d’Amérique latine. Il existe des éléments dans cette société qui ont pu empêcher que la violence se répande sans mesure.
– N’est-ce pas une démission de voir en Haïti une nation inassimilable, dont le seul horizon est le retour à des valeurs traditionnelles?
– Il existe une partie d’Haïti qui est moderne, urbaine et tournée vers l’étranger. On estime à 4 millions le nombre de Haïtiens qui vivent en dehors de leurs frontières. C’est un pays ouvert au monde. Je ne rêve pas d’un retour au XVIe siècle, à une société agraire. Mais Haïti vit sous l’influence de l’international, des ONG, de la charité universelle. Plus de 90% du système éducatif et de la santé sont en mains privées. Le pays ne dispose pas de ressources publiques pour pouvoir faire fonctionner d’une manière minimale un système étatique. L’ONU échoue à tenir compte des traits culturels. Résumer Haïti à une opération de paix, c’est faire l’économie des véritables défis qui se présentent au pays. Le problème est socio-économique. Quand le taux de chômage atteint 80%, il est insupportable de déployer une mission de stabilisation. Il n’y a rien à stabiliser et tout à bâtir.
– Haïti est un des pays les plus aidés du monde et pourtant la situation n’a fait que se détériorer depuis vingt-cinq ans. Pourquoi?
– L’aide d’urgence est efficace. Mais lorsqu’elle devient structurelle, lorsqu’elle se substitue à l’Etat dans toutes ses missions, on aboutit à une déresponsabilisation collective. S’il existe une preuve de l’échec de l’aide internationale, c’est Haïti. Le pays en est devenu la Mecque. Le séisme du 12 janvier, puis l’épidémie de choléra ne font qu’accentuer ce phénomène. La communauté internationale a le sentiment de devoir refaire chaque jour ce qu’elle a terminé la veille. La fatigue d’Haïti commence à poindre. Cette petite nation doit surprendre la conscience universelle avec des catastrophes de plus en plus énormes. J’avais l’espoir que, dans la détresse du 12 janvier, le monde allait comprendre qu’il avait fait fausse route avec Haïti. Malheureusement, on a renforcé la même politique. Au lieu de faire un bilan, on a envoyé davantage de soldats. Il faut construire des routes, élever des barrages, participer à l’organisation de l’Etat, au système judiciaire. L’ONU dit qu’elle n’a pas de mandat pour cela. Son mandat en Haïti, c’est de maintenir la paix du cimetière.
– Quel rôle jouent les ONG dans cette faillite?
– A partir du séisme, Haïti est devenu un carrefour incontournable. Pour les ONG transnationales, Haïti s’est transformé en un lieu de passage forcé. Je dirais même pire que cela: de formation professionnelle. L’âge des coopérants qui sont arrivés après le séisme est très bas; ils débarquent en Haïti sans aucune expérience. Et Haïti, je peux vous le dire, ne convient pas aux amateurs. Après le 12 janvier, à cause du recrutement massif, la qualité professionnelle a beaucoup baissé. Il existe une relation maléfique ou perverse entre la force des ONG et la faiblesse de l’Etat haïtien. Certaines ONG n’existent qu’à cause du malheur haïtien.
– Quelles erreurs ont été commises après le séisme?
– Face à l’importation massive de biens de consommation pour nourrir les sans-abri, la situation de l’agriculture haïtienne s’est encore péjorée. Le pays offre un champ libre à toutes les expériences humanitaires. Il est inacceptable du point de vue moral de considérer Haïti comme un laboratoire. La reconstruction d’Haïti et la promesse que nous faisons miroiter de 11 milliards de dollars attisent les convoitises. Il semble qu’une foule de gens viennent en Haïti, non pas pour Haïti, mais pour faire des affaires. Pour moi qui suis Américain, c’est une honte, une offense à notre conscience. Un exemple: celui des médecins haïtiens que Cuba forme. Plus de 500 ont été instruits à La Havane. Près de la moitié d’entre eux, alors qu’ils devraient être en Haïti, travaillent aujourd’hui aux Etats-Unis, au Canada ou en France. La révolution cubaine est en train de financer la formation de ressources humaines pour ses voisins capitalistes…
– On décrit sans cesse Haïti comme la marge du monde, vous ressentez plutôt le pays comme un concentré de notre monde contemporain…
– C’est le concentré de nos drames et des échecs de la solidarité internationale. Nous ne sommes pas à la hauteur du défi. La presse mondiale vient en Haïti et décrit le chaos. La réaction de l’opinion publique ne se fait pas attendre. Pour elle, Haïti est un des pires pays du monde. Il faut aller vers la culture haïtienne, il faut aller vers le terroir. Je crois qu’il y a trop de médecins au chevet du malade et la majorité de ces médecins sont des économistes. Or, en Haïti, il faut des anthropologues, des sociologues, des historiens, des politologues et même des théologiens. Haïti est trop complexe pour des gens qui sont pressés; les coopérants sont pressés. Personne ne prend le temps ni n’a le goût de tenter de comprendre ce que je pourrais appeler l’âme haïtienne. Les Haïtiens l’ont bien saisi, qui nous considèrent, nous la communauté internationale, comme une vache à traire. Ils veulent tirer profit de cette présence et ils le font avec une maestria extraordinaire. Si les Haïtiens nous considèrent seulement par l’argent que nous apportons, c’est parce que nous nous sommes présentés comme cela.
– Au-delà du constat d’échec, quelles solutions proposez-vous?
– Dans deux mois, j’aurai terminé une mission de deux ans en Haïti. Pour rester ici, et ne pas être terrassé par ce que je vois, j’ai dû me créer un certain nombre de défenses psychologiques. Je voulais rester une voix indépendante malgré le poids de l’organisation que je représente. J’ai tenu parce que je voulais exprimer mes doutes profonds et dire au monde que cela suffit. Cela suffit de jouer avec Haïti. Le 12 janvier m’a appris qu’il existe un potentiel de solidarité extraordinaire dans le monde. Même s’il ne faut pas oublier que, dans les premiers jours, ce sont les Haïtiens tout seuls, les mains nues, qui ont tenté de sauver leurs proches. La compassion a été très importante dans l’urgence. Mais la charité ne peut pas être le moteur des relations internationales. Ce sont l’autonomie, la souveraineté, le commerce équitable, le respect d’autrui qui devraient l’être. Nous devons penser simultanément à offrir des opportunités d’exportation pour Haïti mais aussi protéger cette agriculture familiale qui est essentielle pour le pays. Haïti est le dernier paradis des Caraïbes encore inexploité pour le tourisme, avec 1700 kilomètres de côtes vierges; nous devons favoriser un tourisme culturel et éviter de paver la route à un nouvel eldorado du tourisme de masse. Les leçons que nous donnons sont inefficaces depuis trop longtemps. La reconstruction et l’accompagnement d’une société si riche sont une des dernières grandes aventures humaines. Il y a 200 ans, Haïti a illuminé l’histoire de l’humanité et celle des droits humains. Il faut maintenant laisser une chance aux Haïtiens de confirmer leur vision.

2) Anúncio da demissão: 
Le Temps (Genève), mercredi22 décembre 2010
Le représentant de l’OEA rappelé au Brésil
Arnaud Robert
Suite à un entretien paru dans «Le Temps» où il critiquait l’action de l’ONU et des ONG, Ricardo Seitenfus a été débarqué
La réaction a été immédiate. Suite à un entretien accordé au Temps (LT du 20.12.10), le représentant de l’Organisation des Etats américains (OEA) en Haïti a été débarqué de ses fonctions. Ricardo Seitenfus, docteur en relations internationales, paie sans doute son attaque violente contre les échecs de l’intervention onusienne et de l’aide non gouvernementale sur l’île caraïbe.
«On ne résout rien»
Mardi, déjà, plusieurs radios locales annonçaient le rappel du haut fonctionnaire brésilien. Les fuites sur cette révocation, deux mois seulement avant la fin d’un mandat de deux ans, proviendraient du palais présidentiel qui approuve largement la prise de parole de Ricardo Seitenfus. Joint par téléphone, l’intéressé confirme l’information mais se refuse à tout commentaire.
En substance, dans cette entrevue réalisée à Port-au-Prince et publiée hier également dans le journal haïtien Le Nouvelliste, Ricardo Seitenfus s’en prenait à l’opération de stabilisation menée par les Casques bleus («on ne résout rien, on empire»), à la politique étrangère américaine («Haïti paie essentiellement sa proximité avec les Etats-Unis») et les organisations non gouvernementales («il existe une relation perverse entre la force des ONG et la faiblesse de l’Etat haïtien»). Une parole libre, inacceptable pour sa hiérarchie dans le contexte d’une crise politique majeure.
L’OEA est en effet chargée de la supervision des élections haïtiennes, dont le premier tour effectué le 28 novembre s’est depuis longtemps transformé en imbroglio national et diplomatique – l’annonce définitive des résultats étant repoussée au mois de janvier. L’OEA précisait hier qu’elle allait procéder dès lundi prochain à un nouveau recomptage des votes.
Spécialiste d’Haïti, pays sur lequel il a publié plusieurs ouvrages d’analyse historique, Ricardo Seitenfus a été l’envoyé spécial dans le pays du président brésilien Lula avant d’être mandaté par l’OEA. Sa mission écourtée témoigne de l’impasse dans laquelle se trouvent les organisations internationales en Haïti. Près d’une année après le séisme qui a ravagé le sud de l’île, la reconstruction du pays semble sans cesse différée.

3) Entrevista no jornal O Globo

Brasileiro é destituído da OEA por críticas

'Houve um fracasso político no Haiti' / Entrevista
Cristina Azevedo
O Globo, 27/12/2010

Afastado da representação da OEA, brasileiro vê ameaça de retrocesso e questiona estabilização em meio à miséria extrema

Há dois anos como representante da OEA no Haiti, Ricardo Seitenfus se viu no meio de uma polêmica após criticar, em entrevista ao jornal suíço "Le Temps", o papel da comunidade internacional no Haiti. De férias a contragosto, o gaúcho afirma que voltará ao Haiti, embora admita que não deve mais reassumir seu posto. Em entrevista ao GLOBO, por telefone, ele diz que a ONU se equivoca ao ver o Haiti apenas como uma questão de segurança, afirma que o auxílio através das ONGs não ajuda a fortalecer o Estado e adianta que o segundo turno não será mais realizado em janeiro por falta de tempo hábil. "Se nem conseguimos organizar uma eleição e ter um governo legitimamente eleito, é um fracasso político", disse.

O senhor foi destituído do cargo de representante da OEA no Haiti?

RICARDO SEITENFUS: O que ocorreu é que eu devia ter entrado de férias no dia 17 e, em razão da crise pós-eleição, decidi permanecer no Haiti. Mas o secretário-geral (José Miguel Insulza) me pediu na segunda-feira que mantivesse as férias. Retorno ao Haiti no dia 26. A novidade é que provavelmente não reassumirei. Pelo que entendi, não serei mais o representante.

A entrevista ao "Le Temps" causou desconforto na OEA?

SEITENFUS: É possível. Provavelmente o secretário-geral considera que sejam incompatíveis as funções de representante com as posições críticas no balanço do mundo na cooperação com o Haiti.

Foi comentado que numa reunião da comunidade internacional chegou-se a levantar a hipótese de o presidente René Préval deixar o país e de se formar um novo governo interino...

SEITENFUS: Foram levantadas as duas hipóteses. A segunda ainda é discutida. A minha posição e da OEA enquanto eu estava à frente dela é que um governo interino seria um retrocesso. Em relação a Préval, no dia 28 de novembro houve uma discussão e um dos temas era o encurtamento do mandato dele. O premier perguntou se o mandato de Préval era algo que deveria ser negociado. Houve silêncio. E ele disse: "Não contem comigo para qualquer fórmula à margem da Constituição." Como ninguém respondeu, eu disse que considerava qualquer discussão sobre o mandato um golpe.

O senhor questiona a presença de tropas da ONU?

SEITENFUS: Eu questiono a inexistência de estruturas de prevenção e solução de litígios, sejam da OEA ou da ONU, que possam tratar de forma construtiva casos como o do Haiti. O Haiti não é uma ameaça à paz regional. Está frente ao que chamo de conflito de baixa intensidade, a luta pelo poder entre os atores políticos. E o Conselho de Segurança considerou essa luta ameaça à segurança internacional. Não se trata disso, mas de encontrar uma forma de fazer com que o país saia dessa situação de miséria generalizada.

Depois de seis anos no país, a comunidade internacional está fracassando?

SEITENFUS: Acho que sim, se nem conseguimos organizar uma eleição e ter um governo legitimamente eleito, é um fracasso político. Sem falar nos desafios sociais e econômicos. É difícil aceitar a ideia de uma missão de estabilização onde há mais de 80% de desemprego. É contraditório. Diria até imoral. Mas não tem a ver com a Minustah. A ONU não tem sido suficientemente dedicada ao caso haitiano, imaginando que seja uma questão de segurança.

Muito dinheiro prometido após o terremoto não chegou. Outra parte foi através de ONGs. Como ficou a questão?

SEITENFUS: Existem muitas miragens acenadas pela comunidade internacional para os haitianos e que desaparecem quando eles se aproximam delas. O trabalho das ONGs logo após o terremoto foi extraordinário, mas depois se estruturou como um subsídio ao fraco Estado. Não é possível reconstruir um país sem a presença do Estado.

Muitos não contribuem diretamente com o governo devido a acusações de corrupção...

SEITENFUS: Esse discurso justifica a não ajuda direta. Todos os projetos que vejo anunciados são através de ONGs. Elas fazem o que bem entendem. Dez mil atuam no país. A quase totalidade não passa pelo controle do governo. Nenhum país do mundo aceitaria essa situação. O governo diz que não vê esses recursos e, o pior, o povo não vê os resultados. A caridade internacional não pode ser o motor das relações internacionais.

domingo, 26 de dezembro de 2010

Ordem Livre: ultimos artigos publicados

Na sequencia do antepenultimo post (ou dois atrás), registro aqui, os artigos publicados no Ordem Livre mais recentemente.
Todos eles podem ser lidos no link a seguir: http://www.ordemlivre.org/textos/autor/203

Em dezembro de 2009, eu recebia, do OrdemLivre.org, um site promotor de ideias e de lutas em prol da liberdade, um convite para colaborar, durante o espaço de um ano, com textos quinzenais, de 600 a 800 palavras, visando promover pelo menos um dos seguintes princípios: (a) liberdade individual; (b) livre mercado; (c) governo limitado; (d) paz. As recomendações feitas eram a de atacar ou defender ideias, não pessoas ou grupos, e a de contestar argumentos, não meras intenções.
Sem qualquer ufanismo, pretendo apenas tecer considerações sobre o quê, da experiência brasileira, considero relevante para o mundo. Dito assim, parece que o Brasil tem enormes contribuições a dar – ou, quem sabe, até já deu – para o progresso da humanidade e o avanço geral da civilização.
Normalmente, pessoas e países procuram se guiar pelos bons exemplos, pelas experiências de sucesso, pelos modelos que produziram mais crescimento, maior bem-estar e trouxeram um incremento de "felicidade" às pessoas (seja lá como medir essa felicidade). Não existem, ou pelo menos não se proclamam, modelos de fracasso.
Confesso que sou suspeito para me pronunciar a respeito, simplesmente por ser diplomata, mas já escrevi um texto – na verdade um prefácio a um dos meus livros – dizendo “como e por que sou e não sou diplomata”, assim que peço a indulgência dos leitores para a exposição subjetiva que se segue. Estou também cingido pela lei do Serviço Exterior (ops, esqueci o número), que limita a capacidade de um servidor da ativa pronunciar-se publicamente sobre a diplomacia atual e corrente, sem autorização superior.
A resposta a uma pergunta desse tipo depende, obviamente, da concepção geral de sociedade da qual está impregnado o respondedor. Keynes dizia que sempre somos prisioneiros de algum economista morto, o que não parece ser o meu caso, já que não exerço a disciplina profissionalmente e posso, assim, ostentar uma aparente independência em relação a escolas e tendências econômicas. Não me classifico como liberal em economia, apenas como racionalista, seja lá o que isso queira dizer.
 

Farewell to BRIC, welcome the BRICS: uma mudança nao muito consensual, suspeito eu

Desconfio, mas apenas desconfio que esta adição de um "S" -- que na verdade deveria ter sido um "SA", mas talvez isso não ficaria bem, por mais de uma razão -- não tenha sido bem acolhida por todos os membros do BRIC, um deles pretendia manter separados os grupos, como forma de impulsionar iniciativas de diferente escopo em cada um deles, sendo um tipicamente "Sul-Sul" -- e de países em desenvolvimento, para tratar de questões de desenvolvimento "alternativo" -- e o outro, mais "estratégico", para tratar da "high politics", ou de questões relevantes no plano dos equilíbrios entre "grandes potências".
Minha desconfiança só vai ser confirmada, ou não, quando se abrirem os arquivos diplomáticos de correspondência entre os quatro BRIC atuais ou alguém fizer um depoimento sincero, o que corre o risco de não acontecer, pois ninguém gosta de exibir dissensos...
Paulo Roberto de Almeida

S. Africa invited to join BRIC group

Jon Herskovitz and David Dolan; Editing by Peter Graff
Reuters Africa, Friday December 24, 2010 2:45pm GMT
 

* BRIC grouping may become BRICS
* Zuma invited to attend BRIC summit
* South African growth lags behind BRIC members
(Recasts with confirmation from minister)

JOHANNESBURG, Dec 24 (Reuters) - South Africa, Africa's top economy, has been invited by China to join the four-member "BRIC" grouping of fast-growing emerging markets, a government minister said on Friday.
South Africa received the invitation to join the group -- which currently includes Brazil, Russia, India and China -- from China's foreign minister, said a statement from South Africa's minister of international relations and cooperation, Maite Nkoana-Mashabane.
China, South Africa's largest trading partner, has invited South African President Jacob Zuma to attend a summit of BRIC leaders that Beijing will host next year, Nkoana-Mashabe said.
"China believed that South Africa's accession would promote the development of BRICS and enhance cooperation among emerging market economies," she said.
South Africa is the world's 31st-largest economy, according to World Bank data for 2009 and is less than a quarter the size of the smallest BRIC economy, Russia.
The BRIC countries have sought greater clout for their grouping, holding a summit in Russia in 2009. "BRIC" is a term invented in 2001 by Jim O'Neill, the chairman of Goldman Sachs Asset Management.
South Africa applied to join BRIC at the G20 meeting of the world's leading economies in Seoul in November, Russian President Dmitry Medvedev said at the meeting.
Its economy is projected by its government to grow about 3.0 percent this year, hardly the blistering pace seen in other BRIC countries.
Some investors make asset allocations based on the BRIC classification and all of the countries that currently make up the grouping have seen their global financial clout increase substantially in recent years.


sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Ordem Livre: meu ultimo ensaio publicado (PRA)

Normalmente, eu diria o "mais recente", mas neste caso é mesmo o último, pelo menos desta série: "Volta ao Mundo em 25 Ensaios".
Encerro, assim, minha colaboração ao site Ordem Livre, compromisso que assumi um ano atrás, para publicações quinzenais durante um ano.
Uma espécie de balanço...

Itinerário percorrido e o que resta fazer

Paulo Roberto de Almeida 
 Ordem Livre, 20 de Dezembro de 2010

Em dezembro de 2009, eu recebia, do OrdemLivre.org, um site promotor de ideias e de lutas em prol da liberdade, um convite para colaborar, durante o espaço de um ano, com textos quinzenais, de 600 a 800 palavras, visando promover pelo menos um dos seguintes princípios: (a) liberdade individual; (b) livre mercado; (c) governo limitado; (d) paz. As recomendações feitas eram a de atacar ou defender ideias, não pessoas ou grupos, e a de contestar argumentos, não meras intenções.
Ao cabo de 24 ensaios, publicados desde o dia 18 de janeiro de 2010 – “Por que o mundo é como é (e como ele poderia ser melhor...)” – até o dia 6 de dezembro – “Nossa contribuição para o mundo: onde o Brasil pode ser melhor” – esforcei-me por atender à demanda formulada um ano antes. Com efeito, procurei oferecer aos leitores e visitantes do site um conjunto de textos sobre o Brasil, seu entorno regional e sobre o mundo, num esforço intelectual que, basicamente, se resumiu no seguinte: traduzir uma razoável experiência de vida, enquanto diplomata, viajante e professor (nessa ordem ou em qualquer outra), bem como os conhecimentos adquiridos ao longo de uma convivência regular, constante e até obsessiva com os livros ou qualquer outra forma de informação escrita, com destaque para ensaios analíticos ou interpretativos nos terrenos da história, da política, da economia, enfim, das humanidades em geral. Pela revisão retrospectiva desses ensaios – disponíveis aqui – os leitores podem verificar se eu cumpri, ou não, com os objetivos fixados, e se eu respeitei, ou não, os critérios estabelecidos para as minha colaborações regulares.
Em todo caso, procurei oferecer um amplo panorama dos problemas mais relevantes do mundo contemporâneo, passando pelas questões: dos direitos humanos; da guerra e da paz; do desenvolvimento (ou da falta de) em diversas regiões e países – inclusive e principalmente no próprio Brasil; das políticas econômicas nacionais e das políticas setoriais (comércio, indústria, orçamentos, competição, etc.); dos velhos problemas das desigualdades sociais e entre países; da dominação e da exploração; das grandes ideias e ideologias que movem os homens e as sociedades neste planeta; terminando com a posição do Brasil no mundo, nosso aprendizado, nossas lições e eventuais contribuições para o bem-estar da humanidade.
Caberia agora, neste ensaio final, fazer a síntese de todas essas questões e tentar oferecer alguns argumentos sobre o caminho que ainda resta a percorrer, para todos e por todos aqueles que, como eu, pretendem fazer deste mundo um lugar melhor do que aquele que encontramos, quando aqui chegamos. Se ouso oferecer um resumo de tudo o que aprendi em incontáveis viagens, leituras, estudos e observação atenta de tantos países e continentes que visitei, ao longo de um itinerário pessoal bastante rico em experiências e ensinamentos, seria mais ou menos o seguinte.
O mundo é, certamente ainda, formado por um conjunto muito desigual de povos e sociedades, organizados em estados e nações dotados de identidade própria – com várias minorias não autônomas, ou dominadas, situação da qual nascem conflitos e guerras – e caracterizados por estágios muito diversos de desenvolvimento político, econômico e social. Alguns desses povos e sociedades (infelizmente ainda em número relativamente reduzido) alcançaram um patamar razoável de satisfação de suas necessidades básicas, apresentam níveis também razoáveis de prosperidade social e econômica, bem como desfrutam de plenas condições para o exercício da liberdade individual e de oportunidades não cerceadas para sua expressão intelectual, espiritual, cultural ou religiosa. A maior parte da humanidade esforça-se para também atingir esses níveis de prosperidade humana, e pode-se dizer que esse objetivo vem sendo cumprido, lenta mas seguramente: existe hoje uma larga “classe média mundial” que desfruta de uma esperança satisfatória de vida, conseguiu debelar as epidemias que, no passado, devastavam boa parte da população, dispõe de boa segurança alimentar e individual (ou seja, estão ao abrigo de guerras e invasões) e vivem em estados medianamente democráticos ou abertos (isto é, dotados de governos representativos).
Mas ainda existem, na maior parte da África, e em largas partes da Ásia e da América Latina, populações imensas que não dispõem de condições mínimas para uma existência digna, que vivem em situação de miséria ou de insegurança alimentar, são desprovidas de infraestrutura e de serviços coletivos básicos (sobretudo saúde e educação) e que não desfrutam de liberdades individuais ou coletivas (ou seja, voto livre ou alternância democrática dos governos), quando não são afetados por guerras e conflitos étnicos, religiosos ou territoriais. Essa situação talvez atinja, ainda, um terço da humanidade, numa demografia também mutável, em função de epidemias, conflitos ou desastres naturais. Não é difícil encontrar exemplos de países que parecem concentrar todo o sofrimento da humanidade, mas dispenso-me aqui de citar seus nomes, por serem eles bem conhecidos.
Mais “curiosa”, no entanto, é a situação daqueles países que poderiam ser ricos, ou razoavelmente prósperos, com base em recursos naturais abundantes e em uma população até medianamente educada, mas que decaem para o autoritarismo político e o descalabro econômico, quando não para lutas internas e conflitos externos que infelicitam suas populações e criam tensões desnecessárias no plano mundial. Posso, sim, citar um desses exemplos – que é, obviamente, o da Coreia do Norte –, e também poderia citar outros, mesmo na região, porém dispenso-me de fazê-lo.
Pois bem, o que poderíamos dizer, ou fazer, em relação a esses casos de sofrimentos desnecessários e esses pontos de tensão, num mundo que avança de modo lento, mas aparentemente irreversível para níveis razoáveis de prosperidade social e econômica? (Não estou diminuindo aqui a importância dos problemas ambientais; mas não sou adepto do malthusianismo implícito a todas essas promessas de desastres anunciados, inclusive porque confio no poder da ciência e da tecnologia, e na modesta racionalidade das sociedades, para resolver os problemas mais dramáticos.) O ponto central das “infelicidades” humanas parece residir na falta de educação da maior parte dessas comunidades para enfrentar seus problemas econômicos, políticos e ambientais, com base nos instrumentos atualmente disponíveis em matéria de ciência e tecnologia (dominadas, não as que ainda virão no futuro da humanidade).
Em outros termos: não vejo limitação técnica, ou material, para que toda a humanidade possa desfrutar de níveis razoáveis de vida, uma vez que a quase totalidade do conhecimento acumulado desde tempos imemoriais por essa mesma humanidade está hoje totalmente disponível nas redes abertas de informação (sendo apenas uma pequena parte ainda objeto de tecnologia proprietária, que, aliás, torna-se pública após 20 anos de monopólio). Praticamente todas as grandes enfermidades humanas podem ser combatidas ou controladas com os medicamentos e prevenções conhecidos; todas as necessidades alimentares podem ser atendidas com base nos níveis atuais de produtividade, sendo as carências detectadas apenas o resultado de problemas de distribuição; os suprimentos energéticos podem ser garantidos com base nas fontes disponíveis (fósseis e renováveis) e nas pesquisas em curso; a segurança individual e do sistema internacional poderia ser atendida (embora não o seja, que fique claro) pelos mecanismos nacionais existentes de tipo policial e dispositivos já utilizados no sistema da ONU (ainda que o princípio da soberania estatal dificulte a tarefa em pontos quentes do planeta).
O que ocorre, então, como obstáculo para que o mundo seja esse lugar melhor para se viver, a que todos aspiramos e desejamos? Não devemos perder de vista, em primeiro lugar, que a humanidade civilizada e próspera tal como a conhecemos hoje é um fato relativamente recente na história da espécie humana: dos mais de cem mil anos de homo sapiens disseminado pelos continentes, apenas um décimo correspondem a sociedades sedentárias, dotadas de alguma tecnologia agrícola e que metade desse tempo integram a chamada história, ou seja, sociedades dotadas de escrita e, portanto, de memória dos progressos alcançados. Temos apenas 4 mil anos, talvez um pouco mais, de formações urbanas, isto é, organizadas na forma de estados, com autoridades identificadas e direitos de propriedade reconhecidos. Mas o processo de socialização e de aprendizado das técnicas que permitiram chegar a sociedades de escrita e de paz interna é um renovar constante de experiências individuais, dado que cada ser humano precisa ser impregnado de cultura e de saber.
Durante a maior parte da história humana conhecida, fenômenos como guerras de conquista, exploração de outros povos, escravidão e castigos físicos foram norma geral de “convivência”, já que apenas nos últimos dois ou três séculos se conseguiu eliminar algumas dessas instituições “primitivas”. Os progressos alcançados nesses últimos dois ou três séculos foram fantásticos, tanto em termos materiais, quanto em matéria de direitos humanos e expressão das liberdades individuais. Mas não podemos nos esquecer de que poucos povos, na verdade, atingiram plenamente esses patamares civilizatórios. Muitos outros, entretanto, não o conseguiram; porém, descarto a hipótese de que isso não foi logrado devido à dominação, dependência ou exploração de povos ou países mais avançados; esses fenômenos certamente existiram; mas eles não tiveram o poder bloqueador – ao contrário – como certas “teorias” apregoam.
Agora, observando-se os povos e sociedades que alcançaram esses níveis razoáveis e positivos de desenvolvimento individual e coletivo, constatamos que se trata de povos bem educados, dotados de instituições políticas favoráveis ao enriquecimento individual, situados num arco de organização econômica e social que combina formas diversas de sistemas de mercado e de representação política de tipo concorrencial (como é, aliás, a ordem produtiva subjacente). Não é fácil reunir todas essas características em povos e sociedades marcados durante muito tempo pelo desrespeito aos direitos individuais – entre eles o da propriedade – e pela baixa representatividade política, o que os impede de reivindicar melhores condições de educação e saúde para justamente organizar suas sociedades segundo aquelas linhas e formas de organização social e econômica mais compatíveis com o crescimento, a riqueza e a prosperidade individual e coletiva. Baixos níveis educacionais, na maior parte dos povos, são em grande medida responsáveis pelas carências detectadas.
O que fazer, finalizando, para que a situação possa mudar em prazos razoáveis (ou seja, nas próximas duas ou três gerações)? Creio, pessoalmente, que os maiores esforços devam ser realizados no campo da educação dos indivíduos. Nenhuma cooperação ou assistência ao desenvolvimento será bem sucedida se não incidir sobre a própria capacitação dos indivíduos; obras materiais, redes viárias, melhoramentos de infraestrutura, fontes de energia, nada disso pode frutificar se representar fatores simplesmente transplantados desde o exterior, sem o envolvimento pleno dos povos e sociedades a que são dirigidos esses esforços de “desenvolvimento”. Sabemos da triste história da deterioração de muitos equipamentos resultantes da cooperação externa em situações de baixa incorporação de recursos humanos locais nas obras de melhorias materiais. O capital humano ainda é o principal fator de progresso social e individual. São os diferenciais de produtividade do trabalho humano que explicam quase todas as desigualdades existentes entre povos e nações.
Nossa tarefa, portanto, é basicamente uma só: educar, educar, educar; o que, aliás, se aplica mesmo em países razoavelmente desenvolvidos como o Brasil. É pela educação que se combate a corrupção, os governos ineficientes, os demagogos e os aproveitadores das crendices populares, os oportunistas de todos os tipos. O Brasil, como parece ficar claro cada vez mais, não é um país desprovido de meios ou de recursos; mas é certamente um país que perdeu e perde muitas oportunidades, devido tanto à ignorância de seu povo quanto à incapacidade de suas elites. Minha suspeita é a de que ele continua perdendo, e muito disso se deve à educação (ou à falta de, ou ainda, à má qualidade da educação) de grande parte da população. Cabe a todos nós, cidadãos conscientes, mudar isso, ou pelo menos se esforçar para que isso seja feito.
O Brasil – todo o mundo em desenvolvimento – necessita uma revolução educacional, um profundo processo de mudanças e de reformas modernizantes que coloque a formação de capital humano como a prioridade das prioridades. Este foi o sentido destes 25 ensaios, que deram uma volta ao mundo dos problemas humanos e nacionais. Espero que eles tenham conseguido preencher sua função educacional, cumprindo, assim, os objetivos previamente fixados. Cabe aos leitores julgar...

Lula's diplomacy - the view from Portugal

Pedro Seabra:
Lula's legacy to the world: Brazil on track
Portuguese Journal of International Affairs
No. 3, Spring/Summer 2010): 51-61.
http://www.ipris.org/php/download.php?fid=298

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Lula's diplomacy - publicado em 2009

Um ano depois, apenas, tomo conhecimento da publicação de um trabalho meu num boletim português, mas em inglês. Apenas me limito a transcrever:


The diplomacy of Lula’s government: Political foundations and agenda priorities

Paulo Roberto de Almeida
IPRIS Lusophone Countries Bulletin (Lisbon: Portuguese Institute of International Relations and Security – IPRIS; link: http://www.ipris.org; December 2009, n. 2, p. 3-4; links: http://www.ipris.org/php/download.php?fid=27 e, para os boletins: http://www.ipris.org/?menu=6&page=57).

In Luiz Inácio “Lula” da Silva’s government, Brazil’s foreign policy can be defined – according to the apparent order of relevance – as a conceptual hybrid among: (a) the Partido dos Trabalhadores’s views and political preferences (in particular those of President Lula da Silva and of former International Secretary and current foreign policy advisor to the President, Marco Aurélio Garcia); (b) The Chancery leaders’ personal political preferences (namely those of State Minister Celso Amorim and of Samuel Pinheiro Guimarães, Secretary-General between 2003 and 2009; the latter has a bigger “theoretical” role, being one of the rare examples of a diplomat who writes for a larger audience, particularly in aca­demic circles); (c) the Brazilian Chancery’s (known as Itamaraty) views and diplomatic traditions, strictu sensu, though tempered by the new concep­tions and political priorities of political leaders (they come in last, but they’re relevant from an operational point of view).
The first two conceptual models are the most important as far as political agenda-setting is concerned, while the last one has a more important function in the area of technical support and operational substantiation. Acting mainly as an agent in the procedural field, the Chancery has a lesser role in determining the government’s political orientation. The large number of players involved in foreign policy – compared with the relatively homogenous standard in the past, when foreign policy advisors to the President were career diplomats – might entail higher risks to the conceptual and operational unity of Brazilian diplomacy.
The theoretical views and conceptual universe of the different actors in­volved in foreign policy-making mark a return to the developmentalist and nationalist tradition of in mid-twentieth century Brazilian political thought, to which the Brazilian Left made several contributions.
From a practical level, this overall orientation has led to several new initiatives. The hyper-activist approach to operational diplomacy seems designed to overcome the legacy of presidential diplomacy of Fernando Henrique Cardoso’s government – criticized as being part of a “cursed inheritance” of alleged submission to external interests and of suffering from a deficit of sovereignty as well as poor defense of national interests.
Three major issues have been at the of the top of the foreign policy agenda: (a) facilitating Mercosul’s reinforcement and expansion; (b) obtaining a permanent seat in the United Nations’ Security Council; and (c) securing regional trade agreements, while resisting intrusive agreements with major powers. These remain the three greatest diplomatic priorities of Lula’s government: not only were they expressly mentioned in the President’s inaugural speech on 1st January 2003, but they were later reaffirmed in 2007, at beginning of Lula’s second term.
Other issues also appear on the diplomatic agenda: (d) encouraging and stimulating regional integration (which has had few practical results); (e) creating selective strategic alliances in the context of South-South diplomacy: IBAS, interregional summit meetings with Africa and Arab countries, as well as the BRIC group (Russia, India and China); (f) becoming an influential protagonist on an international level in the pursuit of a permanent seat on the UN’s Security Council and with the objective of creating a new balance of powers on a global scale; (g) reforming international economic institutions; (h) maintaining the existing environmental plan which benefits the biggest polluters in the developing world, while attempting to shift the costs of those policies onto developed countries; (i) taking action to combat hunger by mobilizing international aid and conceiving “innovative financing mechanisms” (which contradict Brazil’s interests, like the Tobin Tax).
These overall goals are the government’s current range of foreign policy priorities, the implementation of which requires the use of traditional diplomatic instruments as well as other “tools”. Professional diplomats and presidential aides are not the only players to take part in this process of hyperactive diplomacy: informal players (party members, for example), businessmen, leaders of public opinion and NGO representatives also take part in the system.
The multiplication of channels and participants could impair unity of command and create obstacles to the implementation of Brazilian foreign policy, the scope of which requires the concerted effort of many sectors of the government. Formulating and executing external policy through a great number of channels invites dispersion of action, and may even lead to contradicting orders: this could result in overlapping policies and loss of credibility for the country.
Additionally, besides making it difficult to manage items on the political agenda, an exaggerated presidential hyper activism – especially when negotiating issues of regional importance – makes the chain of command unclear by involving the President from the start of negotiations. Hence, far-reaching diplomatic decisions may be made impulsively and with­out the necessary background work and reflection, or under the strong influence of other national leaders.
Concerning its diplomatic intentions, the Lula government has been more outspoken than it has been successful in obtaining palpable results for Brazil. While it cannot be denied that Brazil has become a more influential actor on the international scene and is better equipped to call attention to its interests, this gain in international prominence could also be credited to its continuing internal economic stability and growing ability to attract in­ternational capital – the foundations of which were lain during Fernando Henrique Cardoso’s (FHC) presidency. Indeed, the fundamental compo­nents of the Brazilian economy were established at the beginning of FHC’s second Administration in 1999: a target system for inflation, an exchange rate fluctuation regime, primary surplus in the management of the national budget, and a law concerning fiscal responsibility that prevents high-ranking politicians from spending irresponsibly and leaving debt for their successors.
It was precisely because of this good economic governance – labeled derogatorily as “neoliberal” by the traditional Left – that the Lula government was well received by the G8 governments. The current government has at its disposal large resources for publicity and can count on the general public’s ignorance of its foreign policy agenda, given that Brazil has few research centers dedicated to international issues. Consequently, this government has great latitude of action and may count on the respect the Itamaraty’s professional diplomacy has garnered over time. More importantly, perhaps, when it comes to its immediate needs and propagandistic objectives, Lula’s government may rely on a large capital of sympathy acquired (or to be acquired) by many social actors that were seduced by its apparently progressive external policy. This acts as a kind of practical compensation for the more conservative aspects of the government’s economic policy, keeping Brazil in balance.