terça-feira, 3 de agosto de 2010

Quatro maneiras de gastar o dinheiro - descubra a mais inteligente

A mais inteligente, obviamente, não é aquela que domina, predominantamente, no Brasil. Se você deduzir as razões, já terá bons motivos para fazer as boas escolhas nas próximas eleições...

COMBATENDO O MONSTRO LEVIATÃ
Rubem de Freitas Novaes*
O Estado de S. Paulo, 27/06/2004

O Professor Milton Friedman, detentor do Prêmio Nobel de Economia e emérito professor da Universidade de Chicago, tem-nos ensinado que, sob a ótica da origem e do destino, há quatro maneiras de movimentar dinheiro. Pode-se, numa primeira hipótese, usar recursos próprios para gastos em benefício próprio. Assim se dão as transações privadas realizadas em mercados livres. Neste caso, há o “olho-do-dono” garantindo a devida atenção, tanto para os gastos, como para a qualidade do que está sendo adquirido.

Numa segunda hipótese, recursos próprios seriam gastos em benefício de terceiros. É o caso, por exemplo, de presentes oferecidos. Haveria toda a preocupação com os custos, mas nem sempre se cuidaria com o mesmo denodo da mercadoria adquirida.

Outra situação ocorre quando recursos de terceiros são gastos em benefício de terceiros. É o caso típico da ação governamental quando o Estado simplesmente transfere fundos de um lado para o outro (o que acontece apenas em parte, já que a máquina estatal tem seus custos). Aqui, não são dedicados os cuidados devidos, nem para os gastos, nem para os benefícios que os justificariam.

A última hipótese, mais dramática, dá-se quando recursos de terceiros são usados em benefício próprio. Ocorre, por exemplo, quando a burocracia estatal encontra meios de utilizar os recursos do contribuinte para estabelecer vantagens corporativas, apropriando-se indevidamente de uma parcela significativa da renda nacional. Neste caso, configura-se uma situação conducente a todo tipo de abusos, já que o esforço de arrecadação será levado às últimas conseqüências com vista à maximização dos benefícios daqueles que estão encastelados no poder.

No Brasil de hoje, sem medo de errar, pode-se afirmar que cerca de 40% do PIB já é transacionado ineficientemente sob as duas últimas formas examinadas. Destaque-se que, segundo estudos do Banco Mundial, apenas 14% dos recursos destinados a Programas Sociais chegam efetivamente às mãos da população pobre. Também, estudos conduzidos pelo BNDES, no passado, mostraram que mais de 50% dos Programas Sociais de cunho paternalista desapareciam no custeio da burocracia, em perdas de mercadorias, em custos de transporte e na corrupção. Desperdícios e distorção de objetivos são a marca dos programas governamentais.

Errado está quem trabalha com a hipótese ingênua de que a ação governamental se dá fundamentalmente na busca do interesse público. Hoje, explica-se muito melhor a performance dos governos admitindo-se que políticos e burocratas cuidam prioritariamente de garantir vantagens particulares. Segundo a “Teoria da Escolha Pública” (James Buchanan e Gordon Tullock), de aceitação generalizada, indivíduos, grupos ou setores organizados valem-se da legislação e dos programas governamentais para fazer prevalecer seus interesses específicos, os mais egoístas. Como os benefícios para a burocracia, para a classe política e para os diversos grupos de pressão são palpáveis e imediatos, diferentemente dos custos de seu financiamento, que se dispersam por milhões de contribuintes não organizados para a defesa de seus interesses, surge o efeito orçamentário assimétrico que faz crescer descontroladamente os tentáculos do monstro estatal.

O fenômeno da expansão dos orçamentos públicos, como fatia da renda nacional, tem sido suficientemente mostrado e nossos empresários amiúde apontam para as dificuldades de competir neste mundo globalizado, quando outros países, assemelhados ao nosso, impõem carga tributária ao setor privado equivalente à metade da nossa. Se aqui campeiam a informalidade, a pirataria e o contrabando, não é porque nosso caráter seja pior que o de outros povos. Mas, sim, porque há toda uma indução para jogar a atividade empresarial na chamada economia submersa, longe dos olhos da burocracia estatal.

Mais recentemente, passamos a tomar ciência de uma distorção ainda mais séria: em escala crescente, confundem-se os interesses do Partido dominante com os do Governo; e deste com o Estado. E os mais graduados funcionários públicos cuidam de defender ferozmente interesses de classe a ponto de José Nêumanne (Estadão, 16/06/2004) chamar nosso país de “República-sindicato”, onde pretensos representantes do povo agem como “dirigentes sindicais reivindicando poderes e regalias em proveito deles próprios”.

Parece que a Sociedade está, pouco a pouco, tomando plena consciência dos perigos em jogo. Afinal, não são poucos os artigos e editoriais na imprensa alertando para a voracidade fiscal de nossos governantes e para os riscos do “aparelhamento” do Estado. Faltam agora surgir lideranças políticas que, abraçando as teses efetivamente liberais, nos permitam lutar em condições de êxito contra o monstro Leviatã.

*O autor é Economista (UFRJ) com Doutorado pela Universidade de Chicago. Foi Diretor do BNDES e Presidente do SEBRAE

OMC e comercio internacional - entrevista com Vera Thorstensen

"Brasil precisa fazer mais acordos comerciais"
Assis Moreira, de Genebra
Valor Econômico, 02/08/2010

A dinâmica atual do comércio internacional não está mais na Organização Mundial do Comércio (OMC) e sim nos acordos regionais. Já há 267 notificados na OMC e 100 estão em negociação, com troca de preferências entre seus membros. O Brasil precisa buscar acordos com as grandes potências e não apenas com países em desenvolvimento. Do contrário, suas exportações serão cada vez mais prejudicadas por regras criadas pelos Estados Unidos, Europa e no futuro pela China em seus entendimentos preferenciais.

Isso é o que defende a professora Vera Thorstensen, que acaba de deixar a assessoria econômica da missão brasileira, em Genebra, para criar um Centro do Comércio Global na Escola de Economia da Fundação Getulio Vargas, em São Paulo. O objetivo é explorar a nova dimensão da regulação do comércio internacional, com a multiplicidade de normas que encarecem os custos para o exportador e podem afetar duramente a competitividade brasileira. Embora a Rodada Doha não prospere, na própria OMC as regras continuam evoluindo através de interpretações de seu Órgão de Apelação.

Doutora pela FGV, Vera Thorstensen, 60 anos, passou 20 na Europa, dos quase 15 em Genebra, depois de "amor à primeira vista" pelos temas de comércio internacional. Publicou o primeiro livro em português sobre OMC e suas regras, em 1999. Montou e teve papel central na formação de 120 jovens advogados que fizeram estágio na missão brasileira em Genebra desde 20023. Deu cursos pelo Brasil inteiro e na Europa (Paris, Lisboa, Barcelona).

Reputada por seu rigor, a professora Vera se tornou uma figura incontornável na delegação brasileira. Por sua sala, ao longo dos anos, passaram autoridades, acadêmicos, técnicos brasileiro, sempre buscando um esclarecimento sobre a OMC e suas regras negociadas na Rodada Uruguai ou em negociação na Rodada Doha.

Na OMC, ela foi presidente do Comitê de Regras de Origem de 2004 a 2010. Um acordo para definir como os países identificam a origem de uma mercadoria para efeito de tarifas continua bloqueado porque os países visivelmente preferem ter margem para burlar as normas.

A seguir, os principais trechos da entrevista que concedeu ao Valor:

Valor: Por que retornar ao Brasil agora? É frustração com a Rodada Doha?

Vera Thorstensen: No início deste ano, tomei a decisão de voltar ao Brasil consciente de que eu tinha uma missão a cumprir: criar um centro de estudos sobre a OMC para focar na regulação do comércio internacional. E explico: existe uma percepção no país de que a OMC morreu porque a Rodada Doha continua no impasse. Essa visão está errada. A OMC não só não morreu, como está muito ativa, principalmente na solução de disputas entre os países, onde foi aberto esta semana o 411. E tudo isso tem impactos imediatos no Brasil.

Valor: Que impactos seriam esses?

Vera: As regras da OMC não se referem apenas a atividades de exportação e importação de bens e serviços. São muito mais amplas, envolvendo medidas relativas ao comércio com propriedade intelectual, concorrência, investimentos, ambiente, clima, saúde, direitos humanos. Esta é a dimensão da regulação do comércio internacional. Atualmente, são duas as fontes dessa regulação. Uma, são as regras já definidas nos acordos na OMC. E mesmo sem a rodada avançar, essas regras na prática estão sendo ampliadas e revistas por decisões do Órgão de Apelação, que é uma espécie de supremo tribunal dos conflitos do comercio internacional. O mecanismo de solução de controvérsias é composto de duas fases: uma através dos painéis e a outra pelo Órgão de Apelação. Ou seja, não basta hoje apenas ler os acordos da OMC. É preciso ir atrás de todos os painéis relacionados aos temas em conflito e ver como o Órgão de Apelação interpretou os termos dos acordos.

Valor: Ou seja, um grupo de juízes está fazendo regras, enquanto os governos brigam?

Vera: Veja, os panelistas e o Órgão de Apelação têm obrigação de solucionar os conflitos comerciais que são a eles apresentados pelos países. E devem fazer isso com base nos acordos existentes que tem 700 páginas e outras 10 mil páginas de listas de compromisso de liberalização dos países. Como a OMC toma decisão por consenso, a linguagem de suas regras é muito pouco clara, é a famosa ambiguidade construtiva para se fechar negociações. Então, um país interpreta uma regra de um jeito e o outro o contrário. E isso é resolvido pelo Órgão de Solução de Controvérsias. Para manter a previsibilidade do sistema, os membros da OMC esperam que a próxima decisão utilize a interpretação anterior. É o peso da jurisprudência que tem papel fundamental. De fato, discute-se no mundo acadêmico a que ponto o ativismo do Órgão de Apelação está assumindo a posição dos negociadores dos países. E com o impasse da Rodada Doha, são esses juízes que estão atualizando na prática as regras da OMC.

Valor: Por exemplo?

Vera: O artigo 20 do Gatt, de 1947, sobre as exceções gerais, isto é, quando um país pode deixar de cumprir as regras da OMC, está sendo usado para dirimir conflitos que envolvem comércio e ambiente. Foi o caso dos pneus entre o Brasil e a União Europeia, do atum entre México e EUA, dos camarões entre EUA e vários países da Ásia, dos arbestos entre Canadá e UE. O Órgão de Apelação pegou uma página de um acordo negociado há 63 anos e através desses conflitos foi criando passo a passo uma regulação para disputas envolvendo ambiente, algo que os países até hoje nunca chegaram a um acordo.

Valor: Qual a segunda fonte hoje de regulação do comércio?

Vera: São os acordos regionais de comércio, negociados entre dois ou grupos não necessariamente próximos, como entre Chile e China. A regra que continua a vigorar em termos de acordos regionais é apenas o artigo 24 do velho Gatt, que tem 63 anos. E hoje está acontecendo uma explosão de acordos regionais incentivada até pelo impasse da Rodada Doha. Estão notificados na OMC 267 acordos regionais e a entidade já tem informação de que outros cem acordos estão em negociação.

Valor: Qual o problema de ter tantos acordos regionais?

Vera: O problema é que esses acordos estão usando as regras que englobam não só temas regulados da OMC, como estão expandindo e incluindo nova regulação como propriedade intelectual (Trips) e investimentos (Trims) no comércio. Além disso, os acordos regionais estão criando regras sobre temas que a OMC nunca conseguiu regular, como padrões trabalhistas, ambiente, investimento e concorrência. Há acordo de comércio regional que exige que os países tenham assinado as sete convenções fundamentais da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Na OMC, os países em desenvolvimento afirmam que esse tema não é comércio e deve ficar na OIT. Só que, por conta da concorrência de países que não tem padrões trabalhistas, esse tema voltou a ter grande interesse. O fato de o país não ter esses padrões causaria uma redução significativa dos custos de exportação, como no caso da China, afetando a competitividade dos países que seguem as convenções da OIT.

Valor: E qual o problema de os acordos regionais criarem regras novas?

Vera: O problema é que a multiplicidade dessas regras pode minar a OMC e a longo prazo até destruí-la. Por quê? A existência de muitas regras sem controle e sem um órgão de supervisão está levando a criação de grandes blocos de regulação. Tem o modelo dos EUA, da UE e no futuro talvez da China. E já está ocasionando conflitos de regras, aumentando o custo de exportação e reduzindo a competitividade dos países que estão fora desses blocos.

Valor: Qual o impacto para o Brasil?

Vera: O Brasil não tem tradição de negociar acordos regionais fora da América do Sul e terá cada vez mais dificuldades para exportar para os grandes blocos que usam as regras que eles próprios criam, como regras sanitárias e fitossanitárias, barreiras técnicas, padrões privados de alimentos e regras de origem preferenciais. São as novas barreiras ao comércio. Dentro desses blocos, a OMC não tem controle.

Valor: Como exportador agrícola, o Brasil ficará mais vulnerável?

Vera: Sem dúvida. Se os EUA e a UE criam regras sobre alimentos, atingindo todos seus acordos preferenciais dentro de seus blocos, isso configura uma segmentação das novas regras de proteção no comércio internacional. Se o Brasil não participa, as exportações brasileiras são prejudicadas. O Brasil tem que enfrentar um grande dilema: fazer acordos regionais ou ficar autônomo. O problema é que, como grande produtor agrícola, é muito difícil fazer acordo preferencial com outros países, porque o setor agrícola é sensível para a grande maioria dos países.

Valor: O país deveria buscar acordos com os grandes parceiros?

Vera: A dinâmica atual do comércio internacional não está mais na OMC e sim nos acordos regionais. Ficar fora dos grandes blocos poderá afetar sem dúvida as atividades internacionais das empresas brasileiras.

Valor: Mas o Brasil negocia com a UE, Índia, África do Sul e outros.

Vera: Se a dinâmica é fazer acordos regionais, o Brasil deveria estar negociando não só no eixo Sul-Sul, mas no eixo Norte-Sul.

Valor: Qual a consequência do conflito entre OMC e acordos regionais?

Vera: Se as regras da OMC não forem atualizadas, crescerá o problema na hierarquia de regras, com impacto no mundo de negócios. Para se ter uma ideia, o comércio internacional envolve US$ 12 trilhões por ano. Com a multiplicação desses conflitos, os países serão obrigados a sentar de novo na mesa não só para concluir a Rodada Doha, como partir para a negociação de regras mais ambiciosas para novos temas do comércio global.

Valor: Quando Doha será concluída?

Vera: Os prazos para as conclusões das rodadas são cada vez mais longos, porque elas são mais complexas. Não me causa nenhuma estranheza que Doha não tenha sido concluída. Mas o custo político de não concluí-la é muito alto, daí porque acredito que ela será bem sucedida. A rodada será concluída quando as lideranças tiverem consciência do perigo que a multiplicação dos acordos regionais representa para o sistema multilateral que levou 60 anos para ser construído. Quando a incompatibilidade das regras regionais começarem a afetar os grandes países, eles voltarão a se sentar na mesa de negociação na OMC.

Valor: A China é um risco ou oportunidade para o Brasil?

Vera: A China pode representar oportunidade pelo tamanho de seu mercado e um risco pela sua competitividade com produtos brasileiros tanto no mercado interno com em terceiros mercados. Um dos temas mais relevantes hoje de política comercial do Brasil é definir qual sua estratégia em relação a China. Os brasileiros devem produzir na China ou o Brasil deve atrair a China a produzir no Brasil? Até agora, o Brasil não tem estratégia clara, apesar do aumento das relações bilaterais. A existência das regras da OMC é fundamental nesse relacionamento. O Brasil deve usar todos os instrumentos que a entidade permite para defender sua indústria e utilizar as mesmas regras para abrir o mercado chinês.

Valor: Qual será o foco do Centro do Comércio Global que a sra. está criando?

Vera O objetivo é analisar o quadro regulatório do comércio internacional explorando sua nova dimensão, pois as regras não envolvem só exportação e importação, mas toda uma gama de temas que vão de concorrência a saúde, investimentos, ambiente, clima, direitos humanos . E isso é essencial para a economia brasileira. Precisamos conhecer bem os detalhes das regras e saber usá-las para defender os interesses do Brasil. A ideia é juntar advogados, economistas e administradores de empresas para estudar e avaliar os impactos dessas regras, tanto da OMC como de acordos regionais, para a economia brasileira, a competitividade e sobrevivência das empresas. O centro pretende acompanhar a regulação especifica dos principais parceiros do Brasil, como União Europeia, Estados Unidos, China, Índia, África do Sul.

Valor: No que o centro inovará?

Vera Minha intenção é criar uma nova geração de especialistas em comércio internacional. Ao invés de só pensar em participar de painéis (disputas) na OMC, que saibam identificar os problemas concretos das empresas, as regras que foram desrespeitadas e levar os casos para os comitês específicos da OMC. É uma área ainda não explorada no Brasil. Poucos percebem que as regras da OMC estão internalizadas nas regras brasileiras e que isso pode ser utilizado nas atividades normais das empresas e entre empresas e governos. Esse trabalho, de dirimir conflitos, é não só de advogados, mas de economistas, porque cada vez mais os conceitos econômicos estão entrando na OMC.

Valor: As escolas de economia e direito estão atualizadas no Brasil?

Vera: Não. É triste constatar que mesmo as melhores escolas de economia e direito dão pouca atenção ao quadro regulatório do comércio internacional. Existe mesmo o absurdo de alguns professores considerarem que as regras da OMC não fazem parte do direito internacional. Na verdade, o que acontece na OMC faz parte de uma nova área do direito e da economia, que é chamada de "international trade law and economics", que já tem até uma associação criada em Genebra. Em seu congresso, em Barcelona, foi triste constar que, entre 350 participantes, só cinco eram brasileiros. São raras as escolas que oferecem cursos sobre OMC e disputas de conflitos. Como se pode criar economistas e advogados sem saber o quadro regulatório do comércio internacional, como esses futuros profissionais vão defender os interesses das empresas?

A proposta da semana, quem sabe do mes...

... talvez até do ano.
Como muita coisa no Brasil, virou galhofa, a começar pela proposta original de um dos personagens mais extraordinários de toda a história do Brasil, certamente desde Cabral, talvez até antes.
Nunca antes neste país, como alguém diria, negócios de Estado foram conduzidos com tanta..., digamos assim, ligeireza, para não dizer com excesso de esperteza, quem sabe até com certa leveza de espírito, como cabe aos ingênuos.
OK, poder-se-ia também afirmar que esses assuntos vêm sendo conduzidos com alguns traços daquela braveza sincera que marcam os inocentes e os incautos, alguns diriam até com aquela safadeza dos que pertencem a tribos especiais, dessas que pretendem deter a chave do futuro.
O que é uma tragédia está virando comédia, pelas mãos e palavras dos comediantes de costume.
Em todo caso, pode-se, por enquanto, rir da proposta do humorista do Estadão...
Paulo Roberto de Almeida

Brasil planeja Bolsa-Adultério
Tutty Vasques, Estadão, 3 de agosto de 2010

Lula está ainda esperando a repercussão internacional sobre sua oferta de asilo à mulher condenada à pena de morte por apedrejamento no Irã para, em caso de boa receptividade global, anunciar a criação de um programa de amparo a todas as adúlteras do mundo.

O Bolsa-Adultério seria extensivo a toda mulher estrangeira que pular a cerca e cair em desgraça, desde que, a exemplo dos beneficiados pelo Bolsa-Família, mantenha filhos entre 6 e 15 anos matriculados na escola e com carteira de vacinação em dia. Disso o governo não abre mão!

Falta ainda convencer os conservadores de Teerã a aceitar a oferta brasileira de refúgio à iraniana Sakineh Mohammadi Ashtiani, que pode sair da cadeia direto para o programa da Luciana Gimenez. A apresentadora da Rede TV! já estaria, inclusive, mexendo seus pauzinhos para entrevistá-la primeiro que a Hebe Camargo e a Ana Maria Braga.

O Bolsa-Adultério prevê a suspensão de qualquer auxílio financeiro à titular do benefício que se tornar celebridade instantânea e auto-sustentável no exílio brasileiro. A medio prazo, imagina-se, o programa pode até tornar-se livre de despesas para o governo. Atire a primeira pedra aquele que não simpatizar com a ideia!

O enigma dos juros altos no Brasil - Rubem de Freitas Novaes

Um texto antigo, mas ainda plenamente válido em suas considerações sobre política monetária, política fiscal, mercados de capitais.

O ENIGMA DOS ALTOS JUROS
Rubem de Freitas Novaes*
Valor Econômico, 17/09/2003

Faz pouco tempo, bacharéis em Direito e economistas realizaram, em datas próximas, importantes encontros na cidade de São Paulo. Como era previsível, a festa dos bacharéis, comemorando o centenário do Centro Acadêmico XI de Agosto, recebeu maiores atenções da opinião pública do que a homenagem prestada por entidades de classe a Pérsio Arida, eleito “Economista do Ano–2003”. A razão, muito simples: o desgaste sofrido pela profissão econômica, após quase três décadas de crescimento medíocre do país. Registre-se que ainda chegou a haver certa recuperação de imagem quando o Plano Real conseguiu debelar uma robusta inflação, sem impor grandes custos à sociedade. Mas, logo, a persistência de baixos índices de desenvolvimento recolocou a profissão na fase de inferno astral. Afinal de contas, se os do ramo não conseguem contribuir com políticas públicas para a melhoria do bem-estar do povo, para que servem?

O fato é que os economistas mais bem equipados têm se dedicado cada vez mais ao estudo dos aspectos monetários e financeiros (inflação, juros e câmbio), abandonando a ênfase que era dada no passado às questões ligadas à promoção do crescimento e do emprego, reconhecidas como o “lado real” da Economia. (Quem sabe a criação, na BMF, de um contrato futuro para a taxa de crescimento do PIB não ajudaria a recuperar o interesse da profissão para os temas do desenvolvimento?).

Em boa parte, a mudança de ênfase dos nossos colegas pode ser atribuída à atração exercida pelos melhores salários do mercado financeiro. Mas não se pode desconsiderar o fato de que os economistas descobriram, de moto próprio, que têm um papel bem mais limitado a cumprir na sociedade do que aquele implícito, por exemplo, nos ideais do “New Deal”, de Roosevelt, ou no pensamento dominante da CEPAL. Com efeito, nossos mais destacados estudiosos concluíram, em boa hora, que o melhor planejamento estatal é aquele voltado apenas para as funções precípuas de governo; que o melhor programa social resume-se na mera distribuição de renda para os mais desfavorecidos; que a melhor política industrial é a ausência de política industrial; que a melhor política cambial é a de moedas flutuantes; etc. e que, em síntese, o ideal é que as regras do jogo sejam sempre claras e estáveis, sem deixar lugar para grande ativismo das autoridades públicas. Com isso, a classe recolheu-se a uma menor significância, a despeito dos reclamos daqueles que, dotados de espírito corporativo mais aguçado, lutavam contra a perda de funções e postos no mercado de trabalho.

Voltando à festa dos economistas, nela Pérsio Arida - com a autoridade de quem muito contribuiu, juntamente com Simonsen, Chico Lopes, Lara Resende e Gustavo Franco, para decifrar o enigma da inflação inercial – propôs que seus companheiros de profissão se debruçassem sobre as razões pelas quais a taxa de juros natural no Brasil (taxa real neutra em termos de influência sobre a inflação) situa-se em patamar tão elevado - entre 8,5% e 10% ao ano, na ponta da captação - impondo-nos uma grave restrição à retomada do crescimento sustentável.

Aceitando seu desafio, naquilo que é permitido expor em tão curto espaço, ressalto que a questão da determinação da taxa de juros real pode ser vista sob duas óticas: a do mercado monetário e a do mercado de fundos para investimento. No primeiro caso, cabe destacar o expressivo tamanho de nossa dívida pública e o fato de que sua ordem de grandeza é dez vezes superior a da base monetária. A dificuldade está em que o país, ao longo de sua história relativamente recente, já tabelou a correção monetária, criou tributações extraordinárias sobre os rendimentos de seus títulos e seqüestrou as aplicações financeiras da população. Além disso, volta e meia ouvem-se sugestões tentadoras no sentido do “default” da dívida pública. Não é de admirar que os credores de tão volumosa quantia exijam uma bela remuneração para oferta-la.

Muitos analistas, erroneamente, acreditam que o “mercado” não tem alternativas para a aplicação de sua “caixa” e que o Tesouro, com igual sucesso, poderia financiar-se a taxas bem mais baixas. Ledo engano. Uma remuneração inadequada levaria à monetização de certa parcela da dívida pública (já vimos isto com clareza no segundo semestre de 2002), com impactos amplificados sobre a base monetária (considerando-se que, para cada 1% de monetização, aumentamos em 10% a oferta monetária) e efeitos desastrosos para o controle da inflação.

Em relação ao mercado de poupança e investimento, algumas considerações se impõem: vivemos num país com excelentes oportunidades de investimento, propiciadas pela ampla disponibilidade de recursos naturais, energia e mão-de-obra barata. A isto se contrapõe uma forte escassez de fundos de poupança, para determinar uma taxa de juros de equilíbrio muito elevada. Podemos agir sobre a poupança privada se, a exemplo de outros países, como o Chile, voltarmos a nossa Previdência para um regime de capitalização bem administrado. Do setor público, teria de ser demandado um esforço enorme de enxugamento, em todos os níveis de governo, para reverter uma despoupança líquida que hoje atinge a 3% do PIB. Finalmente, para estimular a poupança externa, teríamos de atuar basicamente sobre a percepção de risco Brasil, oferecendo regras estáveis e amistosas, respeito aos contratos e obediência aos direitos de propriedade.

Como vemos, nenhuma das ações é de fácil materialização e teria poder de influenciar de forma importante a nossa taxa “natural” no curto-prazo. O país tem enfraquecido a sua capacidade de poupar há muitos anos e a situação do endividamento público, se não é calamitosa, ao menos é preocupante . Um quadro como este só é mutável aos poucos e exige um somatório de medidas na direção correta. Infelizmente, não será possível um lance de genialidade (como foi a construção da URV no desmonte da inflação inercial) para a solução do enigma que Arida nos coloca. Permanece o consolo de que, nas condições de hoje, ainda há um belo espaço para a queda expressiva nos juros.

*O autor é Economista (UFRJ) com Doutorado pela Universidade de Chicago.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Plataforma de politica externa da candidata Marina Silva

Abaixo o que foi liberado no site sobre propostas de política externa, tudo muito vago e sem elementos concretos, ou seja, que destoem da política externa profissional do Itamaraty. A ênfase nos direitos humanos certamente destoa completamente das práticas de política externa do governo Lula.
Paulo Roberto de Almeida

Política externa para o século 21
Marina Silva, 02/08/2010

A política externa brasileira deverá ser pautada por princípios fundamentais, como a manutenção e a promoção da paz e da segurança internacional, que devem ser defendidos e respeitados nas relações internacionais. Ao dirigir a sua política externa com base em princípios sólidos, e não em conveniências imediatas, o Brasil deve passar a ser visto como uma nação coerente, que abraça as causas corretas, respeita o Direito Internacional, lidera pelo exemplo e, assim, fortalece seu poder de persuasão e a sua influência no cenário internacional. Embora a solução negociada deva ser sempre priorizada, deverão ser utilizados todos os mecanismos legais que permitem ao Estado brasileiro a sua defesa em situações de conflito.

a. Cooperação e solidariedade – A globalização aumentou a interdependência dos povos e nações e, com isso, a necessidade de encontrar soluções globais para problemas de toda natureza: locais, nacionais, regionais e globais. Nas duas últimas décadas, assistiu-se a uma “globalização do Direito”, por meio da proliferação e do fortalecimento de organizações e regimes internacionais, como o de comércio (com a criação da OMC) e o de mudança do clima (com a entrada em vigor do Protocolo de Quioto). Nesse novo cenário, a relação entre Estados deve ser regida pela cooperação e pelo respeito às regras e instituições criadas em conjunto pelas nações, e não pelo uso da força ou por posturas unilaterais.

Nesse contexto, o Brasil, como oitava economia do mundo que caminha rapidamente para integrar o conjunto de países com alto índice de desenvolvimento, deve basear as suas ações na solidariedade com os menos desenvolvidos, apoiando-os especialmente no alcance das Metas do Milênio, por meio de cooperação econômica e técnica, capacitação e assistência humanitária. O Brasil deve, também, cooperar com outros países para o fortalecimento dos fóruns multilaterais, como o G-20, na área de governança da economia internacional, e a ONU, na área de manutenção da paz e da segurança internacional.

b. Legitimidade e democracia – Apesar dos avanços nas regras internacionais desde o fim da Guerra Fria, os mecanismos de governança global existentes ainda são insuficientes. E grande parte dos problemas enfrentados hoje no sistema internacional tem origem na falta de legitimidade de suas instituições. Por isso, é preciso que o Brasil, muitas vezes prejudicado por essas “regras do jogo” desiguais, seja um veemente defensor da democratização das organizações e regimes internacionais.

Há inúmeros exemplos de distorções que precisam ser corrigidas: pesos desequilibrados dos poderes de voto (como no caso do FMI e do Banco Mundial), existência de poderes de veto sem adequada representação (como no Conselho de Segurança da ONU) e desigualdade no cumprimento de obrigações internacionais (como ocorre com as metas de desarmamento do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares). Essas instituições, ao serem vistas como pouco legítimas, são pouco respeitadas. Para aumentar a sua efetividade, portanto, é preciso aprimorá-las e democratizá-las.

O Brasil deve, sempre levando em conta os princípios fundamentais de sua política externa e seus objetivos de longo prazo, avaliar a participação em organizações e regimes internacionais dos quais não faz parte, como a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e a Convenção sobre Munições de Fragmentação.

c. Sustentabilidade – Se a interdependência nos leva a ter que investir na cooperação internacional, nenhum tema é tão “globalizado” quanto a sustentabilidade. O Brasil deve liderar o esforço internacional de implementação dos compromissos derivados da Rio-92, em especial o combate à mudança do clima, pelo risco que representam tanto para o país como para a imensa maioria dos países mais pobres do planeta.

Devemos dar o exemplo, incentivando internamente e entre nossos parceiros a economia de baixo carbono, aproveitando as vantagens comparativas do país e transformando-as em vantagens competitivas. Essa é uma oportunidade inédita de o Brasil sair na frente e se posicionar de forma privilegiada no cenário mundial, dando um passo fundamental na direção de garantir a prosperidade de nossas gerações futuras.

Devido à crescente interação entre os objetivos de crescimento econômico, desenvolvimento, promoção da paz e proteção do meio ambiente, o país deve, ainda, participar ativamente dos debates para a criação de uma Organização Mundial Ambiental, que consolide as regras internacionais voltadas à sustentabilidade.

d. Paz e direitos humanos – O Brasil não pode, em nenhuma hipótese, abrir mão da defesa da paz, princípio básico de nossa política externa, como mostra nossa Constituição e nossa tradição. Devemos continuar sendo exemplo do convívio pacífico de diferentes etnias e religiões, procurando refletir e propagar essa experiência em nossas relações internacionais.

Além disso, o Brasil deve ter uma posição firme na defesa dos direitos humanos. Nesse sentido, deve adotar, considerando sempre o princípio da não intervenção, uma postura crítica com relação a países que violem esses direitos e, ao contrário do que tem acontecido, o país não deve relativizar esses princípios em suas relações de Estado.

e. Comércio mais livre, mais justo e mais sustentável – O comércio internacional é, comprovadamente, uma fonte de geração de riqueza. A abertura comercial, se complementada por políticas que suavizem o ajuste econômico e social para os setores mais afetados, é um poderoso instrumento de combate à pobreza. O Brasil deve ter um papel ativo na eliminação das barreiras e distorções que prejudicam o livre comércio. Para isso, deve se valer dos instrumentos que a globalização jurídica lhe oferece, seja no âmbito multilateral (OMC), seja no âmbito regional (Mercosul). Além disso, o Brasil deve aperfeiçoar seus mecanismos domésticos de combate a práticas desleais e ilegais de comércio, como “dumping”, subsídios, contrabando e descaminho, mas sempre de acordo com as regras internacionais.

O livre comércio, entretanto, não pode ser apoiado quando ele estimula processos e métodos produtivos baseados na degradação ambiental ou avessos aos compromissos do país relacionados a padrões trabalhistas, expressos nas convenções da OIT. Os direitos trabalhistas e sociais previstos na Constituição e o esforço brasileiro para a criação de uma economia de baixo carbono não podem ser sacrificados. Ao contrário, devem ser defendidos e transformados em vantagens competitivas. Para tanto, o Brasil deve defender a criação de novas regras sobre esses temas no âmbito da OMC e deve desenhar novos instrumentos de promoção das exportações que valorizem a sustentabilidade de produtos e serviços.

Economia, competicao, riqueza e pobreza - artigos Paulo R Almeida

Meus mais recentes artigos publicados no Ordem Livre (de vez em quando eu me lembro de consultar o site e, pimba, lá está mais um, geralmente feito algum tempo atrás):

Países ou pessoas ricas o são devido a que os pobres são pobres?
02 de Agosto de 2010 - por Paulo Roberto de Almeida

Este é, provavelmente, um dos mais equivocados, mas persistentes, “axiomas” da teoria social dita de esquerda sobre as origens das desigualdades entre as pessoas e os países. Embora não especificamente marxista em sua origem, foi com o marxismo que essa “tese” se difundiu e adquiriu ares de “evidência histórica” como nunca tinha sido o caso no pensamento utópico das correntes socialistas anteriores. De fato, desde Babeuf (e sua “conjuração dos iguais”), passando por Proudhon – “A propriedade é um roubo” – e pelos anarquistas de todas as tendências (menos os anarco-capitalistas, claro, que são mais exatamente libertários), “progressistas” de todas as cores vêm repetindo (em todas as variantes possíveis, e com sucesso) esse credo aparentemente plausível, mas redondamente falso e, no limite, intelectualmente desonesto.
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Orçamentos públicos devem ser sempre equilibrados?
18 de Julho de 2010 - por Paulo Roberto de Almeida

Respondo rapidamente: sim e não. Com desculpas pela ambiguidade, explico imediatamente. Sim, orçamentos públicos devem ser sempre equilibrados, mas isso numa perspectiva de médio ou até de longo prazo, consoante o planejamento econômico que todo estado moderno faz em torno de suas receitas e despesas. Não, o orçamento público não precisa ser equilibrado, no sentido de ser superavitário ou de apresentar equivalência perfeita entre receitas e despesas (déficit zero). Vejamos.
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Competição e monopólios (naturais ou não): como definir e decidir?
05 de Julho de 2010 - por Paulo Roberto de Almeida

Competição é um velho princípio da excelência em qualquer área imaginável: quando maior número de pessoas estiverem disputando determinada compensação em função do resultado final do esforço empenhado em uma dada atividade, melhor será esse resultado, tanto para o próprio produtor, quanto para seus eventuais usuários.
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Essa insuportavel classe de rentistas...

Certos partidos são pródigos em acusar um obscuro processo de "financeirização" -- seja lá o que isso queira dizer -- pelos problemas enfrentados pela economia real, ou seja produtiva de bens e serviços concretos (aos seus olhos, a única que "presta"), pedindo em consequência um estrito controle do Estado sobre o setor financeiro de modo a evitar que este "sugue" recursos necessários à produção e os entregue nas mãos dos "especuladores", sempre à espreita para "espoliar" o dinheiro do honesto trabalhador e do empresário "produtivo".
Alguns representantes desse tipo de partido chegam a acusar com deleite os que vivem de atividades financeiras de "rentistas", como se fossem leprosos devendo ser condenados pela sociedade e talvez até encarcerados pelos Estado.
Na sua ignorância, e em decorrência de meia dúzia de bobagens que Marx falou a respeito da "circulação do dinheiro" e do caráter completamente "estéril" da atividade de intermediação financeira, esses novos Torquemadas pedem a interdição, ou no mínimo o controle estrito dessas atividades, para impedir males maiores para a economia.
Eles tampouco deixam de ser "rentistas", quando vivem de empregos públicos sem a correspondente atividade produtiva, quando pedem dinheiro para as empresas para as suas campanhas eleitorais, quando se dedicam exclusivamente à militância sindical, sem jamais voltar às linha de produção, enfim, ser rentista é uma atividade muito disseminada no Brasil.
No artigo abaixo, João Luiz Mauad destaca o que é ser rentista, de verdade.
Aprendam alguma coisa.
Paulo Roberto de Almeida

Rentistas e sanguessugas
João Luiz Mauad
Ordem Livre, 29 de Julho de 2010

Mesmo com a economia em desaceleração o Banco Central aumentou a taxa de juros. São os interesses dos bancos e grandes rentistas prevalecendo.” (Deputada Luciana Genro – PSOL-RS, após a última reunião do COPOM)

Uma das expressões mais utilizadas e estigmatizadas pela esquerda (e alguns setores da direita) é a famigerada ‘rentista’. Usam-na, a torto e a direito, para designar aqueles indivíduos, ou grupos, que auferem renda fora do trabalho, através de investimentos em ativos que geram retorno financeiro. Não raro, referem-se à “classe rentista” de forma pejorativa, especialmente em ralação àqueles “parasitas gananciosos”, que aplicam seus recursos nos mercados financeiros e de capitais. Será que esse estigma é justo?

Existem três formas legítimas de alguém adquirir rendimentos: lucros, salários e rendas. A característica principal do lucro é o risco envolvido, ou seja, o investidor aplica seu capital na expectativa de obter retorno positivo. O resultado, porém, é indeterminado e desprovido de garantias. Quanto aos salários, esses não envolvem riscos (exceto os relacionados a aspectos não econômicos, como fraude, por exemplo), uma vez que são a contraprestação – pré-estabelecida – de um serviço determinado. Geralmente, os salários são proporcionais à produtividade do trabalho realizado. Já a renda é a remuneração obtida a partir do arrendamento de um ativo, seja um imóvel, um automóvel ou uma quantia em dinheiro.

Um trabalhador que poupe um pedaço do seu salário todos os meses e, depois de certo tempo, resolva adquirir um imóvel para fins de aluguel, torna-se automaticamente um rentista. Como ele, qualquer outro indivíduo que acumule algum capital e o arrende a alguém se tornará também rentista. Até mesmo os aposentados são rentistas que, todo mês, durante anos, contribuíram com uma parte do seu salário para ganhar o direito de auferir uma renda vitalícia no futuro. Há ainda aqueles que obtêm renda de propriedades herdadas, porém mesmo estas propriedades foram adquiridas através da poupança de alguém – no caso os antepassados desses felizardos. Podemos notar que, por trás da aquisição do direito legítimo à renda, está o direito de propriedade e seu consequente usufruto.

As rendas são a forma mais segura de obtenção de rendimentos e, por esta razão, é natural que a maioria das pessoas deem preferência a ela, especialmente os mais conservadores. Na verdade, não há nada de errado nisso, pelo contrário. Ao visarem essa forma de rendimento, as pessoas estarão sempre buscando manter e valorizar os ativos (capitais) em seu poder.

A poupança – própria ou de terceiros – transformada em investimento é a única forma legal – e legítima – de obter renda. Infelizmente, porém, há outras formas de adquiri-la, algumas legais, porém injustas, e outras tanto ilegais quanto injustas. No último caso estariam o roubo, o furto, a fraude e outros crimes correlatos, em que alguém se apropria, pelo uso da força ou não, de propriedades alheias, sem o consentimento do dono. Sobre este não pretendo aprofundar-me, uma vez que sai da esfera econômica para a policial.

Há, no entanto, uma outra forma de rentismo extremamente injusta, embora muitas vezes perfeitamente legal, cuja principal característica é estar sempre associada à ingerência do estado e sua indelével vocação para tomar – através do uso legal da força – propriedades de uns e entrega-las a outros. Esta prática espúria nasce do fato, há muito explicado por David Hume e seu amigo Adam Smith, de que a maioria das pessoas busca, através de seus atos, o seu próprio interesse e não um "interesse público" vagamente definido.

Tudo o que o estado nos toma, pela via dos tributos, e não nos dá de volta através de serviços públicos universais é, sem meias-palavras, espoliação. Com efeito, o seu produto não se derrete ou evapora no ar, mas é apropriado por certas espécies heterodoxas de “rentistas”, ou “rent-seekers”, como os definiu Anne Krueger.

Esse tipo de apropriação indébita, que chamo de “rentismo sanguessuga”, baseia-se na transferência forçada de recursos, em que os governos retiram de A e repassam a B – além de cobrar, é claro, certa comissão pelo serviço sujo. Infelizmente, os sanguessugas são muitos, e de várias espécies. Por exemplo: funcionários públicos que recebem salários maiores que as respectivas produtividades; ONGs, sindicatos e demais organizações cujas receitas são, de alguma maneira, tomadas dos pagadores de impostos. Há ainda os casos mais difíceis de enxergar, porém não menos danosos, como os privilégios concedidos a empresários, beneficiados com incentivos fiscais, proteção contra a concorrência estrangeira, concessão de serviços públicos, subsídios, isenções de impostos, patrocínios e publicidade estatais, obras públicas superfaturadas, financiamentos a juros subsidiados e muitos outros.

É infinita a quantidade de "bondades" que interesses concentrados podem pleitear dos governos, sempre à custa dos dispersos pagadores de impostos – legítimos donos do dinheiro. No frigir dos ovos, entretanto, a principal característica dos sanguessugas consiste em apropriar-se dos recursos do erário para benefício próprio.

Não por acaso, na maioria das vezes em que ouço alguém criticar os rentistas, trata-se de um sanguessuga a reclamar de um rentista legítimo, numa completa inversão de valores.

João Luiz Mauad é administrador de empresas formado pela FGV-RJ e profissional liberal (consultor de empresas).

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Meu mais recente livro – que não tem nada a ver com o governo atual ou com sua diplomacia esquizofrênica, já vou logo avisando – ficou final...