Posso afirmar, peremptoriamente, que a tentativa do professor Mangabeira de revisar Adam Smith (que pregava uma "teoria" das vantagens absolutas do comércio internacional) e David Ricardo (este sim, identificado com a teoria das vantagens comparativas relativas) não deve valer o papel no qual ela vem impressa.
Sem qualquer formação conhecida em economia, o jus-filósofo (se tal termo se aplica) e professor confuso (mais ainda como pretenso político e conselheiro de príncipes, um deles indicado como o rei da corrupção) faz o papel do aprendiz de feiticeiro, ao tentar desbancar uma teoria simples, que tem a propriedade de se adequar à realidade das relacões econômicas entre empresas e economias.
O aprendiz de feiticeiro já começa errando, ao afirmar que o GATT se baseia na ideia de livre-comércio, no que ele está rigorosamente errado.
O GATT é uma organização mercantilista que cuida de comércio administrado.
Quando o professor aprender essas coisas, talvez ele deixe de escrever bobagens sobre coisas que ele não entende.
Paulo Roberto de Almeida
Princípio de livre comércio apresenta falhas estruturais
Gustavo Patu
Folha de S. Paulo, 14.08.2010
Ex-ministro propõe criar regimes alternativos de propriedade privada
Poucas doutrinas são tão centrais e influentes na economia quanto a do livre comércio. Se a troca de mercadorias entre pessoas existe desde a pré-história, os economistas clássicos dos séculos 18 e 19 deram consistência teórica à ideia de que exportações e importações enriquecem todos os países.
Adam Smith sustentou que a Inglaterra deveria comprar o vinho da França, mais barato, e vender sua lã, que conseguia produzir a custos menores, aos franceses.
Após poucas décadas, David Ricardo mostrou que duas nações lucram com o comércio entre elas mesmo quando uma não leva vantagem na produção de algum bem.
Esse pensamento formulado há quase 200 anos está na raiz da criação da Organização Mundial do Comércio e dos diversos tratados, rodadas de negociação e blocos continentais para maximizar trocas de mercadorias e serviços -ou, em palavras mais contemporâneas, na raiz da apologia da globalização.
Mas quantos acreditam de fato nessas ideias? Na vida cotidiana, compradores desconfiam que estão sendo trapaceados pelos vendedores; no comércio global, os países se armam com tarifas, subsídios, restrições ambientais e trabalhistas para, assim declaram, proteger seus empregos e suas moedas.
O título do livro não deixa dúvidas quanto ao tamanho das ambições do autor: em "A reinvenção do livre-comércio", Roberto Mangabeira Unger pretende não apenas examinar as falhas da teoria, mas romper limites da análise econômica e defender uma nova globalização. "Podemos reinventá-la e refazê-la", nas suas palavras.
Não se deve tomar a obra pelo escritor, como não se deve tomar o intelectual Mangabeira pelo personagem que ganhou notoriedade na política nacional como guru de Leonel Brizola e Ciro Gomes, ministro de Assuntos Estratégicos do governo Lula -o qual antes havia chamado de o mais corrupto da história- e, desde 2009, pensador peemedebista.
Com texto entusiasmado, mas nada de proselitismo ou bandeiras fáceis, o livro começa começa pelos problemas teóricos e práticos do comércio quando são deixados de lado os modelos clássicos, e se examina um mundo de ganhos desiguais.
Ideias para uma nova forma de pensar as instituições econômicas dão origem a novas teses sobre o comércio, e as teses dão origem a propostas que contrariam princípios hoje hegemônicos, como o de que maximizar o livre comércio é um fim em si -e não um meio. Propostas como a "criação de regimes alternativos de propriedade privada e social" ou "o gradual fortalecimento do direito da mão de obra a cruzar fronteiras nacionais" precisarão, no entanto, de uma argumentação menos abstrata que a desenvolvida por Mangabeira.
Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas. Ver também minha página: www.pralmeida.net (em construção).
sábado, 14 de agosto de 2010
Fazendo as contas, prestando contas, somando leitores, multiplicando responsabilidades...
Toda sexta-feira, religiosamente eu poderia dizer (se eu fosse religioso, o que não sou), recebo, de um desses serviços de estatísticas gratuitas -- quem disse que não tem nada de graça no capitalismo? -- um pequeno relatório estatistico informando quantos curiosos, entrantes, visitantes, turistas e outros perdidos (sem esquecer os espiões, se eu fosse paranóico) passaram por este modesto blog.
Geralmente não presto atenção, e via de regra deleto a mensagem, pois já tenho a caixa de entrada entupida por milhares de boletins que pretendo ler um dia, um desses dias em que a Terra parou, o sol se pôs, e eu adquiri a virtude milagrosa (ops, lá vem a religião outra vez) de ler cem mensagens por minuto.
Por acaso andei trabalhando demais nas últimas semanas -- não basta contar o número de postagens aqui, mas seguir a lista dos trabalhos e saber todo o resto que andei fazendo por aqui e por ali... -- e esqueci até de apagar essas estatísticas.
Por acaso, também, fui verificar o que recebi nas últimas quatro semanas, e o panorama se resume a isto:
Data: visitas - páginas
13/08: 3,462 - 4,797
06/08: 3,352 - 4,828
30/07: 2,827 - 3,947
23/07: 3,186 - 4,690
Ou seja, cumulativamente, foram registradas, nas últimas quatro semanas (aproximadamente um mês):
12.827 visitas e 18.262 páginas vistas.
Fazendo a média diária dos últimos 30 dias (mesmo considerando que julho teve 31 dias), isso representa, portanto:
427 visitas e 608,7 páginas vistas por dia (ou 1,4 páginas por visita a cada dia).
Bem, considerando-se que este blog registra 184 seguidores inscritos, e que os visitantes diários são 427, deve ter muito mais espiões do que eu desconfiava, a não ser que os espiões já estejam inscritos com nomes de fantasia (também tem, alguns gozados, aliás). Mas, também podem ser marcianos, que passam rapidamente e se vão, num piscar de olhos (pois algumas visitas duram só 1,5 minuto).
Sans blague, gostaria de aproveitar esta ocasião de um modesto balanço estatístico para agradecer todos os meus leitores e meus comentaristas (mesmo aqueles que por vezes gostariam de me estrangular, eu sei), pois eles são a razão de toda esta transpiração, e alguma inspiração, que me faz ficar dedilhando essas coisas neste blog (e ainda alimentar o site, e preparar artigos para revistas, resenhas de livros, ler, me informar, fazer compras, escovar os dentes, tomar banho, etc., etc., etc.).
Leitores são a razão de ser de escritores, ou de escrevinhadores, como eu. Sem vocês, eu não estaria aqui perdendo meu tempo, ou melhor, retirando horas da leitura de livros, ou simplesmente de ficar vendo algum filmezinho bobo no vídeo.
Grato, portanto, com esta última declaração: sei da responsabilidade que todas essas visitas me atribuem, direta e indiretamente.
Ter a confiança de leitores ocasionais, ou de visitantes regulares, depende da qualidade do material aqui postado.
Manter a confiança dos leitores e visitantes é uma tárefa árdua, que encaro com muita seriedade, mesmo levando em conta que alguns entram aqui só para me espionar, e depois ficar fazendo fofocas junto aos conspiradores de sempre (blague).
Prometo não ficar mais aborrecendo ninguém com estatísticas, pois isso é o que menos interessa (aliás, não mantenho nenhum tipo de registro no meu site, para não ter de me ficar dobrando às conveniências dos leitores e visitantes). Faço o que gosto, e só posso dizer que procedo de forma escrupulosamente honesta, em primeiro lugar comigo mesmo, e espero que do ponto de vista dos meus leitores também.
Obrigado, e até a próxima.
Paulo Roberto de Almeida
(Shanghai, 15.08.2010)
Geralmente não presto atenção, e via de regra deleto a mensagem, pois já tenho a caixa de entrada entupida por milhares de boletins que pretendo ler um dia, um desses dias em que a Terra parou, o sol se pôs, e eu adquiri a virtude milagrosa (ops, lá vem a religião outra vez) de ler cem mensagens por minuto.
Por acaso andei trabalhando demais nas últimas semanas -- não basta contar o número de postagens aqui, mas seguir a lista dos trabalhos e saber todo o resto que andei fazendo por aqui e por ali... -- e esqueci até de apagar essas estatísticas.
Por acaso, também, fui verificar o que recebi nas últimas quatro semanas, e o panorama se resume a isto:
Data: visitas - páginas
13/08: 3,462 - 4,797
06/08: 3,352 - 4,828
30/07: 2,827 - 3,947
23/07: 3,186 - 4,690
Ou seja, cumulativamente, foram registradas, nas últimas quatro semanas (aproximadamente um mês):
12.827 visitas e 18.262 páginas vistas.
Fazendo a média diária dos últimos 30 dias (mesmo considerando que julho teve 31 dias), isso representa, portanto:
427 visitas e 608,7 páginas vistas por dia (ou 1,4 páginas por visita a cada dia).
Bem, considerando-se que este blog registra 184 seguidores inscritos, e que os visitantes diários são 427, deve ter muito mais espiões do que eu desconfiava, a não ser que os espiões já estejam inscritos com nomes de fantasia (também tem, alguns gozados, aliás). Mas, também podem ser marcianos, que passam rapidamente e se vão, num piscar de olhos (pois algumas visitas duram só 1,5 minuto).
Sans blague, gostaria de aproveitar esta ocasião de um modesto balanço estatístico para agradecer todos os meus leitores e meus comentaristas (mesmo aqueles que por vezes gostariam de me estrangular, eu sei), pois eles são a razão de toda esta transpiração, e alguma inspiração, que me faz ficar dedilhando essas coisas neste blog (e ainda alimentar o site, e preparar artigos para revistas, resenhas de livros, ler, me informar, fazer compras, escovar os dentes, tomar banho, etc., etc., etc.).
Leitores são a razão de ser de escritores, ou de escrevinhadores, como eu. Sem vocês, eu não estaria aqui perdendo meu tempo, ou melhor, retirando horas da leitura de livros, ou simplesmente de ficar vendo algum filmezinho bobo no vídeo.
Grato, portanto, com esta última declaração: sei da responsabilidade que todas essas visitas me atribuem, direta e indiretamente.
Ter a confiança de leitores ocasionais, ou de visitantes regulares, depende da qualidade do material aqui postado.
Manter a confiança dos leitores e visitantes é uma tárefa árdua, que encaro com muita seriedade, mesmo levando em conta que alguns entram aqui só para me espionar, e depois ficar fazendo fofocas junto aos conspiradores de sempre (blague).
Prometo não ficar mais aborrecendo ninguém com estatísticas, pois isso é o que menos interessa (aliás, não mantenho nenhum tipo de registro no meu site, para não ter de me ficar dobrando às conveniências dos leitores e visitantes). Faço o que gosto, e só posso dizer que procedo de forma escrupulosamente honesta, em primeiro lugar comigo mesmo, e espero que do ponto de vista dos meus leitores também.
Obrigado, e até a próxima.
Paulo Roberto de Almeida
(Shanghai, 15.08.2010)
Balanço do governo Lula: a mentira oficial
Ministérios relutam em ''corrigir'' Dilma
Eugênia Lopes
O Estado de S.Paulo, 14 de agosto de 2010
Governo contesta prontamente informações de candidato tucano, mas não faz reparos a dados incorretos divulgados pela petista
BRASÍLIA - Ágil em contestar informações do candidato de oposição, o tucano José Serra, o governo não trabalha com a mesma rapidez para corrigir dados incorretos apresentados pela candidata governista à Presidência, Dilma Rousseff.
Passados oito dias do debate promovido pela TV Bandeirantes entre os presidenciáveis e quatro dias depois da entrevista concedida pela petista ao Jornal Nacional, da TV Globo, os Ministérios do Trabalho, das Cidades e da Educação não haviam divulgado até ontem nenhuma correção a informações erradas dadas pela candidata do PT à sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Tratamento bem diferente foi dispensado na quinta-feira pelo governo federal a Serra. Mal terminou o Jornal Nacional, os Ministérios da Saúde e dos Transportes vieram a público contestar dados por ele apresentados. O argumento da Saúde foi que era "dever corrigir informações erradas" e o ministério "tem a responsabilidade de zelar pela correta informação à população".
Na semana passada, durante o debate da Bandeirantes, a ex-ministra da Casa Civil afirmou que o salário mínimo teve um aumento real de 74%, nos oito anos do governo Lula. O número correto era 53,6%. O Ministério do Trabalho informou que, por enquanto, não pretende fazer nenhuma correção às informações da petista.
Números imprecisos também foram apresentados por Dilma na entrevista ao Jornal Nacional, na segunda feira. Ela disse que o governo federal investiu R$ 270 milhões em saneamento na Favela da Rocinha, no Rio. Dois dias depois, recuou e explicou que o valor se referia não só a saneamento, mas também à urbanização da favela.
"Na Rocinha, estamos investindo R$ 276 milhões em saneamento integrado e urbanização. Isso significa dar condições não só em termos de estruturação. É dar condições de vida para a população. Quando investiram no complexo do Alemão? Quando investiram na Rocinha? Nunca", argumentou Dilma, momentos antes de participar de seminário sobre ferrovias, em Brasília.
Explicações. Sob a tutela de Márcio Fortes, o Ministério das Cidades confirmou ontem os dados apresentados por Dilma e acrescentou que as cifras se referiam "à construção de redes de abastecimento de água, de coleta de esgoto sanitário e drenagem". Na nota à imprensa, o ministério informou que "no Complexo da Rocinha, há dois contratos do PAC. O primeiro no valor total de R$ 114 milhões, com contrapartida do Estado no valor de R$ 55,5 milhões. O segundo contrato no valor total de R$ 151,3 milhões, com contrapartida de R$ 54,8 milhões. Esses contratos totalizam R$ 265,3 milhões que beneficiarão aproximadamente 30 mil famílias".
Assim como fez em relação ao saneamento na Rocinha, Dilma também explicou os dados apresentados na Band, sobre o aumento dos recursos aplicados na educação. Na ocasião, disse que se chegara "a algo em torno de 5% a 6% do PIB". Pela última estimativa oficial, União, Estados e municípios investiram 4,7% do PIB, em 2008. Procurado, o Ministério da Educação informou que nada dirá sobre o assunto.
Sem polêmica. Em Salvador, o tucano José Serra disse ontem que ministérios não deveriam engajar-se em campanhas - mas evitou entrar em polêmicas sobre a força-tarefa dos ministérios em defesa de Dilma Rousseff. "Não vou debater com o ministério do (presidente) Lula", afirmou. "Minha disputa eleitoral não é com o ministério do Lula, eu debato com os candidatos. Mesmo que eles estejam engajados na campanha - e não deveria ser assim - meu foco são os candidatos."
Serra aproveitou para acusar outros candidatos de cópia de programas de governo de sua campanha. "Não acho errado copiar, até porque governar é mais tirar do papel do que ter a ideia. Mas é bom que se dê o crédito."
=============
Mobilização geral por Dilma
Editorial O Estado de S.Paulo, 14.08.2010
O País seria outro em muitos aspectos se o presidente Lula tivesse convocado a administração federal a fazer o que dela a sociedade cobra com a mesma determinação empregada para fazê-la trabalhar cada vez mais pela candidatura Dilma Rousseff. E a máquina pública faria jus aos volumosos impostos recolhidos da população se os devolvesse sob a forma de serviços de boa qualidade no ritmo requerido, com o mesmo empenho e assiduidade com que se engajou na campanha sucessória, a fim de suprir as notórias deficiências da ex-ministra no embate eleitoral.
Fiel à sua proclamada prioridade “como presidente” este ano, não bastou a Lula carregar a sua afilhada pelo Brasil afora em eventos ditos administrativos, pelo que já recebeu uma penca de multas aplicadas pela Justiça Eleitoral. Tampouco deve ter considerado suficiente sincronizar o anúncio de medidas na área de políticas públicas com as promessas da candidata na montagem de uma assim chamada “agenda positiva”. Foi só ela defender a intensificação do combate ao crack, por exemplo, e eis que, num primário jogo de cartas marcadas, o Planalto apresentou o que seria um programa nacional nesse sentido.
Com igual despudor, apostando na falta de informação e senso crítico da parcela do eleitorado com que conta para eleger a ex-ministra, Lula resolveu colocar o Ministério em regime de prontidão para fazer por Dilma o que ela não conseguiria por conta própria. Na terça-feira, ele reuniu o Gabinete para exigir de seus integrantes dedicação plena à campanha eleitoral. “O povo brasileiro”, avisou na véspera, “merece que nós possamos concluir o trabalho que começamos.” Naturalmente, nenhum dos mobilizados há de ter tido dúvidas sobre a natureza desse trabalho.
Coincidência ou não, no mesmo dia do comando de ordem unida dado por Lula, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, divulgou pessoalmente um boletim estatístico eivado de falsidades. A julgar pelos números manipulados, o governo Lula é ainda melhor do que o seu titular diz ser e o governo Fernando Henrique ainda pior do que o lulismo apregoa. Dados referentes ao primeiro ano da gestão FHC, por exemplo, foram omitidos para aumentar a diferença da variação da renda nacional per capita nos dois governos.
As verdades distorcidas foram parar sem demora no site da candidatura Dilma e ela mesma se valeu de uma delas (sobre a evolução do salário mínimo) na sua vez de ser sabatinada pelo Jornal Nacional. A operação casada prosseguiu nos dias seguintes, quando os Ministérios da Saúde e dos Transportes contestaram fatos e números apresentados pelo candidato oposicionista José Serra no mesmo programa. Menos de 2 horas depois, com incomum agilidade, a Saúde divulgou nota oficial respondendo à crítica do tucano à extinção dos mutirões criados quando chefiou a Pasta. “Os mutirões foram incluídos na Política Nacional de Cirurgias Eletivas, criada em 2004″, diz a nota.
Com isso, segundo o governo, o número desses procedimentos programados subiu de 1,5 milhão para 2 milhões. O texto parece ignorar relatório oficial de março passado atestando o contrário. Em 2002, último ano da gestão Serra, foram 484 mil cirurgias de 17 modalidades. Em 2009, esse total caiu para 457 mil. O governo se vangloria das 319 mil operações de catarata no ano passado, ante 309 mil há 8 anos. Mas finge desconhecer a fila de mais de 170 mil candidatos a cirurgias nas 7 maiores cidades do País, conforme revelou O Globo. Nada disso, evidentemente, impediu o PT de anunciar no seu site que a Saúde rebatera as “mentiras de Serra”.
Já o Ministério dos Transportes negou a informação do candidato de que, a contar de 2003, foram aplicados em estradas apenas R$ 25 bilhões dos R$ 65 bilhões arrecadados com o imposto para obras de infraestrutura (Cide), entre outras. A Pasta desmentiu também que a Rodovia Fernão Dias, que liga São Paulo a Belo Horizonte, estivesse “fechada”, como afirmou Serra. O ponto não é o direito (ou o dever) dos governos de contestar com fatos objetivos as acusações que lhe são dirigidas. Mas o governo Lula, a pretexto de se defender, se mobiliza para fazer propaganda enganosa com fins eleitorais.
====================
Minha Casa, Minha Vida tem problemas em Estados
Folha de S.Paulo, 14.08.2010
A candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff, minimizou o fato de apenas 1,2% das unidades contratadas pelo Minha Casa, Minha Vida para quem ganha até três salários mínimos - faixa que concentra 90% do deficit habitacional do país- terem sido concluídas até agora. Para Dilma, o foco não deveria ser na conclusão dos imóveis, mas nos índices de contratação. “Estamos dando um show porque tem mais de 500 mil [unidades] contratadas, quando se dizia que não conseguiríamos 200 mil”, afirmou a petista.
A avaliação de Dilma, porém, contrasta com a de especialistas. Paulo Simão, presidente da CBIC [Câmara Brasileira da Indústria da Construção], parceira da Caixa na execução do programa, disse que os índices de contratação em alguns Estados são “um desastre”. “O Ceará, por exemplo, só perde para o Amapá. Mandamos o nosso pessoal para lá hoje, para saber por que os índices estão tão ruins.” Na faixa de renda de zero a três salários mínimos, em dez Estados o índice de contratações está em menos de 40% da meta.
No Amapá, a meta é de 4.589 imóveis, mas apenas 15 haviam sido contratados, o equivalente a 0,3%.
Ontem a Folha mostrou que Caixa Econômica Federal omitiu dados referentes à conclusão dos imóveis, segundo a faixa de renda a que se destinam. Os números obtidos pelo jornal constavam de balanço referente ao dia 30 de junho, divulgado apenas a parceiros do programa. Questionada sobre a omissão dos dados pela Caixa, Dilma respondeu: “Aí você pergunta para a Caixa. Não tenho a menor condição de responder. Se não mostrou, está errado porque a Caixa tem um dos melhores desempenhos dos últimos anos em matéria de habitação”, disse.
Eugênia Lopes
O Estado de S.Paulo, 14 de agosto de 2010
Governo contesta prontamente informações de candidato tucano, mas não faz reparos a dados incorretos divulgados pela petista
BRASÍLIA - Ágil em contestar informações do candidato de oposição, o tucano José Serra, o governo não trabalha com a mesma rapidez para corrigir dados incorretos apresentados pela candidata governista à Presidência, Dilma Rousseff.
Passados oito dias do debate promovido pela TV Bandeirantes entre os presidenciáveis e quatro dias depois da entrevista concedida pela petista ao Jornal Nacional, da TV Globo, os Ministérios do Trabalho, das Cidades e da Educação não haviam divulgado até ontem nenhuma correção a informações erradas dadas pela candidata do PT à sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Tratamento bem diferente foi dispensado na quinta-feira pelo governo federal a Serra. Mal terminou o Jornal Nacional, os Ministérios da Saúde e dos Transportes vieram a público contestar dados por ele apresentados. O argumento da Saúde foi que era "dever corrigir informações erradas" e o ministério "tem a responsabilidade de zelar pela correta informação à população".
Na semana passada, durante o debate da Bandeirantes, a ex-ministra da Casa Civil afirmou que o salário mínimo teve um aumento real de 74%, nos oito anos do governo Lula. O número correto era 53,6%. O Ministério do Trabalho informou que, por enquanto, não pretende fazer nenhuma correção às informações da petista.
Números imprecisos também foram apresentados por Dilma na entrevista ao Jornal Nacional, na segunda feira. Ela disse que o governo federal investiu R$ 270 milhões em saneamento na Favela da Rocinha, no Rio. Dois dias depois, recuou e explicou que o valor se referia não só a saneamento, mas também à urbanização da favela.
"Na Rocinha, estamos investindo R$ 276 milhões em saneamento integrado e urbanização. Isso significa dar condições não só em termos de estruturação. É dar condições de vida para a população. Quando investiram no complexo do Alemão? Quando investiram na Rocinha? Nunca", argumentou Dilma, momentos antes de participar de seminário sobre ferrovias, em Brasília.
Explicações. Sob a tutela de Márcio Fortes, o Ministério das Cidades confirmou ontem os dados apresentados por Dilma e acrescentou que as cifras se referiam "à construção de redes de abastecimento de água, de coleta de esgoto sanitário e drenagem". Na nota à imprensa, o ministério informou que "no Complexo da Rocinha, há dois contratos do PAC. O primeiro no valor total de R$ 114 milhões, com contrapartida do Estado no valor de R$ 55,5 milhões. O segundo contrato no valor total de R$ 151,3 milhões, com contrapartida de R$ 54,8 milhões. Esses contratos totalizam R$ 265,3 milhões que beneficiarão aproximadamente 30 mil famílias".
Assim como fez em relação ao saneamento na Rocinha, Dilma também explicou os dados apresentados na Band, sobre o aumento dos recursos aplicados na educação. Na ocasião, disse que se chegara "a algo em torno de 5% a 6% do PIB". Pela última estimativa oficial, União, Estados e municípios investiram 4,7% do PIB, em 2008. Procurado, o Ministério da Educação informou que nada dirá sobre o assunto.
Sem polêmica. Em Salvador, o tucano José Serra disse ontem que ministérios não deveriam engajar-se em campanhas - mas evitou entrar em polêmicas sobre a força-tarefa dos ministérios em defesa de Dilma Rousseff. "Não vou debater com o ministério do (presidente) Lula", afirmou. "Minha disputa eleitoral não é com o ministério do Lula, eu debato com os candidatos. Mesmo que eles estejam engajados na campanha - e não deveria ser assim - meu foco são os candidatos."
Serra aproveitou para acusar outros candidatos de cópia de programas de governo de sua campanha. "Não acho errado copiar, até porque governar é mais tirar do papel do que ter a ideia. Mas é bom que se dê o crédito."
=============
Mobilização geral por Dilma
Editorial O Estado de S.Paulo, 14.08.2010
O País seria outro em muitos aspectos se o presidente Lula tivesse convocado a administração federal a fazer o que dela a sociedade cobra com a mesma determinação empregada para fazê-la trabalhar cada vez mais pela candidatura Dilma Rousseff. E a máquina pública faria jus aos volumosos impostos recolhidos da população se os devolvesse sob a forma de serviços de boa qualidade no ritmo requerido, com o mesmo empenho e assiduidade com que se engajou na campanha sucessória, a fim de suprir as notórias deficiências da ex-ministra no embate eleitoral.
Fiel à sua proclamada prioridade “como presidente” este ano, não bastou a Lula carregar a sua afilhada pelo Brasil afora em eventos ditos administrativos, pelo que já recebeu uma penca de multas aplicadas pela Justiça Eleitoral. Tampouco deve ter considerado suficiente sincronizar o anúncio de medidas na área de políticas públicas com as promessas da candidata na montagem de uma assim chamada “agenda positiva”. Foi só ela defender a intensificação do combate ao crack, por exemplo, e eis que, num primário jogo de cartas marcadas, o Planalto apresentou o que seria um programa nacional nesse sentido.
Com igual despudor, apostando na falta de informação e senso crítico da parcela do eleitorado com que conta para eleger a ex-ministra, Lula resolveu colocar o Ministério em regime de prontidão para fazer por Dilma o que ela não conseguiria por conta própria. Na terça-feira, ele reuniu o Gabinete para exigir de seus integrantes dedicação plena à campanha eleitoral. “O povo brasileiro”, avisou na véspera, “merece que nós possamos concluir o trabalho que começamos.” Naturalmente, nenhum dos mobilizados há de ter tido dúvidas sobre a natureza desse trabalho.
Coincidência ou não, no mesmo dia do comando de ordem unida dado por Lula, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, divulgou pessoalmente um boletim estatístico eivado de falsidades. A julgar pelos números manipulados, o governo Lula é ainda melhor do que o seu titular diz ser e o governo Fernando Henrique ainda pior do que o lulismo apregoa. Dados referentes ao primeiro ano da gestão FHC, por exemplo, foram omitidos para aumentar a diferença da variação da renda nacional per capita nos dois governos.
As verdades distorcidas foram parar sem demora no site da candidatura Dilma e ela mesma se valeu de uma delas (sobre a evolução do salário mínimo) na sua vez de ser sabatinada pelo Jornal Nacional. A operação casada prosseguiu nos dias seguintes, quando os Ministérios da Saúde e dos Transportes contestaram fatos e números apresentados pelo candidato oposicionista José Serra no mesmo programa. Menos de 2 horas depois, com incomum agilidade, a Saúde divulgou nota oficial respondendo à crítica do tucano à extinção dos mutirões criados quando chefiou a Pasta. “Os mutirões foram incluídos na Política Nacional de Cirurgias Eletivas, criada em 2004″, diz a nota.
Com isso, segundo o governo, o número desses procedimentos programados subiu de 1,5 milhão para 2 milhões. O texto parece ignorar relatório oficial de março passado atestando o contrário. Em 2002, último ano da gestão Serra, foram 484 mil cirurgias de 17 modalidades. Em 2009, esse total caiu para 457 mil. O governo se vangloria das 319 mil operações de catarata no ano passado, ante 309 mil há 8 anos. Mas finge desconhecer a fila de mais de 170 mil candidatos a cirurgias nas 7 maiores cidades do País, conforme revelou O Globo. Nada disso, evidentemente, impediu o PT de anunciar no seu site que a Saúde rebatera as “mentiras de Serra”.
Já o Ministério dos Transportes negou a informação do candidato de que, a contar de 2003, foram aplicados em estradas apenas R$ 25 bilhões dos R$ 65 bilhões arrecadados com o imposto para obras de infraestrutura (Cide), entre outras. A Pasta desmentiu também que a Rodovia Fernão Dias, que liga São Paulo a Belo Horizonte, estivesse “fechada”, como afirmou Serra. O ponto não é o direito (ou o dever) dos governos de contestar com fatos objetivos as acusações que lhe são dirigidas. Mas o governo Lula, a pretexto de se defender, se mobiliza para fazer propaganda enganosa com fins eleitorais.
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Minha Casa, Minha Vida tem problemas em Estados
Folha de S.Paulo, 14.08.2010
A candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff, minimizou o fato de apenas 1,2% das unidades contratadas pelo Minha Casa, Minha Vida para quem ganha até três salários mínimos - faixa que concentra 90% do deficit habitacional do país- terem sido concluídas até agora. Para Dilma, o foco não deveria ser na conclusão dos imóveis, mas nos índices de contratação. “Estamos dando um show porque tem mais de 500 mil [unidades] contratadas, quando se dizia que não conseguiríamos 200 mil”, afirmou a petista.
A avaliação de Dilma, porém, contrasta com a de especialistas. Paulo Simão, presidente da CBIC [Câmara Brasileira da Indústria da Construção], parceira da Caixa na execução do programa, disse que os índices de contratação em alguns Estados são “um desastre”. “O Ceará, por exemplo, só perde para o Amapá. Mandamos o nosso pessoal para lá hoje, para saber por que os índices estão tão ruins.” Na faixa de renda de zero a três salários mínimos, em dez Estados o índice de contratações está em menos de 40% da meta.
No Amapá, a meta é de 4.589 imóveis, mas apenas 15 haviam sido contratados, o equivalente a 0,3%.
Ontem a Folha mostrou que Caixa Econômica Federal omitiu dados referentes à conclusão dos imóveis, segundo a faixa de renda a que se destinam. Os números obtidos pelo jornal constavam de balanço referente ao dia 30 de junho, divulgado apenas a parceiros do programa. Questionada sobre a omissão dos dados pela Caixa, Dilma respondeu: “Aí você pergunta para a Caixa. Não tenho a menor condição de responder. Se não mostrou, está errado porque a Caixa tem um dos melhores desempenhos dos últimos anos em matéria de habitação”, disse.
Balanco do governo Lula: o capitulo social (RIP Fome Zero)
O Brasil mudou? Talvez, mas esses habitantes da cidade que tinha sido escolhida para ser o símbolo da mudança talvez não concordariam com a avaliação. Vejam a matéria abaixo.
Paulo Roberto de Almeida
Os restos mortais do Fome Zero se espalham pela cidade onde nasceu
Augusto Nunes - Direto ao Ponto
Blog Veja, 13/08/2010

Concebido pelo presidente Lula, o Programa Fome Zero nasceu em 3 de fevereiro de 2003 num palanque armado na única praça de Guaribas, interior do Piauí. Morreu dois anos depois sem ter saído do berço, mas nunca teve sepultamento cristão. Ninguém providenciou o velório, o atestado de óbito não foi expedido. Só existe a certidão de batismo, assinada pelo governador Wellington Dias e por quatro ministros que, na grande festa promovida há sete anos e meio, enxergaram no recém-nascido a cara do Brasil-Maravilha inventado pelo maior goverrnante de todos os tempos.
Depois da discurseira do governador, depois do falatório dos ministros Ciro Gomes (Integração Nacional), Benedita da Silva (Assistência e Promoção Social), José Graziano (Segurança Alimentar) e Olívio Dutra (Cidades), os quase 5 mil habitantes souberam como seria, no máximo até dezembro de 2006, a vida de quem tivera a sorte de vir ao mundo no lugarejo promovido por Lula a Capital do Fome Zero. Um vidaço de Primeiro Mundo.
A cidade seria premiada com médicos, um hospital, postos de saúde, uma farmácia, escolas, esgoto, água, luz, telefone, calçamento, um hotel, uma estrada asfaltada de 53 quilômetros, um programa de fortalecimento da agricultura familiar, outro de capacitação profissional. Quem não ganhasse dinheiro no campo prosperaria na cidade como artesão ou costureira. Uma empresa do governo, Emgerpi, cuidaria exclusivamente do mundaréu de canteiros de obras. E administraria com especial carinho p Memorial do Fome Zero, colosso arquitetônico destinado a eternizar a lembrança do dia em que tudo mudou.
As coisas se arrastaram até 2005, quando o governo federal descobriu que o Bolsa-Família rendia muito mais votos, matou o Fome Zero de inanição e tentou sumir com o corpo. Não conseguiu, constatou em julho a repórter Sandra Martins, do jornal Tribuna do Piauí. A jornalista descobriu que os restos mortais da fantasia eleitoreira se espalham pela cidade iludida. E transformaram Guaribas numa prova contundente de que a visão do Brasil real é obscurecida por um país do faz-de-conta que só existe na propaganda oficial.
Passados sete anos e meio, há em Guaribas as três escolas que já existiam, um posto de saúde, um médico, nenhum hospital, três enfermeiros, nenhuma farmácia, cinco telefones públicos, uma lanchonete, uma mercearia, uma agência do Bradesco. As calçadas são contadas em metros, as ruas continuam sem pavimentação, só existe água em poucas casas, falta energia elétrica, e centenas de fossas denunciam a inexistência de tratamento de esgoto no aglomerado de 942 residências, incluídos os casebres miseráveis que o governador e os ministros prometeram erradicar.
O programa de capacitação profissional parou nas máquinas de costura que enferrujam perto da praça. A agricultura familiar nunca desceu do palanque: neste ano, a safra se resumiu a um punhado de sacos de milho. A estrada não foi pavimentada. A construção do memorial ficou no esqueleto. Esquecido pelo PAC, que entre o que não vai construir incluiu até um trem-bala, o monumento virou ruína sem ter sido inaugurado.
Como as 805 bolsas-família são insuficientes, muitos moradores engrossaram a diáspora dos nordestinos. “A população diminuiu, as pessoas estão indo embora em busca de trabalho”, lamenta o secretário de Administração da prefeitura, Edmilson Pereira Maia, que atribui o fiasco do Fome Zero ao descaso do governo federal. “Eles montaram aqui uma administração paralela e depois abandonaram tudo”, informa. O escritório ocupado pela Emgerpi está com as portas lacradas há mais de ano. O dono do imóvel, Manoel Gomes, avisa que só vai devolver a mobília e os objetos que reteve quando receber o aluguel atrasado.
Lula prometeu visitar Guaribas duas vezes. Nunca deu as caras por lá, mas importou alguns moradores para uma audiência em Brasília. Carmelita Rocha, 70 anos, uma das integrantes da comitiva, jamais soube exatamente o que foi fazer na capital, mas garante que ali viveu os melhores momentos da vida. Comeu bem, dormiu num quarto de hotel, passeou em carros de luxo. As coisas hoje ficaram muito piores.
Viúva há três meses, sustenta a própria família e a da irmã, que também enviuvou recentemente, com os R$ 400 da aposentadoria que herdou do marido, enterrado na cova rasa com o corpo envolvo numa rede. “Compro um saco de arroz, café, açúcar, massa de milho, sabão e só”, diz Carmelita. “Não estamos passando fome rachada, mas são vários dias que não temos o que comer”. Ela recorda nitidamente do comício que lhe prometeu três refeições por dia. Se conseguisse uma, Carmelita ficaria muito feliz.
Vejam como está a rodovia que Lula prometeu em 2003 à capital do Fome Zero

Foto: André Pessoa
Em 3 de fevereiro de 2003, liderada pelo governador Wellington Dias, a comitiva encorpada por cinco ministros e dezenas de pais da pátria baixou em Guaribas, no interior do Piauí, para a festa de lançamento do Programa Fome Zero. Concebido pelo governo Lula, o programa garantiria três refeições por dia e uma vida de Primeiro Mundo aos 200 milhões de brasileiros ─ começando pela cidade de 5 mil habitantes oficialmente promovida a Capital do Fome Zero.
Três horas de discurseira celebraram as providências que haveriam de conferir feições europeias ao lugarejo distante de Teresina mais de 600 quilômetros. “Vamos começar pelo asfaltamento da estrada”, prometeu em nome do presidente Lula o governador piauiense, sob os sorrisos aprovadores dos figurões federais e a felicidade geral da população: nada merecia mais urgência que a pavimentação dos 54 quilômetros de terra que ligavam (ou separavam) Guaribas de Caracol, o município mais próximo.
O presidente Lula exigira o asfalto, explicou Wellington Dias, porque fazia questão de aparecer por lá de carro, não a bordo de helicópteros. Em novembro de 2009, os moradores de Guaribas foram informados de que o chefe de governo enfim daria as caras na capital que nunca visitou. O comício foi cancelado quando Lula soube que não havia nada a inaugurar. Nem havia estrada asfaltada.
Como se verá num dos posts desta sexta-feira, as promessas nunca saíram do papel. A construção do Memorial Fome Zero, iniciada em 2003, foi interrompida no ano seguinte. Ao virar ruína antes de existir, o memorial transformou-se num monumento à fantasia irresponsável. Passados sete anos e meio, a foto mostra como está a rodovia que leva à capital do Brasil do faz-de-conta que Lula inventou e Dilma Rousseff finge que enxerga.
Paulo Roberto de Almeida
Os restos mortais do Fome Zero se espalham pela cidade onde nasceu
Augusto Nunes - Direto ao Ponto
Blog Veja, 13/08/2010

Concebido pelo presidente Lula, o Programa Fome Zero nasceu em 3 de fevereiro de 2003 num palanque armado na única praça de Guaribas, interior do Piauí. Morreu dois anos depois sem ter saído do berço, mas nunca teve sepultamento cristão. Ninguém providenciou o velório, o atestado de óbito não foi expedido. Só existe a certidão de batismo, assinada pelo governador Wellington Dias e por quatro ministros que, na grande festa promovida há sete anos e meio, enxergaram no recém-nascido a cara do Brasil-Maravilha inventado pelo maior goverrnante de todos os tempos.
Depois da discurseira do governador, depois do falatório dos ministros Ciro Gomes (Integração Nacional), Benedita da Silva (Assistência e Promoção Social), José Graziano (Segurança Alimentar) e Olívio Dutra (Cidades), os quase 5 mil habitantes souberam como seria, no máximo até dezembro de 2006, a vida de quem tivera a sorte de vir ao mundo no lugarejo promovido por Lula a Capital do Fome Zero. Um vidaço de Primeiro Mundo.
A cidade seria premiada com médicos, um hospital, postos de saúde, uma farmácia, escolas, esgoto, água, luz, telefone, calçamento, um hotel, uma estrada asfaltada de 53 quilômetros, um programa de fortalecimento da agricultura familiar, outro de capacitação profissional. Quem não ganhasse dinheiro no campo prosperaria na cidade como artesão ou costureira. Uma empresa do governo, Emgerpi, cuidaria exclusivamente do mundaréu de canteiros de obras. E administraria com especial carinho p Memorial do Fome Zero, colosso arquitetônico destinado a eternizar a lembrança do dia em que tudo mudou.
As coisas se arrastaram até 2005, quando o governo federal descobriu que o Bolsa-Família rendia muito mais votos, matou o Fome Zero de inanição e tentou sumir com o corpo. Não conseguiu, constatou em julho a repórter Sandra Martins, do jornal Tribuna do Piauí. A jornalista descobriu que os restos mortais da fantasia eleitoreira se espalham pela cidade iludida. E transformaram Guaribas numa prova contundente de que a visão do Brasil real é obscurecida por um país do faz-de-conta que só existe na propaganda oficial.
Passados sete anos e meio, há em Guaribas as três escolas que já existiam, um posto de saúde, um médico, nenhum hospital, três enfermeiros, nenhuma farmácia, cinco telefones públicos, uma lanchonete, uma mercearia, uma agência do Bradesco. As calçadas são contadas em metros, as ruas continuam sem pavimentação, só existe água em poucas casas, falta energia elétrica, e centenas de fossas denunciam a inexistência de tratamento de esgoto no aglomerado de 942 residências, incluídos os casebres miseráveis que o governador e os ministros prometeram erradicar.
O programa de capacitação profissional parou nas máquinas de costura que enferrujam perto da praça. A agricultura familiar nunca desceu do palanque: neste ano, a safra se resumiu a um punhado de sacos de milho. A estrada não foi pavimentada. A construção do memorial ficou no esqueleto. Esquecido pelo PAC, que entre o que não vai construir incluiu até um trem-bala, o monumento virou ruína sem ter sido inaugurado.
Como as 805 bolsas-família são insuficientes, muitos moradores engrossaram a diáspora dos nordestinos. “A população diminuiu, as pessoas estão indo embora em busca de trabalho”, lamenta o secretário de Administração da prefeitura, Edmilson Pereira Maia, que atribui o fiasco do Fome Zero ao descaso do governo federal. “Eles montaram aqui uma administração paralela e depois abandonaram tudo”, informa. O escritório ocupado pela Emgerpi está com as portas lacradas há mais de ano. O dono do imóvel, Manoel Gomes, avisa que só vai devolver a mobília e os objetos que reteve quando receber o aluguel atrasado.
Lula prometeu visitar Guaribas duas vezes. Nunca deu as caras por lá, mas importou alguns moradores para uma audiência em Brasília. Carmelita Rocha, 70 anos, uma das integrantes da comitiva, jamais soube exatamente o que foi fazer na capital, mas garante que ali viveu os melhores momentos da vida. Comeu bem, dormiu num quarto de hotel, passeou em carros de luxo. As coisas hoje ficaram muito piores.
Viúva há três meses, sustenta a própria família e a da irmã, que também enviuvou recentemente, com os R$ 400 da aposentadoria que herdou do marido, enterrado na cova rasa com o corpo envolvo numa rede. “Compro um saco de arroz, café, açúcar, massa de milho, sabão e só”, diz Carmelita. “Não estamos passando fome rachada, mas são vários dias que não temos o que comer”. Ela recorda nitidamente do comício que lhe prometeu três refeições por dia. Se conseguisse uma, Carmelita ficaria muito feliz.
Vejam como está a rodovia que Lula prometeu em 2003 à capital do Fome Zero

Foto: André Pessoa
Em 3 de fevereiro de 2003, liderada pelo governador Wellington Dias, a comitiva encorpada por cinco ministros e dezenas de pais da pátria baixou em Guaribas, no interior do Piauí, para a festa de lançamento do Programa Fome Zero. Concebido pelo governo Lula, o programa garantiria três refeições por dia e uma vida de Primeiro Mundo aos 200 milhões de brasileiros ─ começando pela cidade de 5 mil habitantes oficialmente promovida a Capital do Fome Zero.
Três horas de discurseira celebraram as providências que haveriam de conferir feições europeias ao lugarejo distante de Teresina mais de 600 quilômetros. “Vamos começar pelo asfaltamento da estrada”, prometeu em nome do presidente Lula o governador piauiense, sob os sorrisos aprovadores dos figurões federais e a felicidade geral da população: nada merecia mais urgência que a pavimentação dos 54 quilômetros de terra que ligavam (ou separavam) Guaribas de Caracol, o município mais próximo.
O presidente Lula exigira o asfalto, explicou Wellington Dias, porque fazia questão de aparecer por lá de carro, não a bordo de helicópteros. Em novembro de 2009, os moradores de Guaribas foram informados de que o chefe de governo enfim daria as caras na capital que nunca visitou. O comício foi cancelado quando Lula soube que não havia nada a inaugurar. Nem havia estrada asfaltada.
Como se verá num dos posts desta sexta-feira, as promessas nunca saíram do papel. A construção do Memorial Fome Zero, iniciada em 2003, foi interrompida no ano seguinte. Ao virar ruína antes de existir, o memorial transformou-se num monumento à fantasia irresponsável. Passados sete anos e meio, a foto mostra como está a rodovia que leva à capital do Brasil do faz-de-conta que Lula inventou e Dilma Rousseff finge que enxerga.
Livro - Roberto Zentgraf e Fabio Giambiagi: O Futuro é Agora
Pode o Brasil crescer rapidamente?: os dados de investimento
Muitos estão eufóricos com a taxa de crescimento atual do Brasil, achando que o país vai rapidamente superar 6 ou 7% do PIB e se manter em patamares elevados pelos próximos anos.
Difícil dizer isso com base nas baixíssimas taxas de poupança (em torno de 17 ou 18% do PIB apenas) e de investimentos totais: não mais do que 20% do PIB, e provavelmente abaixo disso, computando-se o investimento total brasileiro, com base naquela poupança, e algo em torno de 1 a 1,5% de poupança externa.
Quanto ao investimento público, bem, ele se mantém em patamares ridículos há muito tempo.
Considerando-se o quadro abaixo (clique para ampliar), comparativo entre países emergentes (um termo um tanto abusado) apenas, constatamos que nosso Estado despoupador líquido é um dos mais modestos, e até insignificantes, investidores do mundo. Para uma média mundial superior a 7% do PIB, investimos pouco mais de 1%, uma das taxas mais baixas do mundo (quando se conhece a voracidade tributária do Estado, para gastar consigo mesmo, sabe-se facilmente a razão disso).

O quadro foi tirado desta apresentação:
LRF x Política Fiscal Brasileira
José Roberto Afonso
Portal de Economia, Qui, 05 de Agosto de 2010
10 Anos da Lei de Responsabilidade Fiscal no Brasil
Apresentação de José R. Afonso em Workshop do BID, em Washington (09/08/2010).
Estruturada em três partes: memória e evolução da lei; projetos de reforma fiscal; e conjuntura e cenários fiscais (além de extensos anexos estatísticos). O trabalho procura conectar aspectos institucionais (desde a concepção até o debate atual para reforma da LRF) aos conjunturais (como a expansão recente da dívida pública bruta).
PDF: BID10AnosLRF.pdf (501 Kb - 6/8/2010)
Difícil dizer isso com base nas baixíssimas taxas de poupança (em torno de 17 ou 18% do PIB apenas) e de investimentos totais: não mais do que 20% do PIB, e provavelmente abaixo disso, computando-se o investimento total brasileiro, com base naquela poupança, e algo em torno de 1 a 1,5% de poupança externa.
Quanto ao investimento público, bem, ele se mantém em patamares ridículos há muito tempo.
Considerando-se o quadro abaixo (clique para ampliar), comparativo entre países emergentes (um termo um tanto abusado) apenas, constatamos que nosso Estado despoupador líquido é um dos mais modestos, e até insignificantes, investidores do mundo. Para uma média mundial superior a 7% do PIB, investimos pouco mais de 1%, uma das taxas mais baixas do mundo (quando se conhece a voracidade tributária do Estado, para gastar consigo mesmo, sabe-se facilmente a razão disso).

O quadro foi tirado desta apresentação:
LRF x Política Fiscal Brasileira
José Roberto Afonso
Portal de Economia, Qui, 05 de Agosto de 2010
10 Anos da Lei de Responsabilidade Fiscal no Brasil
Apresentação de José R. Afonso em Workshop do BID, em Washington (09/08/2010).
Estruturada em três partes: memória e evolução da lei; projetos de reforma fiscal; e conjuntura e cenários fiscais (além de extensos anexos estatísticos). O trabalho procura conectar aspectos institucionais (desde a concepção até o debate atual para reforma da LRF) aos conjunturais (como a expansão recente da dívida pública bruta).
PDF: BID10AnosLRF.pdf (501 Kb - 6/8/2010)
O embuste do discurso contra as elites - Leoncio M Rodrigues.
Nunca antes neste país, membros da nova elite, a nomenklatura saída da máfia sindical, falaram tanto contra as elites, convivendo de forma tão promíscua com as próprias, e sabendo integrar-se tão rapidamente a elas.
Na verdade, como já disse o jornalista Reinaldo Azevedo, se trata da "burguesia do capital alheio". E que está enriquecendo, na verdade, com o dinheiro dos brasileiros pobres.
Quem vive em Brasília, como eu, sabe exatamente que restaurantes frequentam esses novos burgueses, com contas incompatíveis com salários de simples funcionários DAS 5 ou 6. Não é possível manter esse "trem de vida" (como diriam os mineiros), sem fontes extras de rendimentos não declarados...
Para bom entendedor...
Paulo Roberto de Almeida
Nossas elites
Leôncio Martins Rodrigues
O Estado de S.Paulo, 12 de agosto de 2010
De tempos em tempos, a crítica às "nossas elites" volta a frequentar o discurso petista. Não fica claro quem são elas. Sabe-se, contudo, como denunciou recentemente o presidente Lula, que são capazes de muitos crimes contra o povo e contra o País, até mesmo de assassínio de quem morreu de morte morrida, como o ex-presidente Jânio Quadros. Getúlio Vargas - latifundiário, deputado estadual, deputado federal, governador do Rio Grande do Sul, ministro da Fazenda do presidente Washington Luís, 20 anos na Presidência da República (15 dos quais com poderes ditatoriais) -, classificado por Lula como uma das vítimas das "nossas elites", obviamente delas não poderia fazer parte.
Mas a referência às pérfidas elites antipovo, ainda que contenha incorreções históricas, tem um objetivo político-eleitoral. Não deve ser apreciada pela consistência teórica, com a qual, aliás, o ex-sindicalista não está preocupado. O importante é criar, na imaginação popular, um inimigo perigoso, de feições nebulosas, que não se sabe exatamente quem é. Repetida à saciedade, a acusação cria uma verdade.
Se aumentar a tensão social e/ou os cargos públicos correrem risco de passar para os adversários, uma nova categoria política poderia ser criada pelas alas petistas mais à esquerda: a de inimigo do povo. Mas para os novos-ricos que ascenderam sob as asas do ex-metalúrgico agitar a bandeira antielite traz a vantagem suplementar de ocultar a própria ascensão, isto é, fazer parte da elite sem parecer, sonho de todo político nesta época de democracia de massas.
Acontece que a popularização da composição da classe política e da elite no poder, ou seja, a ascensão de lideranças originárias das camadas médias, está fazendo menos convincentes e eleitoralmente pouco rendoso culpar as "nossas elites". Uma larga parcela dos ricos e poderosos está aliada ao PT. O presidente Lula poderia chamá-los de companheiros. A elite política brasileira, a alta cúpula do governo, dos que mandam e ocupam posições estratégicas na máquina governamental, é formada hoje pelos políticos, intelectuais de esquerda, apparatchiks, militantes e sindicalistas do PT. A maioria entrou para a política pelo trampolim de poderosos sindicatos da estrutura corporativa fascista, do catolicismo "progressista", das igrejas evangélicas, das ONGs e de outras organizações que servem de passagem para a classe política e dela para as instâncias de poder e ampliação do patrimônio. Na Câmara dos Deputados, para dar um exemplo, os ex-sindicalistas têm ocupado, nas últimas eleições, cerca de 10% das cadeiras.
Do ângulo socioprofissional, os componentes da nova classe ascendente dos políticos profissionais vêm dos segmentos das classes médias de nível relativamente alto de escolaridade, em que avultam os professores do ensino elementar e médio da rede pública, os bancários e técnicos, os servidores públicos e empregados do Estado, setores que poderíamos incluir - com a imprecisão habitual do conceito - nas classes médias-médias, a classe C. Não vêm tipicamente das camadas mais pobres que não dispõem de nível educacional que lhes possibilite passar de eleitor a eleito, ou seja, "entrar para a política". Seriam as classes D e E, com as quais os políticos da classe C, na disputa pelo voto dos pobres, têm mais facilidade de comunicação do que os das classes A e B.
Para captar o fenômeno da popularização da classe política e do declínio das elites tradicionais basta considerar os três principais competidores ao cargo máximo de presidente da República (duas mulheres). Todos vieram de fora da elite política tradicional. Marina Silva é quem veio mais de baixo. O pai era seringueiro. Alfabetizou-se aos 16 anos. José Serra é filho de feirante, imigrante italiano. Dilma Rousseff vem de uma família de classe média alta, mas não tradicional: o pai era engenheiro, nascido na Bulgária. Todos os três obtiveram diploma de nível universitário. Embora hoje possam ser classificados como membros da elite política, nenhum teve origem na própria elite. Entraram na política pela porta da esquerda, como é comum ocorrer com os pré-políticos de classe média e baixa que estão procurando entrar para a vida pública.
Não seria necessário ressaltar que grandes empresas e políticos de alta renda continuam a ter muito peso no interior dos órgãos de poder e da classe política. Ainda que o espaço que ocupavam no sistema decisório se tenha reduzido, as camadas empresariais continuam sendo uma peça importante na arena política. Talvez estejam mais participantes do que nunca, por meio, também, do financiamento dos candidatos de classe média e classe popular empenhados em ascender. Acontece que a popularização e a democratização marcham junto com a elevação astronômica dos custos das campanhas eleitorais. Esses custos se tornaram muito mais elevados do que na época do poder oligárquico, em que poucos votavam. Os ex-plebeus recém-chegados à classe política são, pois, forçados a recorrer às doações dos grandes financiadores de campanhas. A democracia de massas não elimina a influência do grande capital, das grandes empreiteiras e do sistema financeiro, particularmente. Expulsos pela porta, voltaram pela janela.
O resultado hoje é uma elite política heterogênea. Políticos das velhas oligarquias, que seriam a expressão mais típica das "nossas elites", confraternizam com os ex-plebeus ascendentes, os primeiros geralmente nos partidos ditos de direita, os segundo nos partidos ditos de esquerda.
Assim, a denúncia demagógica contra as nossas elites, mesmo que continue a habitar o discurso petista, tende a soar cada vez mais falsa, não só porque as classes altas tradicionais não têm mais o monopólio do poder político, como também porque as altas chefias petistas passaram a fazer parte da elite.
EX-PROFESSOR TITULAR DOS DEPARTAMENTOS DE CIÊNCIA POLÍTICA DA USP E DA UNICAMP, É AUTOR DE "DESTINO DO SINDICALISMO"
Na verdade, como já disse o jornalista Reinaldo Azevedo, se trata da "burguesia do capital alheio". E que está enriquecendo, na verdade, com o dinheiro dos brasileiros pobres.
Quem vive em Brasília, como eu, sabe exatamente que restaurantes frequentam esses novos burgueses, com contas incompatíveis com salários de simples funcionários DAS 5 ou 6. Não é possível manter esse "trem de vida" (como diriam os mineiros), sem fontes extras de rendimentos não declarados...
Para bom entendedor...
Paulo Roberto de Almeida
Nossas elites
Leôncio Martins Rodrigues
O Estado de S.Paulo, 12 de agosto de 2010
De tempos em tempos, a crítica às "nossas elites" volta a frequentar o discurso petista. Não fica claro quem são elas. Sabe-se, contudo, como denunciou recentemente o presidente Lula, que são capazes de muitos crimes contra o povo e contra o País, até mesmo de assassínio de quem morreu de morte morrida, como o ex-presidente Jânio Quadros. Getúlio Vargas - latifundiário, deputado estadual, deputado federal, governador do Rio Grande do Sul, ministro da Fazenda do presidente Washington Luís, 20 anos na Presidência da República (15 dos quais com poderes ditatoriais) -, classificado por Lula como uma das vítimas das "nossas elites", obviamente delas não poderia fazer parte.
Mas a referência às pérfidas elites antipovo, ainda que contenha incorreções históricas, tem um objetivo político-eleitoral. Não deve ser apreciada pela consistência teórica, com a qual, aliás, o ex-sindicalista não está preocupado. O importante é criar, na imaginação popular, um inimigo perigoso, de feições nebulosas, que não se sabe exatamente quem é. Repetida à saciedade, a acusação cria uma verdade.
Se aumentar a tensão social e/ou os cargos públicos correrem risco de passar para os adversários, uma nova categoria política poderia ser criada pelas alas petistas mais à esquerda: a de inimigo do povo. Mas para os novos-ricos que ascenderam sob as asas do ex-metalúrgico agitar a bandeira antielite traz a vantagem suplementar de ocultar a própria ascensão, isto é, fazer parte da elite sem parecer, sonho de todo político nesta época de democracia de massas.
Acontece que a popularização da composição da classe política e da elite no poder, ou seja, a ascensão de lideranças originárias das camadas médias, está fazendo menos convincentes e eleitoralmente pouco rendoso culpar as "nossas elites". Uma larga parcela dos ricos e poderosos está aliada ao PT. O presidente Lula poderia chamá-los de companheiros. A elite política brasileira, a alta cúpula do governo, dos que mandam e ocupam posições estratégicas na máquina governamental, é formada hoje pelos políticos, intelectuais de esquerda, apparatchiks, militantes e sindicalistas do PT. A maioria entrou para a política pelo trampolim de poderosos sindicatos da estrutura corporativa fascista, do catolicismo "progressista", das igrejas evangélicas, das ONGs e de outras organizações que servem de passagem para a classe política e dela para as instâncias de poder e ampliação do patrimônio. Na Câmara dos Deputados, para dar um exemplo, os ex-sindicalistas têm ocupado, nas últimas eleições, cerca de 10% das cadeiras.
Do ângulo socioprofissional, os componentes da nova classe ascendente dos políticos profissionais vêm dos segmentos das classes médias de nível relativamente alto de escolaridade, em que avultam os professores do ensino elementar e médio da rede pública, os bancários e técnicos, os servidores públicos e empregados do Estado, setores que poderíamos incluir - com a imprecisão habitual do conceito - nas classes médias-médias, a classe C. Não vêm tipicamente das camadas mais pobres que não dispõem de nível educacional que lhes possibilite passar de eleitor a eleito, ou seja, "entrar para a política". Seriam as classes D e E, com as quais os políticos da classe C, na disputa pelo voto dos pobres, têm mais facilidade de comunicação do que os das classes A e B.
Para captar o fenômeno da popularização da classe política e do declínio das elites tradicionais basta considerar os três principais competidores ao cargo máximo de presidente da República (duas mulheres). Todos vieram de fora da elite política tradicional. Marina Silva é quem veio mais de baixo. O pai era seringueiro. Alfabetizou-se aos 16 anos. José Serra é filho de feirante, imigrante italiano. Dilma Rousseff vem de uma família de classe média alta, mas não tradicional: o pai era engenheiro, nascido na Bulgária. Todos os três obtiveram diploma de nível universitário. Embora hoje possam ser classificados como membros da elite política, nenhum teve origem na própria elite. Entraram na política pela porta da esquerda, como é comum ocorrer com os pré-políticos de classe média e baixa que estão procurando entrar para a vida pública.
Não seria necessário ressaltar que grandes empresas e políticos de alta renda continuam a ter muito peso no interior dos órgãos de poder e da classe política. Ainda que o espaço que ocupavam no sistema decisório se tenha reduzido, as camadas empresariais continuam sendo uma peça importante na arena política. Talvez estejam mais participantes do que nunca, por meio, também, do financiamento dos candidatos de classe média e classe popular empenhados em ascender. Acontece que a popularização e a democratização marcham junto com a elevação astronômica dos custos das campanhas eleitorais. Esses custos se tornaram muito mais elevados do que na época do poder oligárquico, em que poucos votavam. Os ex-plebeus recém-chegados à classe política são, pois, forçados a recorrer às doações dos grandes financiadores de campanhas. A democracia de massas não elimina a influência do grande capital, das grandes empreiteiras e do sistema financeiro, particularmente. Expulsos pela porta, voltaram pela janela.
O resultado hoje é uma elite política heterogênea. Políticos das velhas oligarquias, que seriam a expressão mais típica das "nossas elites", confraternizam com os ex-plebeus ascendentes, os primeiros geralmente nos partidos ditos de direita, os segundo nos partidos ditos de esquerda.
Assim, a denúncia demagógica contra as nossas elites, mesmo que continue a habitar o discurso petista, tende a soar cada vez mais falsa, não só porque as classes altas tradicionais não têm mais o monopólio do poder político, como também porque as altas chefias petistas passaram a fazer parte da elite.
EX-PROFESSOR TITULAR DOS DEPARTAMENTOS DE CIÊNCIA POLÍTICA DA USP E DA UNICAMP, É AUTOR DE "DESTINO DO SINDICALISMO"
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