Eu não sou gaúcho, e portanto poderia dizer: vocês que são gaúchos que se entendam...
Brincadeira, claro. Sou casado (há muito tempo, e não pretendo descasar, mas casar novamente, por amor mesmo), com uma gaúcho, e portanto, nada do que é gaúcho me é indiferente, sobretudo economia e políticas públicas, que são meu prato intelectual favorito de estudos e debates.
Considero grave as informações abaixo do jornalista gaúcho Políbio Braga, cuja coluna diária acompanha, não tanto por gauchismo de osmose, mas por interesse mesmo (são tão poucos os jornalistas inteligentes neste país).
Sinto pena dos gaúchos, cidadão de um estado que já nos deu Oswaldo Aranha e tantos outros nomes de valor, que já teve a melhor educação do país (já não é mais o caso, graças aos companheiros), que já teve o melhor IDH (já não é mais o caso), que já espalhou civilização, cidadania e trabalho pelo resto do Brasil, exportando seus muitos filhos agricultores, churrasqueiros, trabalhadores, gaiteiros e "mateiros". Infelizmente, estão conseguindo destruir o estado.
Confio nos bons valores, como os do Foro da Liberdade, que se reune em poucos dias.
Auguro dias melhores, quando os bárbaros deixarem o governo...
Paulo Roberto de Almeida
Governo Tarso Genro promove assalto inédito ao caixa único do Estado. Ele confisca R$ 4,2 bilhões da conta dos depósitos judiciais.
Políbio Braga, 3/04/2013
O governo do sr. Tarso Genro finalmente abriu parte da caixa preto em que transformou seu caixa único, chamou a domesticada jornalista Rosane Oliveira, RBS, e mandou seu recado curto e grosso:
- Pegamos R$ 4,2 bilhões dos depósitos judiciais (depósitos de partes em ações tramitando nas instâncias de outro Poder, o Judiciário) e enfiamos no caixa único, onde gastaremos quando bem entendermos, onde bem entendermos e jamais devolveremos.
. Questionado pela jornalista sobre o ineditismo do assalto aos cofres públicos, o secretário Odir Tonnollier foi de uma franqueza apalermante:
- Ah, mas o Rigotto fez o mesmo e além disto a lei nos autoriza a fazer isto.
. Não pode dizer que Yeda Crusius ou Dom Pedro II fizeram o mesmo, porque estes foram governantes que não meteram a mão no dinheiro do caixa único, com ou sem a menor intenção de devolver.
. O atual governo já tinha sacado outros R$ 1,8 bilhão do caixa único.
. Trata-se de outro governo que não faz, que gasta mais do que ganha e que além disto não tem quadros para impor ordem à desordem administrativa e financeira que implantou.
. Desde o dia 3, as 2h22min, quando o editor queixou-se do fato de que o governo tinha ultrapassado o terceiro mês do ano sem revelar a movimentação patrimonial do Estado, foi possível perceber que algo era tramado nos porões do Palácio Piratini. Sem conhecer essa movimentação, seria impossível avaliar os valores do ativo, passivo, existência de recursos financeiros, dívidas de curto e longo prazo, restos a pagar e dívidas do exercício. A lista é apenas exemplificativa.
. Sem conhecer a movimentação patrimonial, não há como saber os saques do caixa único.
. O governo alegava que estava "arrumando o plano de contas", mas já se vê que isto era mentira.
- O governo do PT quebrou o Estado novamente, em menos de três anos, como fez Olívio Dutra, que saqueou totalmente o caixa único, endividou-se de maneira selvagem e só pagou o 13º salário do último ano do seu governo porque o governo FHC, seu adversário, alcançou-lhe o dinheiro na calada da noite, na undécima hora, depois de rocambolescas viagens aéreas na calada da noite, para recolhimento de assinaturas de contratos que resultaram na entrega de patrimônio do Estado. Tarso Genro caminha para o mesmo tipo de desastre.
Chegou a hora de impor ao RS uma Lei Estadual de Rsponsabilidade Fiscal
A oposição na Assembléia Legislativa do RS não tem mais desculpas para não propor a aprovação de uma Lei Estadual de Responsabilidade Fiscal duríssima, capaz de enquadrar governos perdulários e incompetentes como o atual governo do RS.
. A Lei Federal de Responsabilidade Fiscal deixou abertas as portas para manobras escusas do tipo do uso dos recursos do caixa único estadual. Esse tipo de dinheiro representa empréstimos disfarçados e não exigem aprovação da Assembléia.
. Os sucessivos assaltos aos cofres públicos gaúchos precisam acabar de uma vez por todas. Sem isto, nunca haverá equilíbrio das contas e jamais o governo disporá de recursos próprios - sustentados - para pagar bem, quitar as contas em dia e investir.
- Qualquer dona de casa sabe que não pode gastar mais do que consegue receber, mas o governo do RS nem isto sabe.
Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas. Ver também minha página: www.pralmeida.net (em construção).
quarta-feira, 3 de abril de 2013
Edmar Bacha: esse menino vai longe (ja' foi...) - Entrevistas, impressa e televisiva
Meses atrás, postei a entrevista abaixo com um dos melhores e mais brilhantes economistas brasileiros das últimas cinco décadas. Eu pelo menos, conheço textos de Edmar Bacha desde o final dos anos 1960, quando ele começou na UnB e publicou a primeira sugestão (não testada, na época) de substituir a contribuição previdenciária obrigatória sobre a folha salarial (que encarece o preço da mão-de-obra e inibe o emprego de mais trabalhadores) por uma taxa sobre o valor agregado. É o que governo vem tentando fazer agora, setorialmente, o que certamente é uma burrice, pois cria dois regimes, numa área tão sensível. Não tenho certeza de que seja uma boa ideia, mas Bacha logo em seguida ficou famoso, com seu slogan sobre a Belíndia, que era o Brasil (continua sendo, a despeito de tudo).
Como ele acaba de dar uma nova entrevista, retomando os mesmos temas do protecionismo comercial e do fechamento do Brasil (e o governo vem se esforçando para fechá-lo mais ainda; ou seria fexá-lo, segundo a nova terminologia do MEC?), no programa do Jô Soares (que fala demais, em assuntos que não entende), coloco novamente a primeira entrevista, para benefício dos leitores (e para os que querem ler apenas, e não assistir ao programa televisivo).
Paulo Roberto de Almeida
Entrevista no Jô Soares:
http://globotv.globo.com/rede-globo/programa-do-jo/t/entrevistas/v/edmar-bacha-lanca-livro-sobre-processo-de-desindustrializacao-do-pais/2493461/
O economista Edmar Bacha, um dos pais do Plano Real, tem duras críticas à atual política econômica, que ele considera responsável pelo pífio crescimento do governo de Dilma Rousseff, que voltou ao foco com o mau resultado do Produto Interno Bruto (PIB) no terceiro trimestre. Bacha considera que o Brasil vive um "neoprotecionismo geiseliano" (do ex-presidente Ernesto Geisel), que está empurrando a economia no caminho contrário ao necessário, comprometendo a competição e o aumento da produtividade.
Parte dessas preocupações pode ser encontrada na introdução e nos diversos capítulos do recém-lançado livro Belíndia 2.0/Fábulas e Ensaios sobre o País dos Contrastes. A obra é um grande balanço da economia brasileira e do trabalho intelectual de Bacha desde os anos 70, com artigos clássicos (vários deles em forma de fábula), como o que dá nome ao livro, e tratava da distribuição de renda. Ao longo de Belíndia 2.0, questões brasileiras como inflação, crescimento, juros elevados, desigualdade, política social e desindustrialização são tratados em diversos artigos do economista, vários deles em coautoria com outros especialistas.
Sócio fundador e atual diretor do Instituto de Estudos em Política Econômica da Casa das Garças (Iepe/CdG), no Rio, ligado à PUC-Rio, Bacha é politicamente um tucano sem papas na língua para criticar o governo adversário do PT. Ele ocupou cargos importantes no governo, como a presidência do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O que o sr. achou do PIB do terceiro trimestre?
Impressionante, a queda do investimento foi uma coisa assustadora. Aliás, o problema do investimento é um dos temas mais importantes que eu trato no meu livro.
Quais são as conclusões?
Todo mundo fala da poupança baixa e do custo do capital, mas ninguém discute o preço inicial dos bens de capital, que é muito elevado no Brasil. O que eu e o Regis Bonelli (economista do Instituto de Política Econômica Aplicada) levantamos de maneira muito sistemática é que o preço dos bens de capital cresce extraordinariamente no Brasil ao longo do processo de industrialização. E hoje, apesar de ter parado de crescer a partir de 1994, com a abertura, ainda é elevadíssimo, do ponto de vista da nossa história passada e das comparações mundiais. Recente artigo de Vinicius Carrasco e de João Manuel Pinho de Mello (economistas da PUC-Rio) mostra que o vergalhão de aço no Brasil é duas vezes mais caro do que o padrão internacional.
Qual a explicação para isso?
Recentemente, eu e o Regis fizemos uma revisão desse artigo para o livro Desenvolvimento Econômico: Uma Perspectiva Brasileira, organizado pelo (economista) Fabio Giambiagi, que está para ser publicado. Nós exploramos econometricamente algumas razões. Uma delas é que, à medida que a gente substituiu máquina importada por máquina nacional, houve aumento do preço do bem de investimento. E nós estimamos esse fato, que é importante.
E por que isso acontece?
Acredito que parte do problema sejam os oligopólios, que estão por trás dos insumos que entram na construção, como no caso do aço. A construção é um componente muito importante do investimento. Como a produtividade dela cresce menos que o PIB, o preço relativo aumenta, para compensar. Eu presumo, embora não tenha evidência empírica, que a mesma coisa que acontece com o aço ocorra com o cimento, com as máquinas nacionais comparadas às importadas. E, finalmente, tem um estudo da (consultoria) McKinsey, do fim dos anos 90, sobre a produtividade no Brasil e uma das constatações foi sobre como a indústria de construção era atrasada naquela época, com produtividade extraordinariamente inferior ao padrão mundial.
Esse problema do investimento caro é comum em outros países?
Não, é uma anomalia brasileira. No mundo, o preço relativo do bem de investimento tende a ser constante. Só no Brasil é que ele sobe ao longo do tempo e não converge para a média. Ele subiu até 1994, e depois estabilizou lá em cima. Tudo o que a gente fez foi deter o processo, com a estabilização e a abertura. Mas não conseguimos reverter.
E por que não?
Porque somos uma economia fechada. Com todas as reclamações que você ouve dos industriais paulistas sobre importações no Brasil, o Brasil é a economia mais fechada do mundo.
Como o sr. vê a política atual do governo em relação a esse problema?
Escrevo na introdução do meu livro que estou preocupado com a natureza da política econômica, que não está voltada para resolver nossos problemas. Estamos revertendo para um sistema protecionista, cujo resultado é aumentar ainda mais o custo do investimento. Todo esse sistema de exigência de conteúdo nacional que se espalha por aí, pela indústria automobilística, do petróleo, nas ações do BNDES em geral - com isso, você está forçando os investidores a comprarem bens mais caros. Portanto, o financiamento que eles têm gera menos capital físico. E esse é um problema histórico que nós temos. Estávamos tendendo a resolver com a abertura comercial e com a estabilização. E agora tem esse processo de reversão ao protecionismo. Além do conteúdo nacional, tem o aumento das tarifas de bens importados.
Por que, na sua opinião, o governo tem essa estratégia?
É basicamente essa propensão a proteger o mercado interno. O ministro da Fazenda (Guido Mantega) e a presidente da República (Dilma Rousseff) dizem que 'face à crise lá fora, estão todos olhando o nosso mercado interno, e a gente tem de protegê-lo contra a guerra cambial, o tsunami monetário, o dumping chinês' - isso é um absurdo, porque o problema brasileiro é essa baixa produtividade. E não vamos conseguir alta produtividade enquanto tivermos a economia fechada, protegida, monopolizada e dependente do Estado. Temos de promover concorrência, temos de arejar esse sistema, temos de fazer com que a nossa indústria se integre às correntes internacionais de comércio, em vez de querer produzir tudo e qualquer coisa aqui dentro. Que é de novo essa mentalidade 'geiseliana'. Que foi o que gerou os nosso problemas. Ao fazer isso, você vai tornando a economia cada vez menos produtiva.
Mas o Brasil cresceu bem até o final do governo Lula.
Nós tínhamos as commodities subindo de preço, e podíamos absorver mão de obra desempregada ou na informalidade, durante esse período de 2005 a 2011. Mas agora acabou a história. Os estudos do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) estão mostrando: a queda do desemprego chegou ao limite, a queda da informalidade também chegou ao limite, e agora nós precisamos de produtividade. Não dá mais para incorporar mão de obra. E de onde vamos tirar essa produtividade? Precisamos investir mais. Sim, mas precisamos investir nas coisas certas, fazer o investimento mais barato, e não o mais caro.
Bem, o investimento estrangeiro no Brasil ainda está em níveis muito altos.
Claro, você protege o mercado, não deixa importação entrar, o mercado é razoável. Eles vêm e compram a Amil. 'Vamos explorar esse pessoal aqui.' Então, é um investimento para explorar o mercado interno protegido. Isso é coisa boa? Não, para mim é uma coisa ruim. Porque a última coisa que esses investidores externos querem do governo brasileiro é que a economia se abra para a importações. Me lembro quando estava no banco BBA, eu ia conversar com os investidores e eles perguntavam 'Você acha que vai voltar a abertura?' Não se investe no Brasil, como se investe hoje no México, por exemplo, ou no Chile, ou no Peru, ou na Colômbia, para integrar a indústria local às correntes de comércio internacional. Nós investimos para evitar a integração. Isso é um absurdo. Se na concessão de infraestrutura à iniciativa privada estamos marchando, ainda que a fórceps, na direção certa, no problema de incentivar o investimento produtivo do setor privado, de demanda final, estamos caminhando na direção contrária à necessária. É um política econômica equivocada.
Como o sr. vê a situação de juros, câmbio e inflação?
O juro real está caindo, pode ser que dê certo. Mas você quer que os juros caiam, e a inflação também caia. Os juros caíram, mas a inflação está lá, ameaçando o topo da meta. O que permite ao Brasil fazer esse experimento, de trazer os juros até o nível bastante baixo de hoje, é a crise internacional. Quanto ao câmbio, eu prefiro que ele seja flutuante. Aliás, o governo está muito frustrado, porque ele fez duas coisas: manteve o câmbio artificialmente desvalorizado, com controle de capital, comprando mais reservas, e abaixou os juros mais ou menos na marra. Do ponto de vista de alguns economistas, dos economistas que estão no governo, isso deveria ter resolvido o problema, porque o problema do Brasil era juro e câmbio. E, de repente, apesar dessa combinação, o Brasil começa a ter 'pibinhos' atrás de 'pibinhos'. E não é um problema que vem lá de fora, porque os nossos vizinhos latino-americanos não estão tendo 'pibinhos'. Estão tendo PIBs muito bons.
Como ele acaba de dar uma nova entrevista, retomando os mesmos temas do protecionismo comercial e do fechamento do Brasil (e o governo vem se esforçando para fechá-lo mais ainda; ou seria fexá-lo, segundo a nova terminologia do MEC?), no programa do Jô Soares (que fala demais, em assuntos que não entende), coloco novamente a primeira entrevista, para benefício dos leitores (e para os que querem ler apenas, e não assistir ao programa televisivo).
Paulo Roberto de Almeida
Entrevista no Jô Soares:
http://globotv.globo.com/rede-globo/programa-do-jo/t/entrevistas/v/edmar-bacha-lanca-livro-sobre-processo-de-desindustrializacao-do-pais/2493461/
Blog Diplomatizzando, terça-feira, 4 de dezembro de 2012
Neoprotecionismo brasileiro atrasa o pais - Edmar Bacha
'Esse neoprotecionismo do governo está errado'
FERNANDO DANTAS / RIO
O Estado de S.Paulo, 02 de dezembro de 2012
Para o economista tucano Edmar Bacha, um dos pais do Plano Real, a
política econômica prejudica o investimento e a produtividade, e é um
das causas do baixo crescimento recente.
O economista Edmar Bacha, um dos pais do Plano Real, tem duras críticas à atual política econômica, que ele considera responsável pelo pífio crescimento do governo de Dilma Rousseff, que voltou ao foco com o mau resultado do Produto Interno Bruto (PIB) no terceiro trimestre. Bacha considera que o Brasil vive um "neoprotecionismo geiseliano" (do ex-presidente Ernesto Geisel), que está empurrando a economia no caminho contrário ao necessário, comprometendo a competição e o aumento da produtividade.
Parte dessas preocupações pode ser encontrada na introdução e nos diversos capítulos do recém-lançado livro Belíndia 2.0/Fábulas e Ensaios sobre o País dos Contrastes. A obra é um grande balanço da economia brasileira e do trabalho intelectual de Bacha desde os anos 70, com artigos clássicos (vários deles em forma de fábula), como o que dá nome ao livro, e tratava da distribuição de renda. Ao longo de Belíndia 2.0, questões brasileiras como inflação, crescimento, juros elevados, desigualdade, política social e desindustrialização são tratados em diversos artigos do economista, vários deles em coautoria com outros especialistas.
Sócio fundador e atual diretor do Instituto de Estudos em Política Econômica da Casa das Garças (Iepe/CdG), no Rio, ligado à PUC-Rio, Bacha é politicamente um tucano sem papas na língua para criticar o governo adversário do PT. Ele ocupou cargos importantes no governo, como a presidência do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O que o sr. achou do PIB do terceiro trimestre?
Impressionante, a queda do investimento foi uma coisa assustadora. Aliás, o problema do investimento é um dos temas mais importantes que eu trato no meu livro.
Quais são as conclusões?
Todo mundo fala da poupança baixa e do custo do capital, mas ninguém discute o preço inicial dos bens de capital, que é muito elevado no Brasil. O que eu e o Regis Bonelli (economista do Instituto de Política Econômica Aplicada) levantamos de maneira muito sistemática é que o preço dos bens de capital cresce extraordinariamente no Brasil ao longo do processo de industrialização. E hoje, apesar de ter parado de crescer a partir de 1994, com a abertura, ainda é elevadíssimo, do ponto de vista da nossa história passada e das comparações mundiais. Recente artigo de Vinicius Carrasco e de João Manuel Pinho de Mello (economistas da PUC-Rio) mostra que o vergalhão de aço no Brasil é duas vezes mais caro do que o padrão internacional.
Qual a explicação para isso?
Recentemente, eu e o Regis fizemos uma revisão desse artigo para o livro Desenvolvimento Econômico: Uma Perspectiva Brasileira, organizado pelo (economista) Fabio Giambiagi, que está para ser publicado. Nós exploramos econometricamente algumas razões. Uma delas é que, à medida que a gente substituiu máquina importada por máquina nacional, houve aumento do preço do bem de investimento. E nós estimamos esse fato, que é importante.
E por que isso acontece?
Acredito que parte do problema sejam os oligopólios, que estão por trás dos insumos que entram na construção, como no caso do aço. A construção é um componente muito importante do investimento. Como a produtividade dela cresce menos que o PIB, o preço relativo aumenta, para compensar. Eu presumo, embora não tenha evidência empírica, que a mesma coisa que acontece com o aço ocorra com o cimento, com as máquinas nacionais comparadas às importadas. E, finalmente, tem um estudo da (consultoria) McKinsey, do fim dos anos 90, sobre a produtividade no Brasil e uma das constatações foi sobre como a indústria de construção era atrasada naquela época, com produtividade extraordinariamente inferior ao padrão mundial.
Esse problema do investimento caro é comum em outros países?
Não, é uma anomalia brasileira. No mundo, o preço relativo do bem de investimento tende a ser constante. Só no Brasil é que ele sobe ao longo do tempo e não converge para a média. Ele subiu até 1994, e depois estabilizou lá em cima. Tudo o que a gente fez foi deter o processo, com a estabilização e a abertura. Mas não conseguimos reverter.
E por que não?
Porque somos uma economia fechada. Com todas as reclamações que você ouve dos industriais paulistas sobre importações no Brasil, o Brasil é a economia mais fechada do mundo.
Como o sr. vê a política atual do governo em relação a esse problema?
Escrevo na introdução do meu livro que estou preocupado com a natureza da política econômica, que não está voltada para resolver nossos problemas. Estamos revertendo para um sistema protecionista, cujo resultado é aumentar ainda mais o custo do investimento. Todo esse sistema de exigência de conteúdo nacional que se espalha por aí, pela indústria automobilística, do petróleo, nas ações do BNDES em geral - com isso, você está forçando os investidores a comprarem bens mais caros. Portanto, o financiamento que eles têm gera menos capital físico. E esse é um problema histórico que nós temos. Estávamos tendendo a resolver com a abertura comercial e com a estabilização. E agora tem esse processo de reversão ao protecionismo. Além do conteúdo nacional, tem o aumento das tarifas de bens importados.
Por que, na sua opinião, o governo tem essa estratégia?
É basicamente essa propensão a proteger o mercado interno. O ministro da Fazenda (Guido Mantega) e a presidente da República (Dilma Rousseff) dizem que 'face à crise lá fora, estão todos olhando o nosso mercado interno, e a gente tem de protegê-lo contra a guerra cambial, o tsunami monetário, o dumping chinês' - isso é um absurdo, porque o problema brasileiro é essa baixa produtividade. E não vamos conseguir alta produtividade enquanto tivermos a economia fechada, protegida, monopolizada e dependente do Estado. Temos de promover concorrência, temos de arejar esse sistema, temos de fazer com que a nossa indústria se integre às correntes internacionais de comércio, em vez de querer produzir tudo e qualquer coisa aqui dentro. Que é de novo essa mentalidade 'geiseliana'. Que foi o que gerou os nosso problemas. Ao fazer isso, você vai tornando a economia cada vez menos produtiva.
Mas o Brasil cresceu bem até o final do governo Lula.
Nós tínhamos as commodities subindo de preço, e podíamos absorver mão de obra desempregada ou na informalidade, durante esse período de 2005 a 2011. Mas agora acabou a história. Os estudos do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) estão mostrando: a queda do desemprego chegou ao limite, a queda da informalidade também chegou ao limite, e agora nós precisamos de produtividade. Não dá mais para incorporar mão de obra. E de onde vamos tirar essa produtividade? Precisamos investir mais. Sim, mas precisamos investir nas coisas certas, fazer o investimento mais barato, e não o mais caro.
Bem, o investimento estrangeiro no Brasil ainda está em níveis muito altos.
Claro, você protege o mercado, não deixa importação entrar, o mercado é razoável. Eles vêm e compram a Amil. 'Vamos explorar esse pessoal aqui.' Então, é um investimento para explorar o mercado interno protegido. Isso é coisa boa? Não, para mim é uma coisa ruim. Porque a última coisa que esses investidores externos querem do governo brasileiro é que a economia se abra para a importações. Me lembro quando estava no banco BBA, eu ia conversar com os investidores e eles perguntavam 'Você acha que vai voltar a abertura?' Não se investe no Brasil, como se investe hoje no México, por exemplo, ou no Chile, ou no Peru, ou na Colômbia, para integrar a indústria local às correntes de comércio internacional. Nós investimos para evitar a integração. Isso é um absurdo. Se na concessão de infraestrutura à iniciativa privada estamos marchando, ainda que a fórceps, na direção certa, no problema de incentivar o investimento produtivo do setor privado, de demanda final, estamos caminhando na direção contrária à necessária. É um política econômica equivocada.
Como o sr. vê a situação de juros, câmbio e inflação?
O juro real está caindo, pode ser que dê certo. Mas você quer que os juros caiam, e a inflação também caia. Os juros caíram, mas a inflação está lá, ameaçando o topo da meta. O que permite ao Brasil fazer esse experimento, de trazer os juros até o nível bastante baixo de hoje, é a crise internacional. Quanto ao câmbio, eu prefiro que ele seja flutuante. Aliás, o governo está muito frustrado, porque ele fez duas coisas: manteve o câmbio artificialmente desvalorizado, com controle de capital, comprando mais reservas, e abaixou os juros mais ou menos na marra. Do ponto de vista de alguns economistas, dos economistas que estão no governo, isso deveria ter resolvido o problema, porque o problema do Brasil era juro e câmbio. E, de repente, apesar dessa combinação, o Brasil começa a ter 'pibinhos' atrás de 'pibinhos'. E não é um problema que vem lá de fora, porque os nossos vizinhos latino-americanos não estão tendo 'pibinhos'. Estão tendo PIBs muito bons.
Educacao: desempenho americano em ascensao - Tom Friedman (NYT)
My Little (Global) School
Thomas Friedman
The New York Times, April 2, 2013
There was a time when middle-class parents in America could be — and
were — content to know that their kids’ public schools were better than
those in the next neighborhood over. As the world has shrunk, though,
the next neighborhood over is now Shanghai or Helsinki. So, last
August, I wrote a column quoting
Andreas Schleicher — who runs the global exam that compares how
15-year-olds in public schools around the world do in applied reading,
math and science skills — as saying imagine, in a few years, that you
could sign on to a Web site and see how your school compares with a
similar school anywhere in the world. And then you could take this
information to your superintendent and ask: “Why are we not doing as
well as schools in China or Finland?”
Josh Haner/The New York Times
Thomas L. Friedman
Well, that day has come, thanks to a successful pilot project
involving 105 U.S. schools recently completed by Schleicher’s team at
the Organization for Economic Cooperation and Development, which
coordinates the Program for International Student Assessment, or PISA
test, and Jon Schnur’s team at America Achieves, which partnered with
the O.E.C.D. Starting this fall, any high school in America will be able
to benchmark itself against the world’s best schools, using a new tool
that schools can register for atwww.americaachieves.org.
It is comparable to PISA and measures how well students can apply their
mastery of reading, math and science to real world problems.
The pilot study was described in an America Achieves report entitled
“Middle Class or Middle of the Pack?” that is being released Wednesday.
The report compares U.S. middle-class students to their global peers of
similar socioeconomic status on the 2009 PISA exams.
The bad news is that U.S. middle-class students are badly lagging their
peers globally. “Many assume that poverty in America is pulling down the
overall U.S. scores,” the report said, “but when you divide each nation
into socioeconomic quarters, you can see that even America’s
middle-class students are falling behind not only students of comparable
advantage, but also more disadvantaged students in several other
countries.”
American students in the second quarter of socioeconomic advantage —
mostly higher middle class — were significantly outperformed by 24
countries in math and by 15 countries in science, the study found. In
the third quarter of socioeconomic advantage — mostly lower middle class
— U.S. students were significantly outperformed by peers in 31
countries or regions in math and 25 in science.
The good news, though, said Schnur, “is that, for the first time, we
have documented that there are individual U.S. schools that are
literally outperforming every country in the world.”
“BASIS Tucson North, a nonselective high school serving an economically
modest middle-class student population in Arizona, outperformed the
average of every country in the world in reading, math, and science,”
the report said. “Three nonselective high schools in Fairfax, Va.,
outperformed the average of virtually every country in the world.” One
of them, Woodson, outperformed every region in the world in reading,
except Shanghai. But the pilot also exposed some self-deception. “One
school, serving students similar to Woodson’s, lags behind 29 countries
in math but received an A on its state’s accountability system based
primarily on that state’s own test,” Schnur said.
Paul Bambrick-Santoyo is managing director of North Star Academies in
Newark, an Uncommon Schools network of nine low-income charter schools
that took part and cracked the world’s Top 10. “We have always had state
tests and SATs,” he told me, “but we never had an international metric.
This was a golden opportunity to see where we stand — if we have to
prepare our kids to succeed not only in this country but in a global
marketplace.” He said he was particularly motivated by the fact that
Shanghai’s low-income kids “could outperform” most U.S. schools, because
this gave his school a real international peer for a benchmark.
“We got 157 pages of feedback” from participating in the pilot, added
Jack Dale, the superintendent of Fairfax County’s schools, which is so
valuable because the PISA test exposes whether your high school students
can apply their math, science and reading skills to 21st-century
problems. “One of my principals said to me: ‘This is not your Virginia
Standards of Learning Test.’ ”
So what’s the secret of the best-performing schools? It’s that there is
no secret. The best schools, the study found, have strong fundamentals
and cultures that believe anything is possible with any student: They
“work hard to choose strong teachers with good content knowledge and
dedication to continuous improvement.” They are “data-driven and
transparent, not only around learning outcomes, but also around soft
skills like completing work on time, resilience, perseverance — and
punctuality.” And they promote “the active engagement of our parents and
families.”
“If you look at all the data,” concluded Schnur, it’s clear that
educational performance in the U.S. has not gone down. We’ve actually
gotten a little better. The challenge is that changes in the world
economy keep raising the bar for what our kids need to do to succeed.
Our modest improvements are not keeping pace with this rising bar. Those
who say we have failed are wrong. Those who say we are doing fine are
wrong.” The truth is, America has world-beating K-12 schools. We just
don’t have nearly enough.
terça-feira, 2 de abril de 2013
O grande desmanche do saldo comercial, a unica taboa de salvacao do governo...
Informações objetivas, de 2/04/2013 (pós dia da mentira, portanto), graças a meu amigo Luiz Gonzaga Coelho Jr.
O Estado de S. Paulo - Balança tem pior março em 12 anos e alarma governo
A balança comercial teve saldo positivo de US$ 164 milhões em março, pior resultado desde 2001 para o mês. No trimestre, há um déficit de US$ 5,15 bilhões, também o pior em 12 anos. Os resultados acenderam a luz amarela no governo, e técnicos do Ministério da Fazenda veem risco de superávit inferior a US$ 10 bilhões neste ano.
Balança comercial tem pior resultado em 12 anos e preocupa o governo. Brasil tem déficit de US$ 5,1 bi no primeiro trimestre e técnicos da Fazenda já veem risco de saldo ticar abaixo de US$ 10 bi este ano.
Adriana Fernandes e Renata Veríssimo, de Brasília e Fernando Dantas, do Rio.
A balança comercial fechou março com saldo positivo de US$ 164 milhões, pior resultado para o mês desde 2001. As exportações foram de US$ 19,323 bilhões, e as importações de US$ 19,159 bilhões. No trimestre, há um déficit de US$ 5,150 bilhões, o o primeiro resultado negativo desde 2001. Esses resultados acenderam a luz amarela no governo, e técnicos do Ministério da Fazenda já veem risco de superávit comercial inferior a US$10 bilhões este ano. No primeiro trimestre, as exportações brasileiras, que acumularam US$ 50,839 bilhões, apresentam retração de 3,1% em relação a igual período de 2012.
As causas apontadas para a queda do superávit comercial são a crise internacional (que reduz a demanda por exportações), a baixa competitividade dos produtos manufaturados brasileiros e o câmbio um pouco mais valorizado do que 110 fim do ano passado. A área técnica do governo está decepcionada pelo fato de que o câmbio mais desvalorizado no ano passado e o juro mais baixo não tenham impulsionado mais as exportações. A constatação agora é de que pouco pode ser feito para garantir uma melhora da balança comercial, principalmente porque o cenário externo está marcado por muitas incertezas e a economia global segue com crescimento baixo. Por outro lado, as medidas de aumento da produtividade devem demorar a surtir efeito.
A piora da balança comercial faz parte de um quadro mais amplo de deterioração das contas externas, o que representa mais um problema para a equipe econômica, já às voltas com a inflação e o baixo crescimento. O déficit em conta corrente, que, além da balança comercial, inclui serviços, juros, dividendos e remessas, saiu de 2,12% do PIB em 2011 para 2,79% nos 12 meses até fevereiro de 2013. Para um ex-diretor do Banco Central (BC), "o déficit em conta corrente está abrindo e vai abrir ainda mais - se a economia ganhar fôlego, ele vai para 3,5%, 4% do PIB". Revisão. O BC reviu de US$ 17 bilhões para US$ 15 bilhões o superávit da balança comercial este ano. Já a previsão dos analistas financeiros, coletadas pela pesquisa Focus do BC, aponta um superávit de US$ 13 bilhões.
A previsão deve cair mais. "Já era para a balança ter melhorado em fevereiro e março", alerta o ex-secretário de Comércio Exterior do Ministério de Desenvolvimento, Welber Barral. Ele prevê saldo comercial de apenas US$ 4 bilhões em 2013. Barral acha que os preços das commodities exportadas pelo Brasil devem melhorar em abril, mas a perspectiva para os manufaturados está cada vez pior. A balança comercial de petróleo, diz, terá déficit muito alto nos próximos anos. "No médio prazo, há o risco de o Brasil ter um déficit estrutural." Para o economista José Roberto Mendonça de Barros, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, o problema está na oferta. "Como passamos anos sem lidar com isso, o problema ficou sistêmico. Não tem bala de prata, solução rápida, porque melhorar a competitividade é trabalho para cinco anos", destaca, citando a alta dos custos trabalhistas e as filas nos portos. Mendonça de Barros nota que a pressão inflacionária impôs um limite para o governo usar a taxa de câmbio para ajudar as exportações. "Teria quer ser uma taxa de R$ 2,20 e R$ 2,25, mas aí a inflação fica impossível", diz.
Investimento. Segundo o economista Samuel Pessoa, do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da FGV, no Rio, "há uma piora inequívoca das transações correntes". Um problema adicional é que a qualidade do financiamento do déficit também piorou no primeiro bimestre de 2013, com menor proporção sendo bancada pelo investimento direto externo (IED), em produção. Em janeiro e fevereiro deste ano, o déficit atingiu US$ 18 bilhões, e o investimento, de US$ 7,5 bilhões, só financiou 42% do saldo negativo da conta corrente. O resto foi coberto com investimentos em carteira (aquisição de ações e títulos de renda fixa brasileiros) e "outros investimentos", uma rubrica variada, na qual entram linhas ligadas ao comércio internacional. Em comparação, nos dois primeiros meses de 2012, o déficit em conta corrente de US$ 8,8 bilhões foi coberto pelos investimentos de US$ 9,1 bilhões. Pessôa diz que o aumento do I déficit em conta corrente tem a ver com o aquecimento do consumo no Brasil, que reduz a poupança doméstica para financiar investimentos. Assim, parte do investimento acaba sendo financiado com poupança externa. "O mais preocupante é que o déficit esteja aumentando e o investimento caindo - isto significa que a poupança (doméstica) está caindo mais que o investimento", diz.
Para Pessôa, o aumento do déficit externo para financiar um consumo crescente, com queda do investimento, "é uma combinação ruim". Os analistas em geral, incluindo Pessoa, não veem uma situação de alarme em relação às contas externas do Brasil, que tem reservas internacionais de US$ 376,4 bilhões. Ainda assim, a piora na posição externa do Brasil é vista como um problema de médio e longo prazo. Uma preocupação é com a possível mudança do cenário internacional de juros extremamente baixos (negativos em termos reais nos mundo rico e outros países) e liquidez abundante para os países emergentes. "Caminhamos para um momento em que vai ocorrer um início de normalização da política monetária americana, o que vai afetar os fluxos como aconteceu em 1994, mas não da mesma maneira" diz Tony Volpon, diretor de pesquisas para a América Latina da Nomura./Colaboraram Célia Froufe e Laís Alegretti
Valor Econômico – Saldo de 2013 pode ser inferior a US$ 10 bilhões.
Por Rodrigo Pedroso | De São Paulo.
O mau resultado da balança comercial no primeiro trimestre (déficit de US$ 5,1 bilhões) e o comportamento dos preços de algumas commodities provocaram redução nas projeções do mercado para o superávit de 2013. Gradualmente, bancos e consultorias econômicas estão reajustando os números, em movimento que se refletiu no boletim Focus, do Banco Central. Cinco semanas atrás, o consenso de mercado registrava um saldo positivo de US$ 15,2 bilhões. No boletim divulgado ontem, a média das estimativas apontou superávit de US$ 12,4 bilhões em 2013. Entre os economistas, contudo, já há previsões de saldo entre US$ 7 bilhões e US$ 8 bilhões, o que representa resultado cerca de 60% inferior ao do ano passado.
A piora do resultado projetado decorre tanto de uma exportação mais fraca de manufaturados (especialmente em função de mercados tradicionais, como o argentino) como do aumento do consumo e do preço de bens importados, além do efeito estatístico do registro atrasado nas compras da Petrobras. A safra agrícola, embora recorde, não será suficiente para compensar os demais efeitos negativos sobre o comércio exterior, dizem os analistas. A consultoria MB Associados começou o ano prevendo um superávit de US$ 15 bilhões. Em função dos números em janeiro e fevereiro, a projeção para o saldo diminuiu pela metade: US$ 7,4 bilhões. Dois fatores principais explicam a redução, diz o economista Sérgio Vale: primeiro, a conjuntura para este ano, com uma piora no cenário externo, em especial na Europa, e uma deterioração das vendas de manufaturados para a Argentina. Além disso, o atraso na contabilização nas importações de combustíveis realizadas no fim do ano passado também teve influência no novo cálculo. Vale também chama a atenção para a progressiva piora no saldo comercial brasileiro nos últimos anos, consequência da desaceleração chinesa e seu apetite por commodities e a "piora significativa da competitividade do Brasil, ao mesmo tempo que o mundo está se tornando muito mais competitivo." O atraso na contabilização dos combustíveis e a perspectiva de um resultado pior no comércio com a Argentina também fez a Tendências Consultoria reajustar a previsão do saldo comercial, que passou de US$ 15 bilhões para US$ 12,5 bilhões. A GO Associados, consultoria comandada pelo ex-presidente da Sabesp Gesner Oliveira, tem uma das previsões mais baixas para o saldo comercial deste ano. No início de 2013, o cenário era de superávit de US$ 9,5 bilhões. Agora, a projeção para o saldo positivo desacelerou para US$ 8 bilhões. De acordo com Fabio Silveira, diretor de pesquisa econômica da consultoria, não houve um fator específico que levou à redução.
"Quando você junta alterações de preços, com perspectivas de volumes embarcados e desembarcados, o modelo aponta para esse saldo", afirma. O saldo bem menor do que o do ano passado, quando o superávit verificado foi de US$ 19,4 bilhões, deve acontecer principalmente em função "da quase total dependência do desempenho externo comercial do agronegócio", diz Silveira. A balança de bens intermediários também ajudou na revisão do superávit. Em 2011, esses produtos proporcionaram um saldo positivo de US$ 21 bilhões. Ano passado, o superávit desse grupo caiu para US$ 6,9 bilhões, e neste ano a balança de intermediários deve ficar em torno de zero, prevê o economista da GO.
Na análise da distribuição por setores, o agronegócio deve contribuir com um superávit de cerca de US$ 70 bilhões em 2013, enquanto os bens de consumo devem ter déficit de cerca de US$ 5 bilhões, e os bens de capital têm projeção de um saldo negativo de US$ 47 bilhões. "Isso sugere que é o agronegócio que está trazendo dólares ao Brasil, enquanto bens duráveis e não duráveis, petróleo e derivados e bens de capital levam essas divisas para fora", diz Silveira.
A Quest Investimentos também projeta superávit de US$ 8 bilhões. O valor é o mesmo desde o início do ano, quando a consultoria previa cenário mais pessimista para o comércio exterior. Para o economista Fabio Ramos, os dois primeiros meses do ano são tradicionalmente deficitários, mas este ano o resultado foi agravado pela contabilização atrasada das importações de petróleo e derivados. "Esse é um dos diferenciais. Mas nós também estamos observando uma tendência de conjuntura que vai definir o superávit menor: preços mais baratos das commodities e industrializados mais caros, afetando as importações", afirma Ramos. O Banco Fator, que estimava superávit de US$ 17 bilhões, está em processo de revisão dos números. A instituição deve baixar a projeção para o saldo até o fim da semana.
O Estado de S. Paulo - Balança tem pior março em 12 anos e alarma governo
A balança comercial teve saldo positivo de US$ 164 milhões em março, pior resultado desde 2001 para o mês. No trimestre, há um déficit de US$ 5,15 bilhões, também o pior em 12 anos. Os resultados acenderam a luz amarela no governo, e técnicos do Ministério da Fazenda veem risco de superávit inferior a US$ 10 bilhões neste ano.
Balança comercial tem pior resultado em 12 anos e preocupa o governo. Brasil tem déficit de US$ 5,1 bi no primeiro trimestre e técnicos da Fazenda já veem risco de saldo ticar abaixo de US$ 10 bi este ano.
Adriana Fernandes e Renata Veríssimo, de Brasília e Fernando Dantas, do Rio.
A balança comercial fechou março com saldo positivo de US$ 164 milhões, pior resultado para o mês desde 2001. As exportações foram de US$ 19,323 bilhões, e as importações de US$ 19,159 bilhões. No trimestre, há um déficit de US$ 5,150 bilhões, o o primeiro resultado negativo desde 2001. Esses resultados acenderam a luz amarela no governo, e técnicos do Ministério da Fazenda já veem risco de superávit comercial inferior a US$10 bilhões este ano. No primeiro trimestre, as exportações brasileiras, que acumularam US$ 50,839 bilhões, apresentam retração de 3,1% em relação a igual período de 2012.
As causas apontadas para a queda do superávit comercial são a crise internacional (que reduz a demanda por exportações), a baixa competitividade dos produtos manufaturados brasileiros e o câmbio um pouco mais valorizado do que 110 fim do ano passado. A área técnica do governo está decepcionada pelo fato de que o câmbio mais desvalorizado no ano passado e o juro mais baixo não tenham impulsionado mais as exportações. A constatação agora é de que pouco pode ser feito para garantir uma melhora da balança comercial, principalmente porque o cenário externo está marcado por muitas incertezas e a economia global segue com crescimento baixo. Por outro lado, as medidas de aumento da produtividade devem demorar a surtir efeito.
A piora da balança comercial faz parte de um quadro mais amplo de deterioração das contas externas, o que representa mais um problema para a equipe econômica, já às voltas com a inflação e o baixo crescimento. O déficit em conta corrente, que, além da balança comercial, inclui serviços, juros, dividendos e remessas, saiu de 2,12% do PIB em 2011 para 2,79% nos 12 meses até fevereiro de 2013. Para um ex-diretor do Banco Central (BC), "o déficit em conta corrente está abrindo e vai abrir ainda mais - se a economia ganhar fôlego, ele vai para 3,5%, 4% do PIB". Revisão. O BC reviu de US$ 17 bilhões para US$ 15 bilhões o superávit da balança comercial este ano. Já a previsão dos analistas financeiros, coletadas pela pesquisa Focus do BC, aponta um superávit de US$ 13 bilhões.
A previsão deve cair mais. "Já era para a balança ter melhorado em fevereiro e março", alerta o ex-secretário de Comércio Exterior do Ministério de Desenvolvimento, Welber Barral. Ele prevê saldo comercial de apenas US$ 4 bilhões em 2013. Barral acha que os preços das commodities exportadas pelo Brasil devem melhorar em abril, mas a perspectiva para os manufaturados está cada vez pior. A balança comercial de petróleo, diz, terá déficit muito alto nos próximos anos. "No médio prazo, há o risco de o Brasil ter um déficit estrutural." Para o economista José Roberto Mendonça de Barros, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, o problema está na oferta. "Como passamos anos sem lidar com isso, o problema ficou sistêmico. Não tem bala de prata, solução rápida, porque melhorar a competitividade é trabalho para cinco anos", destaca, citando a alta dos custos trabalhistas e as filas nos portos. Mendonça de Barros nota que a pressão inflacionária impôs um limite para o governo usar a taxa de câmbio para ajudar as exportações. "Teria quer ser uma taxa de R$ 2,20 e R$ 2,25, mas aí a inflação fica impossível", diz.
Investimento. Segundo o economista Samuel Pessoa, do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da FGV, no Rio, "há uma piora inequívoca das transações correntes". Um problema adicional é que a qualidade do financiamento do déficit também piorou no primeiro bimestre de 2013, com menor proporção sendo bancada pelo investimento direto externo (IED), em produção. Em janeiro e fevereiro deste ano, o déficit atingiu US$ 18 bilhões, e o investimento, de US$ 7,5 bilhões, só financiou 42% do saldo negativo da conta corrente. O resto foi coberto com investimentos em carteira (aquisição de ações e títulos de renda fixa brasileiros) e "outros investimentos", uma rubrica variada, na qual entram linhas ligadas ao comércio internacional. Em comparação, nos dois primeiros meses de 2012, o déficit em conta corrente de US$ 8,8 bilhões foi coberto pelos investimentos de US$ 9,1 bilhões. Pessôa diz que o aumento do I déficit em conta corrente tem a ver com o aquecimento do consumo no Brasil, que reduz a poupança doméstica para financiar investimentos. Assim, parte do investimento acaba sendo financiado com poupança externa. "O mais preocupante é que o déficit esteja aumentando e o investimento caindo - isto significa que a poupança (doméstica) está caindo mais que o investimento", diz.
Para Pessôa, o aumento do déficit externo para financiar um consumo crescente, com queda do investimento, "é uma combinação ruim". Os analistas em geral, incluindo Pessoa, não veem uma situação de alarme em relação às contas externas do Brasil, que tem reservas internacionais de US$ 376,4 bilhões. Ainda assim, a piora na posição externa do Brasil é vista como um problema de médio e longo prazo. Uma preocupação é com a possível mudança do cenário internacional de juros extremamente baixos (negativos em termos reais nos mundo rico e outros países) e liquidez abundante para os países emergentes. "Caminhamos para um momento em que vai ocorrer um início de normalização da política monetária americana, o que vai afetar os fluxos como aconteceu em 1994, mas não da mesma maneira" diz Tony Volpon, diretor de pesquisas para a América Latina da Nomura./Colaboraram Célia Froufe e Laís Alegretti
Valor Econômico – Saldo de 2013 pode ser inferior a US$ 10 bilhões.
Por Rodrigo Pedroso | De São Paulo.
O mau resultado da balança comercial no primeiro trimestre (déficit de US$ 5,1 bilhões) e o comportamento dos preços de algumas commodities provocaram redução nas projeções do mercado para o superávit de 2013. Gradualmente, bancos e consultorias econômicas estão reajustando os números, em movimento que se refletiu no boletim Focus, do Banco Central. Cinco semanas atrás, o consenso de mercado registrava um saldo positivo de US$ 15,2 bilhões. No boletim divulgado ontem, a média das estimativas apontou superávit de US$ 12,4 bilhões em 2013. Entre os economistas, contudo, já há previsões de saldo entre US$ 7 bilhões e US$ 8 bilhões, o que representa resultado cerca de 60% inferior ao do ano passado.
A piora do resultado projetado decorre tanto de uma exportação mais fraca de manufaturados (especialmente em função de mercados tradicionais, como o argentino) como do aumento do consumo e do preço de bens importados, além do efeito estatístico do registro atrasado nas compras da Petrobras. A safra agrícola, embora recorde, não será suficiente para compensar os demais efeitos negativos sobre o comércio exterior, dizem os analistas. A consultoria MB Associados começou o ano prevendo um superávit de US$ 15 bilhões. Em função dos números em janeiro e fevereiro, a projeção para o saldo diminuiu pela metade: US$ 7,4 bilhões. Dois fatores principais explicam a redução, diz o economista Sérgio Vale: primeiro, a conjuntura para este ano, com uma piora no cenário externo, em especial na Europa, e uma deterioração das vendas de manufaturados para a Argentina. Além disso, o atraso na contabilização nas importações de combustíveis realizadas no fim do ano passado também teve influência no novo cálculo. Vale também chama a atenção para a progressiva piora no saldo comercial brasileiro nos últimos anos, consequência da desaceleração chinesa e seu apetite por commodities e a "piora significativa da competitividade do Brasil, ao mesmo tempo que o mundo está se tornando muito mais competitivo." O atraso na contabilização dos combustíveis e a perspectiva de um resultado pior no comércio com a Argentina também fez a Tendências Consultoria reajustar a previsão do saldo comercial, que passou de US$ 15 bilhões para US$ 12,5 bilhões. A GO Associados, consultoria comandada pelo ex-presidente da Sabesp Gesner Oliveira, tem uma das previsões mais baixas para o saldo comercial deste ano. No início de 2013, o cenário era de superávit de US$ 9,5 bilhões. Agora, a projeção para o saldo positivo desacelerou para US$ 8 bilhões. De acordo com Fabio Silveira, diretor de pesquisa econômica da consultoria, não houve um fator específico que levou à redução.
"Quando você junta alterações de preços, com perspectivas de volumes embarcados e desembarcados, o modelo aponta para esse saldo", afirma. O saldo bem menor do que o do ano passado, quando o superávit verificado foi de US$ 19,4 bilhões, deve acontecer principalmente em função "da quase total dependência do desempenho externo comercial do agronegócio", diz Silveira. A balança de bens intermediários também ajudou na revisão do superávit. Em 2011, esses produtos proporcionaram um saldo positivo de US$ 21 bilhões. Ano passado, o superávit desse grupo caiu para US$ 6,9 bilhões, e neste ano a balança de intermediários deve ficar em torno de zero, prevê o economista da GO.
Na análise da distribuição por setores, o agronegócio deve contribuir com um superávit de cerca de US$ 70 bilhões em 2013, enquanto os bens de consumo devem ter déficit de cerca de US$ 5 bilhões, e os bens de capital têm projeção de um saldo negativo de US$ 47 bilhões. "Isso sugere que é o agronegócio que está trazendo dólares ao Brasil, enquanto bens duráveis e não duráveis, petróleo e derivados e bens de capital levam essas divisas para fora", diz Silveira.
A Quest Investimentos também projeta superávit de US$ 8 bilhões. O valor é o mesmo desde o início do ano, quando a consultoria previa cenário mais pessimista para o comércio exterior. Para o economista Fabio Ramos, os dois primeiros meses do ano são tradicionalmente deficitários, mas este ano o resultado foi agravado pela contabilização atrasada das importações de petróleo e derivados. "Esse é um dos diferenciais. Mas nós também estamos observando uma tendência de conjuntura que vai definir o superávit menor: preços mais baratos das commodities e industrializados mais caros, afetando as importações", afirma Ramos. O Banco Fator, que estimava superávit de US$ 17 bilhões, está em processo de revisão dos números. A instituição deve baixar a projeção para o saldo até o fim da semana.
O bebado e o desequilibrista - Celso Ming e Editorial do Estadao
Tomo licença no título de bonita canção de João Bosco e Aldir Blanc, cantada eternamente por Ellis Regina, para simplesmente introduzir esses patéticos puxadinhos industriais do governo: os companheiros se tomaram de amores (desde os tempos de suposto sindicalismo alternativo) pelos patrões da indústria dita automobilística (responsável, segundo o desequilibrista, por 25% do PIB).
O bêbado, evidentemente, é o governo, que não sabe o que fazer, e atira em todas as direções para ver se acerta alguma: acerta, claro, um tiro em 1,800, que vão furar todo o cenário, e deixar muita gente estropiada.
Enfim, é o estilo atual...
Paulo Roberto de Almeida
O bêbado, evidentemente, é o governo, que não sabe o que fazer, e atira em todas as direções para ver se acerta alguma: acerta, claro, um tiro em 1,800, que vão furar todo o cenário, e deixar muita gente estropiada.
Enfim, é o estilo atual...
Paulo Roberto de Almeida
O IPI dos carros
02 de abril de 2013 | 2h 09
Editorial O Estado de S.Paulo
O adiamento, pelo menos até 31 de dezembro, da
recomposição do IPI dos automóveis, que deveria vigorar desde ontem,
mostra que o governo continua sem saber o que fazer diante da
disseminação da alta dos preços e da reação muito lenta do setor
produtivo aos estímulos que cria. É como se, por não conseguir enxergar
muito além de seu nariz, o governo buscasse avidamente resultados de
curto prazo - que nem sempre surgem.
Ao agir desse modo, ignora a análise da inflação feita pelo Banco Central (BC), um de seus órgãos que ainda tentam conservar lucidez na avaliação da conjuntura. Em seu mais recente Relatório da Inflação, o BC mostrou que a resistência da inflação se deve, entre outros fatores, à alta dos serviços e à dispersão dos aumentos para boa parte dos preços ao consumidor, sinais claros de que a demanda - estimulada pelo baixo nível de desemprego, pelo aumento da renda média da população e pela oferta ainda abundante de crédito - é o principal fator inflacionário. Parece estranho que, nesse quadro, o governo continue a estimular a demanda, com medidas como o adiamento da recomposição do IPI dos carros.
A redução da tributação sobre os automóveis é mais uma das medidas anunciadas pelo governo Dilma como temporárias que vão sendo perenizadas. Ela foi anunciada em maio de 2012, com vigência prevista de três meses, para sustentar as vendas num período de clara redução da atividade econômica. A persistência da estagnação da economia levou o governo a prorrogar a medida por mais um trimestre. Em outubro, foi anunciada nova prorrogação, mas com um cronograma de recomposição gradual da alíquota do IPI dos autos até os níveis vigentes antes da primeira redução.
A primeira parte dessa recomposição foi feita de acordo com o anunciado. Em janeiro, a alíquota passou da faixa de 0% a 6% para 2% a 8%. No início deste mês, passaria de 3,5% a 10%, mas esse aumento foi adiado. A alíquota mais baixa, de 2%, aplica-se a veículos flex e a gasolina com motor de 1.000 cm³ (a alíquota original para veículos com motores com essa capacidade é de 7%).
A justificativa do governo, já conhecida, é de que é importante manter a atividade da indústria automobilística, pois, como lembrou o ministro Guido Mantega, ela representa cerca de 25% da produção industrial.
Na mesma época em que anunciou a recomposição gradual do IPI dos autos, agora adiada, o governo anunciou providência semelhante também para outros produtos, como eletrodomésticos da linha branca, móveis, laminados e outros. Não se sabe, ainda, se também para esses produtos a recomposição da tributação será adiada.
Continua sem justificativa plausível o fato de, no governo do PT, desde o primeiro mandato de Lula, a indústria automobilística ter sido beneficiada com generosidades fiscais.
Serão pouco notáveis os efeitos dessa medida sobre a inflação de todo o ano. Mas haverá impacto na área fiscal. Estima-se que o adiamento da alta do IPI implicará perda de receitas de R$ 2,2 bilhões de abril a dezembro. Menos receita implica maiores dificuldades para a execução da política fiscal, já afetada pelo baixo desempenho da economia.
O adiamento de uma medida que fora discutida com todos os interessados há poucos meses é mais uma indicação de que o governo continua zonzo na procura de caminhos para estimular a atividade econômica. A recuperação econômica imediata tornou-se vital para o projeto de reeleição da presidente Dilma Rousseff.
Embora ela continue a desfrutar de grande prestígio popular, a repetição, em 2013, dos maus desempenhos do PIB em 2011 e 2012 reduziria muito suas possibilidades eleitorais em 2014. Daí o esforço de seus auxiliares para anunciar medidas para "estimular a economia".
Ao adotar medidas erráticas, ou refazer o que havia anunciado, sem apontar um caminho seguro para o crescimento, que efetivamente estimule o setor privado a investir, o governo alimenta dúvidas sobre sua política e retarda o início do processo de recuperação.
=========
O governo Dilma acaba de prolongar até o final de
dezembro a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para
automóveis e caminhões.
Essas prorrogações casuísticas vão se perpetuando sem que ninguém no governo consiga justificá-las. A nota oficial do Ministério da Fazenda avisa que o objetivo é "estimular o setor automotivo, um dos principais motores da economia".
No entanto, se o setor já esperava crescer mais de 3% em unidades físicas, por que precisa desse empurrão? Além disso, se esses incentivos são sistematicamente prorrogados é porque não passam de expedientes de curto alcance, que não garantem nunca estímulo que assegure futuro sustentável ao setor.
A decisão implica renunciar à arrecadação de R$ 2,2 bilhões em relação à que estava nas contas do governo. Não é uma ajuda que contribuirá para a cura de um setor incapaz de competir, que produz caro demais e que só consegue vender 4 milhões de veículos por ano por contar com reservas de mercado.
O argumento de sempre é o de que a indústria automobilística tem de ser protegida porque, no mundo inteiro, recebe tratamento especial. Assim é nos Estados Unidos, onde a GM, a Ford e a Chrysler estão sempre obtendo favores do Tesouro. E é na França, na Itália, na China, na Coreia do Sul...
Nada de errado na proteção. O equívoco está em definir essa proteção sem uma política consistente, sem um objetivo estratégico que a sustente. A indústria de veículos no mundo opera dentro de um sistema global de suprimentos, apoiada por tratados comerciais que abrem mercado externo. E não é o que acontece no Brasil, onde vigora uma esquisitice chamada conteúdo local, que tem de prever, também, proteção a ainda mais atrasada indústria argentina de autopeças e que refuga tratados comerciais consistentes.
Não está claro nem mesmo o objetivo de curto prazo do governo federal com essa decisão. Não deve ser a preservação do emprego, como a Anfavea, a associação que defende os interesses do setor, chegou a argumentar. Só no Estado de São Paulo, a indústria de veículos mantém registrados 132 mil trabalhadores e espera bater o recorde histórico de 1980, quando eram 133,6 mil. Não há perspectiva de encolhimento do emprego no setor automotivo. De mais a mais, é o Banco Central que adverte para a situação atual de pleno emprego, e para o aquecimento excessivo do mercado de trabalho.
Esta também não pode ser mais uma manobra destinada a conter a alta do custo de vida. Os veículos não fazem parte da cesta básica e não será a redução de dois pontinhos de IPI que vai levar o setor a praticar preços mais baixos.
Caso seja para empurrar a indústria, então cabe perguntar por que repetir a escolha arbitrária de um favorecido quando todo o sistema produtivo enfrenta os mesmos problemas.
Ao contrário do que alardeia o governo, decisões assim criam insegurança porque complicam o planejamento. A qualquer momento favores assim podem acontecer ou deixar de acontecer.
Ao agir desse modo, ignora a análise da inflação feita pelo Banco Central (BC), um de seus órgãos que ainda tentam conservar lucidez na avaliação da conjuntura. Em seu mais recente Relatório da Inflação, o BC mostrou que a resistência da inflação se deve, entre outros fatores, à alta dos serviços e à dispersão dos aumentos para boa parte dos preços ao consumidor, sinais claros de que a demanda - estimulada pelo baixo nível de desemprego, pelo aumento da renda média da população e pela oferta ainda abundante de crédito - é o principal fator inflacionário. Parece estranho que, nesse quadro, o governo continue a estimular a demanda, com medidas como o adiamento da recomposição do IPI dos carros.
A redução da tributação sobre os automóveis é mais uma das medidas anunciadas pelo governo Dilma como temporárias que vão sendo perenizadas. Ela foi anunciada em maio de 2012, com vigência prevista de três meses, para sustentar as vendas num período de clara redução da atividade econômica. A persistência da estagnação da economia levou o governo a prorrogar a medida por mais um trimestre. Em outubro, foi anunciada nova prorrogação, mas com um cronograma de recomposição gradual da alíquota do IPI dos autos até os níveis vigentes antes da primeira redução.
A primeira parte dessa recomposição foi feita de acordo com o anunciado. Em janeiro, a alíquota passou da faixa de 0% a 6% para 2% a 8%. No início deste mês, passaria de 3,5% a 10%, mas esse aumento foi adiado. A alíquota mais baixa, de 2%, aplica-se a veículos flex e a gasolina com motor de 1.000 cm³ (a alíquota original para veículos com motores com essa capacidade é de 7%).
A justificativa do governo, já conhecida, é de que é importante manter a atividade da indústria automobilística, pois, como lembrou o ministro Guido Mantega, ela representa cerca de 25% da produção industrial.
Na mesma época em que anunciou a recomposição gradual do IPI dos autos, agora adiada, o governo anunciou providência semelhante também para outros produtos, como eletrodomésticos da linha branca, móveis, laminados e outros. Não se sabe, ainda, se também para esses produtos a recomposição da tributação será adiada.
Continua sem justificativa plausível o fato de, no governo do PT, desde o primeiro mandato de Lula, a indústria automobilística ter sido beneficiada com generosidades fiscais.
Serão pouco notáveis os efeitos dessa medida sobre a inflação de todo o ano. Mas haverá impacto na área fiscal. Estima-se que o adiamento da alta do IPI implicará perda de receitas de R$ 2,2 bilhões de abril a dezembro. Menos receita implica maiores dificuldades para a execução da política fiscal, já afetada pelo baixo desempenho da economia.
O adiamento de uma medida que fora discutida com todos os interessados há poucos meses é mais uma indicação de que o governo continua zonzo na procura de caminhos para estimular a atividade econômica. A recuperação econômica imediata tornou-se vital para o projeto de reeleição da presidente Dilma Rousseff.
Embora ela continue a desfrutar de grande prestígio popular, a repetição, em 2013, dos maus desempenhos do PIB em 2011 e 2012 reduziria muito suas possibilidades eleitorais em 2014. Daí o esforço de seus auxiliares para anunciar medidas para "estimular a economia".
Ao adotar medidas erráticas, ou refazer o que havia anunciado, sem apontar um caminho seguro para o crescimento, que efetivamente estimule o setor privado a investir, o governo alimenta dúvidas sobre sua política e retarda o início do processo de recuperação.
=========
Celso Ming - O Estado de S.Paulo
Essas prorrogações casuísticas vão se perpetuando sem que ninguém no governo consiga justificá-las. A nota oficial do Ministério da Fazenda avisa que o objetivo é "estimular o setor automotivo, um dos principais motores da economia".
No entanto, se o setor já esperava crescer mais de 3% em unidades físicas, por que precisa desse empurrão? Além disso, se esses incentivos são sistematicamente prorrogados é porque não passam de expedientes de curto alcance, que não garantem nunca estímulo que assegure futuro sustentável ao setor.
A decisão implica renunciar à arrecadação de R$ 2,2 bilhões em relação à que estava nas contas do governo. Não é uma ajuda que contribuirá para a cura de um setor incapaz de competir, que produz caro demais e que só consegue vender 4 milhões de veículos por ano por contar com reservas de mercado.
O argumento de sempre é o de que a indústria automobilística tem de ser protegida porque, no mundo inteiro, recebe tratamento especial. Assim é nos Estados Unidos, onde a GM, a Ford e a Chrysler estão sempre obtendo favores do Tesouro. E é na França, na Itália, na China, na Coreia do Sul...
Nada de errado na proteção. O equívoco está em definir essa proteção sem uma política consistente, sem um objetivo estratégico que a sustente. A indústria de veículos no mundo opera dentro de um sistema global de suprimentos, apoiada por tratados comerciais que abrem mercado externo. E não é o que acontece no Brasil, onde vigora uma esquisitice chamada conteúdo local, que tem de prever, também, proteção a ainda mais atrasada indústria argentina de autopeças e que refuga tratados comerciais consistentes.
Não está claro nem mesmo o objetivo de curto prazo do governo federal com essa decisão. Não deve ser a preservação do emprego, como a Anfavea, a associação que defende os interesses do setor, chegou a argumentar. Só no Estado de São Paulo, a indústria de veículos mantém registrados 132 mil trabalhadores e espera bater o recorde histórico de 1980, quando eram 133,6 mil. Não há perspectiva de encolhimento do emprego no setor automotivo. De mais a mais, é o Banco Central que adverte para a situação atual de pleno emprego, e para o aquecimento excessivo do mercado de trabalho.
Esta também não pode ser mais uma manobra destinada a conter a alta do custo de vida. Os veículos não fazem parte da cesta básica e não será a redução de dois pontinhos de IPI que vai levar o setor a praticar preços mais baixos.
Caso seja para empurrar a indústria, então cabe perguntar por que repetir a escolha arbitrária de um favorecido quando todo o sistema produtivo enfrenta os mesmos problemas.
Ao contrário do que alardeia o governo, decisões assim criam insegurança porque complicam o planejamento. A qualquer momento favores assim podem acontecer ou deixar de acontecer.
Assedio moral de diplomata: o inquerito que deu chabu? (FSP)
02/04/2013 | 00:00
Itamaraty prepara ‘pizza’ para livrar embaixador
Instaurado há quase dois meses, caminha para a gaveta sindicância no Itamaraty para apurar acusação de assédio moral do cônsul-geral em Sidney (Austrália), embaixador Américo Fontenelle, e seu adjunto Cezar Cidade, a funcionários. Psicanalista, o embaixador Roberto Abdalla já ouviu todos os envolvidos - até brasileiros que procuram o consulado. Fontenelle passa férias em Brasília, onde corre o processo.
02/04/2013 | 00:00
Corrente
Em abaixo-assinado, os funcionários “imploram” ao Itamaraty o fim da investigação. É a segunda denúncia de assédio contra Fontenelle.
02/04/2013 | 00:00
Filme velho
Deu em pizza a grave denúncia de funcionário em Toronto, Canadá, em 2007. Fontenelle se gaba da amizade com ex-ministro José Dirceu.
==========
Pode ser preventivo, justamente. Aguardar para ver.
Mas se demorar muito não é justiça, como dizem...
Paulo Roberto de Almeida
Itamaraty prepara ‘pizza’ para livrar embaixador
Instaurado há quase dois meses, caminha para a gaveta sindicância no Itamaraty para apurar acusação de assédio moral do cônsul-geral em Sidney (Austrália), embaixador Américo Fontenelle, e seu adjunto Cezar Cidade, a funcionários. Psicanalista, o embaixador Roberto Abdalla já ouviu todos os envolvidos - até brasileiros que procuram o consulado. Fontenelle passa férias em Brasília, onde corre o processo.
02/04/2013 | 00:00
Corrente
Em abaixo-assinado, os funcionários “imploram” ao Itamaraty o fim da investigação. É a segunda denúncia de assédio contra Fontenelle.
02/04/2013 | 00:00
Filme velho
Deu em pizza a grave denúncia de funcionário em Toronto, Canadá, em 2007. Fontenelle se gaba da amizade com ex-ministro José Dirceu.
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Pode ser preventivo, justamente. Aguardar para ver.
Mas se demorar muito não é justiça, como dizem...
Paulo Roberto de Almeida
Os perdedores contam a historia (mas seriam perdedores?) - Olavo de Carvalho
A História invertida
Olavo de Carvalho
Diário do Comércio
O confronto entre militares e terroristas na América Latina dos anos 60-70 foi um episódio da Guerra Fria, onde os atores locais, sem prejuízo de suas convicções e decisões próprias, ecoavam, em última instância, as estratégias respectivas das duas grandes potências em disputa: os EUA e a URSS.
Nada do que então se passou no continente pode ser compreendido sem ter isso em conta.
Se perguntarmos qual dos dois protagonistas estrangeiros interferiu mais profundamente no cenário latino-americano, a única resposta honesta é: a URSS.
Do ponto de vista militar, isso é de uma obviedade gritante. Os EUA jamais chegaram a ter, na época, quarenta mil soldados, quinze mil técnicos em armamentos, setecentas baterias anti-aéreas, 350 tanques e cento e tantos mísseis balísticos intercontinentais instalados em nenhum dos seus países aliados na América Latina, como a URSS teve em Cuba já a partir de 1962 na chamada “Operação Anadyr”. (v. Gus Russo and Stephen Molton, Brothers in Arms. The Kennedys, the Castros and the Politics of Murder, New York, Bloomsbury, 2008, p. 158, e http://www.russianspaceweb.com/cuban_missile_crisis.html).
No que diz respeito à espionagem propriamente dita, a superioridade soviética surge ainda mais nítida no caso do Brasil em especial. Nada do que a CIA ou qualquer outro serviço secreto norte-americano possa ter feito aqui se compara às proezas da KGB, que chegou a instalar um grampo no gabinete do presidente João Figueiredo (v. George Schpatoff, KGB. História Secreta, Curitiba, Juruá, 2000, pp. 381 ss.), interceptar 21 mil mensagens sigilosas do nosso Ministério das Relações Exteriores e ter a seu serviço, como agente pago, nada menos que um embaixador brasileiro em Moscou (v. Christopher Andrew and Vasili Mitrokhin, The World Was Going Our Way. The KGB and the Battle for the Third World, New York, Basic Books, 2005, p. 105).
Se daí passamos ao campo das chamadas “medidas ativas” (desinformação, infiltração, guerra psicológica, agentes de influência etc.), a supremacia soviética no Brasil daqueles anos assume as proporções de um poder absoluto e incontrastável. Em 1964, a KGB tinha várias dezenas de jornalistas brasileiros na sua folha de pagamentos (confissão do próprio chefe da agência soviética no Brasil, Stanislav Bittman, em The KGB and Soviet Disinformation: An Insider’s View). Que o número deles se multiplicou nos anos seguintes não é algo de que se possa duvidar. Muitos jornalistas brasileiros, naquele período, fizeram estágios na URSS, na China, na Tchecoslováquia, na Alemanha Oriental, na Polônia e em Cuba. Uns poucos gabam-se disso até hoje, seguros de que o público amestrado já não verá aí o menor motivo de suspeita. Mas naqueles países, onde todos os órgãos de mídia nada mais eram do que extensões da polícia secreta, é quase impensável que algum jornalista estrangeiro fosse admitido sem ser em seguida recrutado como agente de influência. Como assinalam John Earl Haynes, Harvey Klehr e Alexander Vasiliev em Spies: The Rise and Fall of the KGB in America (Yale University Press, 2009), os soviéticos foram sempre os campeões absolutos no recrutamento de jornalistas. Nos EUA, hoje conhecem-se um por um os nomes daqueles que, na mídia americana, serviram à KGB e ao GRU (serviço secreto militar). No Brasil, esse capítulo da história do nosso jornalismo é ainda um tabu, mas é evidente que sem ele nada se compreende do período, principalmente porque em plena ditadura militar os comunistas chegaram a controlar praticamente toda a grande mídia no país (v. http://www.olavodecarvalho.org/semana/111124dc.html, http://www.olavodecarvalho.org/semana/111125dc.html e http://www.olavodecarvalho.org/semana/111130dc.html) e a dominar também o mercado livreiro através das suas grandes casas editoras (Civilização Brasileira, Brasiliense, Vitória etc.). Nem falo, é claro, dos agentes de influência que vindo do bloco soviético se espalharam pelos EUA e pelas democracias européias, forjando aí a imagem demoníaca do governo brasileiro que acabou por se consagrar como dogma internacional inabalável.
O conjunto forma uma orquestra formidável, ao lado da qual a voz do imperialismo ianque mal soava como o miado de um gatinho doente. Ao longo de toda aquela época, e depois mais ainda, tanto os EUA quanto o governo brasileiro se abstiveram de fazer qualquer esforço sério para ganhar os “corações e mentes” dos formadores de opinião neste país. Em plena ditadura, os jornalistas “de direita” nas redações contavam-se nos dedos das mãos e eram abertamente hostilizados por seus colegas.
Por fim, até hoje não se fez uma avaliação razoável da quantidade de recursos mobilizados pelas ditaduras de Cuba, da China, da URSS e seus países satélites para treinar, equipar e financiar não só os terroristas brasileiros mas os militantes encarregados de lhes dar apoio político sem participar dos combates. Foi uma operação de proporções gigantescas, que na imagem pública hoje em dia só aparece sob a forma de menções esporádicas a “exilados”, como se os comunistas só fossem para aqueles países quando obrigados a isso pelo governo militar.
Em comparação com a profundidade e amplitude da intervenção cubano-soviética no continente, e especialmente no Brasil, a ação dos EUA naqueles anos caracterizou-se pela raridade, timidez e omissão, limitando-se no mais das vezes a acordos entre governos. Se a imagem que se consagrou na mídia e no ensino foi exatamente a inversa, isso é mais uma prova do sucesso de uma operação que prossegue ainda hoje, tendo a seu serviço tanto os megafones quanto as mordaças.
Olavo De Carvalho
oakwoodwolf3@aol.com
Olavo de Carvalho
Diário do Comércio
O confronto entre militares e terroristas na América Latina dos anos 60-70 foi um episódio da Guerra Fria, onde os atores locais, sem prejuízo de suas convicções e decisões próprias, ecoavam, em última instância, as estratégias respectivas das duas grandes potências em disputa: os EUA e a URSS.
Nada do que então se passou no continente pode ser compreendido sem ter isso em conta.
Se perguntarmos qual dos dois protagonistas estrangeiros interferiu mais profundamente no cenário latino-americano, a única resposta honesta é: a URSS.
Do ponto de vista militar, isso é de uma obviedade gritante. Os EUA jamais chegaram a ter, na época, quarenta mil soldados, quinze mil técnicos em armamentos, setecentas baterias anti-aéreas, 350 tanques e cento e tantos mísseis balísticos intercontinentais instalados em nenhum dos seus países aliados na América Latina, como a URSS teve em Cuba já a partir de 1962 na chamada “Operação Anadyr”. (v. Gus Russo and Stephen Molton, Brothers in Arms. The Kennedys, the Castros and the Politics of Murder, New York, Bloomsbury, 2008, p. 158, e http://www.russianspaceweb.com/cuban_missile_crisis.html).
No que diz respeito à espionagem propriamente dita, a superioridade soviética surge ainda mais nítida no caso do Brasil em especial. Nada do que a CIA ou qualquer outro serviço secreto norte-americano possa ter feito aqui se compara às proezas da KGB, que chegou a instalar um grampo no gabinete do presidente João Figueiredo (v. George Schpatoff, KGB. História Secreta, Curitiba, Juruá, 2000, pp. 381 ss.), interceptar 21 mil mensagens sigilosas do nosso Ministério das Relações Exteriores e ter a seu serviço, como agente pago, nada menos que um embaixador brasileiro em Moscou (v. Christopher Andrew and Vasili Mitrokhin, The World Was Going Our Way. The KGB and the Battle for the Third World, New York, Basic Books, 2005, p. 105).
Se daí passamos ao campo das chamadas “medidas ativas” (desinformação, infiltração, guerra psicológica, agentes de influência etc.), a supremacia soviética no Brasil daqueles anos assume as proporções de um poder absoluto e incontrastável. Em 1964, a KGB tinha várias dezenas de jornalistas brasileiros na sua folha de pagamentos (confissão do próprio chefe da agência soviética no Brasil, Stanislav Bittman, em The KGB and Soviet Disinformation: An Insider’s View). Que o número deles se multiplicou nos anos seguintes não é algo de que se possa duvidar. Muitos jornalistas brasileiros, naquele período, fizeram estágios na URSS, na China, na Tchecoslováquia, na Alemanha Oriental, na Polônia e em Cuba. Uns poucos gabam-se disso até hoje, seguros de que o público amestrado já não verá aí o menor motivo de suspeita. Mas naqueles países, onde todos os órgãos de mídia nada mais eram do que extensões da polícia secreta, é quase impensável que algum jornalista estrangeiro fosse admitido sem ser em seguida recrutado como agente de influência. Como assinalam John Earl Haynes, Harvey Klehr e Alexander Vasiliev em Spies: The Rise and Fall of the KGB in America (Yale University Press, 2009), os soviéticos foram sempre os campeões absolutos no recrutamento de jornalistas. Nos EUA, hoje conhecem-se um por um os nomes daqueles que, na mídia americana, serviram à KGB e ao GRU (serviço secreto militar). No Brasil, esse capítulo da história do nosso jornalismo é ainda um tabu, mas é evidente que sem ele nada se compreende do período, principalmente porque em plena ditadura militar os comunistas chegaram a controlar praticamente toda a grande mídia no país (v. http://www.olavodecarvalho.org/semana/111124dc.html, http://www.olavodecarvalho.org/semana/111125dc.html e http://www.olavodecarvalho.org/semana/111130dc.html) e a dominar também o mercado livreiro através das suas grandes casas editoras (Civilização Brasileira, Brasiliense, Vitória etc.). Nem falo, é claro, dos agentes de influência que vindo do bloco soviético se espalharam pelos EUA e pelas democracias européias, forjando aí a imagem demoníaca do governo brasileiro que acabou por se consagrar como dogma internacional inabalável.
O conjunto forma uma orquestra formidável, ao lado da qual a voz do imperialismo ianque mal soava como o miado de um gatinho doente. Ao longo de toda aquela época, e depois mais ainda, tanto os EUA quanto o governo brasileiro se abstiveram de fazer qualquer esforço sério para ganhar os “corações e mentes” dos formadores de opinião neste país. Em plena ditadura, os jornalistas “de direita” nas redações contavam-se nos dedos das mãos e eram abertamente hostilizados por seus colegas.
Por fim, até hoje não se fez uma avaliação razoável da quantidade de recursos mobilizados pelas ditaduras de Cuba, da China, da URSS e seus países satélites para treinar, equipar e financiar não só os terroristas brasileiros mas os militantes encarregados de lhes dar apoio político sem participar dos combates. Foi uma operação de proporções gigantescas, que na imagem pública hoje em dia só aparece sob a forma de menções esporádicas a “exilados”, como se os comunistas só fossem para aqueles países quando obrigados a isso pelo governo militar.
Em comparação com a profundidade e amplitude da intervenção cubano-soviética no continente, e especialmente no Brasil, a ação dos EUA naqueles anos caracterizou-se pela raridade, timidez e omissão, limitando-se no mais das vezes a acordos entre governos. Se a imagem que se consagrou na mídia e no ensino foi exatamente a inversa, isso é mais uma prova do sucesso de uma operação que prossegue ainda hoje, tendo a seu serviço tanto os megafones quanto as mordaças.
Olavo De Carvalho
oakwoodwolf3@aol.com
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