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sexta-feira, 16 de outubro de 2020

Privatizações no Brasil: Ricardo Bergamini, Wikipedia

 Não é proibido iludir o povo. É apenas cruel (Roberto Campos).

Prezados Senhores

 

Os brasileiros esclarecidos estão de “saco cheio” com a ladainha dos bolsonaristas, transferindo a culpa para a justiça, a imprensa e para o Congresso Nacional, pelo seu fracasso nas privatizações, após quase dois anos de um governo preocupado apenas com a família e os amigos envolvidos com os seus próprios crimes.

 

Todos os motivos apresentados pelos bolsonaristas, até a presente data, para justificar a inexistência de uma única privatização no governo inoperante atual, foram enfrentados por todos os governantes anteriores, desde José Sarney, e cada um deles deixou a sua marca nas privatizações de estatais, conforme matéria abaixo.

 

Não podemos deixar de destacar o governo de FHC que, mesmo considerado como sendo comunista pela direita “meia-sola” atual, privatizou os bancos estaduais, as siderurgias, as estradas, a telefonia (atualmente qualquer criança possui um telefone, que devido ao seu valor já foi considerado como sendo um patrimônio no imposto de renda). 

 

No Brasil, empresa privada é aquela que é controlada pelo governo, e empresa pública é aquela que ninguém controla (Roberto Campos). 

 

 

Privatizações no Brasil

 

Fonte - Wikipédia, a enciclopédia livre.

 

 

Privatizações do governo José Sarney

 

José Sarney e seu governo (1985-1990) apresentaram uma tentativa de estruturar um processo de privatização de estatais[1] – ideia encampada pela primeira vez no Brasil por seu antecessor. No entanto, esse processo avançou à época timidamente: foram privatizadas 18 estatais avaliadas em US$ 533 milhões, outras 18 estatais foram transferidas para governos estaduais, 2 estatais foram incorporadas por instituições financeiras e 4 fechadas. As maiores estatais privatizadas no período foram a Riocell e a Aracruz Celulose, ambas na área de celulose.

 

Privatizações do governo Collor

 

Fernando Collor (1990-1992) prosseguiu com as privatizações como parte de seu programa econômico, ao instituir o PND – Programa Nacional de Desestatização pela Lei n.º 8.031, de 1990. De acordo com Carvalho (2012), citado por Vaia (2015), "O plano de privatizações consistia em ampliar a receita e cortar os gastos com empresas deficitárias". Continua o autor, quanto à justificação oficial do Programa, no seguinte sentido:

 

Uma propaganda do governo federal associava o Estado brasileiro a um paquiderme, lento, grande, e desengonçado. As privatizações faziam parte da reforma do Estado, mas em capítulo próprio. Motivadas pela convicção ideológica da necessidade de diminuir o papel do poder público como interventor, tinham ainda o objetivo de oferecer condições atraentes para os capitais externos, na tentativa de fomentar um novo ciclo de investimentos de multinacionais no país. Havia, assim, um duplo significado para o plano de privatização: a diminuição do tamanho e das atribuições do Estado e a abertura econômica do país para o mundo.

 

No entanto, das 68 empresas incluídas no programa, apenas 18 foram efetivamente privatizadas, pois Fernando Collor teve sua ação obstaculizada com os problemas surgidos na privatização da Viação Aérea São Paulo – VASP. O Plano Collor, elaborado pela ministra Zélia Cardoso de Mello, implementou um modelo neoliberal de abertura às importações, privatização, modernização industrial e tecnológica. A política econômica implementada por Zélia desencadeou um dos maiores programas de privatização do mundo.

 

A privatização das empresas siderúrgicas começou com a extinção da empresa holding Siderurgia Brasileira S.A. – SIDERBRAS, após absorver os passivos das empresas subsidiárias. A primeira estatal privatizada, no dia 24 de outubro de 1991, foi a USIMINAS, siderúrgica mineira localizada no município de Ipatinga, fato que gerou grande polêmica na época pois, das empresas estatais, ela era uma das mais lucrativas. O grande beneficiário no processo de privatização de siderúrgicas foi o Grupo Gerdau, que adquiriu a maior parte das empresas siderúrgicas.

 

Com a destituição de Fernando Collor e a posse de seu vice-presidente Itamar Franco (1992-1995) – o qual também sempre foi a favor das privatizações, apesar de que em menor grau –, o processo também não foi adiante.

 

Privatizações do governo Itamar Franco

 

O programa de privatizações executado durante o governo Itamar Franco (1992-1995) abrangeu a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) – a qual foi um marco pioneiro da presença do Estado na economia, e a qual foi adquirida pelo grupo liderado pelo empresário paulistano Benjamin Steinbruch (o qual mais tarde adquiriria a Companhia Vale do Rio Doce) –, a Aço Minas Gerais (Açominas), a Companhia Siderúrgica Paulista (Cosipa), a Embraer bem como subsidiárias da Petrobras.

 

Privatizações do governo Fernando Henrique Cardoso

 

Com a criação do Conselho Nacional de Desestatização, pela Lei n.º 9.491Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), ao adotar algumas recomendações então em vigor do Consenso de Washington e do FMI deixou claro seu propósito de implementar um amplo programa de privatizações. Ao mesmo tempo, fez bem sucedidas gestões na área política e financeira para enquadrar os estados no programa, condicionando as transferências de recursos financeiros da União para os estados à submissão dos governadores às políticas recomendadas pelo FMI.

 

Continuado no governo Fernando Henrique, o processo de privatização ocorreu em vários setores da economia: a Companhia Vale do Rio Doce, empresa de minério de ferro e pelotas, a Telebrás, monopólio estatal de telecomunicações e a Eletropaulo.

 

Enquanto a quase totalidade dos defensores do keynesianismo apoiavam a concepção do projeto de desestatização, vários economistas de outras escolas de pensamento econômico, vários partidos de oposição, sindicatos trabalhistas e suas respectivas centrais sindicais, bem como muitos juristas e outros setores representativos da sociedade civil manifestaram-se contrários ao processo de privatização tal como fora anunciado; tentaram, sem sucesso, inviabilizá-lo por meio de manifestações e medidas judiciais. Os leilões de privatização, que foram públicos, se realizaram na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro e foram objeto de violentos protestos de militantes esquerdistas.

 

Críticas partiram também de vários economistas e do meio acadêmico que, embora estivessem de acordo com a filosofia do programa, viam nele duas grandes falhas. A primeira era a possibilidade de os eventuais compradores poderem efetuar parte do pagamento com as chamadas "moedas podres", títulos da dívida pública emitidos pelos sucessivos governos com o objetivo de resolver crises financeiras e que, ao se tornarem inegociáveis, pressionavam o déficit público. Criticava-se não só a possibilidade de esses títulos serem aceitos, mas que o fossem pelo seu valor de face, quando seu valor de mercado era nulo ou quase nulo, isso deu um "windfall gain" (ganho inesperado) considerável a seus detentores.

 

A segunda falha, na visão dos críticos, era permitir, tal como no caso da Eletropaulo acima citado e detalhado em seção adiante, que o BNDES financiasse parte do preço de compra. Ou seja, existia o temor que tais recursos fossem indevidamente utilizados para privilegiar grupos privados específicos. O acesso ao crédito seria assegurado inclusive aos compradores estrangeiros, que apesar de ser permitido pela lei, estaria teoricamente em desacordo com a tradição seguida, até então, pelo banco nacional de fomento.

 

O resultado final das privatizações revelou um aspecto peculiar do programa brasileiro: algumas aquisições somente foram feitas porque contaram com a participação financeira dos fundos de pensão das próprias empresas estatais (como no caso da Vale) ou da participação de empresas estatais de países europeus. O controle acionário da Light Rio, por exemplo foi adquirido pela estatal de energia elétrica da França.

 

Ao longo dos oito anos de mandato de Fernando Henrique Cardoso, as privatizações lograram atingir a receita total de 78,61 bilhões de dólares, sendo 95% em moeda corrente (nessa percentagem estão incluídos os financiamentos concedidos pelo BNDES), e com grande participação dos investidores estrangeiros, que contribuíram com 53% do total arrecadado. Deste total, 22,23 bilhões de dólares referem-se à privatização do setor elétrico e, 29,81 bilhões de dólares à do setor de telecomunicações.

 

Privatizações e concessões do governo Lula e Dilma 

 

O governo Lula foi responsável pela concessão de cerca de 2,6 mil quilômetros de rodovias federais, leiloadas em 9 de outubro de 2007. O grande vencedor do leilão da concessão para explorar, por 25 anos, os pedágios nas rodovias foi o grupo espanhol OHL.

 

As estradas concessionadas e os respectivos concessionários são:

 

BR-381 Belo Horizonte (MG) – São Paulo (SP) - grupo OHL

 

BR-393 Divisa (MG-RJ) – Via Dutra (RJ) – Acciona

 

BR-101 Ponte Rio–Niterói (RJ) – (ES) - grupo OHL

 

BR-153 Divisa (MG-SP) – Divisa (SP-PR) - BR VIAS

 

BR-116 São Paulo (SP) – Curitiba (PR) - grupo OHL

 

BR-116 Curitiba (PR) – Divisa (SC-RS) - grupo OHL

 

BR-116/376/PR-101/SC Curitiba (PR) – Florianópolis (SC) - grupo OHL

 

Na recente concessão de rodovias federais, em que foi adotado o procedimento de decisão social na elaboração do edital licitatório, as empresas que se saíram vitoriosas na licitação ofereceram-se para administrar as estradas por um pedágio médio de R$0,02 por quilômetro, o que representa um custo médio seis vezes inferior ao custo médio cobrado no pedágio das rodovias Anhanguera e Imigrantes, privatizadas na década anterior, quando ainda prevaleciam outros critérios. O emprego desses novos critérios licitatórios, que adotaram a teoria do desenho de mecanismos,[9][10] resultaram, de acordo com o governo, numa eficiência superior à obtida apenas pelo critérios anteriores.[11] Recentes matérias em jornais levantaram, entretanto, que os contratos realizados nas concessões em 2007 não têm sido cumpridos e que as estradas encontravam-se em 2010 com obras atrasadas e trechos em péssimas condições. Houve também a concessão por 30 anos de 720 quilômetros da Ferrovia Norte-Sul para a Vale do Rio Doce pelo valor de R$1,4 bilhão.[13] Ainda durante todo o período do governo do PT, não se privatizou muitas empresas em níveis comparáveis aos do governo FHC, entretanto houve o maior pacote de concessões em rodovias e ferrovias já feito no país, principalmente no caso do governo Dilma.

 

Outras concessões feitas no governo Lula referem-se a:

 

Hidrelétrica Santo Antônio;

 

Usina Hidrelétrica de Jirau;

 

Linha de transmissão Porto Velho (RO) – Araraquara (SP)

 

Ainda no governo Lula, foram privatizados o Banco do Estado do Ceará e do Banco do Estado do Maranhão; devido ao adiamento do leilão do dia 3 de outubro 2002.

 

Privatizações do governo Michel Temer.

 

No segundo semestre de 2016, o presidente Michel Temer e seu governo anunciam um novo plano de privatizações a serem feitas ao longo de 2017 e 2018 que incluem obras e agências reguladoras bem como recursos naturais.

 

Privatizações do governo Jair Bolsonaro

 

Ainda no inicio de 2018, com o anúncio de Paulo Guedes como provável ministro da economia em caso de eleição do então candidato Jair Bolsonaro, subiram as expectativas para a chegada de uma onda liberal num possível governo Bolsonaro. Em janeiro de 2019 no Fórum Econômico MundialPaulo Guedes, anunciou que sua meta para 2019 era US$ 20 bilhões até setembro. Em setembro deste mesmo ano, o secretário de desestatização, Salim Mattar, anunciou que a meta do ministro Paulo Guedes foi atingida e que a arrecadação com as desestatizações atingiu US$ 23,5 bilhões.

 

Em agosto de 2019, o governo Bolsonaro anunciou a inclusão de mais 9 empresas ao programa de privatizações, que agora soma 17 empresas a ser privatizadas. Na lista estão as empresas: CorreiosEletrobrasTelebrasCasadaMoedaEBCLotexCodespEmgea,ABGF, SerproDataprevCBTUTrensurbCeagespCeasaminas,odesa, Ceitec,

 

O programa de desestatização do ministro Guedes ainda inclui a concessão de diversos ativos do governo, dos quais já foram concedidos 12 aeroportos, parte da ferrovia norte-sul, terminais da Codesp (Companhia Docas do Estado de São Paulo) e da Appa (Administração dos Portos de Paranaguá e Antonina).

 

No ano de 2019, a Petrobras ainda arrecadou cerca de R$ 11,9 bilhões com a venda de ativos naturais, ou seja, cinco campos de exploração de petróleo.

 

No dia 10 de outubro de 2019, a ANP realizou um mega leilão do petróleo, foram a leilão 36 blocos exploratórios de petróleo, dos quais 12 foram arrematados, no total foram arrecadados R$ 8,915 bilhões. Esse foi o maior montante arrecadado nas rodadas de concessões do governo Bolsonaro, a verba vai para o Tesouro Nacional.

 

Tabela de privatizações de 1990 a 2006



Casos específicos


Eletropaulo

Um caso controverso onde especula-se a falta de lisura dos leilões de privatização por parte dos críticos, foi o da Eletropaulo. A licitante - a AES americana - que estava em situação pré-falimentar[28] no seu país de origem, obteve a liberação de um financiamento do BNDES no valor de 100% da aquisição. Como a empresa privada americana AES, que adquiriu o controle da Eletropaulo, falhou em honrar o financiamento, situação que era mundial, visto que sua subsidiaria no Reino Unido passava por um problema similar, o BNDES viu-se obrigado, pela legislação bancária vigente, a lançar em "provisão para devedores duvidosos" (prejuízo), no primeiro trimestre de 2003, a importância correspondente a 100% do valor que havia emprestado à AES. Isso gerou um prejuízo recorde de R$ 2,4 bilhões ao BNDES naquele trimestre. Desta forma, como descrito por Stiglitz, um crítico das políticas do FMI para os países em desenvolvimento, operaram a "transferência dos recursos públicos para a propriedade privada de grupos privilegiados sob um aparente manto de legalidade". Com isso, argumenta-se que o Poder Público recebeu efetivamente nada pela venda da Eletropaulo, já que o BNDES fornecera todo o aporte necessário para a aquisição da antiga estatal.

 

Numa segunda etapa, para tentar minorar as perdas sofridas pelo banco público, seu presidente Carlos Lessa conseguiu obter, após 11 meses de negociações, um acordo no qual o BNDES recebeu como dação em pagamento pela dívida da AES "50% menos uma das ações da Eletropaulo" e mais "debentures conversíveis em ações emitidas pela AES, pagáveis em nove anos".[29][30] Uma ação criminal foi proposta pelo Ministério Público contra os então administradores do BNDES responsáveis pela operação, tendo sido a denúncia aceita pelo Poder Judiciário.[31] Em 2010, o TRF2 trancou parcialmente a ação penal contra os administradores por falhas no conjunto de provas apresentados na denúncia, citando falta de "situação de perigo", exigida para que fique caracterizada a gestão temerária, além de um relatório técnico do TCU a favor dos acusados

 

Telefonia

 

Para a privatização dos serviços de telefonia fixa, houve o desmembramento do patrimônio da empresa estatal Telecomunicações Brasileiras S.A. – TELEBRÁS, realizando-se leilões separados para os serviços do Estado de São Paulo, da Região Sul juntamente com a Região Centro-Oeste e das demais regiões do país, que formaram três companhias: Telesp, Tele Centro-Sul e Tele Norte Leste, adjudicados, respectivamente, para a Telefônica de Espanha, consórcio liderado pela Telecom Itália e grupo AG Telecom.

 

Ao todo, a Telebrás foi dividida em 12 empresas que seriam levadas a leilão: três de telefonia fixa (Telesp, Tele Centro Sul e Tele Norte Leste), oito de telefonia celular (Telesp Celular, Tele Sudeste Celular, Telemig Celular, Tele Celular Sul, Tele Nordeste Celular, Tele Centro Oeste Celular, Tele Leste Celular e Tele Norte Celular) e uma de telefonia de longa distância (Embratel). O que foi levado a leilão correspondia a 20% do valor das empresas, que representava o controle acionário das empresas. Foi a maior privatização ocorrida no Brasil, realizada em 29 de julho de 1998 na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, arrecadando R$ 22,058 bilhões, o que representou um ágio médio de 63,7% sobre os valores mínimos do leilão.

 

Telesp foi arrematada pela Telefónica de España por R$ 5,783 bilhões, o que representou um ágio de 64,29% sobre o valor mínimo de R$ 3,52 bilhões. A proposta superou a do outro grupo concorrente, formado pela Telecom Itália, Bradesco e Globo, que ofereceram R$ 3,965 bilhões.

 

A Tele Centro Sul, depois renomeada para Brasil Telecom, foi arrematada pelo consórcio liderado pelo Banco Opportunity, Telecom Itália e fundos de pensão, pelo valor de R$ 2,07 bilhões, com um ágio de 6,15% sobre o mínimo estipulado em R$ 1,95 bilhões. A Telefónica de España também havia apresentado uma proposta, mas foi desclassificada por já ter arrematado a Telesp.

 

A Tele Norte Leste, depois renomeada para Telemar, foi arrematada por R$ 3,434 bilhões, com um ágio de apenas 1% sobre o valor mínimo de R$ 3,4 bilhões, o menor ágio entre todas as 12 teles leiloadas. O outro grupo interessado era o liderado pelo Banco Opportunity, mas a proposta foi desconsiderada porque o grupo já havia adquirido a Tele Centro Sul.

 

Foi problemática a participação do grupo que adquiriu o controle da Tele Norte Leste, chamado de AG Telecom e depois Telemar, formado por capitais nacionais, que não seria o preferido do governo para vencer a licitação, diante da dúvida em sua capacidade de honrar os compromissos financeiros assumidos, o que de certa forma se confirmou, levando a alterações em sua composição acionária.

 

Nas alterações ocorridas na Telemar, como na aquisição da Itália Telecom pela Brasil Telecom, desponta a atuação do Banco Opportunity e seu controlador, o banqueiro Daniel Dantas. Especulações sobre sua participação nesses episódios, que envolvem espionagem, suborno e tráfico de influência, até hoje ocupam espaço na mídia e resultaram em um sem-número de ações judiciais.

 

Algumas semanas após a privatização, foram divulgadas conversas telefônicas obtidas por gravações ilegais em telefones do BNDES que indicavam que fora articulado um favorecimento para que o grupo liderado pelo Banco Opportunity adquirisse a Tele Norte Leste. A repercussão do caso levou à queda do Ministro das Comunicações, Luiz Carlos Mendonça de Barros, do presidente do BNDES, André Lara Resende e de diretores do Banco do Brasil (como o diretor da área externa, Ricardo Sérgio de Oliveira) e o presidente da Previ, Jair Bilachi. Em uma das conversas, Mendonça de Barros diz a Bilachi que é importante que a Previ forme um consórcio com o Opportunity e que o ministério ajudará no que for preciso, ao passo que Bilachi diz que vai tratar do assunto com Ricardo Sérgio. O próprio ministro pede a Ricardo Sérgio que o Banco do Brasil dê uma carta de fiança ao Opportunity.

 

Foi também privatizada a Empresa Brasileira de Telecomunicações – EMBRATEL, responsável pelas ligações telefônicas de longa distância e pelos serviços de teleconferência., adquirida pela empresa norte-americana MCI Communications, que depois se envolveria em um rumoroso caso de administração fraudulenta nos Estados Unidos. Atualmente, é controlada pela mexicana TELMEX. A MCI arrematou a empresa por R$ 2,65 bilhões, o que representou um ágio de 47,22% sobre o valor mínimo estipulado em R$ 1,8 bilhões. Nas conversas ilegalmente gravadas, consta que o ministro Mendonça de Barros estimulou a entrada da MCI no leilão e ainda congratulou-os antecipadamente pela vitória.

 

Companhia Vale do Rio Doce

 

A primeira grande empresa estatal a ser privatizada no governo FHC foi a Companhia Vale do Rio Doce, então a maior exportadora de minério de ferro do mundo e, atualmente, uma das maiores mineradoras mundiais, permanecendo líder na exportação de minério de ferro.

 

Curiosamente, a Vale não constava da relação anexa à Lei n.º 9.491, na sua redação original, mas sua privatização teve preferência sobre as demais devido a pressão dos concorrentes internacionais da empresa, interessados em sua aquisição.

 

Na elaboração do modelo de privatização teve participação importante a economista Elena Landau, então diretora de desestatização do BNDES, a quem se acusava de tomar decisões contrárias aos interesses nacionais. Já era casada com Pérsio Arida, sócio de Daniel Dantas no Banco Opportunity, que foi um dos bancos que mais comprou empresas privatizadas no Brasil.

 

Acorreram ao leilão, realizado em, em 6 de maio de 1997, os grupos liderados pelos empresários Benjamin Steinbruch e Antônio Ermírio de Morais, vencido pelo primeiro, em associação com dois fundos de pensão (Litel e Litela, administrados pela Previ) e grupos nacionais empresariais e estrangeiros.

 

A venda do controle acionário da Vale foi concretizada em 6 de maio de 1997 para o consórcio Brasil, liderado pela Companhia Siderúrgica Nacional, de Benjamin Steinbruch, que adquiriu o controle acionário da Vale por US$ 3.338.178.240 ou cerca de 3,3 bilhões de dólares, na ocasião, representando 27% do capital total da empresa, antes pertencente à União, que representavam 41,73% das ações ordinárias (com direito a voto) da empresa.

 

A empresa, já sob domínio privado, beneficiou-se do grande aumento no preço mundial do minério de ferro, o principal produto vendido pela Vale - que subiu 123,5% desde o inícios de 2005 até o final de 2006[36] - o que lhe permitiu crescer e se desenvolver de forma acelerada. E em outubro de 2006, com os lucros obtidos no Brasil, comprou a mineradora canadense Inco, que incorporou como sua subsidiária integral, em janeiro de 2007, tornando-se a segunda maior mineradora do mundo.

 

Companhia Siderúrgica Nacional

 

Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), privatizada em 1993 no Governo Itamar Franco, investiu cerca de R$ 256 milhões anuais no período 1993-97, contra R$ 65 milhões em média por ano para o período anterior à privatização (1985-92). A empresa tinha um prejuízo médio anual de R$ 1,0 bilhão em 1985-92, a passou a ter um lucro anual médio de R$232 milhões. Pagava cerca de R$128 milhões anuais de impostos antes da privatização, passando a R$ 208 milhões anuais depois de privatizada. A CSN foi vendida por cerca de R$ 1,2 bilhão, provocando também cancelamento de dívidas nesse mesmo valor. O valor da venda corresponde a um pouco mais de 2% das receitas totais da privatização, de modo que se imaginarmos que o restante das empresas privatizadas experimenta o mesmo tipo de reviravolta em seus resultados, os efeitos fiscais da privatização terão de ser muito significativos para as contas públicas nos próximos anos e em todas essas dimensões.

 

Ferrovias

 

Entre 1996 e 1999 foi realizada a completa liquidação das empresas ferroviárias de longa distância do Brasil, e a malha ferroviária em quase sua totalidade foi concedida para operadores privados. A privatização alcançou seu objetivo de acabar com o déficit que o governo tinha no transporte ferroviário e o transformar num superávit, já que os operadores privados passaram a pagar expressivas somas pela concessão. Outro benefício foi o aumento na segurança e volume do transporte de cargas ferroviário. Por outro lado, o governo Fernando Henrique Cardoso esqueceu-se completamente dos passageiros e praticamente exterminou o transporte de passageiros por trens de longa distância no Brasil, sobrando apenas as linhas Vitória-Belo Horizonte e Carajás-São Luis. Isso foi um efeito nefasto da privatização das ferrovias, que não foi mitigado como poderia ter sido pela contratação de serviços de passageiros e que contribuiu para aumentar o rodoviarismo e aumentar as mortes nas estradas brasileiras.

 

Outros setores da economia

 

Parte da geração de energia elétrica continua em mãos do Estado, por intermédio das subsdiárias da Centrais Elétricas Brasileiras S.A. – Eletrobrás e outras estatais, como CEMIG e CESP. A participação da iniciativa privada neste setor é permitida, resultando em investimentos como grande partes das usinas termoelétricas brasileiras, bem como usinas eólicas, pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) e as usinas hidrelétricas de Jirau e Santo Antonio.

 

Os bancos estaduais, tornados altamente ilíquidos pelo uso político que deles faziam os governadores, e que eram considerados "uma ferida aberta" pelo ministro da Fazenda Gustavo Franco, por estarem continuamente fazendo uso do "redesconto" no Banco Central (uma espécie de "cheque especial" para bancos), foram inicialmente "federalizados", isto é transferidos para a esfera federal e "saneados" por administradores nomeados pelo Ministro da Fazenda. (Para fazer esse "saneamento" o Governo Federal trocou os títulos que lastreavam as carteiras dos bancos estaduais, muitos de difícil recebimento, por títulos do Tesouro Nacional, que valem como dinheiro, assumindo o assim Tesouro Nacional todos os riscos). A quase totalidade desses bancos foi adquirida pelos bancos privados Bradesco e Itaú, depois de terem sido "saneados" com os recursos do Tesouro Nacional.

 

Banco do Estado de São Paulo – Banespa, que era o principal banco de fomento de São Paulo - que fora "federalizado" sob protestos do próprio governador Mário Covas foi vendido, pelo governo FHC, ao Banco Santander, de capital espanhol. Mário Covas conseguiu, entretanto, vetar a privatização da Nossa Caixa, conseguindo que o governo federal concordasse que ela fosse "saneada" com recursos do PROES. 

 

Hoje, apenas os estados de Rio Grande do Sul, do Espírito Santo, de Santa Catarina, além do Distrito Federal mantém bancos sob seu controle acionário.

 

Para regulamentar e fiscalizar os serviços públicos prestados pelas empresas privatizadas, que passaram a deter "monopólio naturais", foram criadas, na estrutura do Governo Federal, agências reguladoras - as famosas ANA's - cujos dirigentes têm mandato por período certo de tempo, supostamente como uma forma de evitar ingerências de caráter político. Mas a eficácia das ações regulamentadoras e fiscalizadoras das ANA's tem sido muito criticadas. No início de 2008 o próprio ouvidor da Anatel, que foi criada pela Lei 9.472, de 16 de julho de 1997, durante o governo FHC, escreveu, no relatório que entregou ao Presidente da República: "a Anatel entrou em uma crise existencial" , pois ela falha em defender os usuários, como por exemplo, a falta de concorrência e competitividade (...)".[40] Já a Anac, criada pelo Congresso Nacional através da lei federal n.º 11.182 de 27 de setembro de 2005 e instalada, durante o governo Lula, através do decreto federal 5.731 de 20 de março de 2006, foi mencionada como responsável pelo caos aéreo que se implantou no Brasil em 2007; o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) propôs uma ação civil pública contra a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) alegando que os dirigentes da Anac não teriam cumprido a função para a qual foram nomeados, de fiscalização do setor aéreo, e exigindo sua demissão.

 

Resultados e controvérsias

 

O Brasil realizou um enorme e polêmico programa de privatizações durante o governo FHC, que apesar de gerar 78,61 bilhões de dólares de receita para o Estado, não impediu o país de continuar se endividando - a dívida pública do Brasil, que era de 60 bilhões de dólares em julho de 1994, saltou para 245 bilhões em novembro de 1998. Os defensores alegam que, sem as privatizações, a dívida estaria encarecida em mais 100 bilhões de reais, só contabilizando o setor de telefonia.

 

O sistema de empresas de economia mista que administrava a telefonia no Brasil, por intermédio da Telebrás, não atendia a população de maneira adequada. Com a privatização de apenas 19% do total das ações da Telebrás (que formavam seu controle acionário), o governo federal arrecadou 22 bilhões de reais, e o sistema recebeu ainda investimentos da ordem de 135 bilhões de reais dos compradores privados,[43] tornando a telefonia fixa um serviço universalmente acessível nas cidades, embora ainda permaneça deficiente nas áreas rurais, onde sua operação é menos lucrativa.

 

O número total de telefones fixos no Brasil passou de 16,6 milhões em 1998 para 35 milhões em 2006. Já os telefones celulares deram um enorme salto: passaram de 7,4 milhões para 95 milhões. No caso dos celulares a comparação entre os dois números é mais complexa: deve-se lembrar que, além do "fator privatização", contribuiu para o grande aumento no número de celulares em operação o extraordinário progresso tecnológico dessa modalidade que nascia, permitindo que os preços internacionais desses aparelhos portáteis se reduzissem acelerada e continuamente desde 1998, o que permitiu que se tornassem acessíveis às classes de renda mais baixas; esse foi um fenômeno mundial. 

 

O jornalista Ethevaldo Siqueira do jornal O Estado de S. Paulo argumenta que houve um salto nos investimentos das empresas de telefonia privatizadas, com mais de R$ 148 bilhões investidos, três vezes mais que a Telebrás estatal costumava investir, gerando ganhos em forma de arrecadação de impostos para o governo na ordem de R$ 100 bilhões somente com a rede de telefonia até o ano de 2006. Os leilões de licença de frequências de banda para empresas de telefonia móvel geraram R$ 8 bilhões livres para o governo.

 

María Olivia Monckeberg, acadêmica da Pontifícia Universidade Católica do Chile, argumenta que, além do aumento da dívida, houve uma diminuição do patrimônio líquido do Estado (a dívida aumentou e já não se tem mais as propriedades),[45] além de não ter havido nenhum aporte de novos recursos financeiros, uma vez que os "investidores" nas estatais as adquiriram utilizando, em grande parte (quando não em 100%, como no caso da Eletropaulo), recursos obtidos a juros subsidiados do próprio governo, que vendia suas empresas concedendo financiamentos do BNDES e dos fundos de pensão.

 

O conturbado e questionado processo de privatização brasileiro é frequentemente referido por seus críticos como "privataria". Mas os problemas que afetaram o Brasil atingiram, em maior ou menor grau, todos os países que embarcaram, sem maiores questionamentos, nas recomendações que então fazia o FMI pós-Consenso de Washington. Nesse sentido, Stiglitz chegou a chamar certos processos de privatização de "briberizations" ("propinizações").

 

Trata-se, portanto, de assunto polêmico, que encontra defensores e críticos em várias correntes do pensamento econômico. É uma das grandes discussões do mundo atual, principalmente em países subdesenvolvidos que, devido a problemas estruturais severos em suas economias, precisaram de ajuda do FMI, que condicionou a ajuda programas de privatização, cujos efeitos, hoje, alguns economistas, - como o Prêmio Nobel Stiglitz - consideram que foram mais prejudiciais do que vantajosos.

 

Depois de 2004 mesmo aqueles que, originalmente, mais defendiam o "rationale" das privatizações (como Ricardo da Costa Nunes), já não mantêm mais o mesmo entusiasmo dogmático que esteve em voga no início da década de 1990 e começam, também, a ter suas dúvidas quanto aos resultados das privatizações:

 

Os resultados obtidos pelo programa até o presente momento, contudo, não nos permitem afirmar que os objetivos estejam sendo atingidos. Para Werneck (1989, p.321) não se deve esperar muito da privatização: "Pode-se defender o programa de privatização de várias formas. O que não se pode é vê-lo como uma alternativa indolor a um efetivo ajuste fiscal."

 

Este também parece ser o argumento de Giambiagi e Pinheiro (1992: 282): "a privatização não é necessária ou suficiente para atingir todos os objetivos propostos pelo governo". Assim, se a privatização não for conjugada a outras medidas de austeridade fiscal, a persistência de elevada taxa de juros e os sucessivos déficits públicos podem fazer retornar a dívida abatida ao patamar atual.

 

Opinião pública

 

Entre os dias 24 e 31 de outubro de 2007, o instituto Ipsos, sob encomenda do jornal O Estado de S. Paulo, realizou uma pesquisa sobre privatização com mil eleitores brasileiros em setenta cidades e nove regiões metropolitanas. Essa pesquisa, cuja margem de erro é de 3 pontos porcentuais, apontou que 62% dos entrevistados é contra a privatização de serviços públicos, feita por quaisquer governos. Apenas 25% dos eleitores brasileiros aprovam o método.

 

De acordo com o jornal, "a percepção dos brasileiros é que as privatizações pioraram os serviços prestados à população nos setores de telefonia, estradas, energia elétrica e água e esgoto. As mais altas taxas de rejeição (73%) estão no segmento de nível superior e nas classes A e B".

 

Segundo a pesquisa a rejeição à privatização não tem razão partidária ou ideológica: ela atinge por igual as privatizações feitas no governo FHC, no governo Lula ou em diversos governos estaduais e municipais. Enquanto 55% acharam que o governo FHC fez mal em privatizar a telefonia, apenas 33% disseram que fez bem. Em nenhuma região a maioria da população aprova a privatização. O Nordeste registra a maior taxa de rejeição (73%), enquanto o Norte e o Centro-Oeste registram a menor (51%).

 

A maioria absoluta da população condena uma hipotética privatização do Banco do Brasil (77%), da Caixa Econômica Federal (78%) ou da Petrobrás (78%). Em contraste, uma pesquisa realizada pelo instituto IBOPE em dezembro de 1994, evidenciava que 57% dos entrevistados eram a favor da privatização total ou parcial dos bancos públicos naquela época.

 

Outra pesquisa, realizada entre os dias 20 e 23 de julho de 2016, sugere que a opinião dos brasileiros não mudou: 61% deles reportaram ao Paraná Pesquisas que são contrários a “privatizar algumas empresas e ativos estatais.” Mais especificamente, 68% seriam contrários a uma privatização da Caixa e do Banco do Brasil; 64%, da Petrobras; e 62%, dos Correios

 

Privatização no mundo

 

Os processos de privatização no Brasil não constituem decisões isoladas em temos mundiais; em função do que se pode contextualizá-los em face de razões políticas, econômicas e históricas em vista de sua ocorrência em outros países.

 

De acordo com Eric Zuesse, as "Privatizações estão cada vez mais em moda, na Grécia, na Ucrânia, nos EUA e na Grã-Bretanha"; lembrando o autor que a privatização é uma substituição do patrimônio público, patrimônio do Estado, por patrimônio privado; representando, assim, uma transferência de controle, "que deveria caber a governos eleitos (que prestam contas, no mínimo, a cada quatro anos, diante da urna eleitoral), a acionistas privados, que não prestam contas a ninguém e que decidem sobre aquele patrimônio, seja uma escola, um hospital, terra, água, estradas, o que for. Tudo, qualquer coisa pode ser privatizada".

 

Ainda de acordo com Zuesse, "o primeiro bloco de privatizações aconteceu na primeira nação fascista que o mundo conheceu, a Itália, nos anos 1920s"; ao passo que "o segundo bloco de privatizações ocorreu na segunda nação fascista, a Alemanha, nos anos 1930s". Detalha o autor, o avanço mundial das privatizações, no seguinte sentido:

 

As privatizações começaram sob Mussolini e foram instituídas sob Hitler. Isso fez a bola fascista rolar; e, depois de algumas décadas de hiato na esteira da suposta derrota embaraçosa do fascismo na Segunda Guerra Mundial, ressurgiu e voltou a crescer depois de 1970, quando forças fascistas na aristocracia global, como a CIA, o FMI, o grupo Bilderberg e Comissão Trilateral, impôs o reinado global dos principais detentores privados de títulos e ações: os aristocratas do mundo estão assumindo uma porcentagem crescente do que antes eram bens públicos.

 

As privatizações, depois de começar nos fascismos durante os anos anteriores à Segunda Guerra Mundial, retomaram novamente na década de 1970 sob o comando do líder fascista chileno Augusto Pinochet; e na década de 1980, sob a liderança fascista britânica de Margaret Thatcher (uma defensora apaixonada do apartheid na África do Sul) e também sob o sorridente líder fascista americano Ronald Reagan (que seguiu o sucesso anterior da "Estratégia do Sul" de dominação branca de Richard Nixon [...]); e, na década de 1990, sob vários líderes fascistas (anteriormente comunistas) em toda a antiga União Soviética, sob a orientação do departamento de economia fascista da Universidade de  Harvard, que transferiu o controle da antiga nomenklatura para os novos oligarcas (dependentes do Ocidente).

 

E as privatizações estão agora na maior parte do mundo.

 

Ricardo Bergamini

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A China comunista, os liberais puros e a eliminação da pobreza - Paulo Roberto de Almeida

A China comunista, os liberais puros e a eliminação da pobreza 

Paulo Roberto de Almeida

Almas cândidas, como diria Raymond Aron, exibem em círculos conservadores (e até liberais) do Brasil uma absoluta ojeriza para com a China, pelo fato dela ter um governo comunista e ser uma ditadura. A esses conservadores e liberais sinceros é indiferente o fato de o comunismo dominar apenas 70 anos de uma história milenar absolutamente extraordinária em matéria de realizações materiais, científicas, culturais e artísticas. Também lhes é indiferente o fato de a China ter retirado de uma miséria abjeta algo como 800 milhões de pessoas, levando-as a uma situação de pobreza “aceitável”  e, agora, retirando-as da pobreza, tudo isso em menos de duas gerações. 

O que ocorreu na China, depois que o PCC abandonou o socialismo, para todos os efeitos práticos, e criou a maior economia capitalista do planeta?

Simples: a China permanece um ditadura no plano político, mas o regime econômico é muito mais livre do que em países supostamente capitalistas como o Brasil ou a França.

O Estado chinês — não importa se ditadura ou autocrático no seu funcionamento— criou um bom ambiente de negócios para a livre expressão da tremenda capacidade empreendedora do povo chinês, propiciou estabilidade macroeconômica (fiscal, monetária e cambial), adotou políticas setoriais adequadas para um esforço investidor extraordinário (visando tanto mercados externos como internos), criou um regime de governança econômica focado no crescimento rápido, proveu uma excelente infraestrutura de comunicações, habitação, energia e transportes, resolveu os problemas de saneamento básico (água potável e esgoto para comunidades recuadas), deu títulos de propriedade e mercados livres aos cidadãos, cuidou de forma extremada do capital humano, em todos os níveis, e abriu-se ao comércio exterior e aos investimentos estrangeiros. 

De fato, o Estado comunista chinês estabeleceu as grandes regras, o resto ele deixou que próprio povo chinês criasse a sua riqueza, arrecadando uma parte relativamente pequena dessa riqueza (1/5 do total, aproximadamente). 

Isso tudo o Estado comunista fez, mas foi muito pouco: ele mexeu basicamente na superestrutura e na infraestrutura, e todo o resto, o centro das forças produtivas e das relações de produção— para usar uma linguagem marxista —, foi feito pelo povo chinês. 

Teria sido IMPOSSÍVEL ao Estado comunista arrancar 800 milhões de pessoas de uma miséria abjeta, e depois de uma pobreza disseminada, pela via assistencialista, inclusive porque o Estado chinês arrecadava menos de 18% do PIB. Tudo isso foi feito pelas mãos dos chineses em regime de mercado e no livre comércio. 

Ter feito isso no espaço de menos de duas gerações é algo extraordinário. Os países hoje ricos partiram de condições bem mais avançadas e demoraram mais de três gerações para vencer a pobreza, desde a primeira Revolução industrial. Na saída da guerra civil, mais da metade dos americanos não tinham água potável, e a eletricidade veio muito depois. A liberdade construiu um país imensamente rico e avançado, mas importando braços e cérebros de todo o mundo , aliás até hoje, a despeito de um presidente idiota que quer extinguir esse sorvedouro de ideias livres que fluem de todo o mundo para a América.

A China está de parabéns por ter eliminado a pobreza; no momento oportuno, ela também eliminará a autocracia (um sistema milenar) e essa epiderme passageira, superficial, que se chama “comunismo” (o mais capitalista de todos).

Lênin e Mao eram grandes líderes políticos, mas economicamente estúpidos, e seres absolutamente degradantes no plano da dignidade humana. 

Deng e Xi são autocratas inteligentes. Eles são comunistas? Duvido muito. Mesmo que fossem, isso não tem a menor importância para a história da China e para a história da humanidade. 

Como é aquela história de fazer omelete?

A omelete leninista e a maoista foi a mesma de 9/10 da história humana: regime de escravidão, total desprezo pela vida humana. Parece que Deng e Xi aperfeiçoaram a maneira de fazer omelete.

Teria sido melhor num regime de plenas liberdades democráticas? 

Infinitamente melhor.

Mas quais são as forças sociais capazes de moldar processos humanos, econômicos e políticos, envolvendo milhões de pessoas numa determinada sociedade?

Alguém tem a receita?

Os liberais — brasileiros ou não — podem oferecer respostas tentativas a esta questão...

Paulo Roberto de Almeida 

Brasília, 16/10/2020

quinta-feira, 15 de outubro de 2020

Como e por que sou professor (2004) - Paulo Roberto de Almeida

Um texto pertinente à data, elaborado em 2004, e reproduzido em dois blogs meus, em 2009 e 2015, creio que ainda válido em seus argumentos principais: 

1345. “A caminho de Ítaca”, Brasília, 18 de outubro de 2004, 7 p. Ensaio sobre como e por que sou professor, de caráter autobiográfico. Postado no blog DiplomataZ (23.11.2009; link: http://diplomataz.blogspot.com/2009/11/24-por-que-sou-professor-uma-reflexao.html); republicado no blog Diplomatizzando (15/10/2015; link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2015/10/a-caminho-de-itaca-como-e-por-que-sou.html).


A caminho de Ítaca...

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 18 de outubro de 2004 

 

         De todas as ocupações que fui dado até agora exercer, numa vida nômade e aventurosa da qual guardo não poucos momentos de orgulho, a que mais prezo e valorizo, obviamente, é a de professor, ou melhor de orientador de ensino, uma vez que não sou professor em tempo integral, nem retiro meu principal ganha-pão dessa nobre função de “mestre de artes e letras”. Não sei, aliás, se tenho o direito de me considerar professor, no sentido estrito do termo, já que nunca fui treinado para tanto, desconheço as mais elementares noções de pedagogia e não tenho certeza, de fato, se ao exercer esse nobre ofício minha real intenção é a de tentar ensinar algo a outras pessoas ou, como parece mais provável, faço de tudo isso uma grande “figuração” e estou, de verdade, aprendendo algo novo cada vez que me ocupo dessa absorvente atividade.

         Antes que alguém pense que sou, apenas e tão somente, um grande "embromador", utilizando-me de inocentes alunos para, constantemente, ensinar “algo” a mim mesmo, desejo retificar minhas palavras, e corrigir essa sensação de improvisação no trato com o corpo discente. Acredito ter realmente algumas coisas úteis a ensinar a outras pessoas, mais por desejo de transmitir “coisas novas”, que venho aprendendo desde muitos anos, ao longo de constantes e intensas leituras, do que propriamente por “necessidade” de ter uma segunda profissão (ainda que, de fato, eu a considere a minha “primeira” e “eterna” ocupação, ao lado desta mais formal que exerço temporariamente de “diplomata”). Com efeito, não retiro, como disse, meu sustento dessa atividade que muitos julgam paralela e exercida como uma espécie de “hobby” ou para “complemento de salário”. Longe disso, pois que nunca o fiz, pelo menos desde que ingressei no serviço exterior brasileiro, pensando nos retornos pecuniários que retiraria dessa dupla jornada de trabalho, muitas vezes estafante e exercida contra meu lazer pessoal ou dedicação à família, ou em detrimento da ainda mais prazeirosa ocupação de simples leitor e escrevinhador de coisas várias. 

         Nunca pensei em ser professor, achando que eu tinha, de fato, qualquer coisa de “extraordinário” para ensinar a “mentes inocentes”, ou que essa minha atividade temporária e fortuita iria fazer alguma diferença na futura capacitação profissional daqueles temporariamente colocados sob minha responsabilidade docente. O que de fato sempre me motivou a ensinar, ou pelo menos a “transmitir conhecimentos”, foi uma espécie de motivação interior, algo como uma compulsão inata que me impele a sistematizar o meu próprio "conhecimento" e tentar repassar aquela maçaroca de ideias e conceitos sob uma forma minimamente organizada, de forma a satisfazer minhas próprias necessidades em termos de racionalização do saber adquirido nos livros (e também na observação honesta da realidade) e de “atingimento” de uma nova “síntese” a partir desses conhecimentos dispersos na “natureza”. Estou parecendo muito “dialético”?

         Não importa, desejo confirmar e reafirmar que o que me impele a ser “professor” é mais uma força interna do que uma necessidade externa, quaisquer que sejam as outras motivações aparentemente altruísticas geralmente invocadas nessas circunstâncias (compromisso com o “saber”, transmissão de “conhecimento”, desejo de "formar os mais jovens", atendimento de uma “vocação” e outras escusas do gênero). Sou professor porque eu mesmo “preciso” disso, não porque outros possam eventualmente "precisar" de minhas competências gerais ou habilidades específicas. Se desejar, você pode considerar isso altamente “egoísta” ou profundamente “narcisista”: não me importo com as classificações externas, pois minha motivação interior não vai mudar porque se descobriu, aparentemente, algum motivo menos “nobre”, ou passavelmente “autocentrado” nesta principal “ocupação secundária”.  

         É esta motivação interna, não necessariamente “espiritual”, que me leva a desviar-me de outras atividades, talvez mais prazeirosas – como o próprio lazer pessoal, a convivência familiar ou o simples tempo alocado à minha outra compulsão não tão secreta que é o hábito da leitura –,  para dedicar-me a essas práticas docentes com uma certa regularidade e constância. Nem por isso desprovidas de algum retorno pecuniário: a despeito de já ter aceito dar aulas de mestrado gratuitas em universidade pública – e de dar incontáveis palestras sem nunca ter sequer invocado alguma remuneração em contrapartida, por vezes mesmo tendo incorrido em despesas pessoais de deslocamentos a outras cidades –, o essencial das minhas atividades docentes se faz segundo tradicionais práticas contratuais. Nem poderia ser de outro modo: se eu deixo de ler ou de escrever para dar aulas, que o “desvio” de ocupação me permita ao menos alimentar esse terrível vício da compra de novos livros e periódicos.

         Tampouco eu poderia invocar como motivação “nobre” a própria arte do ensino. Sendo eu mesmo um autodidata radical, não me preocupa tanto o que os alunos possam estar aprendendo, como o próprio conteúdo do que estou ensinando, que pretendo seja o mais claro possível, o mais didático e o mais completo dentro daquele campo de conhecimento. Transmito aquilo que sei, aos alunos, depois, o encargo de reter o novo saber, de complementá-lo com as muitas indicações de leitura que não me canso de fazer ou de interrogar-me sobre algum aspecto pouco claro ou solicitar esclarecimentos adicionais sobre “coisas” passavelmente complexas, quando não prolixas (sim: tenho esse péssimo hábito, talvez pelo excesso de leituras, de “complicar inutilmente” a vida de meus alunos, estendendo-me sobre longos períodos históricos, voltando a um passado remoto para encontrar as “causas” de algum processo atual ou supondo um conhecimento geral, sobre o Brasil ou o mundo, que simplesmente não existe mais para a maior parte das gerações mais jovens). Nesse sentido, sou mais “substância” do que “forma”, ao dar uma densidade no mais das vezes dispensável a um conteúdo de aula que a maior parte dos alunos provavelmente preferiria superficial ou no estrito limite do “necessário para fazer a prova”. Mas, como disse, não estou principalmente preocupado com o que os alunos possam "aprender" e sim com o que eu mesmo possa “ensinar”.

         Trata-se, portanto, de uma “má técnica docente”? Talvez, ou quem sabe até, por certo... Minha didática está em “ensinar”, ou transmitir conhecimentos, julgando que os alunos, ou ouvintes de alguma palestra, serão suficiente maduros ou responsáveis para procurar, depois, seu próprio aperfeiçoamento cultural ou intelectual, cultivando as boas práticas do autodidatismo que eu mesmo reputo valiosas para mim mesmo (e assim tem sido desde os tempos remotos em que aprendi a ler, na “tardia” idade de sete anos). Tanto sou motivado pela necessidade interior de ensinar, que procuro estender a tarefa além das quatro paredes da sala de aulas ou de um auditório ou seminário acadêmico. Pela necessidade de “complementar” esse ensino fora do período "normal" de atividade docente, criei e mantenho, praticamente sozinho (sem possuir as técnicas para tanto) um site de informação com motivações essencialmente didáticas. Também tenho produzido material impresso como derivação ou complementação das atividades didáticas: praticamente todos os meus livros – com exceção de um grosso “tijolo” de pesquisa histórica – resultaram de aulas dadas, conferências pronunciadas, palestras proferidas, seminários a convite (sim, nunca me “convidei” para qualquer tipo de atividade externa, tanto porque não conseguiria atender a todas essas oportunidades). 

         Tanto o site como os livros e trabalhos publicados, bem mais até do que as aulas dadas em caráter necessariamente restrito, constituem, obviamente, oportunidades para aparecer em público, me tornar “conhecido”, quem sabe até “famoso” em certos meios. Seria então por um secreto desejo de prestígio pessoal, de reconhecimento público, de notoriedade acadêmica, que me obrigo a todas essas atividades cansativas, que não raro penetram fundo na madrugada e ocupam quase todos os fins de semana, para maior angústia familiar e evidente cansaço cotidiano? Não posso, honestamente, recusar esse aspecto da “necessidade de reconhecimento”, talvez uma demonstração de “desvio de personalidade”, buscando na exposição pública e no aplauso dos demais uma satisfação de alguma necessidade “secreta” que o excesso de timidez me impediria de realizar de outro modo. Não creio, todavia, que esse aspecto seja determinante, tanto porque tenho inúmeros outros trabalhos que permanecem rigorosamente inéditos ou porque mantenho, em paralelo, alguma atividade de correspondente dedicado -- e não apenas em direção dos muitos alunos que me procuram pedindo ajuda em trabalhos ou projetos de estudos -- e algumas colaborações regulares com determinados serviços de informação que não levam necessariamente minha assinatura. 

         A principal motivação, volto a reafirmar, é interna, e deriva dessa minha inclinação pelo estudo, pela sistematização do conhecimento, pela necessidade de eu mesmo “ver claro” no emaranhado de informações que recolho diariamente de livros, jornais e revistas, pelo desejo subsequente de organizar o conhecimento adquirido em uma nova “síntese combinatória” e pela motivação ulterior de tentar alcançar um público mais amplo ao colocar no papel, se possível impresso e publicado, essa massa de conhecimentos que adquiro de forma contínua e de modo interminável. Tanto é assim que acabo aceitando, contra a opinião familiar e contra o que seria sensato do ponto de vista profissional, dar palestras em alguns cantos recuados deste país continente, sem outra motivação aparente (e real) do que a de atender à solicitação de algum grupo de estudantes que acabaram descobrindo, na Internet ou nas bibliografias, algum livro ou trabalho meu que estiveram na origem dos convites.

         Sem pretender dar qualquer conotação de “épico literário” a esse meu ativismo docente, algo de “jornada de Ulisses” pode estar escondida nas minhas aventuras didáticas, no mar revolto das instituições de ensino superior e nas enseadas mais movimentadas dos seminários acadêmicos. Com efeito, minha busca incessante de “complemento professoral” às atividades profissionais normalmente desempenhadas no âmbito da carreira diplomática -- já por si suficientemente absorvente -- pode ter esse sentido de unending quest, de busca incessante de algo mais, ou de itinerário contínuo em direção de algo valorizado, que eu não bem precisar o que seja, exatamente. Na verdade, a comparação pode ser misleading, pois mesmo Ulisses sabia para onde queria ir, e a esse objetivo dedicou todo o tempo da volta de Tróia, ainda que tivesse constantemente desviado de alcançar seu destino final pelas trapaças da sorte e pelos acasos da vida. De minha parte, eu não sei exatamente o que persigo ao me “obrigar”, literalmente, a exercer uma "segunda" -- ou primeira? -- profissão, ao lado daquela que me distingue socialmente, que me define institucionalmente e que me remunera essencialmente. 

         Independentemente do destino final, o caminho de Ítaca é ele mesmo toda uma aventura de vida, uma experiência gratificante (por vezes “mortificante”) e, de certa forma, um reconhecimento implícito de uma certa "dívida social" que eu desejaria amortizar da forma mais inconsciente possível. Como seria isso? Sendo eu originário de família modesta, “habitante”, até a adolescência tardia, de uma casa onde eram poucos os materiais de leitura e relativamente raros os “livros sérios”, tendo feito toda a minha educação formal em instituições públicas e tendo tido a chance de poder frequentar, desde muito jovem, uma biblioteca infantil, aprendi a valorizar tremendamente o hábito da leitura e o autoaprendizado. Sou, essencialmente e verdadeiramente, um autodidata, no sentido mais completo e profundo da palavra, algo não necessariamente extraordinário ou excepcional, mas que no meu caso corresponde inteiramente a toda uma realização de vida que devo reconhecer e valorizar honestamente. 

         Mas, onde entra “Ítaca” nessa história de self-made intellectual, de sucesso profissional pelo esforço próprio, de mérito social pelo empenho no estudo e no trabalho? Creio que “Ítaca” é uma espécie de “Santo Graal” intelectual que persigo por simples desencargo de consciência. Como aprendi por mim mesmo, mas também aprendi porque frequentei escolas públicas que num determinado momento eram “boas” – mas que hoje são passavelmente sofríveis, quando não insuficientes para formar qualquer estudante para o ingresso no terceiro ciclo – e sobretudo aprendi porque tive à minha disposição uma biblioteca repleta de livros interessantes, acredito que ao me obrigar a dar aulas eu esteja, talvez inconscientemente, procurando dar aos outros aquilo que eu mesmo tive como “oferta da sociedade”, basicamente uma boa escola pública e uma “grande” biblioteca infantil. São essas instituições que fizeram de mim o que sou hoje -- ademais do esforço próprio no estudo e na leitura, por certo -- e aparentemente eu tenho um certo calling, um certo dever de consciência de contribuir em retorno ao que obtive em priscas eras (com perdão pela horrível expressão “pasteurizada”). Obviamente não estou retribuindo na justa medida, pois que dou aulas e orientação a “marmanjos” do terceiro ciclo, não a “pequenos inocentes” dos dois ciclos anteriores, mas é o que eu posso fazer, com meu singular despreparo para aulas de ensino fundamental, e meu (reconheçamos) excepcional preparo para o ensino especializado, fortemente intelectualizado.

         Voilà, minha ilha de Ítaca é uma espécie de miragem, um ponto não alcançável no horizonte, jamais realizado ou realizável, mas que conforma um objetivo material (e “espiritual”) que me traz imensa satisfação pessoal: a necessidade de ensinar, um desejo (agora não tão secreto) de contribuir para o engrandecimento alheio tomando como ponto de partida os conhecimentos que fui adquirindo ao longo de uma vida razoavelmente feliz, ainda que materialmente difícil, feita de muito estudo, de leituras intensas, de escrituras compulsivas, de perorações infinitas, de um constante navegar em busca de mais conhecimento, de mais informação, de um pouco mais de compreensão (no sentido weberiano da Verstehen).  Não sei, aliás, se chegarei a alguma Ítaca algum dia: a sensação que mais tenho é a de que sempre há uma nova porção de mar para além do horizonte, de que a busca do conhecimento é infindável e propriamente inesgotável. Mas, pelo menos, não busco o conhecimento pelo conhecimento, não me retiro nos prazeres secretos da leitura pela leitura, como esses leitores de Proust que fazem da busca do tempo perdido um exercício de indeclináveis características de "eterno retorno". Eu acredito na “flecha retilínea do tempo” (com os habituais “acidentes de percurso”), acredito que o saber tem um caráter instrumental, de liberação, de capacitação humana, de engrandecimento social, de aperfeiçoamento da humanidade, de busca de valorização do que é belo, do que é útil e, sobretudo, do que é bom. Nesse sentido, não sou relativista, nem agnóstico: acredito que o exercício das paixões humanas – e, no caso, minhas atividades didáticas ou professorais constituem uma “paixão” – podem e devem servir a algo de valorizado socialmente, não para uma mera satisfação pessoal de fundo egoísta.

         Repito: dou aulas ou orientação com um certo sacrifício pessoal e familiar, e de forma nenhuma motivado pela remuneração ou pelo prestígio vinculado a essas atividades. Eu o faço por necessidade interior e motivado por um sentimento que poderia, honestamente, classificar como "nobre". Retiro satisfação social dos encargos docentes autoassumidos, mas sobretudo retiro satisfação pessoal pelo fato de estar ensinando “algo” a mim mesmo: esse algo é a consciência de que pertencemos a uma entidade que nos transcende – sem qualquer espiritualismo aqui -- e que precisa melhorar constantemente para que nós mesmos possamos ter motivos contínuos de satisfação social ou pessoal. Sou perfeitamente “materialista”, mesmo incorrendo no risco de ser incompreendido por esse conceito tão carregado de significados obscuros e supostamente “vulgares”: acredito que a elevação da humanidade se dará por força e empenho pessoal de seus componentes irredutíveis, que são os seres humanos como eu e você, que me está lendo neste momento. Eu procuro, modestamente, contribuir com o meu pequeno esforço para a elevação dos padrões materiais e morais da humanidade. Por isso tenho orgulho em ser professor ou orientador, mesmo não necessitando fazê-lo por razões objetivas ou externas. 

         Se não me falharem as forças, continuarei a caminho de Ítaca pelo resto de meus dias...

Paulo Roberto de Almeida 

(www.pralmeida.org)

Brasília, 18 de outubro de 2004

 




Resistindo ao Espírito do Tempo: a Confraria PAZ (no RS) - Marcos Rolim et ali (Zero Hora)

Um artigo, publicado no jornal gaúcho Zero Hora, da RBS (Rede Brasil Sul) de Comunicações, a propósito dos quatro anos de criação e operações da Confraria PAZ, à qual tive o prazer, junto com Carmen Lícia Palazzo, de estar associado desde que seu funcionamento passou a ser feito de maneira virtual, em virtude da pandemia, atendendo ao convite de nosso amigo comum, o historiador gaúcho Gunter Axt (com quem eu já havia colaborado anos atrás num livro co-organizado com Fernando Schuler sobre Os Construtores do Brasil, com um capítulo sobre Hipólito da Costa).

Paulo Roberto de Almeida

 Resistindo ao Espírito do Tempo 

Daniela Sallet, Cláudia Laitano, Gunter Axt, Juliano Corbellini e Marcos Rolim

Zero Hora   (Porto Alegre), 15/10/2020

 

Nesse dia 16, terão se passados quatro anos desde a morte de Plínio Alexandre Zalewski. Muito provavelmente, ele não suportou um tipo de ataque que passou a ser comum desde que a intolerância se converteu em paisagem. Plínio havia acumulado uma importante experiência na militância política e se construído como um quadro qualificado na gestão pública. Ao longo de sua vida, se envolveu intensamente com a ideia da renovação ética das práticas políticas, articulando projetos e iniciativas que valorizavam a democracia e a participação cidadã. Leitor apaixonado, era tranquilo, gentil e comprometido em superar as superfícies por onde o autoritarismo constrói a cultura do “cancelamento” e por onde começam todas as ameaças.  

Logo após o trágico evento, um grupo de amigos do Plínio, que prezavam especialmente a disposição pelo debate respeitoso, propuseram a formação de uma confraria, algo como uma associação de homens e mulheres livres. A expressão evoca o convívio fraterno, aquele que se realiza na medida em que reconhecemos no outro a humanidade que nos define. A ideia, tão simples, foi a de aproximar pessoas interessadas em temas relevantes - da política, da cultura, das ciências - independentemente de suas inclinações político-ideológicas, para encontros mensais de debate franco, quase sempre aberto por pessoa convidada, especialista no tema selecionado.  

E para que objetivo tais pessoas deveriam se reunir? Com que propósitos políticos? Nenhum propósito além do prazer em interagir, em transitar por uma zona não marcada por interdições, e deslocar-se pela força de argumentos sólidos. Nenhuma estratégia, salvo a firme determinação de resistir ao “espírito do tempo” (Zeitgeist) e à distopia que vai se tecendo a cada vez que a estupidez é normalizada.

Tomamos, então, as iniciais do nome de nosso amigo ausente, e chamamos nossos encontros de “Confraria Paz”.  A paz pressupõe a lei civil e se traduz, em sua forma mais avançada, na construção desse magnífico artifício que costumamos identificar pelo nome de democracia. Em um Estado Democrático de Direito, como se sabe, todos possuem garantias fundamentais que não podem, aliás, ser suprimidas por maiorias eventuais; compreensão corporificada no instituto das chamadas “cláusulas pétreas” da Constituição Federal (art. 60, § 4º).

Por conta desses direitos, não há “ponta de praia” aos dissidentes, nem metralha para os hereges. Pelo contrário, nos interessa os olhares desviantes, as sensibilidades diversas e, sobretudo, as dúvidas pertinentes já que elas originam o pensamento.  

Com esses pressupostos, temos nos reunido há quatro anos, ouvindo pessoas das mais diversas formações e posicionamentos, todas, claro, dentro do campo civilizatório demarcado pela Constituição Federal de 1988. A experiência tem nos oferecido ensinamentos que emergem da diversidade e permitido, a cada um dos professores, pesquisadores, servidores públicos e profissionais liberais que integram a confraria, o convívio em uma pequena polis – desde o início da pandemia, virtual - onde a reflexão é sempre bem-vinda. 

É preciso reconstruir espaços públicos para que as palavras transitem por sobre os muros que resguardam o poder e a mentira. Nesses espaços, podemos nos reconhecer politicamente como iguais e legitimar a razão dissonante. A Confraria Paz é uma gota em um oceano turbulento cada vez mais avesso ao debate e à razão. Nada impede, entretanto, que experiências como ela se disseminem, semeando o respeito, ao invés do escárnio; as evidências, ao invés dos dogmas; a solidariedade ao invés do egoísmo e a compaixão ao invés da indiferença.  Plinio, por certo, apreciaria muito essa missão. 


Dia do Professor: título que, no meu caso, concorre com o da carreira na burocracia oficial - Paulo Roberto de Almeida

 Quem primeiro me chamou de professor, no Itamaraty, preferencialmente à designação normal do ranking na carreira, foi o chanceler Luiz Felipe Lampreia, seguido depois pelo chanceler Celso Lafer. Creio que FHC, antes disso, quando foi chanceler, também sabia dessa condição, e eu justamente havia feito a minuta de seu pronunciamento por ocasião da posse do então embaixador Lampreia como Secretário Geral do Itamaraty, quando pela primeira vez substitui o conceito tradicional de América Latina pelo inovador de América do Sul, o que depois se refletiria na reunião de Brasília em 2000, dando origem à IIRSA. Lampreia só me chamava de “professor”, o que depois passou a ser adotado pelos demais embaixadores, isso antes mesmo de minha promoção a ministro de segunda classe. Parece que colou e, desde então, é o título, ou condição que prefiro, e vem sendo usado mais extensivamente do que o burocrático da carreira. Estou bem com ele, aliás há muitos anos. Reafirmo o que escrevi nesta minha postagem do ano passado.

Brasília 15/10/2020


O que escrevi um ano atrás:

No Itamaraty, colegas vivem me chamando de professor. 

Esse modesto apelativo me dá mais orgulho e satisfação do que o aparentemente pomposo de embaixador. 

Ser embaixador é apenas um título, para mim anódino, que qualquer amigo do rei, ou do presidente, pode ostentar, com base em conexões e apoios, e até sendo filho de quem decide. Ser reconhecido basicamente, essencialmente, como professor é uma condição que poucos podem exibir, a não ser que encarnem efetivamente esse gênero de atividade.

Feliz dia dos professores — a despeito de nossos tempos sombrios, quando temos um cidadão ignorante como ministro da área [eu me referia ao então ministro Weintraub, literalmente uma cavalgadura]— a todos os que podem ser legitimamente reconhecidos nessa nobre atividade.

Ser embaixador passa.

Ser professor permanece!

Paulo Roberto de Almeida 

Brasília, 15/10/2019


quarta-feira, 14 de outubro de 2020

A vertigem da democracia: livro de David Stasavage: The Decline and Rise of Democracy: A Global History from Antiquity to Today - João Pereira Coutinho (FSP)

Um livro que cabe ler com a curiosidade que sempre temos por esse "pior regime político, com a exceção de todos os demais"...

Paulo Roberto de Almeida

João Pereira Coutinho* - A vertigem da democracia

- Folha de S. Paulo (13/10/2020)

O combustível do populismo é real, mesmo que as soluções populistas sejam ilusórias

Existem duas formas de falar em democracia. A primeira é lembrar os poetas que deixaram páginas belíssimas sobre o governo do povo, para o povo e pelo povo.

A segunda é optar pelos realistas, que nos dão uma visão mais desencantada sobre o fenômeno. O cientista político David Stasavage pertence ao segundo grupo, e o seu mais recente livro, The Decline and Rise of Democracy: A Global History from Antiquity to Today (Princeton, 406 págs.), é um dos livros do ano.

Li a obra de um fôlego só, assombrado pela inteligência do homem. Tese: se você pensa que a democracia nasceu na Grécia, foi refinada em Roma, desapareceu na Idade Média, reemergiu na Itália renascentista e foi reinventada pelos “pais fundadores” dos Estados Unidos, você está enganado.

Formas de “democracia primordial” (“early democracy”) encontram-se em variadas regiões, em variadas civilizações, e sempre pelo mesmo motivo: quem governa precisa de ajuda para governar. Precisa de dinheiro —e não é possível cobrar impostos sem o consentimento daqueles que estão dispostos a contribuir. Precisa de soldados —e não é possível ter exércitos sem o consentimento daqueles que estão dispostos a lutar.

A história da democracia é a história de uma troca: se o líder quer o meu dinheiro ou a minha coragem, eu tenho uma palavra a dizer sobre os destinos da comunidade.

Isso foi válido na Atenas do século 5 a.C.. Mas também nas 13 colônias americanas do século 18 ou nos países europeus durante e depois da Primeira Guerra Mundial.

Mesmo o voto feminino se explica por um estado de necessidade: se os homens lutavam no front, era preciso que as mulheres ocupassem os postos de trabalho dos machos para salvar a economia. Com essa emancipação econômica, chegou a emancipação política.

Claro que nem todas as civilizações optaram pela via democrática. Muitas optaram pela via autocrática —e pelos motivos inversos: o poder central não precisava do consentimento dos súditos para nada. Com aparelhos burocráticos e repressivos mais avançados, era possível governar sem perder tempo com consultas ou negociações. O Big Brother observava e sabia tudo.

Essa, aliás, é a grande diferença entre a China e a Europa: a primeira, tecnologicamente mais refinada, conseguiu mapear os solos e as populações com assinalável precocidade histórica; a segunda, pelo menos até a era moderna, sempre se caracterizou por Estados fracos ou insuficientemente burocratizados, obrigando os seus líderes à negociação.

Como afirma David Stasavage com deliciosa ironia, foi o relativo atraso da Europa medieval que deu uma chance à democracia no Ocidente. Primeiro, ao permitir que ela sobrevivesse na sua forma primordial, feita de consulta e consentimento permanentes.

E, depois, ao permitir também a evolução da democracia primordial para a democracia moderna, nascida nos Estados Unidos. Qual a diferença?

Na democracia moderna, a consulta e a deliberação diretas foram substituidas pela representação política, até por motivos de extensão geográfica: votamos, elegemos os nossos representantes e são eles que decidem em nosso nome.

De certa forma, é nesse estágio que ainda nos encontramos. E se hoje sentimos que a democracia está em crise, isso se explica pelos dois elementos divergentes da democracia moderna: por um lado, a participação política é mais ampla do que na democracia primordial; por outro, essa participação é também mais episódica e pouco convincente. Alguém acredita mesmo que o seu voto é assim tão decisivo?

Sentimos que o poder está mais distante. Mas não só: sentimos também que o poder está mais poderoso —como se o líder, agora auxiliado pela mais avançada burocracia e tecnologia, já não precisasse de nós para nada. Exatamente como se fosse um autocrata.

O que isso gera é desconfiança e ressentimento —a mistura explosiva que o populismo explora. Curioso: o combustível do populismo político é real, e não ilusório, mesmo que as soluções populistas sejam ilusórias, e não reais.

Como resolver o impasse?

Concordo com David Stasavage: temperando as virtudes da democracia moderna com as virtudes da democracia antiga. Descentralizando, devolvendo poder aos cidadãos, limitando o poder de quem governa.

Se isso não acontecer, a história da democracia terá o mesmo fim que a história da autocracia. A única diferença é que demoramos mais tempo para lá chegar.

*João Pereira Coutinho, escritor, doutor em ciência política pela Universidade Católica Portuguesa.

Quem diria: a relação especial com Trump e os EUA fez chabu: comércio numa baixa histórica em 11 anos - Victor Irajá (Veja)

 Comércio entre Brasil e EUA atinge pior marca em 11 anos

Por Victor Irajá
Veja, 14 out 2020

Relação de Bolsonaro com Trump não se refletiu em números, afetados pela combinação dos efeitos da crise causada pela pandemia e restrições comerciais

Em maio do ano passado, o presidente Jair Bolsonaro exaltou a parceria comercial com os Estados Unidos, o que definiu como um realinhamento da diplomacia brasileira em relação ao país presidido por Donald Trump. “O Brasil de hoje é amigo dos Estados Unidos, o Brasil de hoje respeita os Estados Unidos e o Brasil de hoje quer o povo americano e os empresários americanos ao nosso lado”, disse o presidente brasileiros antes de de adaptar seu bordão: “Termino com meu chavão de sempre. Brasil e Estados Unidos acima de tudo, Brasil acima de todos”. Os números comprovam que, ao Norte, o negócio não é bem assim. De acordo com um relatório divulgado pela Amcham Brasil, o comércio bilateral entre Brasil e Estados Unidos até o mês de setembro registrou, em 2020, o pior resultado dos últimos 11 anos. Entre janeiro e setembro, os dois países transacionaram 33,4 bilhões de dólares, uma redução de 25,1% em relação ao mesmo período do ano passado. O relatório aponta fatores principais para explicar a forte redução das trocas bilaterais.

O fator mais óbvio é a pandemia, que provocou uma queda expressiva no consumo da população e da necessidade das empresas por produtos oriundos da exportação brasileira. Mas outros fatores provocam uma reflexão sobre as diretrizes do Itamaraty de Ernesto Araújo. A China, atacada de frente por membros do governo, ampliou sua participação no mercado brasileiro como principal parceiro comercial do país. De acordo com o relatório, o país asiático representa 28,8% de todas as transações do Brasil. A queda no preço do petróleo, também graças à Covid-19, também teve impacto significativo nos resultados. O último fator envolve uma política protecionista do mandatário americano, que restringiu a entrada de produtos da siderurgia brasileira para proteger a indústria nacional. Em agosto, já com as eleições de novembro na cabeça, Donald Trump anunciou que cortaria em mais de 80% a importação de aço brasileiro até o fim do ano. O governo Bolsonaro devolveu com complacência: renovou, sem qualquer contrapartida, isenção de tarifa de importação sobre o etanol americano, enfurecendo os produtores locais. 

Segundo a análise, no acumulado do ano, as exportações brasileiras para os EUA caíram 31,5% em comparação com igual intervalo de 2019, alcançando o total de 15,2 bilhões de dólares. É o menor valor para o período desde 2010. Em termos relativos, os EUA foram o mais afetado entre os 10 principais destinos de exportação do Brasil em 2020. Foram sete bilhões de dólares a menos em exportações. A taxa de queda foi quatro vezes maior do que a redução das exportações totais do Brasil para o mundo. Por outro lado, as importações brasileiras vindas dos Estados  Unidos despencaram neste terceiro trimestre, com redução de 41,6% em relação a 2019. Entre janeiro e setembro de 2020, as importações totalizaram 18,3 bilhões de dólares, uma queda de 18,8%. Apesar da forte redução do comércio bilateral, os EUA seguem como o segundo principal parceiro comercial do Brasil. 

No início do mês, a Amcham havia traçado cenários para os impactos das eleições americanas para a política externa e as relações comerciais do Brasil. A instituição alerta para um maior caráter de defesa de uma política nacional-desenvolvimentista e protecionista do republicano em relação ao candidato democrata Joe Biden, cujo partido é mais historicamente ligado aos ideais globalistas. Segundo o documento, sob a liderança de Trump, os Estados Unidos se tornaram mais avessos ao multilateralismo e à atuação de organismos internacionais, como a Organização Mundial do Comércio (OMC), a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização das Nações Unidas (ONU).  Trump, aponta o relatório, também tem sido crítico de alguns acordos de livre comércio firmados pelos Estados Unidos (como o NAFTA e a Parceria Transpacífica) e tende a privilegiar negociações bilaterais em detrimento de negociações que envolvam múltiplas partes. Por lá, é Estados Unidos acima de todos. 

https://veja.abril.com.br/economia/comercio-entre-brasil-e-eua-atinge-pior-marca-em-11-anos/