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quarta-feira, 5 de maio de 2010

Ingerencia nos assuntos internos de outros Estados: um conceito flexivel

O artigo abaixo, de um jornalista do Estadão, sobre como são flexíveis certos conceitos. Isso me lembra que escrevi um estudo (helas, antes da crise de Honduras) sobre o conceito de não ingerência e sua aplicação no e pelo Brasil:

2023. “Non-Intervention: a political concept, in a legal wrap: a historical and juridical appraisal of the Brazilian doctrine and practice
Brasília, 8 Julho 2009, 17 p. (7.090 palavras). Ensaio sobre o conceito em causa. Posted Blog Textos PRA (03.03.2010).

Honduras e o conceito “flex” de democracia
por Marcos Guterman
Blogs do Estadão, 04.maio.2010

O presidente Lula acha “precipitado” que se aceite o retorno de Honduras à comunidade internacional. Para ele, segundo seu porta-voz, reconhecer o governo de Porfírio Lobo agora seria “criar precedente perigoso para eventuais e futuros regimes de exceção” na América Latina.

Para lembrar: Porfírio Lobo foi eleito depois que Manuel Zelaya foi removido do poder por tentar mudar a Constituição, com a ajuda do venezuelano Hugo Chávez, para se perpetuar no poder. O governo Lula deu a isso o nome de “golpe”, apesar de Zelaya ter sido deposto segundo o que previa a Constituição. Honduras realizou então eleições, que já estavam marcadas, e Porfírio Lobo venceu, de forma limpa.

Nada disso parece emocionar Lula e seus assessores para questões internacionais. A tentativa de Honduras de retomar a normalidade institucional não é suficiente para que o governo brasileiro volte atrás de sua decisão.

O mesmo zelo, no entanto, não é observado quando se trata de Cuba, que não é um “futuro regime de exceção” na América Latina, mas sim uma antiqüíssima ditadura – que, no entanto, goza de profunda admiração de Lula. Enquanto as decisões internas em Honduras não são consideradas válidas pelo governo brasileiro, as decisões internas em Cuba – como perseguir dissidentes – são vistas como um problema exclusivamente cubano.

A posição do Brasil a respeito de Honduras não seria, afinal, tão controversa e estranha se, por outro lado, o governo Lula cobrasse da Cuba dos irmãos Castro e do Irã do “amigo” Ahmadinejad o mesmo respeito aos preceitos democráticos que diz defender com fervor no caso hondurenho. Parece, no entanto, que o conceito de democracia ganha inusitada flexibilidade, na política externa brasileira, quando se trata de preservar laços de seu interesse.

7 comentários:

José Marcos disse...

ATO FALHO

O governo Lula não foi o único que denominou de “golpe de Estado” o ocorrido em Honduras. Zelaya foi retirado de sua casa por militares e expulso do país sem direito a um julgamento em que pudesse se defender. A ação dos militares não tem respaldo na Constituição hondurenha. O princípio do devido processo legal e seu corolário, o princípio do contraditório e da ampla defesa, são direitos inalienáveis do ser humano e não foram exercidos nesse caso. O jornalista escreveu que Honduras está tentando retomar à normalidade institucional e procurando retornar à comunidade internacional, o que demonstra cabalmente que a posição de Lula não foi um ato isolado.

Paulo Roberto de Almeida disse...

José Marcos,
Mais uma vez você foge ao tema do post, que era não intervenção.
De fato, o presidente Zelaya não devia ter sido expulso pelos militares; ele estava destituido pela Suprema Corte e pelo Congresso e deveria ter sido processado, perder formalmente o seu cargo, perder os direitos políticos e talvez até ser preso, mas não podia ser expulso.
Agora você desconsidera a ação intervencionista de Chávez e do próprio Brasil.
Acho que você deveria ler um pouco mais sobre direito internacional:
Lula pode ter tantos aliados quanto você quiser, o que interessa é saber se o direito internacional e nossos princípios constitucionais estão sendo respeitados.
O governo está querendo determinar soluções internas de Honduras...
Paulo Roberto de Almeida

José Marcos disse...

A CARTA DEMOCRÁTICA INTERAMERICANA

Prezado professor Paulo Roberto,

No comentário que fiz inicialmente, procurei chamar a atenção para o fato de que o Brasil não está tomando medidas diferentes daquelas realizadas por diversos outros países. A posição brasileira está em consonância com a da maioria dos membros da OEA. Quanto à flexibilidade do conceito de democracia por parte do Brasil, o jornalista aparentemente se esqueceu da existência da Cláusula Democrática Interamericana, o que justificaria o “fervor” em defender os preceitos democráticos no caso hondurenho. Não consta que o Irã tenha assinado uma Carta semelhante com o nosso país. Em seu artigo 21, a Carta afirma: “Adotada a decisão de suspender um governo, a Organização manterá suas gestões diplomáticas para o restabelecimento da democracia no Estado membro afetado.” Se o governo brasileiro estivesse agindo de forma radicalmente diversa daquela que prescreve a Carta da OEA e não contasse com o apoio da maioria dos países-membros da citada organização, eu concordaria com a alegação de que o Brasil estaria intervindo ilegalmente em Honduras.

Paulo Roberto de Almeida disse...

José Marcos,
Conheço muito bem a Carta Democrática da OEA -- ja tendo escrito dois trabalhos a respeito, e do Mercosul também -- e você foge novamente ao tema do post: não-intervenção.
Independentemente do julgamento que se possa fazer a respeito do caso de Honduras, com respeito à Carta -- que aliás, se aplicaria magnificamente ao caso venezuelano, cubano e alguns outros -- NADA justifica violar a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, diversas convenções interamericanas sobre asilo político e a própria CONSTITUICAO do Brasil em episódios muito bem conhecidos.
Acredito, como já escrevi, que você tem seus julgamentos feitos e não vou convencê-lo de nada. Sugiro que você abra um blog para divulgar suas ideias e argumentos em defesa de quem você acha merecedor e digno de seu apoio político, pois nada do que eu ou outros disserem vai demovê-lo de suas crenças políticas.
Seja feliz com elas.
Paulo Roberto de Almeida

José Marcos disse...

A FACE OCULTA DA LUA

Prezado professor Paulo Roberto,

Grato pelo conselho. No momento, não pretendo criar um blog para expor minhas opiniões, pois ainda preciso estudar bastante. Pensarei futuramente sobre isto. Enquanto este blog continuar a ser um espaço aberto para discussões inteligentes e civilizadas, contentar-me-ei em registrar minhas impressões sobre a face oculta da Lua nele.

Abraços racionais,

José Marcos

Paulo Roberto de Almeida disse...

José Marcos,
Você apreciar falar por metáforas, por parábolas, por frases de sentido duplo (ou triplo).
Recursos literários podem ter seu espaço nas faculdades de letras, ou até em certo jornalismo superficial.
No plano das realidades concretas, falar em "face oculta da Lua" não quer dizer absolutamente nada, a não ser que você traga argumentos empiricamente embasados. Assim fazem os cientistas das hard sciences, assim fazem os economistas serios. Claro, academicos de ciencias "humanas" se permitem quaisquer subjetivismos sem precisar provar nada, usando frases de efeito como você faz.
Sua "face oculta" é um outro nome para uma tendência bem conhecida no mundo político ou econômico, e você só sente "obrigado" a comentar neste blog porque você se sente desconfortável com certas realidades ou certos argumentos que você lê aqui.
Como já disseram muitos, fatos não deixam de ser fatos apenas porque não se gosta deles.
Vou continuar expondo meus "fatos" e eu o convidaria a também vir com fatos ou argumentos bem expostos e sustentados, do contrário vou desistir de ficar postando parabolas literarias aqui.
Meus leitores, todos pessoas inteligentes, merecem melhor do que isso.
Paulo Roberto de Almeida

José Marcos disse...

FATOS E INTERPRETAÇÕES DOS FATOS

Existe uma diferença entre expor fatos e interpretá-los. O fato é passível de verificação objetiva, enquanto a sua interpretação contém uma grande parcela de subjetivismo. Nas ciências exatas, a interpretação dos fatos é tanto mais convincente quanto mais ela consegue agregar princípios metodológicos, como a falseabilidade. Nas ciências humanas, devido à dificuldade de se realizar experiências físicas controladas para demonstrar a falseabilidade de uma asserção, a tarefa da hermenêutica é bem mais complexa. Citarei um exemplo.
No final de 2008, ocorreu uma ofensiva militar israelense na Faixa de Gaza em resposta ao uso de foguetes do Hamas contra o território de Israel. Ao final da ofensiva, o número de mortos palestinos foi superior a mil, enquanto o dos israelenses não ultrapassou duas dezenas.

FATOS: ofensiva militar israelense, foguetes do Hamas, número de mortos. Os fatos podem ser comprovados objetivamente.

INTERPRETAÇÃO I: Israel agiu em consonância com o Direito Internacional ao se defender legitimamente da agressão do Hamas.

INTERPRETAÇÃO II: a ação do Governo de Israel foi desproporcional, uma vez que matou uma grande quantidade de civis e crianças, constituindo-se numa violação do Direito Internacional.

Como se pode verificar, as interpretações dos fatos contêm uma boa dose de subjetividade.

Feita esta consideração inicial, analisemos o artigo de Marcos Guterman.

FATO: o presidente Lula acha precipitado o retorno de Honduras à comunidade internacional.

INTERPRETAÇÃO I: a política externa do Brasil é controversa e estranha, pois defende com fervor que Honduras respeite a determinados princípios democráticos, mas não os cobra de outros países, como o Irã.

INTERPRETAÇÃO II: Honduras assinou a Carta Democrática Interamericana, e não existe convenção semelhante entre o Brasil e o Irã. Devido a isso, o Brasil adota uma posição diversa em relação a Honduras.

Quando falo em divulgar minhas impressões acerca da “face escura da Lua”, refiro-me a expor fatos e/ou interpretações alternativas que não estão presentes no post.

Quanto à crítica ao meu uso de metáforas e de parábolas, parece-me que há, aqui, dois pesos e duas medidas. Metáforas e parábolas, muitas vezes, são úteis para exemplificar, de forma mais compreensível, conceitos abstratos e complexos. Elas são extremamente abundantes em seu blog, como o rap entre Hayek e Keynes.

Cordialmente,

José Marcos