Um artigo meu que saiu hoje nesse venerável órgão reacionário, que os companheiros acreditam integrar um inacreditável Partido da Imprensa Golpista, sobre os novos rumos que caberia imprimir à política externa, caso se faça, obviamente, uma troca de comando nas eleições do próximo dia 26. Se isso não ocorrer, e os companheiros permanecerem no poder, a atual política externa continuará altiva e soberana, embora menos ativa, e o Itamaraty continuará experimentando, ou suportando, as delícias da diplomacia partidária. A ver...
Paulo Roberto de Almeida
Retorno a uma diplomacia
normal?
Paulo Roberto de Almeida
Os companheiros no poder
praticaram o que eles mesmos designaram como sendo uma “diplomacia ativa,
altiva e soberana”. Sua primeira tarefa, em 2003, foi denegrir a anterior,
considerada – como, de resto, as demais políticas – como manchada pela
submissão ao império, pela adesão voluntária às regras perversas do “Consenso
de Washington” e por vários outros pecados, no contexto da “herança maldita”
que teriam recebido do governo precedente. Eles passaram a orientar a nova política
externa por outros critérios: alianças estratégicas com supostas potências
anti-hegemônicas, sonhos de “mudar as relações de força no mundo”, construir uma
“nova geografia do comércio internacional” e manter relações preferenciais com os
países do Sul, numa pouco disfarçada oposição ideológica ao império e às
grandes potências hegemônicas.
Qual foi o resultado dessa
agenda ativíssima? Certamente a ampliação da presença brasileira no mundo, nem
sempre com os resultados esperados, mas sempre em benefício de alguns parceiros
privilegiados pelos companheiros: alguns regimes deploráveis na região, e
outros aliados pouco democráticos alhures. Nenhuma das principais prioridades –
reforço do Mercosul, obtenção de uma cadeira permanente no Conselho de
Segurança, conclusão exitosa da Rodada Doha – foi alcançada, mas é claro que
nem todas dependiam do Brasil. A que dependia, o Mercosul, retrocedeu de bloco
comercial a mero agrupamento político em pouco tempo, e sua ampliação se fez às
custas de seus fundamentos. Enfim, se poderia continuar por vários outros
fracassos companheiros, mas agora a hora é de olhar para a frente e ver o que
poderia ser feito para corrigir alguns dos equívocos dos últimos três governos
na frente externa.
Em primeiro lugar, caberia
restabelecer a dignidade e a credibilidade da política externa e da diplomacia
profissional, afetadas por uma formidável confusão com a – na verdade submissão
à – diplomacia partidária, um ajuntamento anacrônico de velhos mitos
esquerdistas e de ações e iniciativas que se desenvolveram à margem, até
contra, antigas (mas válidas) tradições do Itamaraty: não intervenção nos
assuntos internos dos outros Estados, observância aos tratados, condução
técnica dos temas da agenda e, sobretudo, avaliação isenta dos interesses
nacionais em oposição a qualquer tratamento ideológico das relações exteriores.
Em segundo lugar, corrigir a miopia sulista, por uma política externa
multidirecional e centrada em objetivos concretos, não em ilusões
anti-hegemônicas, que aliás não são correspondidas por esses supostos aliados
estratégicos. Em terceiro lugar, honrar alguns princípios constitucionais
brasileiros, que parece terem sido esquecidos nos últimos tempos, como a adesão
integral aos valores da democracia e dos direitos humanos e a rejeição absoluta
do terrorismo como arma política (e aqui
estamos falando da própria região, não de fundamentalismos
médio-orientais).
Mesmo quando se admite que
a diplomacia ativa foi importante para colocar o Brasil no mapa do mundo – e os
27 doutorados honoris causa concedidos ao chefe da pirotecnia diplomática estão
aí para provar isso mesmo – deve-se reconhecer que a política econômica externa
dos companheiros contribuiu ativamente para retrair o Brasil no índice das
liberdades econômicas, fazê-lo retroceder nos rankings de competitividade
internacional e aumentar suas fragilidades comerciais, com uma queda na pauta
exportadora manufaturada e uma dependência quase colonial do novo primeiro
parceiro externo. Uma diplomacia econômica focada em resultados concretos
reduziria o absurdo protecionismo comercial, trabalharia para reinserir o
Brasil nas grandes redes globais de integração produtiva – abandonando o atual
retorno ao stalinismo industrial da era militar – e redefiniria completamente
nossa política comercial externa, a começar pelo Mercosul e demais esquemas de
integração regional. O tratado do Mercosul, não custa lembrar, começa por
proclamar objetivos de liberalização comercial e de abertura econômica, e não
foi exatamente concebido para criar novas utopias sociais.
Em relação a certos sonhos
de grandeza, é muito provável que a sociedade brasileira não veja na obtenção
de uma cadeira permanente no Conselho de Segurança uma alta prioridade
nacional, a despeito de esse tema provocar orgasmos em alguns diplomatas. As
grandes “alianças estratégicas” com certos parceiros escolhidos a dedo também
precisariam ser revistas, em função estritamente do interesse nacional, não de
um desejo pouco secreto de enfrentar a “arrogância imperial”, disfarçada como
uma tentativa de “democratizar as relações internacionais”. Algumas iniciativas
de escassa racionalidade econômica – o Banco do Sul, cujo parto vem sendo feito
a fórceps, e o Banco dos Brics, um grande negócio para os chineses – teriam
igualmente de ser medidas sob o diapasão de sua utilidade efetiva.
No plano do relacionamento
bilateral, há muito o que mudar, dada a natural propensão dos companheiros por certas
preferências políticas que serviam mais às idiossincrasias ideológicas dos que
estavam no poder do que a uma agenda equilibrada moldada pelo profissionalismo
do Itamaraty. Um exame cuidadoso do perfil geográfico da diplomacia brasileira
poderá ajudar nessa tarefa.
Por fim, caberia
restabelecer de verdade a soberania nacional, deixando, por exemplo, de servir
a governos estrangeiros de duvidosa reputação democrática com empréstimos
secretos e outros mimos financeiros retirados do orçamento público. O Senado
deve recuperar suas prerrogativas institucionais, voltando a examinar com todo o
cuidado operações que envolvam recursos nacionais – como um inacreditável Fundo
Soberano que jamais deveria ter existido –, como, aliás, determinado na
Constituição.
Paulo Roberto de Almeida é
diplomata e professor universitário
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