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domingo, 20 de janeiro de 2019

Redescobrindo inéditos (6): a diplomacia Sul-Sul

Eu não consigo encontrar nenhuma outra designação para a tal de diplomacia Sul-Sul, a não ser "miopia diplomática", ou viseiras voluntárias, no limite uma pura e simples estupidez.
Sempre achei uma bobagem, desde o início, e em 2014, eu colocava isso no papel, mas nunca tinha divulgado este meu trabalho, a não ser um outro ensaio que acabou publicado no meu livro Nunca Antes na Diplomacia...: a política externa brasileira em tempos não convencionais (Curitiba: Appris, 2014). Agora, publico este texto que permaneceu inédito por mais de quatro anos.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 20 de janeiro de 2019

O determinismo geográfico da diplomacia Sul-Sul

Paulo Roberto de Almeida (www.pralmeida.org)
Hartford, 15 de agosto de 2014
Sumário: 
1. O problema
2. Diagnóstico
3. Propostas

A temática da política externa voltada para as relações Sul-Sul foi enfatizada desde o início o governo Lula, numa espécie de retomada de alguns dos padrões da diplomacia praticada nos tempos da política externa independente (1961-1964) e na era Geisel (1974-1979). Enquanto “estratégia” de projeção internacional, essa diplomacia Sul-Sul resume, num único conceito, todos os equívocos conceituais e todas as bobagens operacionais da era Lula: nunca antes na história do Itamaraty, e do Brasil, toda uma concepção de política externa tinha sido assim fixada no determinismo geográfico desse tipo de castração voluntária, que representou a aposição de viseiras ideológicas no que antes era apenas uma leve inclinação para o terceiro-mundismo. Mas o que poderia levar dirigentes políticos, ou diplomáticos, a preferir a parte em lugar do todo, a eximir-se de explorar o conjunto de possibilidades de cooperação, substituindo uma ampla interface por um número mais reduzido de opções? O que poderia levá-los a colocar uma viseira unidirecional no horizonte de relacionamentos externos do país?

1. O problema
Quando se fala de uma “política externa voltada às relações Sul-Sul”, se entende que as relações internacionais do país passam a estar prioritariamente voltadas para essa tal dimensão regional, não exatamente planetária, mas orientada ao hemisfério Sul, isto é, para os territórios, regiões e países identificados como periféricos, dependentes, em desenvolvimento, emergentes, ou outras variantes da mesma família. Mas em que consiste a diplomacia Sul-Sul para a diplomacia companheira? Ela representou uma mudança de eixo no relacionamento externo do país, apontando preferencialmente para países do Sul, tanto em sua acepção geográfica quanto no plano geopolítico. 
Como isso se coaduna (ou não) com as posturas tradicionais da diplomacia brasileira, e como isso se encaixa no leque de possibilidades abertas, no supermercado da História, à economia ou à sociedade brasileira? O Brasil deveria praticar uma diplomacia Sul-Sul? Ela é melhor, mais produtiva, mais benéfica e de maiores retornos concretos do que a velha diplomacia sem marcas geográficas ou geopolíticas definidas?
A diplomacia Sul-Sul tem tudo a ver com a concepção companheira do mundo, a sua Weltanschauung, segundo a qual existiria uma assimetria básica que definiria as escolhas políticas e as alianças estratégicas: de um lado, o velho Norte desenvolvido, capitalista, hegemônico e aparentemente arrogante, por vezes até unilateral e dominador; de outro, o novo Sul, periférico, dependente, explorado, enfim, em desenvolvimento e, portanto, naturalmente, interessado em posturas comuns para romper a dominação e tornar o mundo mais democrático e multilateral. Essa visão maniqueísta do mundo orienta, desde 2003, a grande diplomacia brasileira.

2. Diagnóstico
Esse tipo de atitude já tinha sido registrado na política externa brasileira em pelo menos duas épocas anteriores: a chamada “política externa independente”, dos anos 1961-1964, e o “pragmatismo responsável”, do governo Geisel (1974-1979). A política externa do governo Lula, clara e oficialmente autodesignada como Sul-Sul, reivindicou plenamente essa herança, e proclamou a retomada das tradições de “independência” nas relações exteriores do Brasil, dizendo com isso que todas as demais administrações praticaram diplomacias alinhadas, dependentes, ou até submissas ao império ou aos organismos multilaterais de Washington. Foi esse maniqueísmo ridículo que passou a caracterizar, concretamente, a diplomacia companheira. Ela conduziu a equívocos monumentais em negociações externas, e não apenas nos grupos próprios dessa filosofia, como o Ibas, a Unasul, o Brics, mas também no G20 comercial.
Os objetivos formais desse bloco seriam os de eliminar o protecionismo agrícola dos países avançados, os subsídios internos à produção e as subvenções às exportações, que prejudicam exportadores competitivos e não subvencionistas como o Brasil. Mas o grupo revelou-se, na verdade, de uma esquizofrenia exemplar, pois o que era solicitado aos ricos era considerado legítimo pelos e para os seus integrantes. Se admitirmos que a demanda de bens alimentares nos próximos anos e décadas virá, basicamente, de grandes países em desenvolvimento, como China e Índia, precisamente – já que a expansão desses mercados nos países ricos será quase vegetativa, ademais da demanda não ser beneficiada por alta elasticidade-renda, nesses casos – então a derrogação feita em favor dos países do Sul não é exatamente conforme aos interesses do agronegócio brasileiro ou das exportações do Brasil, em geral, para esses mercados dinâmicos.
Mesmo nos casos de alianças políticas, a bússola do Sul não é a que melhor serve aos interesses do país. Os companheiros sempre argumentaram com a surrada tese dos interesses comuns dos países dependentes, em face da resistência dos países do Norte na preservação da velha ordem, com uma distribuição injusta e desigual de poder e influência no plano mundial. Tais visões paranoicas e conspiratórias das relações internacionais, talvez aceitáveis para mentes simplistas, e simplificadoras, dos que dividem o mundo em linhas classistas, mas que não apresentam a mínima consistência para mentes mais abertas e inteligências mais aguçadas, sustentaram durante todos esses anos a rationale da diplomacia Sul-Sul. Não sem dispor de amplo apoio em círculos da opinião pública dita respeitável: grande parte da academia brasileira ainda se compraz com as teses intelectualmente indigentes da “dependência”, com teorias mistificadoras do “chutando a escada”, com o eterno complô das elites e das classes dominantes, que supostamente impedem países do Sul na sua justa ascensão a patamares mais altos de desenvolvimento e de prosperidade.

3. Propostas
A pobreza conceitual e a inadequação desse tipo de concepção para as relações internacionais do Brasil constituíram o lado mais patético da diplomacia companheira. Pode-se acabar com esse reducionismo absurdo, à condição que se retorne aos padrões anteriores da diplomacia normal. Poucos diplomatas devem se sentir confortáveis com demonstrações grandiosas de autonomismos superficiais, de soberanismos vazios e de retórica grandiloquente em favor do Sul. A maior parte deles considera que a abertura ao comércio e aos investimentos internacionais, a estabilidade macroeconômica, a boa governança e alta qualidade dos recursos humanos constituem bons fundamentos para uma política externa voltada para uma maior inserção do Brasil no mundo. A mais completa seleção de opções, a total soberania geográfica nos relacionamentos externos são, de longe e em todas as hipóteses, as posturas mais adequadas na determinação das políticas que melhor respondem às necessidades do Brasil no plano internacional.
Porém, como se trata de uma postura filosófica fundamental, ela exige uma mudança na direção da diplomacia brasileira, o que implica, obviamente, uma alteração radical na chefia do governo.

Paulo Roberto de Almeida
Hartford, 15/08/2014

quarta-feira, 15 de junho de 2016

Fracasso da Politica Externa do PT, da diplomacia Sul-Sul - Reinaldo Goncalves

Acabo de receber o seguinte trabalho, com o qual concordei, depois de ler.
Mas eu sempre disse isso, sem a elaboração econômica do autor, apenas com base em minhas percepções de política externa, de conhecimento das relações econômicas internacionais e em simples bom-senso.
Não poderia fazer sucesso uma política externa enviesada unicamente para "parceiros estratégicos" no Sul, uma política comercial inibida pelo favorecimento de acordos no mesmo âmbito, uma diplomacia manietada pelas esquisitices companheiras. Só podia redundar em fracasso, como agora comprova Reinaldo Gonçalves, com base em uma análise cuidados dos fluxos comerciais bilaterais em direção desses parceiros, comprovando que eles só fizeram o Brasil recuar e a política externa fracassar.
Paulo Roberto de Almeida

Cooperação Sul-Sul, Mercosul e Relações Comerciais Bilaterais do Brasil: Fracasso da Política Externa do PT
Reinaldo Gonçalves
Texto para Discussão
Instituto de Economia – UFRJ, 15/6/2016


Resumo:
A Cooperação Sul-Sul era a prioridade número UM da política externa dos governos do Partido dos Trabalhadores (PT) no Brasil em 2003-15. Esse artigo discute a hipótese de fracasso dessa política externa. A análise foca no comércio bilateral de bens e o indicador de integração comercial é o Índice de Intensidade do Comércio Bilateral em 1995-2014. A evidência empírica é conclusiva e confirma a hipótese. O fracasso é particularmente evidente e significativo no caso do Mercosul. Dentre os principais determinantes do fracasso destacam-se as transformações fragilizantes sofridas pela economia brasileira no período, os erros de avaliação dos formuladores da política externa petista e o déficit de governança no Palácio do Planalto e no Ministério das Relações Exteriores.


Não vou transcrever todo o estudo, mas vale destacar estas conclusões: 

Comparativamente ao governo FHC, o governo Lula mostra uma maior integração comercial com todas as regiões do mundo. No governo Dilma há, de modo geral, recuo dos indicadores de todas as regiões, inclusive, em relação ao governo FHC. O retrocesso é mais forte no caso dos países da América do Sul, que eram prioridade da política externo dos governos do PT.
O fracasso da estratégia de Cooperação Sul-Sul é evidente, particularmente no que se refere às relações comerciais com os países-membros do Mercosul, IBAS e BRICS. A intensidade do comércio bilateral do Brasil com todos os países-membros fundadores do Mercosul cai significativamente durante os governos Lula e Dilma. O fracasso do Mercosul é, portanto, uma marca da política externa dos governos do PT.

(...)
A evidência é conclusiva: no que se refere à Cooperação Sul-Sul os ganhos significativos de integração comercial limitam-se à Bolívia, Índia e Nigéria. Esses países responderam por 8,8% do total da corrente de comércio do Brasil com os 17 países do painel. Entretanto, os avanços mais significativos ocorrem no caso dos países (Estados Unidos, Alemanha e Japão) que não eram prioridades da política externa dos governos do PT. Ou seja, resultado oposto ao pretendido pela política governamental.
Vale destacar que os processos de recuo da integração comercial com os países da América do Sul, do BRICS e do conjunto de países em desenvolvimento são observados já no primeiro mandato do governo Lula. Portanto, se levarmos em conta todo o período dos governos do PT (a partir de 2003) os indicadores apontam para tendências de recuo da integração comercial com os países da América do Sul, do BRICS e do conjunto de países em desenvolvimento.

A comparação das tendências de integração comercial com os principais parceiros mostra resultados diametralmente opostos aos pretendidos pela política externa do PT. Por um lado, não há tendência de intensificação do comércio bilateral com a China e há tendência de queda significativa da integração comercial com a Argentina. Por outro, há incremento significativo da intensificação das relações comerciais com a Alemanha e, principalmente, com os Estados Unidos.
Os principais determinantes do fracasso da política externa dos governos do PT são: transformações globais; declínio sistêmico; falhas de modelo; déficit de poder; divergências de estratégias; e falhas de governo. As transformações globais envolvem, no contexto da globalização econômica, a perda de competitividade da indústria de transformação brasileira que implica perdas de mercados em países em desenvolvimento, com destaque para os mercados latino-americanos. O declínio sistêmico da inserção internacional do Brasil decorre da tendência de deterioração estrutural do padrão de inserção internacional do Brasil ao longo de todo o período 1995-2014. As falhas de modelo referem-se às transformações estruturais fragilizantes que são próprias ao Modelo Liberal Periférico adotado no país desde meados dos anos 1990.

(...)
Por fim, como determinante do fracasso da política externa brasileira, cabe destacar as falhas de governo. Se, de um lado, é verdade que a Presidência da República no governo Dilma é sinônimo de incompetência, também é verdadeiro que, durante o governo Lula, há grande dispersão e desperdício de escassos recursos alocados para a política externa. Recursos diplomáticos, financeiros, organizacionais etc. que foram dispersados em um número extraordinário de eventos da diplomacia presidencial. Recursos escassos de poder foram desperdiçados em centenas de iniciativas que se destacam por voluntarismo político. A política externa do governo Lula é marcada por “muita alegoria e pouco enredo”.
A insuficiência de resultados sugere que a instrumentalização de atores estatais pela Presidência da República – focada na diplomacia presidencial do governo Lula – tenha aumentado o déficit de governança no âmbito da política externa brasileira.  (...) Vale notar, ainda, o redirecionamento do Ministério das Relações Exteriores para a diplomacia presidencial. Isso indica, claramente, que o MRE é um órgão de governo e, não, segundo a narrativa corporativa, um órgão de Estado.

Ultima frase das conclusões: 

A política externa dos governos do PT teve como prioridades as relações comerciais no âmbito da Cooperação Sul-Sul, a integração comercial com os países sul-americanos e, particularmente, com os países-membros do Mercosul. O resultado é o fracasso. Fracasso evidente e significativo.

PRAComo escrevi a meu amigo Maurício David, quem me enviou esse trabalho, e ao próprio autor:
"Uau, será que vou, por uma vez, concordar com o Reinaldo Gonçalves?
    Na verdade, eu sempre concordei com as suas deduções empíricas mediante o uso adequado e correto das séries estatísticas.
    O que eu sempre discordei era, ou é ainda, a sua visão de uma política estatizante, dirigista, anti-mercado, uma vez que ele sempre se situou entre os românticos à esquerda do PT, pretendendo sempre dobrar o mercado, punir os capitalistas, e estabelecer a felicidade eterna da cornucópia estatal jorrando leite e mel para os desfavorecidos.
    Sou, sempre fui, um capitalista, ou melhor, um adepto das economias de mercado, mesmo quando era um marxista convencido, ou seja, no sentido puramente Manifesto Comunista: a burguesia revolucionou o mundo, e o capitalismo civiliza reinos bárbaros, e isso é uma tarefa civilizatória largamente inconclusa, pois mais da metade do mundo vive ainda em regimes pré-capitalistas ou semi-capitalistas, como o Brasil.
    Os companheiros se enganaram de mundo, mas por um pequeno lado, o da sensatez econômica, resolveram não fazer uma política à la Salvador Allende, e preferiram algo mais à la Felipe Gonzalez, o que foi bom para o país, até que Madame Pasadena resolveu retroceder para a barbárie do keynesianismo de botequim, ou seja, um cepalianismo mal digerido e mal aplicado, da era Prebisch quero dizer. Até a Cepal evoluiu um pouco, pois como dizia Mário de Andrade, "o progresso também é uma fatalidade."

Por fim, Reinaldo Gonçalves cita apenas dois trabalhos meus em sua bibliografia:
ALMEIDA, Paulo Roberto. A diplomacia da era Lula: balanço e avaliação. Política Externa, 20 (3), p. 95-114, 2012.
ALMEIDA, Paulo Roberto. Never before seen in Brazil: Luís Inácio Lula da Silva´s grand diplomacy. Revista Brasileira de Política Internacional, 53 (2), p. 160-177, 2010.


Se procurasse mais, encontraria muitos outros artigos críticos, praticamente desde o início da era companheira, contra a política externa aloprada dos lulopetistas, razão de meu ostracismo durante TODA a era do Nunca Antes.
Recomendaria, particularmente, estes outros trabalhos:

- “O Mercosul aos 25 anos: minibiografia não autorizada”, Mundorama (IRel-UnB; n. 103; 27/03/2016; ISSN: 2175-2052; link: http://www.mundorama.net/2016/03/27/o-mercosul-aos-25-anos-minibiografia-nao-autorizada-por-paulo-roberto-de-almeida/). 

- Nunca Antes na Diplomacia...: a política externa brasileira em tempos não convencionais (Curitiba: Appris, 2015, 289 p.; ISBN: 978-85-8192-429-8; edição eletrônica; link: http://www.editoraappris.com.br/produto/e-book-nunca-antes-na-diplomacia-a-politica-externa-brasileira-em-tempos-nao-convencionais).  

- Contra as parcerias estratégicas: um relatório de minoria”,  Monções, Revista do Curso de Relações Internacionais da UFGD (vol. 4, n. 7, jan.-jun. 2015, pp. 113-129; ISSN: 2316-8323; link para o artigo: http://www.periodicos.ufgd.edu.br/index.php/moncoes/article/view/4134/2265).

- “A diplomacia presidencial brasileira em perspectiva histórica”, In: João Paulo Peixoto (org.), Presidencialismo no Brasil: história, organização e funcionamento (Brasília: Senado Federal, Coordenação de Edições Técnicas, 2015. 304 p.; ISBN: 978-85-7018-674-4; p. 163-213).  

- Da diplomacia dos antigos comparada à dos modernos”, Mundorama (20/05/2015; link: http://mundorama.net/2015/05/20/da-diplomacia-dos-antigos-comparada-a-dos-modernos-por-paulo-roberto-de-almeida/).

-   “A política externa companheira e a diplomacia partidária: um contraponto aos gramscianos da academia”,  Mundorama (4/10/2014; link: http://mundorama.net/2014/10/04/a-politica-externa-companheira-e-a-diplomacia-partidaria-um-contraponto-aos-gramscianos-da-academia-por-paulo-roberto-de-almeida/).

-   A política externa das relações Sul-Sul: um novo determinismo geográfico?” Texto guia para palestra de encerramento na Semana RI de Florianópolis, em 5/10/2012. Disponível no site pessoal (link: http://www.pralmeida.org/05DocsPRA/2425RelacoesSulSul.pdf).



sexta-feira, 9 de outubro de 2015

A tal de diplomacia Sul-Sul, o grande desastre da era Lula - Carlos Alberto Sardenberg

Sem comentários (e precisa?).
Paulo Roberto de Almeida

Nem acordinho, nem acordão
Carlos Alberto Sardenberg
O Globo, 8/10/2015

No começo do primeiro governo Lula, quando começavam a decolar os acordos de comércio entre grupos de países, negociados por fora da Organização Mundial de Comércio, o então chanceler brasileiro, Celso Amorim, saiu-se com esta: o Brasil não está interessado nesses acordinhos.
Na diplomacia lulista, só o acordão interessava — um tratado global negociado há décadas no âmbito da OMC. Por isso, aliás, havia paralelamente o empenho brasileiro em conseguir o posto de diretor- geral da organização, uma vitória alcançada em 2013, com o diplomata Roberto Azevêdo.
Mas o posto já não tinha importância. A maior parte dos países — todos os mais importantes — havia simplesmente abandonado a OMC e concentrado todos os esforços nos tais acordinhos, que, bem vista a situação, davam não em um, mas em vários acordões.
Claro, ninguém diz que a OMC já era, nenhum governo retirou seu embaixador da sede da entidade em Genebra. Mas a organização não teve nada a ver com o Acordo de Parceria Transpacífica (TPP, em inglês), fechado nesta semana por 12 países que representam 40% do PIB mundial e movimentam quase US$ 10 trilhões / ano em exportações e importações.
Trata-se do maior e mais avançado acordo de liberalização comercial dos últimos 20 anos. EUA e Japão lideram, a América Latina entra com México, Peru e Chile. O Brasil tem negócios com todos eles, negócios que podem ser desviados entre os parceiros TPP.
A OMC também não tem nada a ver com o outro baita acordinho em gestação, o Transatlântico, que reúne simplesmente os EUA e a União Europeia. Está meio atrasado, porque os EUA estavam mais concentrados no TPP — cuja realização, aliás, está levando pressa aos europeus. Temem perder espaço em dois dos quatro maiores mercados do mundo, Estados Unidos e Japão.
União Europeia e China completam os quatro grandes. A UE tem vários acordos bilaterais, inclusive com países agora integrantes do TPP. A China, que vinha preferindo os voos solo, possíveis pelo seu tamanho, também está negociando um acordinho — com Japão e Coreia do Sul.
Eis onde nos trouxe a diplomacia inaugurada por Lula: todos os nossos principais parceiros comerciais fecharam ou estão fechando acordos que mudam a cara e o conteúdo do comércio mundial, enquanto o Brasil declara colocar fé no acordão da OMC e no... Mercosul! É verdade que, de uns meses para cá, membros do governo Dilma voltaram a se ocupar de um acordinho que seria importante, o acerto Mercosul/União Europeia. Mas esta negociação já tem um recorde: é a mais antiga do mundo, a que tem mais anos de conversa sem nenhuma conclusão.
Em Brasília, costuma- se colocar a culpa do atraso eterno nos europeus, que não teriam a necessária flexibilização para uma abertura comercial. Bobagem, claro. Afinal, nesse tempo, a UE fechou diversos acordos, inclusive com latino- americanos.
A verdade é que o Mercosul fez a opção bolivariana, definida por Lula como a diplomacia Sul-Sul. Tratavase de unir os países mais pobres contra os ricos do Norte, de modo que a Turma do Sul, fortalecida política e economicamente, pudesse encarar os de cima no mano a mano. Olhar na cara, como Lula gostava de dizer.
Do ponto de vista econômico, havia, digamos, um equívoco de base: achar que juntando um país pobre, dois pobres, três pobres etc... daria um rico. Não funcionou. Se funcionasse, teria dado apenas um pobre maior. Além disso, tirante os bolivarianos, os países em desenvolvimento estavam mais interessados em entrar no mercado dos ricos, os maiores consumidores mundiais.
Os governos petistas também acreditaram que o Brics era mais que uma sigla — ou seja, que Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul formariam um sólido e unido bloco no xadrez global. Até constituíram um banco de desenvolvimento, mas do qual os outros quatro esperam apenas obter acesso aos enormes fundos chineses.
Mas a China já não é o maior parceiro comercial do Brasil? Ora, a China, com sua voracidade por comprar commodities e alimentos e vender industrializados, é a maior parceira de um monte de países.
Na verdade, assim como ficou ao largo dos grandes movimentos comerciais, o Brasil também se isolou politicamente. Até na América do Sul perdeu influência.
Fala-se pouco disso por aqui, mas a diplomacia Sul- Sul foi um dos maiores desastres da era Lula-PT. Um sintoma é o estado lastimável em que se encontra o Itamaraty, formado por quadros tão competentes como Roberto Azevêdo, e que estão por aí quase sem serviço e, de uns tempos para cá, até sem dinheiro para pagar as contas das embaixadas.
Aliás, uma marca da estratégia Sul-Sul foi abrir embaixadas pelos países da África, especialmente, e da Ásia mais pobre. Embaixadas que, do ponto vista nacional, não servem para nada. Mas podem servir para ajudar algum lobby a favor de uma ou outra empreiteira. E assim se cai de novo na corrupção, a outra marca.

Carlos Alberto Sardenberg é jornalista

quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Cooperacao Sul-Sul: livro sobre as ilusoes academicas em torno de equivocos diplomaticos

Pessoas totalmente desconectadas do mundo da economia real, dos negócios, e das negociações diplomáticas, resolvem escrever sobre um dos mais badalados equívocos de nossa agenda diplomática companheira, a tal de diplomacia Sul-Sul.
Não tenho nada contra o Brasil fazer cooperação e comércio com quem quer que seja, inclusive no chamado Sul, mas que isso ganhe ares de esperteza diplomática e de excelência econômica, ou seja, que vire prioridade, por vezes com mais input do que output, me parece risível, senão ingênuo.
Em todo caso, como este blog divulga ideias inteligentes e outras menos (para debater justamente) sobre questões vinculadas às relações internacionais do Brasil, vale o aviso.
Sinto que vou enfadar...
Paulo Roberto de Almeida

Evento – Lançamento do livro “Política externa brasileira: cooperação Sul-Sul e negociações internacionais”

carreira-diplomatica
 
 
 
 
 
 
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Em continuidade à política de edição de e-books para acesso gratuito, a Cultura Acadêmica, selo editorial da Editora Unesp, lançou, neste ano de 2015, a obra Política externa brasileira: cooperação Sul-Sul e negociações internacionais.
Organizada por Haroldo Ramanzini Jr. e Luis Fernando Ayerbe, a publicação resulta das atividades do Programa de Negociações Internacionais (Pronint), do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais (IEEI), da Unesp. Busca contribuir para o debate sobre as novas dimensões assumidas pela cooperação Sul-Sul, a partir dos anos 2000, em um sistema internacional em constantes transformações. O IEEI é vinculado ao Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais da Unesp.
A cooperação Sul-Sul é um dos assuntos de política externa mais debatidos no Brasil. Uma das razões para o interesse é que envolve aspectos práticos e normativos da ação internacional do Estado. O questionamento da centralidade dos Estados Unidos; a situação política e econômica da União Europeia (e também dos Estados Unidos), principalmente depois da crise financeira de 2008; a emergência da China como um país capaz de alterar equilíbrios no sistema internacional; as mudanças no eixo dinâmico da economia internacional; a percepção, em vários países, de que os resultados sociais das políticas econômicas ortodoxas e liberalizantes foram negativos, são alguns dos elementos que recolocam, em um contexto aparentemente mais favorável, se comparado com os anos 1980 e 1990, a necessidade de mudanças nas formas e modalidades de governança internacional.

Os artigos incluídos na obra abordam os seguintes temas: As diferentes dimensões da cooperação Sul-Sul na política externa brasileiraCooperação para o desenvolvimento e cooperação Sul-Sul: a perspectiva do BrasilA cooperação brasileira para o desenvolvimento com Angola e Moçambique: uma visão comparadaPolítica externa brasileira e a coalizão IBAS: comércio e inserção internacionalBrasil, China e a cooperação Sul-SulO Brasil, a Turquia e o Irã: dimensões de cooperação estratégicaO Brasil, a América do Sul e a cooperação Sul-SulExpertise, disputa política ou solidariedadeVariações sobre o engajamento da sociedade civil brasileira na  cooperação Sul-SulComércio, investimentos e negociações internacionais: uma breve análise das relações econômicas entre o Brasil e os países em desenvolvimento nas últimas décadasAgricultura, comércio internacional e cooperação Sul-Sul: o contencioso do algodão Brasil-EUA.

Haroldo Ramanzini Júnior é Professor Adjunto de Relações Internacionais da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), onde coordena o Programa de Pós-Graduação em RI. É Pesquisador do Centro de Estudos de Cultura Contemporânea (CEDEC) e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos (INCT-INEU). Membro do Programa de Negociações Internacionais (PRONINT) do IEEI e Coordenador do Grupo de Trabalho sobre Integração Regional da Coordinadora Regional de Investigaciones Económicas y Sociales (CRIES).

Luís Fernando Ayerbe é Professor Titular de História Geral da Unesp. Atua no Departamento de Economia da Faculdade de Ciências e Letras, Câmpus de Araraquara e no Programa San Tiago Dantas de Relações Internacionais, da Unesp, Unicamp e PUC-SP. É Coordenador do IEEI, Membro do Conselho Acadêmico INCT-INEU, da Red de Integración de América Latina y el Caribe (REDIALC) e Membro Associado do CEDEC.

O livro pode ser acessado gratuitamente aqui.

quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Diplomacia Sul-Sul: existe alguma vantagem nessa coisa? - Paulo Roberto de Almeida

Transcrevendo o que foi publicado no blog Amálgama, neste link: http://www.amalgama.blog.br/08/2014/opcao-preferencial-pelo-sul-um-novo-determinismo-geografico/
Meridionais: apreciai..., com moderação...
Paulo Roberto de Almeida

A opção preferencial pelo Sul: um novo determinismo geográfico?

A diplomacia Sul-Sul é melhor, mais produtiva, mais benéfica e de maiores retornos concretos do que a diplomacia tradicional?
mapamundi2

Introdução

A temática da política externa voltada para as relações Sul-Sul tem sido enfatizada de maneira recorrente nos últimos anos; para ser mais exato, desde o início do governo Lula, numa espécie de retomada de alguns dos padrões da diplomacia praticada nos tempos da política externa independente (1961-1964) e, novamente, na era Geisel (1974-1979). Grande parte da produção universitária brasileira sobre a política externa nos governos petistas tende a considerar a diplomacia brasileira a partir de 2003, e mais especificamente a concepção Sul-Sul que a sustenta, como orientações eminentemente positivas para a postura internacional do Brasil. De fato, a recepção dessas políticas no ambiente acadêmico tem sido a melhor possível, aliás, talvez até mais do que isso, na medida em que tal diplomacia aparece, em muitos escritos, como uma determinação absolutamente necessária para a política externa brasileira, quaisquer que sejam os resultados efetivos desse tipo de política no contexto em que ela é operada. A postura adotada neste ensaio se coloca em desacordo conceitual, quando não em contraposição política, com esse tipo de orientação predominantemente Sul-Sul da diplomacia brasileira desde 2003, por razões que serão expostas ao longo do texto.
É de se esperar que os processos e programas de cooperação científica, cultural ou tecnológica entre os países, sem descurar dos fluxos dos mais diversos tipos, nas áreas financeira, educacional, militar, ou simplesmente turística, sejam desenvolvidos em todas as direções possíveis ou existentes, em especial em estreito contato com os países que melhores condições oferecem para transferências de tecnologia, fluxos de investimentos diretos, cooperação científica e educacional, enfim, em todas as benesses possíveis da civilização moderna. Em resumo, e preventivamente, a interação que uma diplomacia inteligente deveria buscar para a nação que representa deveria ser dirigida a todos os quadrantes do globo, com ênfase naquelas direções com maiores possibilidades de ser estabelecido um relacionamento mutuamente benéfico (e mais ainda, no caso de países menos desenvolvidos, unilateralmente proveitoso).
Tendo estes elementos presentes, como supostos de senso comum, o que poderia levar dirigentes políticos, ou diplomáticos, a preferir a parte em lugar do todo, a eximir-se de explorar o conjunto de possibilidades de cooperação, substituindo uma ampla interface por um número mais reduzido de opções? Dito de outra forma: o que poderia levá-los a colocar uma viseira unidirecional no horizonte de relacionamentos externos do país? Por que, finalmente, amputar o país da exploração irrestrita do estoque universal de conhecimento humano acumulado até os nossos dias?

Um novo determinismo geográfico na política externa brasileira?

Quando se fala de uma “política externa voltada às relações Sul-Sul”, se as palavras possuem algum significado preciso, se entende que as relações internacionais desse país chamado Brasil devem estar prioritariamente voltadas para essa tal dimensão regional, não exatamente planetária, mas voltada para o hemisfério Sul, isto é, para os territórios, regiões e países normalmente identificados como periféricos, dependentes, em desenvolvimento, emergentes, ou outras variantes dessa mesma família. O conceito não é tão estreitamente geográfico, quanto ele é flexivelmente político, uma vez que alguns desses países podem não se conformar, exatamente, a essa geografia ou a esse padrão típico das nações em desenvolvimento, ou seja, ex-colônias ou dependências europeias a partir dos quatro ou cinco séculos após os “descobrimentos” europeus.
Por exemplo, a despeito do fato de que a China se situe no hemisfério Norte, e de que ela conduza, efetivamente, uma política estratégica, comercial, financeira, política, ou qualquer outra objetivamente orientada a todos os quadrantes possíveis, mas mais enfaticamente em direção ao próprio Norte – e para constatar isso basta computar seus fluxos comerciais e financeiros, ademais de sua atuação no âmbito dos organismos multilaterais –, o gigante asiático é comumente identificado como sendo um país do Sul, em parte porque se trata de uma economia supostamente em desenvolvimento, ou porque ela costuma se opor às velhas potências hegemônicas. Mas, com base naquilo que conta, de fato, ou seja, sua postura estratégica, seu poder nuclear, seus intercâmbios econômicos, seria a China, verdadeiramente, um país do Sul? Existem dúvidas, mas admitamos que sim. Ela não define, em todo caso, sua diplomacia como Sul-Sul.
Para todos os efeitos práticos, a política Sul-Sul costuma se referir justamente aos países não hegemônicos, ou seja, todos aqueles que não foram potências imperiais ou poderes coloniais no passado remoto, ou mais recentemente. Portugal, a esse título, seria uma potência hegemônica? Também existem dúvidas a esse respeito. E a Espanha, se enquadra na categoria? Certamente até a era das independências latino-americanas, mas com menos certeza depois disso. E a pequena Holanda? Também se encaixa na noção de potência hegemônica? Talvez. Ao longo da história, países que se projetaram hegemonicamente sobre outros, durante certo período – como o Império Otomano, por exemplo, ou a própria China imperial – terminaram por se encontrar identificados ao conjunto de nações dependentes ou periféricas. No conjunto, o conceito do Sul se aplica ao que se convencionou habitualmente chamar de “Terceiro Mundo”, ou Grupo de países em desenvolvimento, G77, embora sua diversidade seja hoje tão importante quanto sua composição ao longo das quatro ou cinco décadas pós-Segunda Guerra Mundial.
Abordando concretamente o caso em espécie, parece evidente que países que são de fato grandes potências – como China ou Rússia, por exemplo – podem ser eventualmente assimilados ao conceito geopolítico do Sul, que parece compreender todos os países que não exerceram um papel dominador na era da preeminência europeia e dos países desenvolvidos que emergiram a partir do colonialismo inglês. A Rússia, por exemplo, se encaixa mal no perfil “Terceiro Mundo” – já que se trata de uma potência imperial, bem mais importante no passado do que atualmente –, mas ainda assim ela é considerada uma aliada para grande parte das causas do Sul; a China, por sua vez, sempre se considerou, e foi considerada, um país em desenvolvimento, mas ela nunca cingiu suas relações internacionais e suas estratégias de política externa ao grupo identificado com a sigla G77.
Em todo caso, nenhum dos dois, Rússia ou China, se enquadra na categoria “ocidental”, ou seja, das modernas democracias de mercado, tal como definida nos trabalhos do historiador britânico Niall Ferguson, um convencido adepto das bondades do imperialismo para o avanço da civilização. O Brasil, que no passado da Guerra Fria também se identificava com a civilização cristã e ocidental, passou a se considerar, em algum momento dos anos 1970, como um país do Terceiro Mundo, e orgulhoso de sê-lo (ainda que nem todos, no Itamaraty, concordassem com o rótulo). Aparentemente, nos últimos dez anos, voltamos a aderir aos conceitos e posturas dos anos 1960 e 1970, até com o mesmo orgulho e empenho em continuar a pertencer à mesma família.
Assim, para a atual diplomacia brasileira, esses dois grandes países, tidos como não hegemônicos, parecem se encaixar numa definição ampla do Sul, de molde a poder justificar alguma coordenação de políticas e o estabelecimento de alianças e de plataformas conjuntas de ação, em itens da agenda internacional que, teoricamente, corresponderiam a objetivos compartilhados. Rússia e China, pelo menos, foram considerados como suficientemente “alinhados” com as teses principais da diplomacia brasileira, a partir de 2003, para legitimar o lançamento de iniciativas comuns, nos mais diversos foros do debate multilateral e bilateral, a exemplo do Brics (aliás, o único grupo diplomático no mundo a ter sido formado por uma sugestão externa aos próprios países envolvidos). Outros dois países, Índia e África do Sul, foram imediatamente reconhecidos como parceiros estratégicos para suscitar a criação de um outro grupo, o IBAS, que responde perfeitamente à definição das “relações Sul-Sul” para essa nova diplomacia brasileira.
Independentemente, porém, do leque concreto de países mobilizados para fins de formação de grupos e para coordenação de posições, temos primeiro de considerar a questão “filosófica”, que consiste a examinar se esse direcionamento geográfico se justifica no plano das intenções e dos resultados práticos, não só para a diplomacia brasileira, mas para o país, tão simplesmente, para sua economia e sua sociedade.
Assim sendo, o que é uma diplomacia Sul-Sul do ponto de vista do Brasil? Ela é, obviamente, uma mudança de eixo no relacionamento externo do país, apontando preferencialmente para países do Sul, tanto em sua acepção geográfica quanto no plano geopolítico. Por que isso e como isso se coaduna (ou não) com as posturas tradicionais da diplomacia brasileira, e como isso se encaixa no leque de possibilidades abertas, no supermercado da História, à economia ou à sociedade brasileira? Nosso país deve praticar uma diplomacia Sul-Sul? Ela é melhor, mais produtiva, mais benéfica e de maiores retornos concretos do que a velha diplomacia sem marcas geográficas ou geopolíticas definidas?
Obviamente que seus formuladores, promotores, patrocinadores e operadores dirão que sim, que ela é boa, e que de fato não discrimina os outros, os que sobraram nas outras direções, geralmente Norte, mas possivelmente também Leste e Oeste, ainda que não se saiba bem o que esses dois últimos termos significam atualmente, depois do fim da Guerra Fria. Visivelmente, a política externa brasileira voltou a ver o mundo segundo antigas linhas de divisão Norte-Sul, o que, por sinal, corresponde a velhos preconceitos de extração classista, ao gosto sindical: nós, de um lado, eles, do outro.
O significado do Sul tem a ver com uma assimetria básica que existiria no terreno das definições e das escolhas políticas, para alguns de caráter fundamental: de um lado, o Norte desenvolvido, capitalista, hegemônico e aparentemente arrogante, por vezes até unilateral e dominador; de outro, o Sul, periférico, dependente, explorado, enfim, em desenvolvimento e, portanto, naturalmente, interessado em posturas comuns para romper a dominação e tornar o mundo mais democrático e multilateral. Esse tipo de atitude já foi registrado na política externa brasileira em pelo menos duas épocas anteriores, nomeadamente a chamada “política externa independente”, dos anos 1961-1964, e depois o “pragmatismo responsável”, do governo Geisel (1974-1979).
A política externa do governo Lula, clara e oficialmente autodesignada como sendo Sul-Sul, reivindica plenamente essa herança das experiências anteriores, e proclama que retomou tradições anteriores de “independência” nas relações exteriores do Brasil, pretendendo com isso dizer que todas as demais administrações praticaram diplomacias alinhadas, dependentes, ou até submissas ao império ou aos organismos multilaterais de Washington. Deixemos esse maniqueísmo ridículo de lado, para passar a examinar, concretamente, as virtudes e méritos desse tipo de seletividade geográfica, ou suas limitações e insuficiências.

Alguns exemplos do novo determinismo geográfico e seus resultados práticos

Alguém acha, por exemplo, que os problemas sociais e políticos brasileiros têm algo a ver com os problemas sociais e políticos da Índia, ou da África do Sul? Alguém acha, em sã consciência, que grupos de trabalho, juntando burocratas dos três países, produzirão algo mais do que intensas viagens de burocratas governamentais e algumas belas declarações e programas de trabalho que prometem continuar juntando os mesmos burocratas, ou outros, em reuniões infinitas, tentando encontrar respostas comuns a problemas que são naturalmente, intrinsecamente, necessariamente diferentes, quando não incompatíveis entre si, no seu contexto, na sua forma e substância?
Alguém acha, de verdade, que um programa prometedor, em princípio, como o Ciência Sem Fronteiras, vai apresentar brilhantes resultados, se os candidatos brasileiros escolherem estudar nos mesmos países, ou na América Latina, ou então exclusivamente nos países ibéricos? Se os estudantes o fazem, em direção destes últimos, talvez seja porque não estejam suficientemente habilitados em inglês, francês ou alemão, para aproveitar o que de melhor a ciência produziu nos últimos duzentos anos. Mas alguém acha, sinceramente, que esse programa estará bem servido, e servirá ao país, numa direção essencialmente Sul-Sul, em lugar de se dirigir aos centros reconhecidos de excelência na ciência e na tecnologia mundiais? A tese Sul-Sul não parece sustentável nestes casos de qualificação científica e tecnológica.
No terreno das políticas comerciais, por exemplo, o grande sucesso apregoado logo no início do governo Lula, a formação do G20 comercial, durante a conferência ministerial da OMC, em Cancun, em setembro de 2003, visava, segundo o próprio, “dar um truco” nos países ricos e impedi-los de, mais uma vez, acertar acordos entre eles às custas dos países em desenvolvimento. Os objetivos formais do bloco seriam os de eliminar ou diminuir o protecionismo agrícola dos países avanços, seus subsídios internos à produção e as subvenções às exportações, que tanto prejudicam exportadores competitivos e não subvencionistas como o Brasil.
Visto o grupo mais de mais de perto, porém, a seletividade geográfica de suas demandas, justamente no sentido Sul-Sul, revela-se, na verdade, de uma esquizofrenia exemplar, já que aquilo que é solicitado aos ricos é mantido como legítimo pelos e para os seus integrantes. Ora, se admitirmos que a demanda crescente de bens alimentares nos próximos anos e décadas virá, basicamente, de grandes países em desenvolvimento, como China e Índia, precisamente – já que a expansão desses mercados nos países ricos será quase vegetativa, ademais da demanda não ser beneficiada por alta elasticidade-renda, nesses casos – então a derrogação feita em favor dos países do Sul não é exatamente conforme aos interesses do agronegócio brasileiro ou das exportações do Brasil, em geral, para esses mercados dinâmicos.
Tomemos um outro caso, o das políticas de promoção comercial, que deveriam colocar em evidência o fato elementar de que, o acesso a mercados, do ponto de vista microeconômico, não apresenta nenhuma distinção geográfica, de natureza política, étnica ou ideológica; ou seja, para o capitalista exportador, qualquer mercado é mercado, seja ele interno, externo, rico, pobre, preto ou branco, bastando que ele seja solvente, acessível e de preferência estável e crescente. Não se duvide, nesse particular, que os mercados consolidados dos países ricos do capitalismo desenvolvido apresentam as melhores perspectivas nesses quesitos, e assim entendem os países dinâmicos da Ásia, que já criaram a sua “nova geografia do comércio internacional”, como pretendia o presidente Lula, com base justamente nessas constatações elementares de senso comum: exportemos, para onde for e para quem puder comprar.
Mercados de países em desenvolvimento, no continente africano ou em outras regiões, podem ser interessantes para explorar e abastecer, mas não em detrimento de mercados consolidados e solventes (como os dos países desenvolvidos, por exemplo). Todos exportam para os EUA, um dos mercados mais abertos do mundo, e quase todos possuem saldos nas balanças bilaterais; seria uma maldição o Brasil ser um dos poucos países a exibir déficits nessa relação?
E por que o Brasil tolera, por exemplo, discriminação contra os seus produtos no intercâmbio com a Argentina, salvaguardas e medidas de defesa comercial abusivas e ilegais, tanto do ponto de vista do Mercosul, quanto no que se refere às regras do sistema multilateral de comércio? Por que o Brasil é, talvez, o único país no mundo que instituiu um programa de “substituição de importações”, que visa, segundo o presidente Lula, praticar uma “diplomacia da generosidade” com os seus vizinhos, importando seus produtos mesmo que eles sejam mais caros ou de menor qualidade do que os de outros ofertantes competitivos? Esta seria uma política Sul-Sul conforme aos nossos interesses nacionais, aos da comunidade brasileira de negócios?
Por que será que o Brasil parou de impulsionar a cooperação com os países do Norte? Seria porque eles foram ou são imperialistas, e não existe mais nada a aprender deles ou com eles? Por que o Itamaraty, e o próprio Instituto Rio Branco, cessou de fazer intercâmbios com outras regiões além da América do Sul, África e alguns poucos países asiáticos? Será que temos mais a aprender com países que, em vários quesitos se situam abaixo dos níveis já alcançados pelo Brasil em pesquisa científica e inovação tecnológica? A política Sul-Sul nos traria tantos benefícios quanto aqueles que manifestamente obtivemos, ao longo das últimas décadas, nas relação com países do Norte? Existe alguma rationale, além de simples postura política, que poderia explicar tudo isso?
Pode-se, eventualmente, invocar o princípio inventado da “não indiferença”, ou o dever de solidariedade, para justificar, por exemplo, a cooperação ou assistência ao desenvolvimento que o Brasil passou a prestar a países menos avançados, alguns, aliás, manifestamente miseráveis. Não se pode argumentar contra esse tipo de iniciativa, mas caberia lembrar, a propósito, que o Brasil segue o mesmo caminho dos países ricos que, nas últimas cinco ou seis décadas, despejaram dezenas, ou centenas de bilhões de dólares nesses países, sem que resultados palpáveis tenham resultado dessas ações.
Em outros termos, são pouquíssimos os exemplos, se algum, de algum país pobre que se tenha alçado de sua condição miserável com base na ajuda ao desenvolvimento, embora existam vários que ascenderam na escala do desenvolvimento com base na inserção produtiva global, no comércio e nos investimentos estrangeiros. Mas isso não é novo: nos anos 1950, ainda antes das independências africanas, um espírito lúcido como o economista britânico de origem húngara, Peter Bauer, alertava contra a propensão a pretender “ajudar” os países africanos, em lugar de inseri-los na economia mundial pela via do comércio e da interdependência econômica. Suas advertências permanecem cruelmente atuais. E, se quisermos, análises mais recentes, eu recomendaria a leitura dos trabalhos do ex-economista do Banco Mundial, William Easterly, que demonstrou como a ajuda externa estava prejudicando, em lugar de ajudar, os países assim assistidos. O Brasil pode fazer o mesmo, mas não deveria deixar de considerar essas advertências.
Mas, mesmo nos casos de alianças políticas, será que a bússola do Sul é a que melhor serve aos interesses do país? Os que argumentam positivamente podem invocar a surrada tese dos interesses comuns dos países dependentes, em face dos interesses dos países do Norte em preservar a ordem atual, para eles injusta e desigual, de distribuição de poder e influência no plano mundial. Não é preciso, novamente, afastar como paranoicas e conspiratórias tais visões das relações internacionais, talvez aceitáveis para mentes simplistas, e simplificadoras, dos que dividem o mundo em linhas classistas, mas que não apresentam a mínima consistência para mentes mais abertas e inteligências mais aguçadas. Infelizmente, grande parte da academia brasileira ainda se compraz com as teses intelectualmente indigentes da “dependência”, com as teorias mistificadoras do “chutando a escada”, enfim, com o eterno complô das elites e das classes dominantes, que supostamente impedem países do Sul na sua justa ascensão a patamares mais altos de desenvolvimento e de prosperidade.
A pobreza conceitual e a total inadequação histórica desses tipos de concepção em torno das relações internacionais poderiam nos fazer sorrir, pelo que têm de patético, se não fosse pelo trágico de estarem sendo disseminados, continuamente, em nossas academias, por vezes até por vozes autorizadas, ou supostamente tais. Um pouco mais de seriedade na pesquisa, e de honestidade intelectual, já deveriam ter afastado de vez as visões ingênuas do mundo, as concepções maniqueístas, os conceitos ultrapassados que, muitas vezes, passam por construções teóricas dignas de acolhimento no ambiente acadêmico que conhecemos no Brasil e em grande parte da América Latina.
Aliás, seminários, conclaves, colóquios ou encontros exclusivamente latino-americanos, tendem a suscitar sentimentos de cansaço intelectual, em face das mesmas ladainhas e slogans que certamente serão ouvidos: a integração regional vai trazer desenvolvimento, autonomia, independência e dignidade, pois apenas entre latino-americanos é possível construir um futuro comum, já que somos todos iguais, inteligentes e sobretudo preparados para as grandes tarefas da construção da soberania.
Esse ritual de mesmices simplórias, essa repetição infindável das mesmas receitas ultrapassadas, que certas mentes anacrônicas insistem em nos impingir, só podem provocar cansaço intelectual. Se a América Latina fosse tão boa em aplicar suas receitas de desenvolvimento quanto ela o foi em conceber suas pretensas virtudes autonomistas e desenvolvimentistas, aliás desde o final dos anos 1940, ela já seria, meio século depois, infinitamente mais desenvolvida, mais igualitária, mais justa e menos corrupta, do que ela é, de fato, atualmente.
Não é preciso percorrer a enciclopédia de soluções geniais aos seus problemas de subdesenvolvimento, pois equivaleria a repassar um cemitério inteiro de ideias fracassadas, mas que insistem em nos importunar, como zumbis conceituais que não querem desaparecer. Basta com citar duas obras de analistas conhecidos, ambos trabalhando em academias americanas e, portanto, altamente suspeitos aos olhos de muitos; não importa: como Machado de Assis, pode-se julgar quaisquer produções intelectuais pela consistência intrínseca de seus argumentos respectivos, não pela identidade de quem os expressa. Pode-se citar, em primeiro lugar, a análise de história econômica de Sebastian Edwards, um chileno que leciona na Califórnia, e que publicou, em 2010, Left Behind: Latin America and the False Promise of Populism (University of Chicago Press), um retrato realista, talvez cruel, do nosso longo declínio e dos muitos erros de políticas econômicas. Em segundo lugar, se coloca o conhecido sociólogo Francis Fukuyama, que em 2008 coordenou um seminário cujo resultado, organizado e publicado por ele recebeu um título quase similar: Falling Behind: Explaining the Development Gap Between Latin America and the United States (Oxford University Press, com edição no Brasil: Ficando para Trás; Rocco Editora), com a participação de conhecidos especialistas das duas regiões.

O novo determinismo geográfico: um novo fracasso à espreita?

Existiriam, ainda, muitos outros argumentos históricos, econômicos, políticos, ou até mesmo culturais, contra uma visão seletivamente restritiva, no âmbito geográfico, para uma definição estratégica de nossas principais políticas macro ou setoriais. Bastaria, aliás, alinhar outras razões, e elas seriam muitas, para não cair nesse tipo de reducionismo absurdo que consiste em privilegiar determinados parceiros, ou certas direções cardeais, na seleção dos relacionamentos, dos contextos de cooperação, na busca de soluções ou receitas de desenvolvimento.
Pode-se julgar todos os tipos de autonomismos superficiais, de soberanismos vazios, e de nacionalismos exacerbados como sendo especialmente nefastos na grande tarefa do desenvolvimento e do crescimento econômico sustentado. A abertura ao comércio e aos investimentos internacionais constitui uma boa política, a conjugar-se com a estabilidade macroeconômica, com a competitividade microeconômica, com a boa governança e alta qualidade dos recursos humanos, para alcançar fins benéficos, de inserção no mundo e de promoção da prosperidade social.
Um outro grande equívoco, obviamente, é achar que, trabalhando com apenas uma das partes se consegue chegar ao todo. Esse todo, não é preciso repetir, é a busca da pesquisa de ponta, da excelência intelectual, do avanço tecnológico; e o equívoco consiste em se privar do contato com o que existe de mais refinado no mundo em nome de não se sabe bem qual solidariedade política ou qual afinidade ideológica. É esse equívoco que está na origem dessa nefasta seletividade geográfica, para a qual não se pode encontrar nenhum mérito, nem mesmo o de continuar nas mesmas latitudes, climas e temperaturas.
A autonomia mental, a liberdade de escolha, a amplitude de visões, a mais completa seleção de opções, enfim, a total soberania geográfica nos relacionamentos externos parecem, de longe e em todas as hipóteses, as posturas mais adequadas na determinação das políticas, as que melhor respondem a nossas necessidades teóricas e práticas. Essa postura geral corresponde, aliás, ao livre arbítrio individual e à total liberdade de escolha, que devem sempre prevalecer nos assuntos humanos e sociais.
Esta é uma simples constatação de bom senso. Nunca devemos deixar de exercer nosso direito à total liberdade de espírito e à mais completa autonomia da razão. É bem melhor ser um completo anarquista do pensamento e um libertário incorrigível, do que ser um dependente de crenças alheias.
——
Este ensaio é uma versão abreviada de um dos capítulos do recém-lançado Nunca Antes na Diplomacia…: A política externa brasileira em tempos não convencionais (Curitiba: Editoria Appris).

segunda-feira, 14 de abril de 2014

Diplomacia Sul-Sul fracassou e estrategia comercial deu chabu - MarcosTroyjo


Em matéria publicada em 14 de abril de 2014, nos jornais "Correio Braziliense" e "Estado de Minas", o professor Marcos Troyjo da Universidade Columbia, aponta erros estratégicos do Brasil em sua política externa para a África.
Abaixo a íntegra da matéria:

Estratégia do Brasil de investir em negócios na África não vinga - Economia - Estado de Minas

Rosana Hessel

Brasil investe pesado na parceria, mas negócios não decolam e especialistas apontam erros


Participação da África nas exportações brasileiras cresceu menos de meio ponto percentual em nove anos

A principal bandeira da política internacional do governo petista, o comércio Sul-Sul, tendo como uma de suas plataformas a ampliação da aliança com os países africanos, está caindo por terra. Especialistas têm cada vez mais considerado essa estratégia equivocada diante dos números mais recentes. Isso porque ela não incrementou o comércio brasileiro com a África como se esperava e ainda afastou o Brasil dos principais mercados globais, como Europa e Estados Unidos.

Depois de uma década de investidas, viagens oficiais e a intensão de perdoar quase US$ 900 milhões de dívidas de 12 países, a participação dos africanos nas exportações nacionais praticamente não sofreu alteração em uma década. Passou de 4,39%, em 2004, para 4,79% até março deste ano, conforme dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic).

Mesmo com todas as investidas no continente da outra margem do Oceano Atlântico, criando 34 embaixadas por lá desde 2003, os governos Lula e Dilma não conseguiram desenvolver o mercado como destino dos produtos industrializados brasileiros. Assim como o comércio do Brasil com o Mercosul e a América Latina dá sinais de enfraquecimento, o intercâmbio brasileiro com a África tem sido historicamente desfavorável.

As empresas brasileiras ainda têm dificuldade para investir na África. Um dos maiores investimentos brasileiros no continente, feito pela Vale na mina de Simandou, na República da Guiné, pode ir para o vinagre porque o governo daquele país sinaliza que vai suspender a licença de exploração da companhia, que possui uma joint venture com a israelense
BSGR. O comércio também é capenga. Desde 2012, os embarques nacionais acumulam quedas depois de uma leve recuperação do tombo de 14,53% em 2009, ano em que país registrou o único superávit desde 1997.

O rombo recorde da balança bilateral ocorreu no ano passado, quando a diferença entre as importações e as exportações brasileiras com os países africanos chegou a US$ 6,359 bilhões. Neste ano, o déficit acumulado de janeiro a março já soma US$ 897 milhões e a expectativa é que ele deverá superar o do ano passado. “Os produtos brasileiros não possuem competitividade e não conseguem concorrer com a qualidade dos produtos europeus, muito menos com o preço dos produtos asiáticos”, reconhece o economista da Confederação Nacional da Indústria (CNI) Flávio Castelo Branco.

Mesmo assim, na avaliação do diretor de Desenvolvimento Industrial da CNI, Carlos Abijaodi, a África é estratégica para a indústria brasileira. “O Brasil precisa diversificar seus mercados para não se tornar dependente de poucos países vulneráveis a mudanças políticas e econômicas. Os investimentos na África devem ser estimulados, pois o continente ainda é pouco explorado pelas empresas brasileiras", diz ele.

ERRO DE LEITURA O professor da Universidade Columbia, em Nova York, Marcos Troyjo, lamenta o fato de a estratégia Sul-Sul ter mais componentes políticos do que econômicos. “A cooperação Sul-Sul respondeu muito mais aos anseios ideológicos do que ao real interesse econômico do Brasil. A complementariedade entre a economia do Brasil e outras do Sul é baixa. Houve, também, erro de leitura do cenário global por parte do Brasil. Acreditou-se na ascensão automática dos emergentes e o declínio permanente de EUA, Europa e Japão”, destaca Troyjo, especialista em relações internacionais e diretor do BRIC-Lab da instituição nova-iorquina.

Para ele, a estratégia de prioridade no nível Sul-Sul foi equivocada por parte do Brasil, especialmente nos discursos sobre um mundo equânime usando Mercosul, União das Nações Sul-Americanas (Unasul) ou a Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac), teve poucos resultados econômicos. “Em vez de promover reformas microeconômicas internas e estabelecer robustas agências de negócios nas cidades globais da América do Norte, Europa ou Ásia, os estrategistas brasileiros julgaram de maior impacto para suas ambições multilaterais abrir postos diplomáticos em cidades como Baku, Belmopan, Basse-Terre, Castries, Conacri, Cotonou, Cartum, Gaborone, Malabo, Nouakchott e Uagadugu. Isso angariou simpatia e votos na Organização Mundial do Comércio (OMC) e outros fóruns, mas pouco fluxo de comércio”, resume.

No entanto, esse apoio teve custos, como o perdão de 80% da dívida de 12 países que possuem um débito de US$ 897,5 milhões com o Brasil. Essa iniciativa foi anunciada pela presidente Dilma Rousseff durante uma de suas visitas ao continente, no ano passado, e pelo menos cinco desses países tiveram a renegociação aprovada no Senado Federal.

domingo, 2 de fevereiro de 2014

Embrapa: uma empresa de sucesso, mas ainda contaminada pela ideologia companheira

A Embrapa é uma realização brasileira que poderia ter emergido em quaisquer circunstâncias, pois corresponde ao que pode ser chamado de especializações ricardianas, ou seja, as vantagens comparativas relativas, inteiramente cobertas pela teoria do comércio internacional de David Ricardo (uma teoria rejeitada por companheiros mais obtusos, que a confundem com alguma fatalidade do essencialmente agrícola).
Quis o destino -- e nossa trajetória política e tecnológica -- que ela surgisse durante o governo militar, mais exatamente em 1971. Ela se fez, como ocorreu com a "substituição de importações" na pós-graduação de maneira geral, com base na formação de quadros, ou seja, de capital humano, no exterior e no desenvolvimento de tecnologia própria, adaptada ao Brasil.
Trata-se do maior sucesso técnico em matéria de agricultura tropical do mundo, e sua experiência pode ser estendida a todas as demais regiões com biótipos relativamente semelhantes aos do Brasil, e mesmo diferentes, pois o essencial está na P&D adaptada ao ambiente geográfico, ecológico.
Com os companheiros no poder, quiseram transformar a Embrapa em auxiliar da pequena agricultura camponesa, o que é uma estupidez monumental, pois agricultura responde a condições técnicas e a dados de mercado, independente de quem está atrás da máquina ou da propriedade. Agricultura de sucesso é aquela que produz ao menor custo com o maior volume possível, ponto.
O mercado se encarrega do resto, e guia, justamente, os passos dos técnicos que precisam responder aos incentivos e estímulos de mercado para orientar a agricultura.
Tentar transformar a Embrapa em instrumento de justiça social, de redistribuição de renda é criminoso, pois ela foi feita para resolver problemas técnicos, não sociais, que devem ser resolvidos na esfera das políticas públicos, ao maior nível de eficiência possível.
Essa coisa da "diplomacia Sul-Sul" é uma estupidez em si, para si, e para o Brasil, pois é ideologia misturada ao interesse nacional.
A Embrapa deve colaborar com outros países da mesma faixa de latitude pois é nisso que residem suas vantagens comparativas, não porque se pretenda fazer política da agricultura, ou de uma instituição como ela. Ela deve disseminar sua tecnologia pois é do interesse da humanidade, não do governo companheiro. Ela deve ajudar na produtividade agrícola de outros povos pois é nisso que reside sua vocação, sem qualquer exploração política ou ideológica, ou restrição de natureza partidária.
Enfim, uma Embrapa liberta das loucuras companheiras seria uma Embrapa melhor, e mais eficiente.
Paulo Roberto de Almeida

Brasil quer expandir "diplomacia agrícola" na África e na América Latina


UOL/Midiamax, 2/022014

O Brasil pretende expandir em 2014 sua "diplomacia agrícola", como é conhecida a rede de cooperação em tecnologia agropecuária que o governo vem realizando em mais de 30 países da África e América Latina e que faz parte da estratégia sul-sul da política externa brasileira.
"Este será o ano de massificar os projetos de agricultura familiar, sobretudo na África, destinados principalmente à segurança alimentar", disse à Agência Efe o diretor de projetos de cooperação técnica da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Alberto Santana.
A estatal atua na África e na América Latina através da Agência Brasileira de Cooperação, órgão do Ministério das Relações Exteriores, e é uma das ferramentas da política externa do país, que aspira ser um membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas.
De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), 2014 será o Ano Africano da Agricultura e da Segurança Alimentar.
De 2002 até 2013, por exemplo, a relação comercial entre Brasil e África cresceu 449%, de acordo com os números do fluxo comercial do Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, como parte da estratégia traçada em 2003 com a chegada ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva.
"Isto faz parte da cooperação sul-sul iniciada com o governo Lula, porque a grande questão na África é a cultura alimentícia e dotar a população rural de conhecimento e técnica para que não sejam dependentes dos alimentos estrangeiros", política que continua com a presidente Dilma Rousseff, segundo Santana.
Na África, o Brasil tem escritórios de Embrapa em Moçambique e Gana e a presença de um funcionário no Mali.
Os países que recebem cooperação do Brasil, principalmente destinada à agricultura familiar, são Senegal, Guiné-Bissau, Mali, Burkina Fasso, Gana, Togo, Benin, Nigéria, Chade, Gabão, Congo, Angola, Zâmbia, Moçambique, Malawi, Quênia, Etiópia, Uganda e Burundi.
"Sempre atuamos sob a demanda do país interessado", ressaltou Santana.
Em Moçambique, a Embrapa trabalha com o Japão no programa Pró Savana para a difusão entre os agricultores familiares de produtos como milho, feijões, sorgo, mandioca, amendoim, algodão, arroz e soja.
Da mesma maneira, trabalha com a agência de cooperação americana (USAID) na confecção de uma rede de produtos agrícolas que possam ser provedores da merenda escolar, à base de hortaliças, aos alunos das escolas públicas.
"Nosso trabalho é fortalecer a pesquisa rural, a infraestrutura e o treinamento dos agricultores", sustentou Santana, para quem um dos pontos mais importantes na cooperação será o envio de maquinaria agrícola.
A experiência brasileira sobre algodão nos países do centro da África foi levada a partir dos resultados da produção na Bahia e em outros do nordeste.
Os resultados, de acordo com os técnicos de Embrapa, serão vistos em cinco anos porque devem sobrepor-se, para estes cultivos, barreiras culturais e antropológicas em relação ao uso da terra.
Em relação à América Latina, existem cooperações diferenciadas, como na Venezuela com um programa de plantação da soja extensiva.
No âmbito sul-americano, o Brasil tem um projeto de aplicar na Bolívia, Peru, Argentina, Uruguai e Paraguai um projeto para financiar a cooperação técnica em adaptar o cultivo do algodão nas pequenas propriedades rurais com a produção de alimentos.
Esta iniciativa se encontra no marco da sanção da Organização Mundial do Comércio (OMC) de 2009 que autoriza o Brasil a adotar represálias comerciais contra os Estados Unidos no valor de US$ 830 milhões por ano pelo fato de ter subsidiado seus produtores de algodão, o que prejudicou os brasileiros.
Na América Central, a apicultura em Honduras é o principal projeto e no Caribe a cooperação aponta à assessoria técnica no plantio de frutas e hortaliças em Trinidad e Tobago e no Haiti, com agricultura familiar voltada para a alimentação nacional.
Nesse sentido, a Empraba desenvolve em Cuba, país visitado nesta semana por Dilma, uma das maiores conquistas da pesquisa brasileira desde os anos 70, que é a semente de soja tropical.
Em Cuba "temos quatro projetos: soja, milho, combate às pragas agrícolas e controle de metais pesados na agricultura, além de criação de gado ovino e caprino", concluiu Santana.

terça-feira, 12 de março de 2013

Determinismo geografico: uma nova enfermidade infantil da diplomacia companheira?

O mais recente artigo publicado:


1088. A política externa das relações Sul-Sul: um novo determinismo geográfico?”, Revista Espaço da Sophia (vol. 6, n. 47, janeiro-junho 2013, p. 163-188; ISSN versão online: 1981-318X; link: http://www.espacodasophia.com.br/revista/). Relação de Originais n. 2425.