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quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

1649) Sobre decisoes politicas e ferramentas operacionais

Os jornais, todos os jornais, estão abordando com abundância de comentários, mais do que análises isentas, a questão da

Escolha dos caças para a Aeronáutica: decisão política ou técnica?

Eu não sou um especialista em questões estratégicas ou militares, menos ainda em aviões de guerra: nunca vi um de perto, apenas em fotos e nesses filmes de Hollywood.
Mas acho que tenho bom senso o suficiente para dar o meu modesto 'pitaco' num 'debate' (aliás, não acredito que haja um, sequer travestido) que está resvalando para a esquizofrenia e a insanidade pura e simples.
Depois da revelação (certamente indevida, mas bem vinda de um ponto de vista cidadão) do relatório da FAB sobre a escolha do caça sueco como o melhor para a FAB e para a defesa do Brasil (e portanto para o Brasil, também), pressurosos sabujos do presidente, desconfiados que o grande chefe já tinha se decidido pelo caça francês, sairam pela imprensa para dizer que a escolha do Brasil (sic) não seria técnica, mas política, ou que o que estava envolvido na questão era algo muito maior do que a simples escolha do melhor caça, mas uma "relação estratégica" com a França (seja lá o que isso queira dizer...). Essas pessoas abusam da nossa inteligência e algumas pensam mesmo que somos todos idiotas.
Alguns jornalistas (que só podem ser idiotas) não cansam de repetir que a escolha da FAB foi pelos caças suecos, mas que a escolha é do presidente, deixando portanto subentendido que este pode tudo, como numa monarquia absoluta.

Bem, volto a dizer que não sou especialista em nada disso, mas não deixo de ter cá comigo minhas "impressões" de leigo e elas são as seguintes:

Suponhamos que eu queira fazer a reforma da minha casa, mexendo em móveis e assoalhos, janelas e cortinas. Eu posso tomar uma decisão política de contratar uma grande firma de arquitetos e de decoração que faça absolutamente tudo, pagando um pacote global (vai sair caro, mas não terei de me ocupar de nada), ou posso tomar a decisão política de contratar diversos trabalhadores especializados nos serviços previstos -- marceneiro, pintor, decorador, etc -- e discutir com eles o que desejo, exatamente que se faça.
Trata-se de uma decisão política, exclusivamente minha, pois afinal o dinheiro é meu: ou pago e esqueço, para não me chatear com obras, ou me envolvo em cada detalhe, pagando mas escolhendo exatamente o que quero (e aprendendo no caminho).

Ainda que eu escolha esse segundo caminho -- que é, figuradamente, o que a FAB acaba de fazer, em 30 mil páginas, diga-se de passagem -- eu NÃO TENHO O DIREITO de dizer ao marceneiro que tipo de ferramenta ele vai usar para reformar os meus móveis: formão, entalhadeira, broca de furar, serrote, pregos ou parafusos...
Simplesmente não tenho o direito pois que NÃO SOU COMPETENTE para fazê-lo, ou porque, simplesmente, isso cabe a ele, pois é ele quem vai manipular essas ferramentas; ele sabe, muito melhor do que eu, quais as ferramentas de que necessita para fazer o seu trabalho especializado.

Pois bem: os aviões são as ferramentas dos militares, dos aeronautas de guerra, mais precisamente.
Acredito que nem eu, nem qualquer jornalista idiota, nem o presidente da República tem o direito de dizer aos militares da Força Aérea qual a melhor ferramenta de que eles necessitam para cumprir seu mandato constitucional de defender o Brasil.

O dinheiro é do Tesouro, eu sei, e portanto de todos nós (e não do governo, como se diz por aí), mas não temos o direito de dizer aos militares que eles precisam usar esta ferramenta, e não aquela, para atender nosso pedido de defesa nacional.
Essa missão cabe a eles, exclusivamente a eles, e nenhum sabujo do poder poderá desmentir esta realidade.

Esta é apenas uma opinião pessoal.

Paulo Roberto de Almeida (7.01.2010)

10 comentários:

Pedro Vitor Coelho disse...

Prezado Paulo,
Concordo com o Sr. em relação que os recursos são do tesouro e não do governo como a imprenssa costuma dilvulgar, transparecendo que as escolhas são feitas unilateralmente pelo Presidente. A Aeronáutica tem direito de comprar suas ferramentas. O problema, na minha opinião, é que existe o interesse brasileiro por uma vaga permanente no Conselho de Segurança, onde a França tem poder de veto. Em discurso, setembro, no Pernambuco Lula "soltou" que a vaga permanente está próxima. Acredito que a compra dos Rafales é moeda de troca deste projeto. Assim Lula ta valorizando a moeda e pondo condições antes de liberar à Aeronáutica para compra das ferramentas. Obrigado!

Paulo Roberto de Almeida disse...

Ilusao achar que a compra dos caças franceses garante uma vaga para o Brasil no CSNU. A França não tem esse poder, simplesmente não tem.
Só quem tem são os EUA e a China, apenas os dois e mais ninguém.

Pedro Vitor Coelho disse...

Caro Paulo R.,
Gostaria que o Sr. lesse uma postagem, se possível, desse tema no meu blog onde há o restante da argumentação http://pedro-ripucsp.blogspot.com/
Obrigado!

Anônimo disse...

A compra de tais aeronaves não conta apenas com o componente técnico, mas com a decisão de se criar uma indústria bélica na América do Sul, como salientado pelo seu ex-chefe, hoje Ministro do futuro.
Acredito que o caça sueco tenha limitações nessa área, por possuir peças de outros países, notadamente EUA.
Nesse sentido, creio que o Sr. deveria somar isso à analise que fez do relatório da força aérea.

Paulo Roberto de Almeida disse...

Caro Anônimo,
Informo, apenas por ser relevante, que a pessoa que você designa como Ministro do Futuro, nunca foi meu chefe, sequer ex, posto que ele nunca me deu esse prazer de trabalhar sob a chefia dele, que imagino esclarecida, e capaz de pensar nessas virtudes estratégicas do caça francês que o sueco não teria, que é supostamente a de servir de base a um projeto de indústria bélica da América do Sul, algo como um caça da Unasul, o Unasul-One...
Realmente é um projeto digno de apoio e enormes possibilidades tecnológicas, que apenas a generosidade francesa poderia conceder. Sejamos gratos a todos eles, posto que a decisão já está tomada e ela augura um brilhante futuro para todos nós...

Anônimo disse...

Os termos que usei não foram de forma alguma no intuito de ofender.
E o uso do conceito chefe foi simplesmente referencia ao cargo na hierarquia do Itamaraty, que o senhor conhece infinitamente melhor do que eu.

Paulo Roberto de Almeida disse...

Meu caro Anônimo,
De forma nenhuma eu me senti ofendido, nao se preocupe por isso. Eu apenas quis deixar claro que ele não foi meu chefe, não por iniciativa minha, talvez incompatibilidade de gênios, mas provavelmente unilateral e unidirecional.
Eu me dou bem com todo e qualquer debate de ideias, desde que observadas pequenas regras muito simples, honestidade intelectual sendo a primeira delas...

Anônimo disse...

Prezado Paulo, do pouco que conheço, o problema do Gripen é que ele não pode ser utilizado como caça de ataque, somente como de defesa, ao contrário do Super Hornet e do Rafale. Logo, ponto para os outros dois.

Ademais, o Gripen é um projeto, não foi testado em combate, como o Super Hornet, nem é utilizado por qualquer força aérea, como o Rafale. A proposta sueca, não obstante, é tentadora no sentido da parceria proposta, o que vale uma refletida; por outro lado, utiliza peças americanas, que poderiam ser vetadas na transferência de tecnologia.

O ponto que mais pesa, até onde eu sei, é o da transferência de tecnologia. Aquela questão toda dos Super Tucanos cuja venda à Venezuela não nos foi autorizada pelos americanos prejudica muito o Super Hornet. Já os franceses nos oferecem a transferência, inclusive dos programas de navegação, e também são parceiros na questão dos submarinos.

Se um marceneiro vai somente fazer o serviço para o senhor, enquanto o outro vai fazer o serviço e ensinar como se faz para que não gaste mais com marceneiro (na hipótese do grande gasto com marcenaria no orçamento), a decisão política evidente seria optar pelo último, ainda que o preço dele fosse maior no curto prazo, não?

Não tive acesso às propostas das empresas, logo, não sei até que ponto a transferência de tecnologia será real ou somente de "papel", i.e., transferência de rotinas simples ou somente de materiais compostos.

Glaucia disse...

A pergunta, Professor, é se o Sr. contrataria um marceneiro para fazer na sua casa uma obra fundamental, com a condição de que cada vez que for usar o produto ou mexer nele, precisa da autorização e da mão-d-obra do mesmo marceneiro.

Entendo as razões da aeronáutica (incluindo a não escrita: criar constrangimentos para um governo de que não são fãs). Mas o argumento central, na minha opinião, é este: qual dos contratos nos mais deixa mais longe de sermos reféns das vontades de outras soberanias? Qual nosso palco? Se o Brasil realmente está mudando, ou quer mudar, de status no cenário internacional, temos que pensar como Índia ou como Chile?

Abraços e feliz ano novo (com velha grafia)!

Paulo Roberto de Almeida disse...

Glaucia,
Entendo que esta preocupação se refira ao fato de que o avião sueco tem partes e componentes que são "copyright" e patenteamento "made in USA", daí a velha paranóia.
Acredito que uma utilização puramente nacional, numa assemblagem que contemple tecnologia nacional também, posto que o aparelho será desenvolvido no Brasil, não seria objeto de restrições.
Se, por acaso, o Brasil quiser colocá-lo na linha de montagem, para ser a fabulosa fábrica de brinquedos militares da Unasul, provavelmente as mesmas restrições se aplicariam também, e talvez até com maior rigor, aos dois outros caças. Portanto, zero a zero.
Nem você, nem eu, nem qualquer pessoa que não leu por inteiro o relatório da FAB, tem condições de responder a sua pergunta:
"qual dos contratos nos mais deixa mais longe de sermos reféns das vontades de outras soberanias?"
Em qualquer hipótese, que tem condicões e capacidade de responder a essa pergunta é, em primeiro lugar, a FAB, em segundo lugar, supostamente, o MD.
Não acredito que alguém do Planalto tenha encarado com seriedade essa questão, que para eles parece estar resolvida politicamente:
Basta declarar que é a vontade do príncipe, ops, que corresponde ao interesse nacional, pronto, estamos prontos para defender a tal de relação estratégica com quem sabemos, e está tudo resolvido.
Ainda bem que temos gente que cuida do nosso futuro...
Paulo Roberto de Almeida
9.01.2010