Cui prodest? (Ou, para quem escrevo?)
De vez em quando eu perpetro a ousadia de escrever para o Mundorama. Ou melhor, seus responsáveis é que cometem a ousadia de me publicar, posto que eu não escrevo especialmente para o Mundorama, em todo caso muito raramente, ou quase jamais, pensando em Mundorama, que é um boletim muito simpático e variado de relações internacionais, animado por esse gigante (stricto et lato sensi) da didática internacionalista que é o professor Antonio Carlos Lessa.
Estudantes, leiam, visitem, eu recomendo: http://mundorama.net/
Pois bem, meu último coup pervers foi um post sobre o inacreditável Fórum Social Mundial. Digo inacreditável, pois que nem mesmo seus promotores desonestos acreditam de fato nas bobagens que eles dizem (se o fizessem, além de desonestos, seriam ingênuos, o que talvez seja muito pior). Eles apenas vivem daquilo, de preferência sem trabalhar, com dinheiro público, ou melhor, com o meu, o seu, o nosso dinheiro. Como eu tenho alergia a burrice, mas ojeriza absoluta à desonestidade intelectual (se a palavra se aplica), eu não deixo passar uma oportunidade para cobrar um pouco, só um pouco, de coerência nas ideias (if any), como se isso fosse possível (mas, não custa cobrar, e eles deveriam pelo menos tentar).
Meu último post foi este aqui:
Triste Fim de Policarpo Social Mundial, por Paulo Roberto de Almeida
2010 fevereiro 2
Recebi, como seria de se esperar sendo tão provocador (confesso que deliberadamente), muitos comentários, alguns sorrindo comigo ante tantas inconsequencias desse bando de malucos que são os antiglobalizadores, outros indagando questões específicas (que respondo quando consigo entender, o que nem sempre é o caso), e um ou dois, finalmente, me criticando, o que é sempre bem-vindo (e agradeço sinceramente, não hipocritamente; tenho vários defeitos, mas não o dom da hipocrisia).
As criticas são de dois gêneros, e já descarto a primeira por inepta, incompetente ou descartável:
1) Eu seria um apologista do capitalismo, do neoliberalismo, seja lá o que for isso, e meus argumentos estariam errados, pois o capitalismo é de fato perverso, etc, etc, etc. Bem, digo que é inepta pois as pessoas que fazem esse tipo de rejeição de minhas críticas às posições dos antiglobalizadores, nunca, NUNCA dizem em que as propostas dos maluquetes do FSM teriam alguma coerência intrínseca (ou até extrínseca, vá lá). Por outro lado, eu não sei porque ainda ando de carro velho e de baixa potência sendo um defensor tão acirrado do capitalismo: Wall Street certamente ainda não ouviu falar de mim, e ainda não me colocou no seu contracheque. Bem, não quero me estender, mas essas pessoas não distinguem racionalidade econômica e raciocínio lógico da simples peroração ideológica: elas devem estar com o parafuso dos modos de produção um pouco desajustados, e a cada momento de distração, soltam um capitalismo para variar. Elas talvez não saibam a diferença entre capitalismo e economia de mercado, ao que eu diria: minha gente, leiam Max Weber, leiam Fernand Braudel, leiam Albert Hirschmann, Jean Baechler (não confundir com o Jean Ziegler, por favor, pois este é do bando de perfeitos idiotas).
2) A segunda crítica é aparentmente mais "séria", mas ela se engana totalmente de foco. Diz um desses jovens afoitos que se o FSM não fosse importante, eu não estaria escrevendo tanto sobre ele. Se eu insisto em voltar ao assunto, repetidamente diz ele, é porque suas ideias (sic, tres vezes) sao relevantes.
Bem, esse jovem ainda não percebeu uma coisa: eu escrevo justamente para ele, não para o bando de velhacos desocupados que animam e promovem esses piqueniques anuais sem qualquer relevância para o mundo real.
Repitam comigo: nada do que se diz ou se aprova, unanimemente (comme il faut, quando se trata de pensamento único) nesses encontros regados a slogans vazios tem a mínima importância para o mundo real. Nada, nadica, necas de pitibiribas. Quem quiser me provar o contrário, ou seja, que alguma nova e relevante proposta emergiu desses jamborees, eu posso oferecer um livro ou dois. Precisando: que tenha emergido do FSM, não que já exista nas faculdades de humanidades -- que também produzem uma tonelada de ideias inuteis -- ou que circule na sociedade como produção, digamos, intelectual.
Pois eu escrevo justamente para esses jovens idealistas que querem salvar o mundo dele mesmo, ou melhor, salvá-lo do capitalismo globalizador (ou vice-versa), mas que ainda leram pouco, estudaram menos ainda, e aprenderam só um tiquinho (e, no que depender de certos professores, vão aprender menos ainda, no que lhes resta de diversão universitária).
Como eu sou uma pessoa que aprendeu nos livros ou com pessoas mais espertas, considero ser assim meu dever, digamos, espiritual, transmitir um pouco do que aprendi a esses jovens sedentos de sabedoria globalizante, mas que acabam encontrando apenas essas fontes barrentas da pilantragem universitária e das imposturas intelectuais desses velhacos da antiglobalização.
Que posso fazer? Tenho essa vocação didática voluntária -- e já vou avisando que não é dela que retiro meu sustento, nem faço desse hobby minha ocupação principal -- e por isso fico assim de noite escrevendo para esses moços -- como diria o Lupiscínio Rodrigues -- que não sabem o que eu sei. Não por qualquer virtude extraordinária, ou inteligência excepcional, longe disso. Eu sou apenas um gajo esforçado, que lê muito, que pensa muito sobre o que leu, observou e retirou de sua experiência de vida, e que coloca essas reflexões à disposição dos mais jovens, posto que eu também já fui jovem e tive professores honestos e outros desonestos (talvez involuntariamente, concedamo-lhes essa dúvida).
Finalizando, meu jovem, você que me acusa de bater em "cachorro morto" (talvez seja bem o caso), não é para o cachorro que estou escrevendo, nem para os "donos" dos cachorros, pois estes já incorporaram o cérebro dos cachorros.
Estou escrevendo para você mesmo, e apenas aconselhando-o a abrir os olhos, ler e se informar um pouco mais, viajar pelo mundo (Davos é uma excelente estação de esqui, mas talvez você ainda não tenha dinheiro para ir lá), enfim aprenderem, de preferência de maneira autodidata, pois sempre se deve desconfiar de professores (inclusive deste que aqui escreve).
Ser cético é um dever, mas deve-se sempre cultivar um ceticismo sadio, ou seja, opor ideias melhores, e mais coerentes, a ideias más, que são estas que não se conformam à realidade empírico, que não seguem os mínimos preceitos da lógica formal, enfim, que ficam no slogan vazio em lugar de ir para a pesquisa e confrontar os números. Ou seja, exatamente essas que estão no centro (e nas bordas também) do FSM.
Eu, na verdade, estou pouco preocupado com os velhacos do FSM, meu objeto próprio são os jovens. Como observo com certa preocupação a marcha da mediocrização na universidade brasileira, e como constato que os jovens que me escrevem cada vez escrevem mais mal, sem uma exposição coerente das ideias, sem se fazer entender direito, eu me sinto, como dizer?, compelido a escrever estas bobagens que escrevo noite adentro, para ver se evito um pouco da mediocrização em curso e contribuo, minimamente que seja, com a tarefa da elevação intelectual de jovens como esse que me escreve me acusando de apologista do capitalismo.
Acho que ele não encontrou argumentos para me rebater, e aí foi logo sacando o capitalismo e o neoliberalismo. Puxa vida, está ficando aborrecido debater assim...
Paulo Roberto de Almeida (18.02.2010)
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