segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Contra a desonestidade intelectual, simples verdades - Pedro Malan

Estamos vivendo uma conjuntura de mentiras, como é normal em épocas eleitorais: todos os políticos prometem o que provavelmente não poderão cumprir, por falta de recursos ou dificuldades normais do processo democrático.
Mas existe um outro tipo de mentira que é especialmente viciosa e ultrajante: é aquela mentira deliberada, feita para enganar o eleitorado, distorcer os fatos reais e construir um sistema político baseado na divisão entre "nós" e "eles", entre os pobres e os ricos, entre os negros e os outros, enfim, entre os que se acham os únicos detentores naturais da verdade, da justiça e da igualdade e os demais, que acham que se pode construir um país sem esses maniqueísmos deletérios e esse sectarismo imbecil.
Abaixo um artigo que restabelece a verdade dos fatos.
Só posso dizer que lamento que um artigo desses tenha de ser escrito, pois afinal de contas, em lugar de um debate sobre políticas públicas, estamos tendo simplesmente acusações irresponsáveis e necessidade de respostas retificadoras do outro.
Pena que o ex-ministro Pedro Malan tenha de defender seu capital de realizações contra um celerado da política.
Mas esse é o Brasil.
Paulo Roberto de Almeida

Diálogo de surdos?
Pedro S. Malan
O Estado de S.Paulo, 10 de outubro de 2010

O presidente Lula, com uma arrogância por vezes excessiva, tentou transformar em plebiscito o primeiro turno desta eleição. Como se o que estivesse em jogo fosse seu próprio terceiro mandato (ainda que por interposta pessoa), um referendo sobre seu nome, uma apoteose que consagraria seu personalismo, seu governo e sua capacidade de transferir votos. Mas cerca de 52% dos eleitores votaram em José Serra e Marina Silva, negando a Lula a tão esperada vitória plebiscitária no domingo passado.

Não é de hoje o desejo presidencial: "Lula quer uma campanha de comparação entre governos, um duelo com o tucano da vez. Se o PSDB quiser o mesmo... ganharão os eleitores e a cultura política do País." Assim escreveu Tereza Cruvinel, sempre muito bem informada sobre assuntos da seara petista, em sua coluna de janeiro de 2006. Não acredito que a "cultura política" do País e seus eleitores tenham muito a ganhar - ao contrário - com essa obsessão por concentrar o debate eleitoral de 2010 numa batalha de marqueteiros e militantes.

Afinal, na vida de qualquer país há processos que se desdobram no tempo, complexas interações de continuidade, mudança e consolidação de avanços alcançados. O Brasil não é exceção a essa regra. Como escreveu Marcos Lisboa, um dos mais brilhantes economistas de sua geração: "Não se deve medir um governo ou uma gestão pelos resultados obtidos durante sua ocorrência e, sim, por seus impactos no longo prazo, pelos resultados que são verificados nos anos que se seguem ao seu término. Instituições importam e os impactos decorrentes da forma como são geridas ou alteradas se manifestam progressivamente..."

Ao que parece, Lula e o núcleo duro à sua volta discordam e estão resolvidos a insistir numa plebiscitária e maniqueísta "comparação com o governo anterior". Feita por vezes, a meu ver, com desfaçatez e hipocrisia. Um discurso primário que, no fundo, procura transmitir uma ideia básica (e equivocada) ao eleitor menos informado: o que de bom está acontecendo no País - e há muita coisa - se deve a Lula e ao seu governo; o que há de mau ou por fazer - e há muita, muita coisa por fazer - representa uma herança do período pré-2003, que ainda não pôde ser resolvida porque, afinal de contas, apenas em oito anos de lulo-petismo não seria mesmo possível consertar todos os erros acumulados por "outros" governantes ao longo do período pré-2003.

Mas talvez seja possível, por meio do debate público informado, ter alguns limites para a desfaçatez e a mentira. Exemplo desta última: a sórdida, leviana e irresponsável acusação de que "o governo anterior" pretendia privatizar a Petrobrás, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal, entre outros. Algo que nunca, jamais, esteve em séria consideração. Mas a mentira, milhares de vezes repetida, teve efeito eleitoral na disputa pelo segundo turno em 2006 - por falta de resposta política à altura: antes, durante e depois.

Exemplos de desfaçatez: o governo Lula não "recebeu o País com a inflação e o câmbio fugindo do controle", como já li, responsabilizando-se o governo anterior. A inflação estava sob controle desde que o Real foi lançado no governo Itamar Franco, com Fernando Henrique Cardoso na Fazenda, e se aumentou para 12,5% em 2002 foi porque o câmbio disparou, expressando receios quanto ao futuro. Receios não sem fundamento, à luz da herança que o PT havia construído para si próprio, até o começo de sua gradual desconstrução, apenas a partir de meados de 2002. O PT tinha e tem suas heranças.

O governo Lula não teve de resolver problemas graves de liquidez e solvência de parte do setor bancário brasileiro, público e privado. Resolvidos na segunda metade dos anos 90 pelo governo FHC. Ao contrário, o PT opôs-se, e veementemente, ao Proer e ao Proes e perseguiu seus responsáveis por anos no Congresso e na Justiça. Mas o governo Lula herdou um sistema financeiro sólido que não teve problemas na crise recente, como ajudou o País a rapidamente superá-la. Suprema ironia ver, na televisão, Lula oferecer a "nossa tecnologia do Proer" ao companheiro Bush em 2008.

O governo Lula não teve de reestruturar as dívidas de 25 de nossos 27 Estados e de cerca de 180 municípios que estavam, muitos, pré-insolventes, incapazes de arcar com seus compromissos com a União. Todos estão solventes há mais de 13 anos, uma herança que, juntamente com a Lei de Responsabilidade Fiscal, de maio de 2000 - antes, sim, do lulo-petismo, que a ela se opôs -, nada tem de maldita, muito pelo contrário, como sabem as pessoas de boa-fé.

As pessoas que têm memória e honestidade intelectual também sabem que as transferências diretas de renda à população mais pobre não começaram com Lula - que se manifestou contra elas em discurso feito já como presidente em abril de 2003. O governo Lula abandonou sua ideia original de distribuir cupons de alimentação e adotou, consolidou e ampliou - mérito seu - os projetos já existentes. O que Lula reconheceu no parágrafo de abertura (caput) da medida provisória que editou em setembro de 2003, consolidando os programas herdados do governo anterior.

Outros exemplos. Sobre salário mínimo: não é verdade que tenha começado a ter aumento real no governo Lula, como quer a propaganda. Sobre privatização: o discurso ideológico simplesmente ignora os resultados para o conjunto da população - e, indiretamente, para o atual governo.

O monólogo do "nunca antes" não ajuda o diálogo do País consigo mesmo. O ilustre ex-ministro Delfim Netto bem que tentou: "A eleição de 2010 não pode se fazer em torno das pobres alternativas de ou voltar ao passado ou dar continuidade a Lula. A discussão precisa incorporar os horizontes do século 21 e a superação dos problemas que certamente restarão de seu governo."

ECONOMISTA, FOI MINISTRO DA FAZENDA NO GOVERNO FHC

2 comentários:

  1. Bom dia Prof. Paulo.
    Devemos realmente reconhecer as conquistas dos Governos Itamar - FHC. Sei que o discurso de políticos, principalmente durante as campanhas, não são baseados na "realidade", em algo plausível. Tanto Serra quanto Dilma(Lula) estão prometendo coisas absurdas, como aumento salarial para aposentados sem apresentar de onde virá a receita etc etc. Quando assisto os debates e o horário eleitoral sinto uma ausência completa de seriedade e comprometimento com o cidadão, pois não se discute o Brasil, apenas acusações etc.
    Estou em uma posição difícil, pois estou sendo obrigado, talvez por honestidade intelectual, a votar no "menos ruim".
    Atenciosamente,
    Marcio

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  2. Marcio Bortolozzo,
    Desculpe se não respondi, ou comentei, na época, mas não consigo, simplesmente, administrar uma agenda pessoal muito carregada.
    Você teve inteiramente razão em seus comentários, e por incrível que pareça, o candidato da oposição (Serra) foi ainda mais irrealista, inconsequente e irresponsável em suas promessas de aumento de gastos e redução de impostos. Uma equação que não fecha, obviamente.
    De fato, pessoas conscientes acabam votando no mesmo ruim, mas os políticos continuam irresponsáveis em suas promessas demagógicas.
    Paulo Roberto de Almeida

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