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segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Um diálogo sobre as cotas raciais: Lucas e eu...

A propósito deste meu post:


O Brasil a caminho do atraso: estatuto da desigualdade racial (ou a construcao do Apartheid)

(segunda-feira, 18 de outubro de 2010) 

no qual eu transcrevia um post do site "Contra a Racialização do Brasil", sobre a entrada em vigor do Estatuto da (des)Igualdade Racial, que eu reputo um instrumento racista e um mecanismo de criação de conflitos raciais e sociais,

recebi este comentário do Lucas: 
Lucas disse...
Acompanho diariamente seu blog e concordo com 99% das coisas que o senhor diz, apenas nao concordo com suas posicoes em relacao a acoes afirmativas.  O sr. nao e' negro, nunca sofreu esse tipo de preconceito e so' quem e', assim como eu sou, sabe o quao humilhante e' ver a uma senhora atravessando a rua quando lhe ve caminhando em sua direcao.     Alguma coisa deve ser feita em relaca o a isso, talvez soframos agora no incio mas em 30 anos nossos filhos terao uma vida melhor e mais digna.    Considero que o Brasil levou muito tempo para tomar alguma atitude e justamente por isso que hoje tudo se torna tao complicado.    Algo deve ser feito pra retirar esse racismo ja encutido na cabeca de milhares de jovens brasileiros.  Eu sou uma testemunha do preconceito e racismo dos brasileiros em relacao aos negros (principalmente americanos).    Atualmente sou estudante internacional nos EUA e o que ouco de reclamacoes e xingamentos racistas de brasileiros em relacao aos negros e' de se preocupar.

Respondi (PRA) a ele o que segue abaixo: 

Lucas,
Desejo em primeiro lugar agradecer, sinceramente, seu comentário, e dizer que compreendo integralmente o que você quer dizer, e seu sentimento em relação a esse tipo de situação.
Vou tentar me explicar aqui e elaborar mais a respeito em um post, para que outros leiam nossos dois comentários.
De fato, eu não sou negro. Sou totalmente branco, cor de leite pasteurizado.
Meus avós vieram, respectivamente, de Portugal e da Itália para substituirem os negros nas fazendas de café depois que foi abolida a escravidão, que vitimou seus antecessores, disso temos ambos certeza.
Ou seja, meus avós eram tratados apenas um pouco melhor do que os escravos, e por isso abandonaram rapidamente a situação semi-escravagista das fazendas de café do interior de SP e do sul de MG (meu pai é de Rio Claro e minha mãe de Poços de Caldas), para irem trabalhar na cidade. Os filhos cresceram, se encontraram, casaram e eu vim ao mundo, numa casa muito pobre, sem água corrente, enfim, o que você deve imaginar. Trabalhei desde muito jovem (e coloque jovem nisso, desde criança para ser mais exato).
Mas, de fato, nunca sofri o tipo de discriminação a que você se refere e compreendo, como disse, seu sentimento.
Agora, compreenda o seguinte: o regime de cotas NUNCA vai corrigir esse tipo de situação, pois ele tenderá, apenas a fastar ainda mais as "raças" entre si, justamente por desenvolver o Apartheid.
Compreendo que você defenda o regime de cotas, pois que supostamente ele criaria um estrato de negros de classe média, bem vestidos e com aparência afluente, fazendo com que aquela senhora não tenha mais de atravessar a rua, com suposto medo.
Eu acredito, na verdade, que as cotas beneficiariam negros de classe média, ao mesmo tempo em que podem estar prejudicando brancos de classe média ou pobres.
Não me parece razoável substituir um tipo de discriminação por outro, quando a única solução efetiva e duradoura seria melhorar os níveis de eduçacão e sua qualidade para toda a população pobre do Brasil (onde os negros estão majoritariamente representados, sabemos disso), esperando que assim todos possam ingressar na universidade com base unicamente no mérito, e não em regime de favor.
Essa era a posição de Martin Luther King, e convido você a ler o seu famoso discurso "I have a dream".
O racismo se combate misturando as pessoas, e não separando.
Eu sou totalmente a favor de "eliminar" "raças" brancas, negras, amarelas, numa grande mistura universal, como é próprio da espécie humana, absolutamente una e indivisível. Isso não é racismo anti-negro, como alguns poderiam acusar, mas pode na verdade significar o "fim" da "raça" branca, dados os padrões de dominância genética, ou fenotípica (desculpe, não sou versado em biologia).
O racismo, infelizmente, é uma chaga que vai demorar a ser extirpada dos comportamentos humanos, tanto mais quanto persistirem essas barreiras sociais e que estão sendo erigidas por outras medidas racialistas, inclusive aquelas que estimulam o racismo negro anti-branco (que existe de forma muito forte nos EUA, como você sabe).

Estou aberto ao diálogo, sempre.
O abraco do

Paulo Roberto de Almeida
(19.10.2010)

10 comentários:

Anônimo disse...

Muito obrigado pela rapida resposta. Acho que por varios motivos (entre eles pressa para nao chegar atrasado a aula) acabei deixando escapar alguns pontos em minhas colocacoes.

De forma alguma eu gostaria de ter deixado claro que sou a favor das cotas especificamente. Acredito piamente que alguma atitude deve ser tomada mas, como grande admirador do economista Thomas Sowell (afro-americano e grande critico das acoes afirmativas), acredito que algumas formas de acoes afirmativas (entre elas as cotas) apenas despertam a preguica, a comodidade e aumentam o preconceito (assim como foi dito pelo senhor). No livro Race and Culture existem dados disponiveis de um estudo feito por Thomas Sowell que compara os afro-americanos pre-acoes afirmativas e pos. Os resultados sao surpreendentes em termos de escolaridade, desemprego e divorcios.

Talvez a implementacao do ensino da historia geral da Africa e da populacao negra no Brasil ja seja um grande avanco. Pois o racismo ja' incutido na cabeca dos brasileiros desde jovens deve ser combatido.

Sou fruto da miscigenacao e, apesar de sempre ter estudado em escolas particulares e frequentar lugares que nao sao de costume das pessoas mais pobres, ainda assim ja' pude sentir discriminacao de muitas pessoas em razao a cor da minha pele.

Por fim, gostaria de poder reafirmar a minha grande admiracao pelo senhor e pelas suas opinioes e dizer que assim como muitos tambem almejo a carreira diplomatica.

PS: Ja comentei outras vezes em seu blog mas desta vez, por razoes obvias, prefiro nao divulgar meu sobrenome para que isso nao gere desconforto por parte de pessoas que, de alguma maneira, se ofendem com minhas opinioes.

Lucas disse...

Acabei de comentar no blog e acabei apertando "ENTER" antes de digitar meu nome. Agradeco se puderes adiciona-lo a minha postagem.

Att.

Lucas D.M.

Paulo Roberto de Almeida disse...

Lucas,
Conheço alguma coisa do Sowell economista, ou filósofo econômico e social, menos de seus escritos sobre a questão das cotas, mas sei, sim, que ele é visceralmente contrário a elas.
Vou procurar me informar melhor.
Acredito, salvo erro, meu, que estejamos no mesmo diapasão, com algumas diferenças de ênfase ou de estilo devido a diferentes experiências de vida.
Mas sempre devemos aprender algo com a experiência alheia, também.
Grato, uma vez mais,
O abraco do

Test disse...

Acho emblemática a atuação do Mandela, representada no filme Invictus. Ao sair da prisão e depois de sua eleição, quando todos esperavam uma vingança, ele tomou todas as atitudes possíveis pra que não mais houvesse discriminação.


Como ouvi certa vez de um funcionário do governo Holandes sobre a questão de discrimação, "se é para separar o mundo entre nós e eles, que sejamos nós os querem um tratamento igualitário a todos e eles os que não aceitam isso".

Unknown disse...

Também tenho uma forte ascendência africana,mas discordo completamente do sistema de cotas não,apenas, por estarmos sendo racistas com as demais etnias,mas também por crer que não é uma solução e sim mais uma forma de discriminação. Nessa ,provavelmente, aumentaria-se a discriminação, devido ao fato de muitos julgarem aqueles cotistas como incapazes de estarem lá, tomando ,apenas, as vagas de pessoas, em teoria, mais capazes.E creio que muito já se mudou,pelo menos no brasil a respeito do racismo,pois também sempre tive a oportunidade de estudar em colégios particulares e quase sempre o fiz,excetuando alguns anos que passei no Colégio Militar, que é um público federal pago,mas acho que o preconceito ,atualmente, é muito maior no âmbito financeiro do que no racial,e afirmo que nunca fui vítima pelo menos diretamente de racismo,somente, algumas brincadeiras, as quais nunca vi de forma pejorativa.E seguindo a idéia daqueles que são a favor das cotas teríamos que fazer cotas financeiras,devido o maior grau de discriminação, o que também discordo.A solução ao meu ver é a educação, a qual não ,apenas, "abre a cabeça" de muitas pessoas racistas como também faz com que as vítimas de preconceito ascendam socialmente e assim ganhem respeito.E com o mesmo nível de educação poderemos chegar a tão sonhada meritocracia.

Unknown disse...

"A representação da população negra tem que ser proporcional no Congresso e em outras esferas da política”
Lucas, não sei como você se sente lendo isso, eu me sinto injuriado,isso é no mínimo ridiculo. O ministro deu a entender que nós negros não fazemos parte de um todo brasileiro, que vale ressaltar aqui é uma população extremamente heterogênea,e ,então, devemos ter representação proporcional a nossa população,o que já vai contra qualquer senso de democracia e igualdade. Isso pra mim é discriminação e numa esfera muito maior, por estar sendo praticada pelo Estado.E falo isso como um negro, pois ,provavelmente, qualquer outra pessoa de qualquer outra raça falando isso seria considerado Racista!

Fábio Paranhos Rodrigues disse...

Caros P.R.A. e Lucas,

Valho-me da oportunidade para tentar colaborar no diálogo sobre cotas raciais.

Eu, assim como o Paulo, sou branco (digo, de cor clara), oriundo de classe média, filho de descendentes de portugueses, (certamente com mais de 10% de sangue negro e mais uns 10% indígena) que, devido à pobreza, deixaram Portugal. Sem luxo, vieram para o Brasil para tentar um mundo melhor.

Meu bisavô, que quis estudar, não obteve apoio nenhum do estado. Tinha que ir de Goiás ao Rio de Janeiro a cavalo, sem dinheiro, em uma viagem que demorava cerca de 2 a 3 meses cada trecho. Não dava pra visitar a família. Isso pra não falar das demais dificuldade por todos enfrentadas àquela época.


No meu caso, e voltando ao assunto, tive a oportunidade de viver nos EUA. Viver não, de trabalhar lá. Pois meu salário por lá era de aprendiz. Assim que me graduei pela faculdade, fui selecionado por um programa de trainee para trabalhar em uma empresa farmacêutica internacional.

Vivendo nos EUA, pude perceber que, de fato, nossa história racial é MUITO, vou frisar, MUITO distinta.

Enquanto o Brasil é, hoje, o país da miscigenação, os EUA são o país onde se vive um misto de tolerância racial oficial sem miscigenação. O Estado defende o multiculturalismo, desde que cada um não saia do seu quadrado. A classe média no Brasil não conta com "bairros negros" como existe por lá". E tem muito branco morando nas favelas por aqui. E negros, no Brasil, não têm sotaque próprio, o sotaque é por região.

NO Brasil que eu conheço isso é bem diferente. Acho que minha história pessoal esclarece um pouco a respeito disso. Minha primeira namorada, por exemplo, era mulata, e se declarava negra. Depois dela namorei uma moça descendente de asiática e espanhóis. Depois, uma morena "comum". Enfim, e com nenhuma delas me senti mal ou me senti excluído do meio onde vivo pelo fato de minha namorada ser da etnia x, y ou z. Tenho vários amigos e quase todos eles declaram não possuir uma etnia específica. Eu inclusive, dado que meu irmão, muito mais escuro que eu, é filho do mesmo pai e da mesma mãe. E nem por isso não teve menos oportunidades na vida. É cientista da computação, trabalha na IBM e nunca precisou de cotas pra isso. Inclusive eu tenho a impressão que ele se sentiria ofendido se fosse discriminado com essa idéia de "cotas". Isso é uma afronta para muitas pessoas que se declaram negras e certamente são inteligentes.

Já nos EUA, realmente é complicado namorar com uma pessoas de outra etnia. Eles não são o país da miscigenação. Existe uma nítida separação, e o preconceito entre as etnias é muito maior. Muito grande também de negros com brancos, brancos com mexicanos, mexicanos com o que quer que seja.

E as ações afirmativas, nesses contexto, podem servir lá nos EUA. Servir inclusive para segregar mais ainda aquela sociedade que se declara multicultural. Mas é um multiculturalismo onde as diferenças não se misturam.

O problema brasileiro persiste na POBREZA. E a pobreza não tem cor, todos sabem.

No meu dia-a-dia aqui em Brasília eu não consigo enxergar etnias tão explícitas. Todos dizem ser metade neto de japones, com 20 de branco, 20 negro e outros 10% desconhecidos, ou qualquer outra mistura do tipo.

O verdadeiro debate é o da inclusão social. O brasil tem feito um ótimo trabalho, tirando muita gente da miséria, da classe E pra D, da D pra C.

O próximo debate será o da inclusão, DE TODO O PAÍS, na aprendizagem de qualidade. A inclusão educacional.

As cotas, se persistitem, realmente vão incitar o ódio entre os que por elas serão prejudicados. Isso é muito prejudicial ao país, é a criação oficial de um Apartheid.

E o que vai ter de branco se declarando negro... vai ser impressionante.

Meu irmão mesmo poderia facilmente ser declarado negro. Várias famílias têm casos assim. Eu entraria na justiça pra conseguir minha vaga. Pois somos filhos dos mesmos pais, temos a mesma história.

Paulo Roberto de Almeida disse...

Fabio,
Seu comentario é extremamente relevante e muito precioso, pois ele revela como as coisas ocorrem, exatamente.
Os EUA, pais oficialmente racista e apartheista no passado, continuam um pais oficiosamente racista e apartheista, a despeito de serem a maior sociedade multi-nacional e multi-cultural do mundo. Mas cada um tem um rotulo, o que é uma desgraça.
O Brasil, como todos os problemas sociais que tem, é o primeiro país multirracial do mundo, e deveria continuar assim, na maior mistura de "raças" e de condições sociais.
Esse programa racista das cotas, e TODO o Estatudo da DESIGUALDADE RACIAL é a pior desgraça que poderia ocorrer para nós, uma criação artificial de racismo e de apartheismo por causa desses militantes racistas de uma suposta causa negra, que nem existe como tal, pois mesmo os negros no Brasil, salvo rarissimas exceções são misturados.
Esperemos que, como muitas leis, isso "não pegue", pois seria terrível construir uma sociedade dividida em categorias raciais, na verdade, em duas apenas: os "negros" e todos os demais.
Paulo R. Almeida

Paulo Roberto de Almeida disse...

Felipe,
Muito grato por seus comentários, com os quais concordo em 150%, se ouso dizer.
O abraco do
Paulo Roberto de Almeida

Anônimo disse...

"É tempo de irmos acabando gradualmente até os últimos vestígios da escravidão (...e do preconceito) entre nós, para que venhamos a formar em poucas gerações uma NAÇÃO HOMOGÊNEA, sem o que nunca seremos verdadeiramente livres, respeitáveis e felizes.(...)cuidemos pois desde já em COMBINAR sabiamente tantos elementos discordes e contrários, em AMALGAMAR tantos metais diversos para que saia um TODO HOMOGÊNEO e compacto, que se não esfarele ao pequeno toque de qualquer convulsão política."

* José Bonifácio de Andrada e Silva

Vale!