Ricardo Allan
Um oásis no deserto da televisão brasileira, a TV Cultura transmitiu esta semana imperdível entrevista com o escritor israelense Amós Oz no programa Roda Viva. Racional e bem-humorado, Oz deu uma aula sobre como um intelectual deve se comportar. Num dos vários momentos luminosos da conversa, ele contou como costuma ser tratado pelo governo de Israel.
Nas trocas de gabinete, o novo primeiro-ministro sempre o convida para discutir o conflito com os palestinos e outros assuntos políticos. Nessas ocasiões, Oz faz pesadas críticas. Segundo seu relato, o líder iniciante o ouve com atenção, pergunta muito e concorda com quase tudo. Depois, na gestão cotidiana, ignora completamente as recomendações. O caso mostra o claro papel dos intelectuais na vida pública: contestar o poder de forma aberta. No Brasil, onde a tradição é a covardia adesista, o simples acesso aos salões oficiais é suficiente para domesticar eventuais opositores.
Desde 2003, quando o PT chegou ao Palácio do Planalto, poucos intelectuais se levantaram para apontar os erros da administração federal. Cooptada por cargos, subvenções ou meras demonstrações de prestígio, a maioria prefere o silêncio. Em artigos, livros e filmes patrocinados com receita de impostos, a tônica é a bajulação. Cada um fala o que quiser, mas no que contribui um pronunciamento com o único objetivo de enaltecer governantes? No Brasil, eles não precisam de defensores. Sua força já é descomunal — o que falta é oposição.
Também do Oriente Médio vem um modelo acabado da atitude correta de um intelectual. Onde quer que esteja, ele deve cultivar o espírito de um outsider, alheio às pressões e limitações dos governos, da sociedade, da identidade nacional e até da própria língua. Sem medo de represálias, precisa ter a coragem de cutucar as feridas, promovendo a liberdade humana e o conhecimento.
"Penso que um dever especial do intelectual é criticar os poderes constituídos e autorizados da nossa sociedade, que são responsáveis pelos seus cidadãos, particularmente quando esses poderes são exercidos numa guerra manifestamente desproporcional e imoral", afirmou o crítico literário palestino Edward Said (1935-2003), em Representações do intelectual. Aplausos a Oz e a Said.
2 comentários:
Prof,
Resta saber, conforme o personagem do link abaixo, se seria um dever ou um intelectual.
http://revistapiaui.estadao.com.br/edicao-64/esquina/hifen-nao-e-detalhe
Abraços.
Fabricio de Souza
Bresser Pereira, com hifen ou sem, é um personagem patético no universo acadêmico, intelectual, governamental e empresarial brasileira: socialista fabiano, keynesiano convencido, cepaliano de coração, prebischiano moderado, ele consolida diversas apostas na capacidade dos governos de atuarem beneficamente no campo econômico, com frustrações acumuladas a cada vez.
Sempre acreditou que burocratas bem intencionados sabem melhor do que os mercados como deve ser orientada a economia: sempre errou, mas continua persistindo.
Como ele, existem muitos. Se o Brasil fosse um sucesso retumbante depois de todas essas políticas, ele até poderia ter alguma legitimidade intelectual. Não deu, mas eles continuam insistindo nos mesmos erros.
Paulo Roberto de Almeida
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