O Irã e as armas nucleares
JOSÉ GOLDEMBERG
O Estado de S.Paulo, 19 de março de 2012
Não há nada de original na estratégia utilizada pelo Irã para justificar sua opção de desenvolver energia nuclear como um símbolo da soberania nacional que unifica o país em torno de seus dirigentes. Esses argumentos já foram usados no Brasil na década de 1970, durante o regime militar, e temos, portanto, experiência em entendê-los.
O uso de energia nuclear para fins pacíficos envolve tecnologias bem conhecidas, algumas muito benéficas, como as inúmeras aplicações médicas. A produção de eletricidade em reatores nucleares é, porém, mais controvertida, porque o custo da eletricidade produzida, em geral, é mais elevado que o de outras formas, como hidreletricidade e usinas queimando carvão ou gás natural. Além disso, acidentes com reatores nucleares podem ser extremamente graves, não só do ponto de vista dos riscos para a vida de grandes populações que habitam o entorno dos reatores, como também extraordinariamente dispendiosos. O recente desastre com os reatores nucleares no Japão teve seu custo estimado em US$ 275 bilhões.
Há países que não têm outras opções para produzir eletricidade, como a França e a Rússia, e não se mostram dispostos a abrir mão dessa fonte de energia. Já outros, como a Alemanha, a Suíça e a Bélgica, se convenceram de que podem produzir a energia de que necessitam com outras fontes menos problemáticas. O Irã, a rigor, está nesta categoria: do ponto de vista técnico, esse país não tem nenhuma justificativa plausível para usar reatores nucleares para a produção de eletricidade, uma vez que dispõe de enorme reserva de gás natural (a segunda maior do mundo).
Esse é também o caso do Brasil, que possui recursos hidrelétricos abundantes. Não era essa, contudo, a visão dos militares na década de 70. Se ela tivesse vingado, Itaipu não teria sido construída. Afinal a razão acabou prevalecendo e dos 60 reatores nucleares planejados para o ano 2000 existem hoje apenas 2 funcionando, em Angra dos Reis (RJ).
Adotar a opção de instalar reatores nucleares para a produção de eletricidade pode ser, todavia, apenas uma tática para ocultar intenções de produzir armas atômicas, e há exemplos de países onde isso ocorreu. O Irã parece seguir esse mesmo caminho e as inspeções da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) reforçam tais desconfianças.
Na realidade, é mais fácil produzir armas do que eletricidade com energia nuclear. O que há em comum entre essas duas possibilidades é o acesso ao urânio enriquecido (ou plutônio). Se o nível de enriquecimento for baixo (de 3% a 5%), ele é usado em reatores nucleares. Se for maior que 80%, pode ser usado para produzir bombas atômicas. No urânio encontrado na natureza há menos de 1% do material que é útil para reatores ou armas nucleares. É preciso, por isso, um processo que aumente essa porcentagem, chamado de "enriquecimento".
A Índia "pirateou", de um reator canadense instalado no seu país, o plutônio para fazer a sua primeira explosão nuclear, em 1974. Apesar disso, não conseguiu ainda construir reatores nucleares de grande porte para a produção de eletricidade. O mesmo ocorreu na Coreia do Norte. Já o Paquistão usou centrífugas "pirateadas" por Abdul Qadeer Kahn, técnico paquistanês que trabalhou na Urenco, na Holanda. O Irã está usando centrífugas do tipo paquistanês e tentando melhorá-las.
Os grandes progressos na área nuclear que o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, anuncia de tempos em tempos não são realmente significativos. Fazer varetas de combustível nuclear com urânio enriquecido para usar num reator de pesquisas, que é o seu último "sucesso", foi feito na década de 80 no Instituto de Energia Atômica na Universidade de São Paulo (USP).
Infelizmente, porém, não há barreira técnica intransponível entre enriquecer urânio a 5% (para reatores nucleares) ou 90% (para bombas atômicas). A barreira é uma decisão política.
Países que aderiram ao Tratado de Não Proliferação Nuclear, como o Brasil e o Irã, estão comprometidos a não produzir bombas, mas o único mecanismo existente para garantir que isso não aconteça de fato são as inspeções da AIEA, que o Irã frequentemente impede. O Brasil e a Argentina têm o seu próprio acordo de inspeções mútuas desde 1992 e que até hoje não deu origem a problemas.
Por causa das constantes transgressões, o Irã tem recebido sanções dos países europeus e do Conselho de Segurança das Nações Unidas, o que internamente é usado para consolidar a solidariedade ao governo, que se apresenta como vítima de uma conspiração internacional. Essa é a estratégia tradicional de governos totalitários para se legitimarem - que a Alemanha nazista utilizou em grande escala para justificar a sua política de agressão militar e até mesmo o holocausto.
Um ataque militar de Israel ou dos Estados Unidos para destruir as instalações nucleares iranianas não está excluído - operações desse tipo já foram feitas no passado por Israel contra o Iraque e a Síria. O sucesso de tal operação no Irã é, contudo, problemático.
A alternativa é um acordo político com o Irã para que abandone seus planos nucleares com fins militares, como fez recentemente a Coreia do Norte. O problema é que o atual regime identifica sua sobrevivência com o prosseguimento desses planos. No Irã a energia nuclear é apresentada como uma tecnologia modernizante e um passaporte para o Primeiro Mundo, como, aliás, se tentou fazer na década de 70 no Brasil.
Sucede que há muitas tecnologias modernizantes e o que a História mostra é que modernizar não é produzir armas, mas resolver os problemas fundamentais de infraestrutura, saúde e educação do país.
*PROFESSOR EMÉRITO DA USP, FOI MINISTRO DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA
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