Trata-se de um "chute", claro, de minha exclusiva responsabilidade.
Segundo detecto pelos ares do tempo, os ministros vão decidir pela legalidade do racismo institucional, aceitando cotas para negros nas universidades como sendo perfeitamente legais e legítimas.
Mas atenção: são cotas para negros, não para mulatos claros, quase brancos, mesmo que sejam afrodescendentes.
A UnB já tem um tribunal racial que decide quem é negro e quem é branco.
E os negros, e os mulatos escuros, militantes da causa, estão contentes.
Quanto aos mulatos muito claros, quase brancos, ainda que afrodescendentes, bem, eles vão precisar de um esforço extra para ingressar na universidade.
Este é o Brasil dos companheiros...
Paulo Roberto de Almeida
Reinaldo Azevedo, 25/04/2012
O Supremo Tribunal Federal deve retomar hoje o julgamento sobre as cotas raciais nas universidades públicas. Eis mais um tema que desperta paixões e que se abre a todo tipo de feitiçaria interpretativa da Constituição. Não há juízo neste mundo, NÃO À LUZ DA CONSTITUIÇÃO AO MENOS, que consiga dar sentido alternativo ao que vai no caput do Artigo 5º da Constituição, uma cláusula pétrea:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (…)”
Causa finita est. Ou deveria ser ao menos. “Todos” quer dizer “todos” — brancos, mestiços, pretos, amarelos, vermelhos… Se as circunstâncias, em razão de uma gama enorme de fatores, torna desiguais os homens, desiguais eles são na vida social. E a política existe justamente para que se organizem e busquem viver na prática essa igualdade. Não será DESIGUALANDO-OS DIANTE DA LEI E JOGANDO FORA A CONSTITUIÇÃO que se vai produzir igualdade. O resto é o que chamo feitiçaria interpretativa. Em 2008, o ministro Ayres Britto, agora presidente do tribunal, fez uma afirmação de apelo supostamente poético, que seria endossada por qualquer representante de modelos totalitários do século 20, a saber:
“A verdadeira igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais”.
Não! Essa é só a verdadeira desigualdade. O jogo de palavras esconde um conceito terrível: alguns homens estão — os considerados, em princípio, “desiguais” — acima ou fora das leis. Repete, assim, na prática, o primado daquela tal Associação Juízes para a Democracia. O que precisa ser melhorado no Brasil é a escola pública. Ainda que fosse verdade — existem a respeito mais mistificações do que dados — que o regime de cotas amplia o número de negros nas universidades, isso não poderia se dar suprimindo direitos de terceiros, tenham que cor tiverem. Há três ações no Supremo. Uma delas destroça o aspecto supostamente virtuoso da frase da Britto. Explico.
O estudante Giovane Pasqualito Fialho, branco, foi reprovado num vestibular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, embora tenha tido nota superior à de alunos que ingressaram pelo regime de cotas. A frase do ministro Britto, que pretende chamar de “desiguais” os negros, sugerindo que a “desigualdade” de tratamento é necessária para torná-los, então, iguais, ignora que uma outra desigualdade perante a lei se produziu: gente como Fialho teve seu direito suprimido. Entender que um negro ou mestiço tem direito especial a uma vaga, mesmo com nota inferior ao candidato em questão, faz de Fialho, que é branco, o responsável por uma desigualdade que não foi produzida nem por ele nem pelo vestibular da UFRGS, certo? Por que Fialho deveria pagar pessoalmente por isso? Porque é branco? Isso é democracia racial, ministro Britto?
Só há uma resposta para isso, a saber: o bem geral que a lei de cotas produziria, infelizmente, faria mesmo algumas injustiças pontuais no meio do caminho. É outro mimo do pensamento totalitário: alguns terão de pagar pela grandeza e pelo triunfo de algumas ideias, ainda que com seus direitos individuais. Não há como respeitar a Constituição e aceitar as cotas raciais ao mesmo tempo.
Lembram-se do casamento gay
Embora a Constituição seja explícita AO ESPECIFICAR que união civil é aquela celebrada entre homem e mulher — e, salvo engano, homem é homem, e mulher e mulher, pouco importando a destinação que deem àquilo que Britto chamou o “seu regalo” —, o que fez o Supremo (e por unanimidade)? Apelou ao Artigo 5º da Constituição e determinou que o fundamento da igualdade obrigava a reconhecer a união civil também entre homossexuais. E o próprio Britto foi entusiasta dessa tese.
Muito bem! Mesmo contra a letra explícita de um artigo, apela-se ao fundamento geral da igualdade para aceitar a união civil homossexual. Na hora de decidir sobre as cotas, o que é igualdade no artigo 5º deve ser entendido como “tratar desigualdade os desiguais”? Vale para um caso (mesmo contra a literalidade de um artigo), mas não vale para outro? Muito bem: no argumento de Britto, recorre-se ao tratamento desigual diante da lei para tornar, então, nas suas palavras, os negros iguais aos brancos. Ocorre que esse raciocínio tem uma sobra lógica: os brancos preteridos, embora com nota maior, são, então, iguais a quem ou quê? Ainda que todo branco fosse herdeiro dos escravocratas — inclusive os descendentes de imigrantes que vieram de lascar nas lavouras de café ou na nascente indústria brasileira, enfrentando uma vida maldita de privações —, deveriam pagar as, vá lá, faltas de seus ancestrais? Que diabo de conceito jurídico é esse?
Manifesto antirracialista
Em abril de 2008, 113 pessoas enviaram um manifesto aos ministros do Supremo Tribunal Federal. Sou um dos signatários. O título é este: “Cento e treze cidadãos antirracistas contra as leis raciais”. Abaixo, transcrevo alguns trechos. A íntegra está aqui. Que fique claro: não tenho a menor esperança de que se vá fazer a coisa certa. Essa é uma das questões que integram o rol das ações politicamente corretas. Ter a ousadia de debatê-la já arma espíritos. É a “democracia” segundo o entendimento de alguns… Bem, não será assim aqui, como vocês sabem muito bem. Seguem trechos do manifesto.
(…)
Nós, intelectuais da sociedade civil, sindicalistas, empresários e ativistas dos movimentos negros e outros movimentos sociais, dirigimo-nos respeitosamente aos Juízes da corte mais alta, que recebeu do povo constituinte a prerrogativa de guardiã da Constituição, para oferecer argumentos contrários à admissão de cotas raciais na ordem política e jurídica da República.
Na seara do que Vossas Excelências dominam, apontamos a Constituição Federal, no seu Artigo 19, que estabelece: “É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si”. O Artigo 208 dispõe que: “O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um”.
(…)
Apresentadas como maneira de reduzir as desigualdades sociais, as cotas raciais não contribuem para isso, ocultam uma realidade trágica e desviam as atenções dos desafios imensos e das urgências, sociais e educacionais, com os quais se defronta a nação. E, contudo, mesmo no universo menor dos jovens que têm a oportunidade de almejar o ensino superior de qualidade, as cotas raciais não promovem a igualdade, mas apenas acentuam desigualdades prévias ou produzem novas desigualdades:
- As cotas raciais exclusivas, como aplicadas, entre outras, na Universidade de Brasília (UnB), proporcionam a um candidato definido como “negro” a oportunidade de ingresso por menor número de pontos que um candidato definido como “branco”, mesmo se o primeiro provém de família de alta renda e cursou colégios particulares de excelência e o segundo provém de família de baixa renda e cursou escolas públicas arruinadas. No fim, o sistema concede um privilégio para candidatos de classe média arbitrariamente classificados como “negros”.
- As cotas raciais embutidas no interior de cotas para candidatos de escolas públicas, como aplicadas, entre outras, pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), separam os alunos proveniente de famílias com faixas de renda semelhantes em dois grupos “raciais” polares, gerando uma desigualdade “natural” num meio caracterizado pela igualdade social. O seu resultado previsível é oferecer privilégios para candidatos definidos arbitrariamente como “negros” que cursaram escolas públicas de melhor qualidade, em detrimento de seus colegas definidos como “brancos” e de todos os alunos de escolas públicas de pior qualidade.
(…)
Raças humanas não existem. A genética comprovou que as diferenças icônicas das chamadas “raças” humanas são características físicas superficiais, que dependem de parcela ínfima dos 25 mil genes estimados do genoma humano. A cor da pele, uma adaptação evolutiva aos níveis de radiação ultravioleta vigentes em diferentes áreas do mundo, é expressa em menos de 10 genes! Nas palavras do geneticista Sérgio Pena: “O fato assim cientificamente comprovado da inexistência das ‘raças’ deve ser absorvido pela sociedade e incorporado às suas convicções e atitudes morais Uma postura coerente e desejável seria a construção de uma sociedade desracializada, na qual a singularidade do indivíduo seja valorizada e celebrada. Temos de assimilar a noção de que a única divisão biologicamente coerente da espécie humana é em bilhões de indivíduos, e não em um punhado de ‘raças’.” (”Receita para uma humanidade desracializada”, Ciência Hoje Online, setembro de 2006).
Não foi a existência de raças que gerou o racismo, mas o racismo que fabricou a crença em raças. O “racismo científico” do século XIX acompanhou a expansão imperial europeia na África e na Ásia, erguendo um pilar “científico” de sustentação da ideologia da “missão civilizatória” dos europeus, que foi expressa celebremente como o “fardo do homem branco”.
(…)
A meta nacional deveria ser proporcionar a todos um ensino básico de qualidade e oportunidades verdadeiras de acesso à universidade. Mas há iniciativas a serem adotadas, imediatamente, em favor de jovens de baixa renda de todas as cores que chegam aos umbrais do ensino superior, como a oferta de cursos preparatórios gratuitos e a eliminação das taxas de inscrição nos exames vestibulares das universidades públicas. Na Universidade Estadual Paulista (Unesp), o Programa de Cursinhos Pré-Vestibulares Gratuitos, destinado a alunos egressos de escolas públicas, atendeu em 2007 a 3.714 jovens, dos quais 1.050 foram aprovados em concursos vestibulares, sendo 707 em universidades públicas. Medidas como essa, que não distinguem os indivíduos segundo critérios raciais abomináveis, têm endereço social certo e contribuem efetivamente para a amenização das desigualdades.
(…)
A propaganda cerrada em favor das cotas raciais assegura-nos que os estudantes universitários cotistas exibem desempenho similar ao dos demais. Os dados concernentes ao tema são esparsos, contraditórios e pouco confiáveis. Mas isso é essencialmente irrelevante, pois a crítica informada dos sistemas de cotas nunca afirmou que estudantes cotistas seriam incapazes de acompanhar os cursos superiores ou que sua presença provocaria queda na qualidade das universidades. As cotas raciais não são um distúrbio no ensino superior, mas a face mais visível de uma racialização oficial das relações sociais que ameaça a coesão nacional.
A crença na raça é o artigo de fé do racismo. A fabricação de “raças oficiais” e a distribuição seletiva de privilégios segundo rótulos de raça inocula na circulação sanguínea da sociedade o veneno do racismo, com seu cortejo de rancores e ódios. No Brasil, representaria uma revisão radical de nossa identidade nacional e a renúncia à utopia possível da universalização da cidadania efetiva.
*
Eis alguns dos 113 signatários da carta:
Aguinaldo Silva, Alba Zaluar, Antonio Cícero, Bolivar Lamounier, Caetano Veloso, Demétrio Magnoli, Edmar Lisboa Bacha, Eduardo Giannetti, Eduardo Pizarro Carnelós, Eunice Durham, Ferreira Gullar, Gerald Thomas, Gilberto Velho, João Ubaldo Ribeiro, José Augusto Guilhon Albuquerque, José de Souza Martins, Lourdes Sola, Luciana Villas-Boas, Lya Luft, Maria Sylvia Carvalho Franco, Nelson Motta, Reinaldo Azevedo, Roberto Romano da Silva, Ruth Correa Leite Cardoso, Wanderley Guilherme dos Santos e Yvonne Maggie.
Vivi quarenta anos sem preocupar-me com diferenças ou igualdades, pois para mim o mundo era frequentado por pessoas com suas dificuldades e suas facilidades. Assim, caberia aos humanos vencer suas barreiras, chutar a pedras do caminho e seguir rumo às realizações sonhadas. Pouco importava se o sonho era comprar uma bicicleta ou tornar-se um médico. Passados alguns anos, surgiram bandeiras avisando-me que não eram pessoas que estavam a meu lado, diziam-me para respeitar as minorias e a diversidade, como se o mundo não fosse a soma de tudo isso. Aí então, sem entender a motivação, me vi frente as cotas e as passeatas. Cotas para garantir vaga aqui e ali, passeatas para garantir direitos aqui e ali... e eu como fico... deverei buscar minha cota para infelizes aonde ou fazer passeatas para os ingênuos na companhia de quem??... isso tudo são coisas de um "estado" verdugo, estado que dizendo defender os cidadãos acaba por jogá-los uns contra os outros, quando não, sufocá-los além da dor.
ResponderExcluirAcho que a grande virtude de ler esta opinião é constatar que vivemos em um regime de pluralidade.
ResponderExcluirNão posso, porém, deixar de comentar: curiosamente nunca vi nenhum dos signatários sentir-se incomodado com a reserva de vagas que existia antes para os alunos egressos de escolas particulares. Ou, dito de outra maneira, com o fato de que as universidades não representavam a pluralidade racial (ou, para tomar emprestada a crença que o senhor endossa, não representavam a ausência de racismo no Brasil). Em tempo: sou branco, de olhos azuis, com conquistas por mérito, e apesar disso nunca fechei os olhos para a exclusão racial e/ou econômica que existe no Brasil. Lamento que utilize-se argumentos de negação deste fato para eliminar um debate sério sobre o racismo, problema que existe não por causa de cotas mas por fatos históricos de nosso país.
Não sei se o Twitter é uma ferramenta familiar ao sr. Paulo, mas seria interessante dar uma olhada nos TT's Brasil. De um lado os defensores das cotas e do outro os contras. Existem argumentos esdrúxulos dos dois lados. Talvez rendam um post no blog comentando a discussão. Tem argumento ridículo partindo até de ex-ministro.
ResponderExcluirProfessor,
ResponderExcluirCaso tenha interesse, segue o link para acessar o teor da excelente petição incial da advogada Roberta Kaufmann. Sugiro leitura a partir da página 25.
http://www.stf.jus.br/portal/geral/verPdfPaginado.asp?id=400108&tipo=TP&descricao=ADPF%2F186
Vinícius
É curioso o senhor, que em uma outra mensagem critica o epíteto de conservador que lhe atribuíram e declara-se um liberal e libertário, e, no entanto, chateia-se tanto com a união civil homossexual, que é algo privado, que diz repeito apenas aos envolvidos.
ResponderExcluirÉ por essas e outras que o senhor é chamado de conservador. Entendeu?
Anônimo em favor da união civil homossexual e equivocado na leitura do meu post, de não sei qual post, aliás,
ResponderExcluirCurioso que você me atribui o epíteto de conservar por supostamente achar que eu estaria chateado com esse tipo de "união civil" - que não é bem uma união, e muito menos civil.
Acho que você está um pouco enviesado em favor do assunto e não lê direito o que eu escrevo.
Eu chateado, com um assunto de foro privado, como você diz?
Jamais, acho que todos têm o direito de se unir com quem desejarem, sem que caiba qualquer censura, opinião ou manifestação contrária de quem quer que seja. Eu jamais me oporia à plena liberdade que tem qualquer ser humano de se unir com quem desejar, inclusive com seres não humanos, se for o caso (robots, bonecas infláveis, animais de estimação, e até selvagens, se alguém assim determinar). Sou pela total liberdade do ser humano.
Compreendido?
O que eu critico é que os juízes ultrapassam o seu mandato, de simples guardiões -- no máximo intérpretes - da Constutição, para legislar no lugar do Parlamento e alegadamente em nome da sociedade. Ninguém deu esse direito a esse bando de tiranetes togados, que se julgam ungidos da sapiência universal para se imiscuir em assuntos para os quais eles não tem competência nem mandato, sobretudo porque são (mas isso é opinião minha) medíocres intelectualmente.
E ainda que eu fosse contrário a essa união - o que, repito, não sou -- isso não me converteria em conservador.
Acho que você mistura as coisas, meu caro anônimo.
Eu poderia ser um tremendo marxista, esquerdista, progressista, ultra-revolucionário e também um tremendo machão, contrário a gays e a tudo o que que isso representa, e contrário, portanto, a tudo isso, não apenas por macheza, mas também por achar que os juízes simplesmente extrapolaram, compreendeu, Anônimo.
O fato de eu ser revolucionário, também nessa matéria, pois acho que sou, não me impede de criticar a postura de juizes malucos, e isso não tem nada a ver com minhas outras posturas em matéria de organização política, econômica e social.
Acho que você precisa fazer um curso sobre conservadorismo, liberalismo, marxismo, ideologias em geral, para não misturar as coisas.
De nada,
Paulo Roberto de Almeida