O Mercosul, e sua
situação atual (SPG)
SPG: A
análise da situação do Mercosul, de seus objetivos e das estratégias para
alcançá-los, é de especial relevância no momento em que se vem de comemorar os
vinte anos da assinatura, em 26 de março de 1991, do Tratado de Assunção, em
plena e extraordinária crise e transformação política e econômica mundial.
PRA: A menção a ser “de especial relevância” não é
exatamente um fato; se trata de uma opinião do autor. Minha interpretação é a de que essa
importância diminuiu consideravelmente nos últimos anos com a perda de espaço
relativo do Mercosul no comércio exterior global brasileiro, com as crescentes
barreiras impostas às exportações do Brasil pelo sócio argentino, pela não
realização dos objetivos maiores do bloco – tal como estipulados no artigo
primeiro do Tratado de Assunção (TA) – e pela orientação geral das políticas
domésticas e internacionais do Brasil, aparentemente mais baseadas, atualmente,
num projeto de “emergência global”, do que na reconstrução do Mercosul.
Quanto à crise, ela não tem nada de “extraordinária”,
sendo apenas mais uma, na trajetória “normal” das economias de mercado, feita
de bolhas recorrentes, de expansão dos gastos públicos até o limite da insolvência
governamental e dos ajustes necessários. Comparativamente a outras crises, ela
terá sua parte de diminuição do PIB, diminuição do emprego e redução dos
padrões de vida nos países por ela tocados (EUA e Europa), fenômenos mais do
que compensados pelo vigor em outros países e regiões, o que, no final,
compensará em parte as perdas registradas pela “recorrência” dessa crise nos
países avançados. Em algum momento do futuro, os atuais países emergentes em
crescimento também terão sua parte de crises “normais”, na medida em que eles
se integram cada vez mais aos circuitos dinâmicos, e tumultuosos, da economia
de mercado global, como aliás já ocorreu diversas vezes num passado ainda
recente. Nada de extraordinário, portanto.
SPG: Em
1991, era hegemônico o pensamento neoliberal, em um cenário econômico de grande
otimismo. Era a Nova Ordem Mundial, anunciada pelo presidente G. H. Bush, a era
da globalização, do fim das fronteiras, do fim da História, do progresso
ilimitado para todos os Estados e para todos os indivíduos. Era o mundo
unipolar, pacífico e próspero.
PRA: Esta é uma opinião
do autor, feita em evidente tom de ironia. Registre-se o fato de que, em 1991, o bastião do pensamento não-neoliberal, a
União Soviética, tinha implodido, não por pressão capitalista, ou cerco da
OTAN, mas por evidente ineficiência intrínseca. Se o mundo se tornou unipolar,
foi porque o outro polo desapareceu, não porque o “neoliberalismo” – ou o que
passa por tal – tenha vencido algum combate no mundo real ou no plano das
ideias. Minha interpretação é a de
que esse pensamento – que a rigor não existe – nunca foi hegemônico, já que a
maior parte dos decisores, em todos os países, continua a praticar o velho keynesianismo
adaptado às circunstâncias, e que metade, ou mais, dos ideólogos continua a
contestar o que na academia passa por “neoliberalismo”, mas que é apenas política
econômica normal dos países. Desafio SPG a indicar os países que se guiam por
preceitos “neoliberais” ou qualquer variação em torno disso. “Neoliberal” é um
epíteto que não tem nenhum sentido concreto, a não ser como ofensa ou
xingamento de uma determinada comunidade frustrada pelo desaparecimento da
alternativa socialista dos supermercados da História. Os estatizantes continuam
fortes e felizes, tanto que se permitem acusar não se sabe quem, exatamente, de
“neoliberais”, um slogan vazio, que supostamente designa esse “monstro
metafísico” que corresponde, na verdade, à economia de mercado. Enfim, tem
gente que precisa de adversários...
SPG: Esse
pensamento neoliberal, que veio a ser articulado no Consenso de Washington e
impulsionado pelas políticas dos países desenvolvidos nos organismos e
negociações internacionais e em suas relações bilaterais com os Estados da
América Latina, viria a se refletir, em decorrência dessas pressões externas e
até por convicção das elites dirigentes, nas políticas domésticas, econômicas e
sociais, dos quatro Estados do Mercosul.
PRA: A interpretação
é risível, mas deve impressionar alguns ingênuos, talvez até muitos outros que
não contam com uma informação fiável sobre o que seja, ou o que representou, o
Consenso de Washington. Na verdade, o CW é um fato acadêmico, mas, para todos os efeitos práticos, só existe como
entidade fantasmagórica nas cabeças e nos escritos dos anti-CW, pois não
conheço governo que se tenha deixado levar apenas por essas regras simples e
claras de reforma e de ajuste, mas muito elementares para a condução efetiva de
suas políticas macroeconômicas e setoriais. Já escrevi bastante sobre o CW para
rebater agora, em detalhes, a opinião
de SPG; por isso, me permito remeter os interessados aos primeiros textos da minha
série sobre as “falácias acadêmicas” (neste link: http://www.pralmeida.org/05DocsPRA/FalaciasSerie.html).
SPG: Apesar
das naturais diferenças entre as situações em que se encontravam Estados e
sociedades naquele momento e do grau de radicalismo com que foram
implementadas, essas políticas todas tinham como principal objetivo reduzir o
Estado a seu mínimo, através de programas de privatização, de desregulamentação
e de abertura externa para bens e capitais, muitas vezes adotados de forma
unilateral, sem negociação, como “contribuição voluntária” ao progresso de
globalização.
PRA: A interpretação
continua risível, forçada além do mais, pois não se sabe bem onde, quando e
como, Estados e sociedades (do Mercosul e outros) foram reduzidos ao mínimo.
Esse tipo de “acusação”, sem qualquer consistência, não honra a inteligência
dos anti-neoliberais. Mas eles nunca são explícitos quando falam do
neoliberalismo, pois na verdade não têm muitas provas empíricas de quem,
exatamente, assumiu essa coisa bizarra que se chama neoliberalismo. Liberais,
em economia, se definem dessa forma; quem os chama de neoliberais são os que
não têm argumentos consistentes a exibir.
SPG: Em
1991, a situação política internacional estava marcada pela desintegração da
União Soviética, pelo fim dos regimes socialistas da Europa Oriental, pelo
desprestígio do socialismo como sistema político e econômico, pela expansão
(voluntária ou “estimulada”) de regimes democráticos, pelo fim aparente dos
conflitos regionais, pela “ressurreição”
das Nações Unidas e, finalmente, pela hegemonia dos Estados Unidos.
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