SPG: Em
especial para o Mercosul, na medida em que certos governos da América do Sul
tomaram a decisão, de grande importância para seus países e para o futuro
político e econômico da América do Sul, que foi a de se inserir, inicialmente,
no sistema econômico norte-americano, através da assinatura de amplos acordos
econômicos, chamados impropriamente “de livre comércio”, e, em seguida, na
economia mundial, através da negociação de acordos, ai sim de livre comércio, com
a União Europeia e com muitos outros países, entre eles a China.
PRA: Ficamos sabendo que existem acordos “de livre
comércio” e acordos de livre comércio, sendo os primeiros impróprios e
indesejáveis. Seria uma opinião, ou
uma interpretação? Confesso não
saber distinguir, por fatos, entre
os dois tipos de acordos.
SPG: Esses
países sul-americanos optaram por uma política de inserção irrestrita na
economia global e abdicaram da possibilidade de utilizar diversos instrumentos de promoção do
desenvolvimento, em especial importantes no caso de países subdesenvolvidos,
com populações expressivas, com alto grau de urbanização, com grandes
disparidades sociais e econômicas. E em consequência, abdicaram de uma
participação mais intensa em um processo de integração regional sul-americano
pela impossibilidade de participar de uma união aduaneira regional e de
políticas regionais de natureza industrial que permitam o fortalecimento das
empresas produtivas instaladas em seus territórios. Assim, a retórica presente
em todos os encontros acadêmicos e políticos sobre a aspiração, a possibilidade
e os benefícios de uma futura integração sul-americana deve ser vista à luz desta realidade atual.
PRA: Quais seriam “esses países sul-americanos”?
Mistério! Se ouso interpretar SPG,
ele deve se referir, em primeiro lugar, ao Chile, certamente; e também ao
México, provavelmente; quem sabe ao Peru e à Colômbia?; todos eles rendidos ao
canto de sereia dos acordos de “livre comércio”, que não são bem de livre
comércio, não sei se vocês me seguem. Esses abdicaram do que vêm fazendo, quem?:
Argentina?; Brasil?; Venezuela?; Equador?; Bolívia? Todos eles engajados na
integração regional sul-americana, com fortalecimento de empresas produtivas,
etc., etc., etc.? Seria retórica, ou
apenas opinião?
SPG: O
impacto da China sobre a economia dos países do Mercosul, que já é grande, se
tornará extraordinário.
PRA: A China é um país extraordinário, aos olhos de um
extraordinário analista.
SPG: A
economia chinesa vem crescendo a 10% ao ano, em média, nos últimos trinta anos,
desafiando os recorrentes prognósticos negativos dos especialistas. Sua economia
moderna é integrada por cerca de 300 milhões de indivíduos, com um déficit
crescente de alimentos para uma população que melhora e diversifica seu padrão
alimentar, sem suficientes terras aráveis e água para a irrigação em grande
escala, (ainda que haja a possibilidade de dessalinização da água do mar e de
desenvolvimento de tecnologias agrícolas adequadas às suas regiões inóspitas),
com uma demanda voraz e um déficit de minérios muito significativo, e com um
déficit energético crescente, apesar dos ambiciosos programas de expansão de
seus sistemas eletronuclear e eólico. A incorporação gradual de mais de um
bilhão de chineses, hoje no campo e em atividades de baixa produtividade, ao
setor moderno da economia tornará a China o maior mercado do mundo, superior ao
mercado americano e europeu somados.
PRA: A China continua sendo extraordinária, destinada a
feitos extraordinários. O mais extraordinário é o fato (ou seria ilusão?)
de a China fazer tudo isso com capitais e tecnologia próprios, sem qualquer
aporte das megaempresas multinacionais. Esse enorme mercado está aberto, claro,
aos latino-americanos. É um fato, ou
uma simples opinião?
SPG: Apesar
de a demanda chinesa por minérios, por alimentos e por energia poder ser
suprida por outras regiões, em especial a África, a América do Sul e os países
do Mercosul estão em condições especiais para atendê-la, como, aliás, já vem
fazendo com suas exportações de soja e de minério de ferro, entre outros
produtos.
PRA: Como se vê, uma relação totalmente diferente da que
tinham as velhas potências imperialistas ocidentais vis-à-vis os
latino-americanos. Ainda bem!
SPG: A
demanda chinesa por minérios, petróleo e produtos agrícolas contribui, de forma
expressiva, para o aumento dos preços mundiais desses produtos, para um impulso
inflacionário em todos os países, para a geração de grandes receitas cambiais
nos países do Mercosul, e para a
consequente valorização de suas moedas nacionais, afetadas pelo influxo
simultâneo do excesso de moeda ofertada pelos Estados Unidos, através de sua
política de “monetary easing”.
PRA: Claro, algo deveria sobrar para esses arrogantes
imperialistas unilaterais: o tal de “monetary easing” é o responsável por
alguns dos males dos latino-americanos.
SPG: Por
outro lado, a China, que se constituiu, inicialmente, em uma enorme plataforma
de produção e exportação das megaempresas multinacionais, passou, através de
suas políticas comerciais, industriais e
de transferência de tecnologia, a criar e desenvolver suas empresas de capital
chinês, capazes de participar do mercado mundial, nos mais diversos setores,
com produtos dos mais simples aos mais complexos, com custos de produção e
preços de exportação altamente competitivos.
PRA: Como se vê, as megaempresas chinesas são totalmente
diferentes das megaempresas ocidentais. Seria um fato? Ou uma opinião
totalmente inconsistente?
SPG: A
própria situação da China e sua estratégia de desenvolvimento afetará da forma
mais profunda as perspectivas de desenvolvimento de cada país do Mercosul,
colocará em cheque suas políticas comerciais, industriais e tecnológicas,
pautadas pelas normas da OMC, negociadas e adotadas em um contexto
internacional diverso, e o próprio futuro do Mercosul, como esquema de
desenvolvimento econômico, de transformação produtiva e de desenvolvimento
social da região.
PRA: Ops! A coisa não é tão benéfica assim: então a
China vai colocar em cheque as políticas dos latino-americanos? Mas que coisa!
Justo agora que estávamos pensando que o gigante asiático iria desafiar as
velhas potências ocidentais, a China nos faz essa surpresa? Como devemos interpretar isso: já são fatos, ou meras opiniões?
SPG: De
um lado, a demanda chinesa por produtos primários e, de outro lado, sua oferta
de produtos industriais a baixo preço, diante da ortodoxia de política
econômica de certos países (centrada em uma excessiva preocupação com o combate
à inflação e com o equilíbrio fiscal) e de seu baixo dinamismo tecnológico
poderá levar, se não vierem a ser formuladas e implementadas firmes e
permanentes políticas industriais de agregação de valor aos produtos primários
em forte demanda, a uma especialização na produção primária para
exportação, e à conquista pela China dos mercados de produtos industriais dos
sócios do Mercosul e dos demais países da América do Sul .
PRA: Mesmo com esse admirável mundo novo patrocinado
pela China, de algo as velhas potências ocidentais devem ser acusadas:
ortodoxia nas políticas econômicas e excessiva preocupação com essas coisas
menores, que se chamam inflação e equilíbrio fiscal. Ah, esses ortodoxos
arrogantes estão mesmo a fim de criar problemas para os latino-americanos, que
poderiam se arranjar perfeitamente bem com os chineses, sem muita ortodoxia e
com algum desequilíbrio orçamentário. Quem liga para isso?
SPG: Esta
situação tenderia a se agravar com a superação da crise econômica nos países
altamente industrializados, que provocou a redução temporária de sua demanda
por insumos primários. Com a retomada de seu crescimento industrial e de renda,
esses países passarão a exercer uma pressão adicional ainda maior sobre os
mercados de produtos primários, agrícolas e minerais, com alta possibilidade de
aprofundar o processo de especialização regressiva dos países da América do Sul
e em especial do Mercosul, que inclui as duas maiores economias industriais da
região.
PRA: Que tragédia! A extraordinária demanda da China por
matérias primas latino-americanas poderia ser negativa só se as velhas
potências ocidentais voltassem também a importar extraordinariamente os mesmos
produtos dos latino-americanos. Com isso eles regrediriam à fase
primário-exportadora, algo que os chineses estão tentando impedir, justamente.
Pode-se deduzir disso tudo que a recomendação de SPG seria pelo aprofundamento
da boa relação com a China, não ortodoxa, e a consequente rejeição de novas
investidas imperialistas das velhas potências ocidentais? Devo considerar isso
uma mera opinião, ou será uma
interpretação baseada em fatos?
Preciso estudar mais...
SPG: Em
sociedades cada vez mais urbanizadas e com populações expressivas, sob o
impacto permanente da propaganda agressiva de estímulo ao consumo, essa
especialização regressiva levaria a uma oferta de empregos industriais nessas
sociedades insuficiente para atender à crescente demanda decorrente do
crescimento demográfico e da necessidade de absorver os estoques de mão de obra
secularmente subempregados e desqualificados. Os efeitos sociais dessa
insuficiente geração de empregos urbanos seriam de extrema gravidade.
PRA: Essa extraordinária “propaganda agressiva de
estímulo ao consumo”, que é um fato
no capitalismo globalizado, apresenta um impacto certamente negativo para as
massas urbanas latino-americanas; talvez o modo chinês de produção seja mais
benéfico, no sentido de não incitar demasiado ao consumo, e sim à poupança. Eis
aí uma boa política chinesa que os latino-americanos poderiam absorver: mais
poupança e menos consumo; mas isso não está explícito na opinião altamente especulativa de SPG.
SPG: Esse
cenário afetaria profundamente as perspectivas e as possibilidades de
integração mais profunda entre os Estados do Mercosul na medida em que esta
integração depende da vinculação cada vez maior entre suas economias (e
consequente vinculação política) o que somente é possível pelo intercâmbio de
produtos industriais pois, no setor
agrícola, além da menor gama de produtos típica desse setor, as produções dos quatro países são, em
larga medida, concorrentes. Suas economias ficariam gradual ou até mesmo rapidamente
cada vez mais isoladas umas das outras e o processo de integração mais profunda
ficaria definitivamente abalado e reduzido a esforços de cooperação em setores
importantes, porém limitados.
PRA: O cenário interpretativo
é altamente nebuloso, mas se pode ainda assim perceber a opinião de SPG:
contrária ao “regressismo” agrícola (ou mineral), e favorável ao “progressismo”
industrial. Falta, porém, uma análise adequada do que está conduzindo os
latino-americanos a essa situação, se são fatores internos, externos, se é a
China, ou se são as velhas potências imperialistas. Se depreende, em todo caso,
que os países do Mercosul devem intercambiar produtos industriais: todos?; na
mesma intensidade?; nenhum espaço para especializações ricardianas?; eles podem
competir em produtos industriais, mas não em agrícolas, certo? São tantas as
dúvidas, que melhor esperar nova contribuição interpretativa, e opinativa,
de SPG.
[CONTINUA...]
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