Estudos Brasileiros na Dinamarca
O
Café História entrevistou o Prof. Dr. Vinicius Mariano do Carvalho,
coordenador do programa de estudos brasileiros da Universidade de
Aarhus, da Dinamarca. O programa existe há vinte anos e acaba de lançar
uma revista acadêmica totalmente dedicado ao tema: Brasiliana.
Graduado
em letras, mas com uma formação acadêmica interdisciplinar, o
professor Vinícius Mariano conta nesta entrevista exclusiva como surgiu o
projeto da revista Brasiliana, além de refletir sobre o tema
“estudos brasileiros” e as transformações em relação ao Brasil que ele
enxerga no âmbito acadêmico dinamarquês e do exterior. Além da revista, a
Universidade de Aarhus oferece ainda um programa de estudos brasileiros
que cada vez mais vem atraindo mais e mais alunos, que aprendem não
apenas a língua portuguesa, mas também elementos da cultura e da
história do Brasill. Confira e comente!
Café História: Professor,
muito obrigado por conversar conosco. Foi com muito interesse e
animação que recebemos a notícia do lançamento da “Brasiliana”. Como
surgiu a ideia de uma revista de estudos brasileiros em uma universidade
dinamarquesa?
Prof.Vinicius Mariano: Primeiramente,
eu que tenho que agradecer pelo interesse em conhecer mais sobre nosso
programa de Estudos Brasileiros na universidade de Aarhus e sobre nossa
Revista, a Brasiliana. A revista nasceu
de uma demanda não apenas dinamarquesa, mas eu diria que muito maior.
Uma demanda por um meio específico para se discutir o Brasil e com o
Brasil. Professores, acadêmicos e pesquisadores de uma comunidade que
está se tornando maior a cada dia, a dos brasilianistas, normalmente
utilizaram fóruns acadêmicos mais amplos, como as revistas sobre América
Latina, Mundo Lusófono, Mundo Ibérico,etc., porém poucas são as
revistas que se dedicam exclusivamente ao Brasil no ambiente das
ciências sociais e humanas. Essa foi a motivação primeira para a criação
da Brasiliana. A segunda motivação é de caráter estratégico local.
Dentro de um plano de inserir nosso programa de Estudos Brasileiros da
Universidade de Aarhrus em um contexto mais internacional e de certa
maneira situá-lo mais ativamente no debate sobre e com o Brasil,
Brasiliana foi o resultado natural desta estratégia.
Café História: Recentemente,
entrevistamos o historiador Jurandir Malerba, professor de história na
PUCRS e que atualmente está em Berlim terminando seu curso na novíssima
cátedra Sérgio Buarque de Holanda de Estudos Brasileiros, na
Universidade Livre de Berlim. Mais recentemente, foi lançada a
"Brasiliana", revista de estudos brasileiros que o senhor coordena na
Universidade de Aarhus, Dinamarca. Que o Brasil nos últimos anos veem
ganhando destaque internacional em termos políticos e econômicos é
razoavelmente (re)conhecido. Mas parece que há também um destaque do
Brasil no meio acadêmico. Ao que parece, os pesquisadores e estudantes
estrangeiros querem saber mais sobre a cultura e a história de nosso
país. O senhor concorda? Se sim, como avalia este momento?
Prof.Vinicius Mariano: Sim,
podemos dizer que têm havido uma maior busca por estudos sobre o
Brasil, e também a presença de pesquisadores brasileiros no exterior tem
sido muito importante para mostrar o que se produz de ciência no
Brasil. Eu repito o que para mim é muito importante: acho que quando se
trata de academia, precisamos sempre pensar de forma dialogal. Uma
questão é o aumento da procura por conhecimento sobre o Brasil no
exterior, outra coisa é o aumento da inserção do pensamento produzido no
Brasil em todo o mundo. Quanto mais conseguirmos equilibrar esta
balança, melhor será. Precisamos de estudar o Brasil, mas também com o
Brasil. Neste ponto, o intercâmbio de pesquisadores e estudantes é
fundamental. Se as condições são mais favoráveis hoje que há dez anos,
então aproveitemos estas oportunidades.
Café História: Criar
uma revista acadêmica exige muita dedicação, seja no Brasil ou no
estrangeiro. Qual foi o maior desafio que o senhor encontrou na
construção e execução deste projeto?
Prof.Vinicius Mariano: Primeiramente
é preciso dizer que a revista me traz muito mais prazer que trabalho.
Acho que é um grande privilégio poder, de certa maneira, provocar algum
debate acadêmico e receber tantas respostas em forma de artigos de
excelente qualidade, rigor científico e criatividade analítica. Além
disso, a possibilidade de, virtualmente, estar envolvido nosurgmiento de
uma comunidade de leitores, autores, editores é imprescidível no
desenvolvimento do pensamento humanístico. Estas alegrias fazem com que
qualquer desafio se torne pequeno e superável.É
claro que, sendo um projeto que começa a dar seus passos agora, há
muitos acertos a serem feitos. A Revista não conta com patrocínio e é de
fato a colaboração que a faz mover-se. Penso que muitos colegas que
estão colaborando com a realização deste projeto também podem ver o
potencial da Revista e investem seu tempo e dedicação para que logremos
fazer da revista um canal sério e que dê frutos.
Café História: Professor,
no editorial de estreia da “Brasiliana”, o senhor sublinha que as
universidades estrangeiras passaram a usar mais o termo “Brazilian
Studies” do que o tradicional (e genérico) “Latin American Studies” para
se referir ao campo de pesquisas acadêmicas sobre Brasil. E, neste
sentido, diz que a “Brasiliana” tenta já neste primeiro número definir o
que significa esta categoria: “Brazilian Studies”. Em resumo, na sua
opinião, como o senhor definiria os “Brazilian Studies”?
Prof.Vinicius Mariano: Academicamente
venho defendendo a idéia de que, ainda que prático e necessário em
algum momento, é preciso cuidado com a generalização do termo América
Latina. Quais são os critérios para esta categorização? Linguísticos?
Coloniais? Ademais, o que se vê normalmente é uma associação entre os
termos América Latina e América de língua espanhola. Obviamente que há
um número bastante consideravel de países no continente americano que
falam espanhol, porém parece-me que esta associação é um pouco confusa.
Neste sentido, venho defendendo que é preciso diferenciar Estudos
Brasileiros de Estudos Latinoamericanos. A grande maioria dos
departamentos nas universidades que oferecem algo sobre Brasil, incluem o
estudo do país no quadro dos estudos latinoamericanos. Outra
vez, compreendo que é necessário pensar de maneira prática e seria de
certa forma inviável que universidades criassem um departamento de
estudos brasileiros, um de estudos cubanos, um de estudos mexicanos, um
de estudos nicaragueneses, etc. Mas observo, e não apenas eu, mas muitos
outros brasilianistas e latinoamericanistas, que os estudos brasileiros
vêm ganhando certa projeção e, mesmo ainda dentro de departamentos de
estudos latino americanos ou hispano americanos, solidifica-se mais e
mais como uma área de estudos. Não arisco a levantar hipóteses sobre as
razões para esta projeção, mas creio que é nossa tarefa como acadêmicos
estarmos abertos e atentos para discutir uma possível ontologia e
epistemologia dos estudos brasileiros. Você
me pergunta como eu definiria estudos brasileiros. Deixarei sua
pergunta sem uma resposta final, uma vez que é exatamente este debate
que pretendemos que a Brasiliana venha articular e trazer. O que eu
diria é que, a meus olhos, estes “estudos brasileiros” não devem pensar o
Brasil apenas como um objeto, mas também como um sujeito da reflexão
social e humanística, uma reflexão sobre si mesmo e sobre o mundo.
Café História: O
corpo editorial da revista é bastante global. Há professores do Brasil,
da Dinamarca, da Inglaterra e dos Estados Unidos. Isso reforça o perfil
interdisciplinar da publicação? E, mais, como tem sido o feedback deste
trabalho?
Prof.Vinicius Mariano: Como
eu disse acima, a idéia é que Brasiliana se torne um fórum
internacional para debater sobre e com o Brasil. Acredito que apenas uma
pluralidade de vozes, interepretações e análises poderão de fato
contribuir para a construção de um pensar amplo em torno do Brasil. Isso
porque, em nosso ponto de vista, o Brasil também é plural, seja em suas
potencialidades e em seus problemas, o que nos obriga a também pensar
de maneira plural. As respostas têm sido muito positivas. Somos
surpreendidos com a visibilidade que a revista alcançou em pouco tempo
de existência. Obviamente há críticas acerca do caráter amplo de
abrangência da revista, porém esta é a perspectiva que lançamos e que
insistiremos em seguir.
Café História: Como
os pesquisadores brasileiros podem colaborar com a revista? Ela aceita
trabalhos em fluxos contínuos? Quem pode enviar artigos ou resenhas?
Prof.Vinicius Mariano: A
revista têm 4 sessões. A primeira, chamada dossiê, é uma sessão mais
temática, para a qual lançamos duas chamadas para artigos anualmente. Os
temas para esta sessão são definidos pelo Conselho Editorial e estamos
neste principio privilegiando uma discussão em torno do significado do
conceito Estudos Brasileiros. Posteriormente estes temas ampliar-se-ão a
tópicos emergentes no debate acadêmico e social do e sobre o Brasil. As
demais sessões, Geral, Resenhas e “Varia”, têm um fluxo contínuo de
recepção de textos. Na sessão Geral recebemos textos que discutam
academicamente temas relevantes sobre o Brasil nos campos das Ciências
Sociais e Humanas. O espaço é amplo e não excludente, conquanto o texto
reflita sobre e com o Brasil. Resenhas de publicações, exposições,
concertos ou performances recentes sobre o Brasil ou com artistas
brasileiros são sempre bem vindas. A sessão “Varia” é mais livre, traz
entrevistas relevantes que podem provocar outros textos e debates,
reportagens ou ensaios que não passam pelo processo de “peer review”.
Para esta sessão preferimos falar em “aceitamos sugestões” do que
“recebemos artigos”, já que neste caso os Editores têm uma agenda a
seguir.Todo pesquisador que
queira submeter um artigo científico que reflita algum aspecto do
Brasil, nas áreas das ciências sociais e humanas, encontrará Brasiliana
de portas abertas. A revista publica em português, inlgês, espanhol e
dinamarquês.
Café História: Professor,
o senhor pode nos falar um pouco sobre a sua trajetória acadêmica e
objetos de pesquisa? Como começou a sua relação com a Dinamarca?
Prof.Vinicius Mariano: Minha
trajetória acadêmica também é plural, dentro das ciências humanas.
Venho das letras, da filosofia, da literatura, da música, da teologia;
gosto da história, da antropologia, da sociologia, da política, da
geografia, da linguística. Enfim, das humanidades. Passei, tanto como
estudante quanto professor, por universidades no Brasil e na Alemanha
antes de vir para a Dinamarca, onde cheguei quase casualmente em 2008,
no programa de Leitorado do MRE-CAPES, vindo depois a tornar-me
professor de Estudos Brasileiros da própria universidade de Aarhus.
Café História: A
revista é apenas uma de suas ocupações na Universidade de Aarhus. O
senhor também está à frente do Programa de Estudos Brasileiros desta
universidade. Como funciona esse programa? Ele funciona há muito tempo?
Que cursos e que formação oferece atualmente?
Prof.Vinicius Mariano: Sim,
atualmente coordeno os Estudos Brasileiros na Universidade de Aarhus.
Este programa, que já tem quase 20 anos, vem passando por reformulações
com o objetivo de fazê-lo mais dinâmico e capaz de dar respostas à
demandas contemporâneas, bem como formar profissionais que sejam
mediadores entre o Brasil e a Dinamarca. A principio o programa teve um
caráter mais filológico, com muita ênfase no aprendizado da língua
portuguesa na sua variante brasileira, porém, como eu disse, estamos já
há alguns anos promovendo modificações no programa, de modo dar um
conhecimento mais abrangente sobre o Brasil. Temos um programa de
Bacharelado e de Mestrado em Estudos Brasileiros e também temos
estudantes de Doutorado em nosso programa. Aqui o aluno aprende a língua
portuguesa, obviamente, e também literatura, cultura e história do
Brasil, além de ter cursos sobre cultura organizacional, estudos de
problemas brasileiros, etc.Oferecemos
também com frequencia mensal uma série de palestras chamadas “Lectures
on Brazilian Studies”, nas quais buscamos trazer pesquisadores
brasileiros ou de outras partes do mundo para apresentarem suas
pesquisas sobre o Brasil. Uma vez por ano temos um grande evento chamado
“Brazilian Days”, normalmente na última semana de setembro, quando
tratamos de um tema específico da cultura brasileira com palestras,
concertos, exibições de filmes, workshops, etc. Durante o “Brazilian
Days” também realizamos reuniões internas buscando aprimorar as relações
e colaborações com universidades brasileiras. Nossos
alunos, em sua maioria esmagadora, passam um semestre de seus estudos
em alguma de nossa universidades parceiras no Brasil, para que conheçam
mais da realidade brasileira e convivam com estudantes brasileiros.
Realizamos excursões de estudos ao Brasil e buscamos provomer a difusão
da cultura do Brasil dentro da universidade em geral. É bastante
trabalho!
Café História: Que
estudantes procuram este programa de estudos brasileiros? O que motiva
tais alunos a se interessarem pelo Brasil? Que nível de conhecimento do
país eles geralmente possuem ao entrar e, mais tarde, ao sair do curso?
Prof.Vinicius Mariano: Nosso
público é bastante variado no que diz respeito à suas motivações. Tenho
alunos que vieram para o curso porque gostam do futebol do Brasil,
outros por causa da música, outros porque gostariam de saber como
negociar com o Brasil, outros porque são apaixonados por um ou por uma
brasileira! Enfim, as motivações são diversas, o que se torna um grande
desafio para nós. Buscamos satisfazer-lhes em suas aspirações, mas
dar-lhes também uma perspectiva mais abrangente sobre o país e
motivá-los para que busquem, por eles mesmos, maneiras de inserirem-se
na cultura brasileira. Nos últimos 4 anos o crescimento pela procura do
curso foi vertiginoso. Saimos de 9 estudantes para 51 em nível de
bacharelado. Comemorarmos isso, mas também sentimos a responsabilidade
em dar-lhes uma formação apropriada e motivadora.
Café História: Professor,
muito obrigado por esta excelente conversa. Foi um prazer para
administração do Café História abordar um projeto tão estimulante. Fique
à vontade para passar qualquer recado aos quase 50 mil participantes de
nossa rede.
Prof.Vinicius Mariano:
Mais uma vez, eu que agradeço a oportunidade e interesse. Parabenizo a
todos que participam deste web site, promovendo um diálogo necessário e
frutífero e espero que os leitores se sintam motivados a participar da
Brasiliana, seja como autores ou leitores, e nos ajudem a construir
estes estudos brasileiros.
Confira fotos de algumas atividades do programa de estudos brasileiros da Universidade de Aarhus:
http://cafehistoria.ning.com/entrevista/viniciusmariano?xg_source=msg_mes_network
Um breve comentário. Vejam esse trecho:
ResponderExcluir"Prof.Vinicius Mariano: Minha trajetória acadêmica também é plural, dentro das ciências humanas. Venho das letras, da filosofia, da literatura, da música, da teologia; gosto da história, da antropologia, da sociologia, da política, da geografia, da linguística. Enfim, das humanidades."
Aqui no Brasil ele teria problemas com essa formação. Como a CAPES prefere que você mantenha uma sequência, com graduação e pós na mesma área, ele enfrentaria grandes dificuldades em concursos para universidades públicas. É o Brasil.