A CONFISSÃO DE
DILMA
Percival
Puggina, 4/05/2014
Ouvi pelo
rádio o pronunciamento da presidente. Sem dúvida, ela percebe a República como
artigo de consumo e a nação como um bando de tolos. Valendo-se da oportunidade
proporcionada pelo Dia do Trabalho, os marqueteiros que servem à candidata
procuraram afastar as inquietações da sociedade com relação ao futuro próximo e
dissipar, com esquivos circunlóquios, as pesadas acusações que pairam sobre a
patroa e sobre seu governo. O tom do discurso se torna indesculpável porque foi
inteiramente concebido, parágrafo por parágrafo, à luz da queda de prestígio da
candidata do continuísmo. A pesquisa eleitoral divulgada na véspera apontava um
tombo espetacular nos índices da presidente. Reduzira-se em 10 pontos a
distância que a separa do segundo colocado. Subira para 43% seu índice de
rejeição, que é a mais importante informação quando a campanha sequer iniciou,
superando as intenções de voto, que desceram aos 37%. Para quem sonhava com
vitória no primeiro turno, haver mais eleitores dizendo que não votariam nela
em hipótese alguma do que votantes dispostos a fazê-lo cria uma situação
alarmante. É exatamente esse o fundo de cena em que se deve apreciar a
lamentável fala presidencial do dia 30 de abril.
Tomemos,
por exemplo, o caso dos bilionários escândalos envolvendo a Petrobras. Como se
resume o que disse a presidente em relação ao tema? Que tudo será
rigorosamente investigado (embora ela tenha procurado impedir e, depois,
tentado bagunçar a CPI proposta para essa investigação). Afirmou, também, que
não admitia o uso político do assunto para depreciar e prejudicar a empresa.
Pura retórica de militante petista. Quem vem fazendo, há 11 anos, uso político
da Petrobras são os governos petistas, que dela se servem para arregimentar
apoio parlamentar, fatiando-a entre as siglas da base e malbaratando os
incertos recursos do pré-sal como se fossem um ativo político do PT e não uma
futura riqueza do país. Como consequência, derrubaram a Petrobras do 12º lugar
entre as grandes empresas mundiais para a 120ª posição. Prejudicar a empresa é
o que o governo vem fazendo e não quem cumpre o incontornável dever de defendê-la
de maus tratos e malfeitos.
O
discurso presidencial estaria perfeito num comício de campanha. Usou à exaustão
expressões que apontam para um horizonte posterior: "continuar na
luta", "continuar fazendo", "continuar as mudanças",
"seguir adiante", "mudar mais rápido", "recomeçar mais
fortes", "continuar a política de valorização", "meu
governo será sempre", coroando com um happy end: "Quem está do lado do povo pode até perder
algumas batalhas, mas sabe que no final colherá a vitória".
Assistiu-se
a um conjunto de piruetas retóricas, habilmente construídas por marqueteiros.
Houve uso do horário nobre de televisão para falar sem contraditório a 80% dos
brasileiros, posto que as oposições não dispõem de igual recurso. Alguém pode
achar que foi simples deselegância, falta de fair play, ou algo assim. Mas não é. Tem todo o jeito de crime
eleitoral. Alguns partidos, aliás, já anunciaram que vão recorrer à Justiça
denunciando o fato como um formidável abuso de poder contra o princípio de
isonomia que deve reger uma correta disputa política. Age contra a democracia e
contra os mais comezinhos princípios quem se vale do poder em benefício próprio
e usa recursos que são de todos para obter votos para si. A presidente, ao
ensejo do dia 1º de Maio, valendo-se das comemorações do Dia do Trabalho,
promoveu consistente e inequívoca demonstração daquilo que pretendeu negar: os
negligentes padrões morais que caracterizam seu governo e seus associados. Com
a palavra o TSE.
* Percival Puggina (69) é
arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org,
colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+ e membro da Academia
Rio-Grandense de Letras.
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