quarta-feira, 14 de outubro de 2015

A Vida na Sarjeta - Theodore Dalrymple

Tem um lado de George Orwell nos textos do Theodore Dalrymple, não o Orwell dos textos maduros, quando ele já não tinha muitas ilusões sobre o socialismo, mas os primeiros de Eric Blair, quando ele de fato vivia na sarjeta entre Londres e Paris, e era plenamente socialista, mas descrevia perfeitamente bem, realisticamente, a vida na sarjeta de pessoas simples, ainda não socorridas pelo Estado assistencialista, que criou uma outra categoria dos dependentes, os profissionais.
Paulo Roberto de Almeida

A verdadeira miséria
Por João Cesar de Melo
Em 14 de outubro de 2015

Já que a grande mídia e a intelligentsia se esforçam em festejar o assistencialismo a despeito de seus efeitos colaterais, torna-se pertinente recorrermos ao testemunho de um profissional que vive e trabalhou dentro desse ambiente de “fraternidade” estatal.


Theodore Dalrymple é um psiquiatra inglês que trabalhou por muitos anos em presídios e hospitais de bairros pobres da Inglaterra e da África. Em seu livro A Vida na Sarjeta ele relata suas experiências expondo a degradação moral e existencial da maioria dos beneficiados pelas políticas de bem-estar social de seu país, as quais, assim como no Brasil, dividem a sociedade em dois grupos de cidadãos: Um que só tem deveres e outro que só tem direitos.

Dalrymple começa nos lembrando que ao longo do último século o pobre deixou de ser alguém sem as mínimas condições de sobrevivência para se tornar um cidadão que apenas não tem o que os mais ricos têm; “pobres” que, em sua maioria, desfrutam de “comodidades e confortos que dariam inveja a um imperador romano ou a um monarca absolutista”, em suas próprias palavras. Tal percepção faz com que o psiquiatra aponte como a verdadeira pobreza de nosso tempo a total ausência de responsabilidade das pessoas beneficiadas pelos programas de bem-estar social. A luta pela subsistência, que confere orgulho e responsabilidade ao homem, vem sendo substituída pela tutela estatal que oferece tudo a todos que se apresentam como pobres independentemente da conduta de cada indivíduo, criando uma classe de pessoas depressivas, ingratas, arrogantes e sem interesses além dos prazeres das drogas, do sexo e do crime.

No decorrer do livro, o psiquiatra não traz apenas dezenas de casos que representam os dramas cotidianos da população que vive à custa dos programas sociais, mas também os relaciona com as teses socialistas sobre educação, liberdade sexual, juízo de valores e criminalidade.

Na educação, Dalrymple comenta o esforço dos trabalhistas em desvalorizar o conhecimento da língua inglesa como forma de interromper o avanço do “imperialismo cultural burguês” e também a política oficial de que o aluno deve ser preservado de quaisquer constrangimentos, tais como notas baixas ou punições por indisciplina. Ele cita o caso de um colégio onde os professores são proibidos de fazer mais do que cinco correções por prova.

As “boas intenções” socialistas simplesmente tiraram dos professores a função de ensinar qualquer coisa que possa mostrar que alguns alunos são mais inteligentes que outros. O professor foi rebaixo a um mero agente recreativo. O incentivo ao interesse pela matemática e por outras ciências nas escolas dos bairros mais pobres foi substituído por atividades que supervalorizam a cultura desses bairros. O resultado disso são jovens semianalfabetos, que não conseguem sequer preencher formulários e fazer operações matemáticas básicas (continuo falando sobre a Inglaterra), o que desqualifica profissionalmente essa parcela da população enquanto concentra o estudo científico e da alta cultura nas escolas dos bairros mais ricos.

Dalrymple relata também os resultados das políticas de incentivo à liberdade sexual, as quais favoreceram os impulsos masculinos em prejuízo da dignidade das mulheres mais pobres, condenando crianças a vidas preenchidas pelo medo e pela violência.

Quando se une uma educação desleixada à política de que uma pessoa, simplesmente por ser pobre, não precisa ter responsabilidades, automaticamente se inicia um ciclo vicioso que pode ser resumido a mulheres tendo diversos filhos de pais diferentes, cada um deles igualmente irresponsáveis e/ou viciados em drogas, que invariavelmente utilizam-se da violência como forma de estabelecer propriedade sobre as mulheres ou mesmo para dar vazão a seus desvios comportamentais, tudo, por terem a certeza de que tal comportamento lhes garante os benefícios dos programas assistenciais.

Um procedimento padrão dos agressores é tomar uma intencional overdose de drogas ou de pílulas logo depois de cometem suas violências, pois isso os qualifica, perante as leis de bem-estar social, como doentes, não como criminosos; sendo doentes, recebem uma dúzia de benefícios do governo, incluindo a liberdade. Isso explica a absurda reincidência de violência contra as mulheres, resultando também na morte de muitas crianças fruto de relações totalmente desprovidas de valores morais.

Essa realidade está intimamente ligada à política de não manifestação de juízos de valor, tão defendida pela esquerda − não há certo ou errado, há apenas “diferenças”.

Quando as pessoas são qualificadas em grupos, o caráter e a conduta de cada indivíduo perde importância, o que cria as piores injustiças. Enquanto uma parcela dessa população pobre luta por uma vida digna e independente por meio do trabalho, a outra parcela abraçada pela benevolência estatal curte a vida desrespeitando e violentando uns aos outros despudoradamente. Dalrymple cita um pedido padrão de seus pacientes: Que ele faça relatórios apresentando-os como dependentes químicos, com histórico de overdosesou como viciados em jogos; no caso das mulheres, que lhes sejam conferidos laudos de que fizeram diversos abortos, que tiveram namorados violentos, que também são viciadas em drogas e jogos etc. “Em nenhum caso alguém me pediu que escrevesse que é um cidadão decente, trabalhador e honrado”, relata o psiquiatra, comprovando a percepção das pessoas atendidas pelos programas sociais de que os desvios de comportamento lhes conferem muitas vantagens.

No combate ao crime os absurdos não são menores. Os indivíduos mal intencionados e identificados pelo Estado como sendo pobres ou negros ou imigrantes sabem que a lei lhes concede tratamento especial, sabe que a polícia preocupa-se mais com a opinião da intelligentsia do que com a criminalidade, por isso praticam os mais diversos tipos de “pequenos crimes”, tais como depredações, furtos e agressões. A delinquência desses jovens tornou-se cultura, cujas vítimas são seus vizinhos pobres, porém, honestos e trabalhadores. Mais: Overdoses também são recursos utilizados sistematicamente na véspera de audiências em tribunais e na véspera do primeiro dia de trabalho, o que lhes garante a conivência da justiça numa situação e mais alguns meses de seguro desemprego na outra.

Assim como no Brasil, os delinquentes ingleses pegos em flagrante sempre apresentam-se como vítimas do capitalismo, do racismo etc, quando, na verdade, eles optam pela vida que levam, o que é comprovado, segundo o psiquiatra, pelos tantos casos de irmãos que mesmo tendo sido criados sob as mesmas circunstâncias, optam por caminhos diferentes.

A conclusão que chegamos ao ler o livro não se resume à percepção de que a política de bem-estar social cria uma geração de pessoas improdutivas e/ou autodestrutivas, mas também que tal política inviabiliza a caridade privada, cujas ações sempre são muito mais justas e eficientes do que os programas de grande escala realizados pelos governos.

A Vida na Sarjeta, de Theodore Dalrymple, compõe a longa lista dos livros que os socialistas se recusam a ler.

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