Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 27/05/2016
A formação e a
carreira do diplomata:
uma preparação
de longo curso e uma vida nômade
Paulo Roberto de Almeida
(www.pralmeida.org)
A
carreira diplomática tem atraído número crescente de jovens, em decorrência da
maior inserção internacional do Brasil e dos avanços da globalização e da
regionalização. Os candidatos têm em geral procurado os cursos de graduação em
relações internacionais. Cabe indagar se esses cursos fornecem a preparação
adequada para o concurso do Itamaraty e, alternativamente, considerando que apenas
um número restrito será admitido na carreira, se eles fornecem os instrumentos
necessários para lograr uma boa colocação no setor privado, que é ainda o
grande “absorvedor” da oferta universitária.
Não é tampouco
certo que um curso de graduação em relações internacionais seja a melhor via de
acesso à carreira diplomática, uma vez que os requerimentos de entrada são mais
amplos, ou mais específicos, do que a grade curricular desses cursos, ainda
desiguais e com ênfases distintas nos vários estados: alguns são teóricos,
voltados para a pesquisa em política mundial, outros colocam ênfase no comércio
internacional e no chamado global
business (o que pode ser uma orientação correta, se pensarmos que as
relações econômicas internacionais compõem o essencial da agenda
contemporânea). Os cursos tradicionais — direito, economia ou administração,
com um complemento em línguas — podem ser mais útil ao aspirante à carreira, já
que ele poderá se exercer também nas profissões pertinentes. Ele pode, depois,
buscar uma especialização em relações internacionais, familiarizando-se com os
debates teóricos e com a agenda da política mundial.
Em todo caso, o candidato à carreira pode não receber num
curso de graduação, ou num preparatório de seis ou doze meses, o conhecimento
de que necessita para atender aos requisitos do concurso do Instituto Rio
Branco. Ele precisa ter sólida formação, feita geralmente de anos de acumulação
de cultura humanista e de incontáveis leituras. Mais do que qualquer curso ex-catedra, o importante é o esforço
individual do candidato, que será idealmente um auto-didata. Um curso de
preparação à carreira pode ajudar, ao transmitir um “conhecimento mastigado” e
alguma “segurança psicológica”. Mesmo vindo de família modesta e carente de
aperfeiçoamentos no exterior ou em cursos de línguas, o candidato motivado pode
suprir lacunas pessoais ou de ambiente social ao construir o seu próprio curso,
mediante um sério programa de estudos sistemáticos, feito da bibliografia
sugerida pelo IRBr, da leitura diária de um jornal econômico e do acesso
constante à Internet (como The Economist,
Financial Times, Foreign Affairs e outros).
Nos últimos anos, o Instituto Rio Branco tem selecionado
um em cada oitenta ou cem candidatos: a seleção é portanto rigorosa e a grande
maioria deverá buscar uma outra profissão dentro da área, na espera de poder um
dia ingressar na carreira. O mercado é basicamente constituído pelo setor
privado, e cabe ao jovem ter consciência disso desde o início. Algumas faculdades
mantêm cursos com perfil excessivamente acadêmico, feito de matérias teóricas
ou de disciplinas voltadas para os grandes equilíbrios geopolíticos do cenário
internacional, como se todos os seus egressos fossem passar a vida discutindo
as teorias realista ou racionalista de relações internacionais ou resolvendo
algum problema no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Essa não é a
realidade da agenda mundial, que, mesmo em sua vertente negocial, é feita mais
de questões de comércio internacional do que de problemas relativos ao poder
mundial.
Algumas especializações podem responder melhor ao perfil
específico para uma inserção nos mercados regionais de trabalho. Uma cidade
como Brasilia, governamental e diplomática por excelência, chama naturalmente
uma formação centrada nas disciplinas diretamente ligadas à diplomacia
(direito, história, línguas, economia internacional), para um trabalho no
governo, nas organizações internacionais ou no meio acadêmico. Métropoles como
São Paulo e Rio de Janeiro, onde se localizam a maior parte das empresas
internacionais brasileiras e o grosso das multinacionais (em atividades
diversas dos serviços e da indústria), requerem formações voltadas para o
chamado global business, com matérias
de comércio exterior, finanças internacionais etc. No sul do país, mais voltado
para atividades do agribusiness e em
contato direto com os parceiros do Mercosul, as especializações podem estar no
comércio internacional (inclusive normas relativas ao Mercosul), em questões
fitossanitárias e no domínio da língua espanhola.
Alguém dotado de
conhecimento acadêmico, de uma boa disposição para o auto-aprendizado e de
senso prático em algumas das áreas mencionadas tem chances de subir em qualquer
profissão, à medida em que sua experiência de vida o colocar em contato com
pessoas dotadas de densidade nessas áreas. Nunca se deve chegar num primeiro
emprego como se não se necessitasse de treinamento ou de aperfeiçoamento
técnico e profissional. Atitudes do tipo “eu sei fazer”, “eu sei tudo”, “deixa comigo”,
geralmente conduzem a desastres, ou pelo menos a situações de constrangimento
funcional.
A carreira
diplomática é única nos seus requisitos de entrada, não apenas em termos da
bagagem intelectual acumulada ao longo de anos de estudo, mas também no sentido
em que o diplomata deve exibir algumas qualidades de convivência e de interação
social que serão importantes no desempenho ulterior. Por isso os exames de
ingresso na carreira envolvem disciplinas tradicionais, mas também entrevistas
com banca examinadora que julga as aptidões do candidato para aquele tipo de
profissão: a maturidade entra em linha de conta nesse contexto, o comportamento
social, assim como a própria aparência pessoal.
Meu trabalho como servidor público federal, na carreira de diplomata,
teve início em dezembro de 1977, por meio de um concurso direto, o que, aliado
ao fato de já possuir mestrado, dispensou-me de frequentar o curso de
preparação mantido pelo Instituto Rio Branco. Desde essa época (um quarto de
século já), servi no exterior em diversas missões diplomáticas e no Brasil
(Ministério das Relações Exteriores, em Brasília), geralmente na área econômica.
Em postos, estive nas embaixadas em Berna, Belgrado e Paris, ademais das
delegações do Brsil em Genebra e Montevidéu (Aladi). Mais recentemente fui
chefe da Divisão de Política Financeira e de Desenvolvimento do Itamaraty, de
1996 a 1999, e desde outubro daquele ano até outubro de 2003 fui Ministro
Conselheiro na Embaixada em Washington, o mais importante dos postos externos
do Ministério das Relações Exteriores. Paralelamente ao exercício regular das
atividades profissionais, pude manter, ainda que de maneira alternada, minha
carreira acadêmica, o que me habilitou não apenas a ministrar cursos em
universidades do Brasil e do exterior, como também a fazer pesquisas e manter
uma produção de livros e artigos que hoje compõe a bibliografia especializada
no campo das relações internacionais. Uma amostra dessa produção pode ser vista
em minha página pessoal: www.pralmeida.org.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 15 de janeiro de 2004
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