Este texto, uma mensagem enviada desde Washington aos formandos em Relações Internacionais da Tuiuti, no Paraná, provavelmente nunca foi divulgado em qualquer suporte, fora da leitura feita na própria cerimônica de formatura dessa turma.
Descobri-o agora, ao revisar algumas listas antigas de trabalhos inéditos ou sem qualquer link funcional com suportes antigos de divulgação.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 27 de maio de 2016
Mensagem aos formandos
Paulo Roberto de
Almeida
Washington, 4 de julho
de 2003
Desde Washington, onde exerço o cargo de
ministro-conselheiro na Embaixada do Brasil, e ocasionalmente o de Encarregado
de Negócios junto ao governo dos Estados Unidos, tenho o prazer de encaminhar,
por via eletrônica, não podendo participar desta cerimônia de corpo presente,
minha mensagem de saudações e de congratulações pela formatura que ora ocorre
desta turma de 2003 do Curso de Relações Internacionais da Universidade Tuiuti
de Curitiba, no Paraná.
Cerimônias de graduação constituem sempre motivo de
múltiplas satisfações, nas várias vertentes possíveis de uma vida aberta,
doravante, a escolhas ainda mais decisivas:
- em primeiro lugar a satisfação propriamente acadêmica, pois que uma cerimônia como
esta representa o acabamento, talvez parcial, de uma etapa importante na
formação educacional individual, bem como a possível inauguração de outra
etapa, num mundo sempre exigente em termos de especializações e de estudos
continuados;
- em seguida, a quase realização profissional, já que habilitando cada um
de vocês ao desempenho produtivo seja no âmbito empresarial, seja a serviço de
alguma instituição pública ou ainda no seio da própria academia;
- satisfação familiar,
também, uma vez que o objetivo maior de toda família sempre é o de ver seus
filhos dotados dos requisitos específicos e suficientes que os habilitem ao
sucesso na vida futura;
- contentamento, e eu diria mesmo alívio, pessoal, finalmente, na medida em que
cada um dedicou o máximo de esforços, durante todos esses anos, para justamente
obter o certificado que promete abrir novas portas num itinerário de certa
forma ainda incipiente.
Quando digo “promete” é porque tenho consciência de
que o diploma habilita mas não necessariamente assegura um direito, que seria o
do emprego e o da remuneração considerada justa. Ele é provavelmente um
requisito necessário, mas não suficiente para o sucesso profissional num mundo
cada vez mais entregue à concorrência dos sistemas abertos, como aliás
corresponde a uma realidade mais e mais globalizada, na qual se insere também o
Brasil.
Ninguém deve ter a ilusão de que a posse de um
certificado de estudos basta, por si só, para garantir o sucesso profissional e
pessoal a que todos aspiram legitimamente. Muitos de vocês já estão
trabalhando, em empregos nem sempre relacionados com os estudos recém
concluídos; outros podem já ter tido a sorte de se ver oferecer uma ocupação
que aproveitará parte ou a quase totalidade das habilidades adquiridas no
curso; vários, enfim, ainda precisarão disputar no mercado de trabalho alguma
atividade que os coloque mais perto da independência financeira e da satisfação
profissional.
Em qualquer hipótese, porém, tenham consciência de
algumas verdades que precisam ser refletidas desde já: nem vocês dominam as
múltiplas facetas da profissão de “internacionalista” – usemos este termo à
falta de outro melhor – nem a universidade que acaba de formá-los forneceu-lhes
todos os requisitos de que necessitam para algum trabalho especializado na
instituição que vier a acollhê-los.
Explico-me. Todos sabem que as escolas pouco educam,
no sentido mais profundo deste verbo: elas no máximo ensinam algumas técnicas
que habilitam cada um de nós a passar para as etapas seguintes do nosso
aprendizado formal. Quem educa, em primeiro lugar, é normalmente a família, que
deve fornecer as condições intrínsecas e extrínsecas para o sucesso de qualquer
pessoa no itinerário escolar e depois na vida profissional.
A educação é um processo complexo que depende,
basicamente, do entorno familiar, da disposição própria de cada um em querer
aprender – e eu sou um grande crente no autodidatismo – e só depois, bem
depois, vem o papel das estruturais formais de aprendizado, no sistema público
ou privado.
Um personagem célebre da cultura popular americana,
já falecido, Will Rogers, costumava dizer, em seu estilo cowboy, que tudo o que ele tinha aprendido na vida se devia aos
livros e a pessoas mais espertas do que ele. E é verdade: tudo o que aprendemos
de realmente importante na vida se deve ao esforço dos pais, à companhia dos
grandes livros e a certas pessoas que marcaram nossas vidas, o que pode
incluir, também, a já distante professora primária e um não tão distante
professor universitário.
Aprendemos aquilo que somos motivados a gostar,
desde muito cedo, e foi essa empatia com certas coisas, e não com outras, que
levou muito de vocês a buscar um curso de relações internacionais, e não um de
direito, de economia, de história, de sociologia ou de administração. Se alguém
fez relações internacionais porque o curso estava na moda – ultimamente
distinguido pelas vogas da globalização e da regionalização –, esse alguém vai
ter agora de aprender a conhecer melhor as realidades do mundo, que por vezes
incluem uma dura adaptação às condições concretas de trabalho no mundo
profissional, nem todas elas descritas nos manuais universitários. Uma empresa,
por exemplo, é mais suscetível de se interessar pelos acordos internacionais em
matéria fitossanitária ou de telecomunicações do que pela teoria neorealista
das relações internacionais aplicada ao Conselho de Segurança das Nações
Unidas. Um ponto para os que aprenderam isso.
Por isso mesmo, eu recomendaria que vocês não
acumulem, depois de iniciada a próxima etapa da vida pessoal e profissional,
recriminações indevidas contra os seus professores, que provavelmente fizeram o
melhor possível para transmitir a vocês o saber codificado nos livros adotados
e nas leituras recomendadas pelo curso. Seria impossível, a eles, como a
qualquer outro mortal, fornecer-lhes tudo de que venham eventualmente a
necessitar para um desempenho bem sucedido em alguma profissão específica. A
função deles não era essa, como a da escola não era o de provê-los de todos os
conhecimentos e habilidades necessárias para o exercício profissional. Escolas
e professores transmitem, antes de mais nada, técnicas ou métodos de ensino e
até mesmo alguns conhecimentos, mas estes são infinitos e incomensuráveis em
sua dimensão própria.
Quem está acostumado a fazer pesquisa na Internet,
via instrumentos de busca, sabe do que estou falando, e tenho certeza de que
são muitos aqui aqueles que, ao longo do curso, utilizaram-se do recurso, hoje
fácil, a sistemas de pesquisa online
para atender alguns (ou a todos os) trabalhos escolares. Basta colocar um ou
dois conceitos e os resultados, em menos de dois segundos, se cifram às
centenas, quando não aos milhares de documentos e outros sites de referência ou
de conteúdo substantivo. O “copiar e colar” tornou-se a praga do século, ou
pelo menos o concorrente do livro e do professor.
Seria impossível a qualquer professor, de fato a
qualquer curso, e mesmo a uma faculdade inteira, concorrer com esse instrumento
fabuloso que constitui a Internet, e sabemos que ela contém apenas uma parcela
das informações livremente disponiveis e do conhecimento necessário a um bom
desempenho em qualquer profissão moderna digna desse nome. Professores normais
não ganham da Internet, mas eles podem e devem, sim, fornecer as regras e métodos
pelos quais vocês podem aproveitar o estoque acumulado de conhecimento útil
para a finalização de um trabalho e para o cumprimento de encargos
profissionais, inclusive e principalmente as normas da boa citação e da devida
referência bibliográfica. Mais um ponto para o referenciador honesto.
Das considerações acima, eu tiraria duas conclusões,
que também podem servir como duas lições de vida que eu gostaria de transmitir
a vocês neste momento festivo.
Sejam, em primeiro lugar, os seus próprios
professores e instrutores permanentes, e nunca esperem, passivamente, que
alguém venha a fornecer, a cada um de vocês, meios ou recursos para triunfar na
vida. Antes de mais nada, aprendam a aprender, aperfeiçoem a capacidade de
serem autodidatas, constantes, incansáveis e insaciáveis e, para o essencial e
o supérfluo, sejam mestres na arte da auto-educação contínua. Apenas aqueles
que estão em processo de aprendizado permanente conseguem vencer os múltiplos
desafios da carreira e lograr assim um bom desempenho profissional pela vida
afora.
Tenham consciência, repito, de que o ensino dos
professores, ao longo do estudo universitário “normal”, é apenas o começo de um
longo processo de aperfeiçoamento que deve literalmente obrigá-los a se fazerem
por si mesmos no desempenho ulterior, seja nos estudos de pós-graduação, seja
na carreira profissional, seja até na vida pessoal e familiar. Quando eu disse,
seguindo o conselho de um “caipira” americano, que uma boa receita é a de
aprender com os livros e com pessoas mais espertas do que nós mesmos, não
estava recomendando que vocês esperassem que os livros lhes caissem às mãos, ou
dizendo que essas outras pessoas mais espertas se encontravam à disposição de
vocês para transmitir-lhes a verdade revelada e o jeito certo de vencer na
vida.
Como diz o velho ditado, retrabalhado pelo magnífico
poeta popular que é Chico Buarque de Holanda, quem espera nunca, ou raramente,
alcança o que pretende da vida. Apenas aqueles que saem ativamente à cata dos
grandes livros e de pessoas mais espertas conseguem realizar seus objetivos de
vida. Com isso não quero dizer que apenas pessoas ou livros dão a receita do
sucesso; hoje em dia a Internet pode substituir uns e outros, mas é certo
também que nem sempre com o mesmo prazer do contato físico com as lombadas e
páginas dos livros ou a palavra amiga de quem sabe mais e tem o que transmitir.
Trata-se apenas de uma filosofia de vida, mas que
convém levar em conta na organização pessoal do itinerário futuro de cada um.
Bons livros e pessoas inteligentes nunca fizeram mal a ninguém, muito pelo
contrário.
A segunda recomendação que eu faria a vocês seria
simples, expressando apenas e tão somente o meu próprio modo de ver o trabalho
profissional e o desempenho pessoal (no meu caso voluntário) nas lides acadêmicas.
Ela é representada por dois conceitos, que considero absolutamente
indispensáveis na vida: honestidade intelectual, acima de tudo.
A honestidade intelectual deve revelar-se em
primeiro lugar no próprio “copiar e colar”, que parece constituir hoje um comportamento
padrão nos universitários. As boas normas de citação dos manuais especializados
incluem hoje em dia as regras para uma correta referência do material pescado
na Internet e caberia começar por aí. Não pretendo aqui vir em defesa dos professores,
sempre agoniados em saber se aquele trabalho genial tem copyright próprio ou emprestado. Quero chamar a atenção, mais uma
vez, para uma filosofia de vida, uma postura ética que deve prevalecer nas
relações de vocês com os colegas, os professores, os superiores no trabalho,
para consigo mesmos, enfim.
Apenas aqueles que mantêm uma relação honesta e
objetiva com as fontes, com os familiares, com os colegas e os superiores, no
trabalho e na escola, com suas próprias limitações e insuficiências, apenas esses
têm, afinal de contas, condições e possibilidades de continuar progredindo no
caminho do saber e do desempenho profissional.
A vida nunca foi fácil para ninguém, mesmo para
aqueles que nasceram em “berço de ouro” e que não precisam se preocupar com a
subsistência elementar, digamos assim. Todo sucesso depende de um investimento
inicial, mesmo em condições ótimas de recursos e de meios. E todos aqueles que
dependem basicamente de si mesmos para seu sucesso na profissão e na vida sabem
que duas das condições essenciais para tal são o auto-conhecimento e a
honestidade para com os outros e consigo mesmo.
Por isso, minhas duas únicas recomendações seriam
estas: continuem aprendendo a aprender e, sobretudo, sejam éticos pela vida
afora. Seus amigos e familiares, seus colegas de trabalho, a própria sociedade
em muitos casos, os recompensarão pelo esforço demonstrado. Boas leituras, boas
companhias e muito boa sorte a todos vocês !
Paulo Roberto de
Almeida,
aprendiz de sociólogo e
diplomata de carreira.
Washington, 4 de julho
de 2003.
Texto de saudações elaborado a pedido da Comissão de
formatura do Curso de Relações internacionais, 2003, da Universidade Tuiuti do
Paraná.
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