Paulo Roberto de Almeida
Recife, 13 de dezembro de 2017
(59 anos do AI-5, em 1968)
Entrevista sobre Oliveira Lima: livro publicado pela
CEPE
Paulo Roberto de Almeida
Questões:
1)
Como surgiu a ideia de escrever o livro?
PRA: Há muito tempo que eu e meu colega de
carreira André Heráclio do Rêgo, legítimo pernambucano, lemos e admiramos
Oliveira Lima, em sua qualidade de maior historiador diplomático brasileiro, e
um dos poucos, senão o último, a conhecer também (e profundamente) a história
de Portugal, o que poucos brasileiros, mesmo acadêmicos, conhecem depois da
conquista da independência. Essa característica, obviamente, ocorreu por
circunstâncias fortuitas, devido ao fato de sua família, de origem portuguesa,
ter retornado a Portugal em sua infância, o que resultou em sua educação
basicamente portuguesa, ainda que bastante ligada ao Brasil. Tanto André quanto
eu lemos muito Oliveira Lima e aprendemos a admirar seu estilo historiográfico,
aliás revolucionário em sua época, pois que combinando os métodos próprios da
história com uma análise sociológica do contexto econômico e social dos
processos focados por ele (ligados muito à história diplomática, mas também o
desenvolvimento social dos povos americanos), e com uma interpretação de cunho
psicológico, como revelado em vários trabalhos, como em D. João VI no Brasil,
por exemplo, mas em diversos outros textos também, até em artigos de jornal.
O livro surgiu de repente, ao aproximar-se a
data dos 150 anos do nascimento de Oliveira Lima, mas não foi escrito
rapidamente. Ele resultou de vários trabalhos preliminares que André Heráclio e
eu vínhamos fazendo em torno das obras e do pensamento de Oliveira Lima ao
longo dos anos. Ambos já tínhamos escrito trabalhos sobre diversas obras dele e
para este livro, dedicado ao “historiador das Américas”, selecionamos trabalhos
nossos que se ativessem a essa dimensão: André analisou as famosas conferências
que Oliveira Lima, pouco antes de se afastar definitivamente do serviço
diplomático, fez em visitas e conferências às universidades americanas,
comparando o desenvolvimento da parte anglo-saxã do hemisfério com sua parte
ibérica, ou hispano-americana, incluindo a brasileira. De minha parte focalizei
a carreira do diplomata-historiador em paralelo com a do Barão do Rio Branco,
destacando, em outro trabalho, suas crônicas sobre os Estados Unidos do final
do século XIX, quando serviu em Washington nas presidências de McKinley. Um
trabalho final fixou-se numa conferência feita nos EUA pelo primeiro embaixador
brasileiro, Joaquim Nabuco, com quem Oliveira Lima tinha diferenças
substanciais no modo de julgar o papel da grande nação no hemisfério e no
mundo.
2)
Por que o Barão de Rio Branco é um caso único na história da diplomacia?
PRA: Rio Branco, ou Paranhos Júnior, tornou-se
uma figura maior da diplomacia brasileira por ter sido o diplomata que, dadas
suas virtudes de grande historiador do passado, seu estudo de velhos mapas e
manuscritos, soube, como poucos, negociar todas as fronteiras pendentes do
Brasil, ao final do século XIX, tanto pela via das arbitragens acordadas bilateralmente,
quanto por meio de negociações diretas. Mas essas foram circunstâncias
excepcionais, ao ter a diplomacia brasileira o homem certo no momento certo,
quando todos os países fronteiriços, na região platina ou nas profundezas da
Amazônia, buscavam delimitar os seus limites ainda incertos. Antes, talvez
tivesse sido prematuro, depois provavelmente esses casos pendentes teriam sido
conduzidos pela via arbitral, com resultados incertos a cada vez, como por
acaso ocorreu no caso da Guiana inglesa, quando o rei italiano concedeu à
Grã-Bretanha mais território a que ela teria direito pelos documentos que o
próprio Rio Branco preparou e repassou a Joaquim Nabuco, que era o defensor do
Brasil neste caso arbitral.
Mas o pai do Barão, o Visconde do Rio Branco,
foi um diplomata excepcional, talvez até mais bem preparado do que o filho, mas
teve de ocupar-se dos conflitos nos quais o Brasil esteve envolvido na região
do Prata, no Uruguai, contra Rosas, o ditador argentino, e depois a guerra do
Paraguai, deslanchada pelo ditador paraguaio, Solano Lopez. Ademais de grande
jornalistas – autor das Cartas do Amigo Ausente –, ele também foi um exímio
parlamentar, retratado em crônica clássica de Machado de Assis.
O Barão, portanto, não é um caso único, mas
ocorreu com ele essa coincidência extraordinária de ser o mais preparado dos
homens – independentemente de ser apenas um cônsul, o que ele era até o caso de
Palmas, ou das Missões, com a Argentina – para resolver difíceis pendências de
fronteiras, que requeriam não só habilidade negociadoras mas também um
conhecimento profundo da história e da cartografia coloniais.
3)
Foi no discurso na Academia Pernambucana de Letras que Oliveira Lima recebeu o
apelido de Dom Quixote Gordo?
PRA: Não creio, pois Gilberto Freyre chamou-o
por esse carinhoso apelido em circunstâncias posteriores ao conhecimento
travado reciprocamente por ambos, em Washington, nos anos 1920, uma vez que o
livro do sociólogo da lusotropicologia foi elaborado muitos anos depois da
morte de Oliveira Lima. Não conheço o discurso do historiador ao tomar posse na
cadeira cujo patrono é o General Abreu e Lima, e o site da Academia
Pernambucana de Letras não traz essa informação.
4)
O Barão de Rio Branco era mais versado no trato diplomático do que Oliveira Lima?
PRA: Seus estilos eram bem diferentes, inclusive
por formação familiar. Paranhos Júnior acompanhou o pai em missões no Prata
desde muito jovem, quando Oliveira Lima estava ainda estudando em Lisboa, dada
a diferença de mais de vinte anos entre ambos. Quando o pernambucano ingressa
na carreira diplomática, no início da República, o cônsul Paranhos Jr. já
servia desde longos anos no Consulado em Liverpool, e tinha uma convivência
estreita com a nobreza do regime imperial, o que provavelmente explica seu
maior tato diplomático do que Oliveira Lima, mais voltado para os trabalhos de
pesquisa e escrita de seus brilhantes livros de história, desde o inicial sobre
o desenvolvimento social de Pernambuco, o que lhe abriu, antes de Rio Branco,
as portas da Academia Brasileira de Letras. Oliveira Lima se chocou com o
próprio Rio Branco, com Joaquim Nabuco em diversas ocasiões, por motivos que
não tinham exatamente a ver com a carreira diplomática, e provavelmente mais
com ciúmes intelectuais e disputas políticas no âmbito da “república das
letras”, mas também por diferenças de opinião quanto à política externa que
melhor conviria ao Brasil.
5)
Qual a grande importância de Oliveira Lima como historiador em relação ao Brasil?
PRA: À diferença de Varnhagen, que é considerado
o patrono da historiografia brasileira, Oliveira Lima ultrapassou a simples
pesquisa em arquivos, superou o mero recurso aos documentos, para fazer aquilo
que no século XX ficou conhecido como história social total, tal como praticado
pela Escola francesa dos Annales. Ele
pode, aliás, ser considerado um precursor dessa análise abrangente, combinando
fontes primárias, visão sociológica, percepções antropológicas e finas análises
psicológicas. Suas obras históricas constituem, verdadeiramente, uma síntese abrangente
dos processos históricos, não apenas pela sua formação na pesquisa histórica,
mas também pelo exercício constante do jornalismo o que torna o seu estilo de
escrita muito mais fascinante do que o vocabulário pouco atraente de Varnhagen.
Em história do Brasil, ele foi o único a ter uma percepção mais ampla do mundo
português, que marcou o Brasil durante boa parte do século XIX, até
praticamente o início do século XX. De resto, ele foi o verdadeiro iniciador da
história diplomática brasileira, mesmo se os predecessores também trataram
dessa vertente, mas sem a sua visão global e metodologicamente diversificada.
6)
Quais são as obras mais importantes de Oliveira Lima?
PRA: Depois de uma história de Pernambuco
(1895), a coletânea de crônicas sobre os Estados Unidos (1899) impressiona pela
visão de futuro da grande potência ainda nascente; ele também foi o primeiro a
visualizar a ascensão do Japão a potência emergente (1903), mas no intervalo
compôs o seu primeiro livro de história diplomática (O Reconhecimento do Império, 1901). Ele fez vários livros, muitos
artigos, dezenas, senão centenas de textos para jornais e conferências, antes
de consolidar sua fama como o maior historiador brasileiro da transição para a
independência com Dom João VI no Brasil
(1908). Seguiram suas palestras na Sorbonne, publicadas em francês sob o título
de Formation Historique de la Nationalité
Brésilienne (1911), obra verdadeiramente magnífica, ao lado das outras
conferências pronunciadas nos Estados Unidos e que são igualmente clássicas,
pelo comparatismo de grande densidade histórica: The evolution of Brazil compared with that of Spanish and Anglo-Saxon
America (1912), publicadas dois anos depois no Rio de Janeiro: América Latina e América Inglesa: a evolução
brasileira comparada com a Hispano-Americana e a Anglo-Americana. Sua
história diplomática do Brasil se completa com O Movimento da Independência, 1821-1822 (1922), mas entre essas
obras, e depois, existe uma pletora de trabalhos de grande valor histórico,
sociológico ou jornalístico.
7)
Como foi escrever a quatro mãos?
PRA: O livro não resultou de uma colaboração a
dois, mas sim de uma assemblagem de escritos independentes, que por acaso
combinavam pela metodologia adotada e por enfoques relativamente similares: ou
seja, a obra sociológica de Oliveira Lima sobre temas americanos, ou
hemisféricos. São três textos meus, e um de André Heráclio, que trata do
conjunto de sua obra, mas basicamente de um de seus melhores livros, o que
comparou a evolução respectiva das três grandes civilizações americanas.
8)
Qual a história mais intrigante que você conta sobre a personalidade de Oliveira
Lima?
PRA: Sobre seus entreveros com o Barão do Rio
Branco, justamente, quando este já era ministro e pretendeu designá-lo para a
legação em Lima, quando o Barão tinha de resolver o delicado problema do Acre,
ao lado das pretensões do Peru de reivindicar boa parte da Amazônia boliviana e
brasileira, mas Oliveira Lima resiste a ir para Lima, mesmo já designado
oficialmente. Ao ficar sem posto no Rio de Janeiro, o historiador pernambucano
começa a escrever artigos de jornal expressando sua opinião provocadora sobre a
melhor maneira de orientar a política externa brasileira. Esse tipo de atitude
desafiadora de Oliveira Lima degradou as relações entre ambos, ao que se
agregou, logo adiante, desacordos ainda mais sérios com Joaquim Nabuco, a quem
Lima criticava por sua postura muito simpática aos Estados Unidos, quando ele
próprio já temia a atitude arrogante da potência imperial em formação. Em tudo
isso, sobressai-se também a personalidade difícil de Dona Flora, que achava que
seu marido é quem merecia ser designado chanceler de um dos muitos presidentes
a quem Rio Branco serviu como ministro das Relações Exteriores.
9)
Qual a principal divergência entre Rio Branco e Oliveira Lima?
PRA: Oliveira Lima se julgava merecedor de um
bom posto na Europa, depois de ter servido no longínquo Japão, pois pretendia
continuar suas pesquisas históricas nos arquivos das principais potências
europeias. Rio Branco o queria na América do Sul, num momento extremamente
importante para as negociações de fronteiras com os vizinhos. Como castigo,
pelo fato de o historiador não ter aceito ir para Lima, Rio Branco ainda o
designou para o México (tampouco aceito) e depois para Caracas, o que deve ter
sido considerado uma punição para quem se julgava merecedor de coisas melhores.
10)
Há um trecho em que vocês falam das frases ferinas, ironias e críticas
indiretas ao ministro. Pode citar algo?
PRA: Quando designado para o Peru, Oliveira Lima
teria repetido uma frase atribuída ao longevo secretário-geral do Itamaraty, o
Visconde de Cabo Frio: “Peru, só na mesa, e para quem gosta”, e ele
acrescentou: “E eu não gosto.” Outras frases ferinas foram pronunciadas no
discurso de posse de Oliveira Lima na Academia Brasileira de Letras, em 1903,
quando ele tinha sido escolhido na primeira turma, em 1896, à frente de Rio
Branco, que teve de esperar a morte de um antecessor; frases ao estilo de saber
“fazer história” e outras do mesmo tipo.
11)
Em que pontos Oliveira Lima divergiu dos EUA a favor do Brasil?
PRA: Ao ter vivido em Washington na segunda
metade da última década do século XIX, no momento da guerra hispano-americana e
da projeção dos EUA sobre territórios no Caribe e no Pacífico (Cuba, Haiti,
Porto Rico, Filipinas), Oliveira Lima viu de perto o poder imperial na sua fase
do “grande porrete” em construção, o que seria consagrado no início do século
XX, por Theodore Roosevelt. Assim, quando da reunião pan-americana no Rio de Janeiro,
em 1906, ele assume uma postura muito crítica dos EUA, contra a atitude
simpática, até benevolente de Joaquim Nabuco. Mas, realista, ele reconhecia no
tremendo progresso econômico americano um exemplo a ser seguido pelo Brasil,
mesmo criticando a terrível segregação racial ali praticada. Ou seja, ele
pretendia o desenvolvimento material americano combinado à suposta integração
racial no Brasil. Ele também soube reconhecer os progressos feitos pela
Argentina, e deixou um livro inteiro sobre o país vizinho (1919). Nos anos
1920, ele desejava construir um tipo de pan-americanismo inteiramente
respeitador das soberanias latino-americanas, numa fase em que os EUA ainda não
tinha renunciado à sua política de intervenções.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 12 de dezembro de 2017
Livro: Oliveira Lima: um historiador das Américas,
Paulo Roberto de Almeida, André Heráclio do Rêgo (Recife: CEPE, 2017, 175 p.;
ISBN: 978-85-7858-561-7). Anunciado no Diplomatizzando
(link: https://diplomatizzando.blogspot.com.br/2017/12/oliveira-lima-um-historiador-das.html).
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