3249. “Um alerta sobre uma delicada questão diplomática: o caso de Israel”, Brasília, 23 fevereiro 2018, 3 p. Chamando a atenção para o apoio político dado por setores religiosos a Israel, como suscetíveis de influenciar a postura diplomática brasileira.
Como o assunto voltou à pauta, permito-me transcrever novamente o que escrevi em fevereiro, sem sequer reler, para não ficar tentado a mudar alguma coisa...
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 6 de novembro de 2018
Um alerta sobre uma delicada questão diplomática: o caso de Israel
Introdução
Recentemente, um órgão da imprensa brasileira (Revista Piauí, 19/02/2018), trouxe uma matéria sobre o crescente apoio político ao pré-candidato Jair Bolsonaro, vindo de meios simpáticos à causa de Israel entre círculos de empresários judeus de São Paulo: “Empresários paulistas contam porque apoiam Bolsonaro” (disponível neste link: http://piaui.folha.uol.com.br/empresarios-paulistas-contam-por-que-estimulam-bolsonaro/). A alegação para o apoio era a de que o candidato seria o único, dentre os já declarados, a ser “favorável a Israel”. A justificativa foi explícita: “É pessoalmente comprometido com o Estado de Israel”. Supõe-se que a mesma justificativa para o apoio a esse candidato possa vir, oportunamente,da já respeitável bancada evangélica no Congresso brasileiro, apoiadora incondicional de Israel, e que representa uma fração não desprezível, talvez até mais de 30%, do eleitorado brasileiro.
É importante chamar a atenção, e fazer um alerta preventivo, quanto ao caráter indesejável de se introduzir essa questão no debate político-eleitoral, por uma tripla preocupação a partir de minha posição como diplomata, mas também como eleitor, ou simples cidadão brasileiro: a inadequação de se introduzir um tema religioso no debate político; sua problemática dimensão diplomática, tendo em vista a posição tradicional do Brasil no tocante a Israel e à questão do status de Jerusalém; os possíveis efeitos desastrosos, no plano comercial-econômico, de uma tomada de posição deste candidato, ou de quaisquer outros, quanto a uma possível mudança de postura diplomática do Brasil, no seguimento da decisão da administração Trump de efetuar o deslocamento da embaixada dos EUA em Israel de Tel Aviv a Jerusalém.
A dimensão religiosa
A Constituição brasileira reconhece a validade, a legitimidade e a liberdade de todas as expressões religiosas no seio da sociedade, sem qualquer tipo de preferência ou discriminação. O Estado, porém, é laico, e não poderia deixar suas politicas públicas, mormente suas posturas diplomáticas, serem influenciadas por demandas específicas de um credo religioso qualquer, sob risco de ser acusado de introduzir a temática religiosa na esfera das grandes definições estatais, especialmente diplomáticas, que devem ficar necessariamente autônomas e independentes de preferências expressas no âmbito de um grupo religioso determinado, por mais influente ou majoritário que este possa ser. O antigo país católico romano que é o Brasil já traz uma crescente diversidade religiosa, e um crescimento visível das afiliações evangélicas, com poder suficiente para influenciar tomadas de decisão políticas na esfera do parlamento, sob a justificativa de que podem expressar correntes relevantes da opinião pública.
Esse parece ser o caso da bancada evangélica, comprometida com uma série de objetivos nos planos ético ou moral – casos do aborto, das opções de gênero, do chamado “casamento homossexual”, etc. –, no plano médico-científico – experimentos com células-tronco, por exemplo –, na esfera educacional – ensino de criacionismo ao lado da teoria da seleção natural – ou ainda, e mais importante para este argumento, a questão de Israel, não como Estado soberano, como qualquer outro, na comunidade internacional, mas como o representante legítimo da “palavra de Deus” na Terra.
Seria conveniente que tal preferência religiosa não se traduzisse em qualquer pressão sobre o Estado brasileiro, especificamente sobre sua política externa, no caso concreto do reconhecimento de Jerusalém como “capital verdadeira” do Estado de Israel e na eventual transferência da embaixada do Brasil a essa cidade, considerada como “internacional” por ampla maioria dos países membros da ONU, e assim tem sido historicamente. O Brasil tem orgulho de ter sido um dos patrocinadores da criação do Estado de Israel, na famosa partilha da ONU de 1947, prevendo a criação de um estado palestino e a “neutralização” de Jerusalém como cidade comum a diversos credos. Uma interferência desse tipo sobre uma política pública seria, no limite, inconstitucional e extremamente controversa no plano diplomático, como agora argumentado.
A dimensão diplomática
Durante toda a história recente do Oriente Médio, e no acompanhamento dos dramáticos conflitos que ocorrem na região, a postura dos diferentes governos do Brasil desde o nascimento do Estado de Israel, tem sido a de apoio político e diplomático à sua existência, reconhecendo porém a necessidade de cumprimento escrupuloso de decisões da Organização das Nações Unidas, e de seu órgão de segurança, quanto ao equilíbrio necessário para se reconhecer os direitos do povo palestino a um Estado soberano, legalmente constituído. Jerusalém dispõe de um status especial, não sendo reconhecida como capital de Israel, a despeito de tentativas de parte do espectro político israelense e de grupos de apoio na esfera religiosa ao redor do mundo. Essa questão foi novamente trazida a exame pela comunidade internacional em face da decisão do presidente Trump de instalar sua embaixada naquela cidade, como “capital de Israel”, no que pode ser eventualmente seguido por iniciativas similares de um punhado de países.
Não convém ao Brasil, país de tradicional acolhimento de imigrantes de todos os credos e origens raciais, e diplomaticamente um seguidor estrito do direito internacional em todas as vertentes de sua política externa, “importar” uma controvérsia de duvidosa legitimidade política ou diplomática, que não contribuiria em nada para consolidar o seu capital de parceiro imparcial de todos os atores e protagonistas dos dramas do Oriente Médio, quando sua postura tradicional tem sido, justamente, a de “exportar” apelos ao diálogo e à solução pacífica das controvérsias políticas e diplomáticas.
Qualquer pronunciamento de um dos candidatos à presidência do Brasil nessa questão teria o efeito de suscitar controvérsias internas e de colocar um problema no plano diplomático que atualmente inexiste, e deveria permanecer dessa forma. Não convém ao Brasil criar pontos de atrito ou fricções diplomáticas com Estados da região que possuem significativo contingente de expatriados, atualmente naturalizados e totalmente integrados à comunidade nacional, quando seu maior capital diplomático nos problemas do Oriente Médio é justamente a equidistância entre as partes em conflito.
A dimensão econômico-comercial
O Brasil é hoje um dos maiores fornecedores de grãos e carnes, dada a pujança de seu agronegócio, para diferentes mercados do mundo, destacando-se especialmente como um grande exportador de cortes avícolas no sistema “halal” para mercados árabes e muçulmanos em geral. Essa atividade representa bilhões de dólares em exportações, milhares de empregos no Brasil e um dos mais significativos nichos de competitividade nacional nos mercados externos, com perspectivas futuras ainda mais promissoras no comércio internacional do país. Disso deriva que qualquer tomada de posição do Brasil na questão de Jerusalém, ou mesmo de inflexão diplomática de sua postura equilibrada no sentido de maior apoio a Israel, poderia precipitar consequências políticas de grande impacto econômico e social nas regiões exportadoras de cortes especiais para mercados do Oriente Médio ou do mundo muçulmano.
Cabe, assim, alertar preventivamente quanto à dimensão do problema em causa.
23 de fevereiro de 2018
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