Paulo Roberto de Almeida
Esquecido, Humboldt inspirou cientistas e inventou a ecologia
Nascimento do explorador que foi referência de Darwin completa 250 anos
(São Carlos) – Ele foi “o maior e mais formidável de todos os homens desde o Dilúvio”, declarou o rei da Prússia, Frederico Guilherme 4º, a quem serviu durante décadas. Quando as notícias de sua morte cruzaram o Atlântico e chegaram aos EUA, jornais do país declararam que o século 19 tinha sido “a era de Humboldt”. Por que diabos, então, quase ninguém mais recorda a carreira extraordinária do naturalista Alexander von Humboldt (1769-1859)?
Talvez porque, 250 anos após o nascimento do pesquisador, a maneira peculiar que Humboldt tinha de imaginar o mundo natural tenha se tornado uma espécie de senso comum científico, difundindo-se por muitas disciplinas.
Se muita gente hoje enxerga instintivamente a Terra como um sistema dinâmicode conexões entre atmosfera, águas, rochas e biodiversidade, isso se deve, em larga medida, ao incansável viajante nascido nas vizinhanças de Berlim.
Por outro lado, os “filhos” intelectuais de Humboldt absorveram e ampliaram de tal modo o legado de seu “pai” científico que acabaram por eclipsá-lo. O exemplo mais famoso dessa vasta descendência de naturalistas é Charles Darwin (1809-1882) —até seu estilo de escrita foi inspirado no do alemão.
Apesar de ter sido aclamado pelo público ainda na juventude, Humboldt precisou bancar o rebelde —e dependeu também de uma mistura de tragédias familiares e sorte— para iniciar sua carreira de explorador global. Membro da nobreza prussiana, ele estava destinado a uma carreira no serviço público do reino, então o Estado dominante entre as diferentes nações de língua alemã da Europa.
Quem o empurrava para essa vida de burocrata era principalmente sua mãe, Maria Elisabeth, uma figura fria e distante que se encarregara da educação dos filhos após a morte do marido, Alexander Georg.
Ele estava tentando saciar sua paixão precoce pela geologia trabalhando como inspetor de mineração quando, em 1796, Maria Elisabeth morreu, deixando para Alexander e para seu único irmão, Wilhelm, uma herança considerável. Enquanto Wilhelm seguiu a carreira de diplomata, Alexander se pôs a gastar o patrimônio da família com planos grandiosos de uma expedição aos trópicos.
Encontrar o destino certo deu algum trabalho —era o momento das Guerras Napoleônicas, um dos primeiros conflitos globais da história—, mas Humboldt enfim conseguiu permissão do governo espanhol para visitar suas colônias sul-americanas, desembarcando na Venezuela em julho de 1799.
Era o começo de jornadas que o transformariam no primeiro explorador-celebridade da Amazônia (infelizmente, sem chegar ao que acabaria sendo o lado brasileiro da floresta) e dos Andes, e que o conduziriam ainda a todas as demais regiões das Américas e até à Sibéria ao longo das décadas.
Infatigáveis, Humboldt e seu colaborador francês Aimé Bonpland coletavam espécimes da flora e da fauna, conversavam com colonos e indígenas, mediam obsessivamente a pressão atmosférica e outros parâmetros ambientais, analisavam rochas e o solo, coletavam manuscritos pré-colombianos. Numa época em que as fronteiras entre as diferentes disciplinas científicas estavam começando a se solidificar, o aventureiro prussiano desejava produzir uma síntese de todos os conhecimentos humanos sobre a Terra e o Universo.
Foi dessa ambição que surgiu o conceito de “Naturgemälde” (algo como “pintura da natureza”), retratado pela primeira vez num dos desenhos do vulcão Chimborazo, no atual Equador, que Humboldt chegou perto de escalar até o topo.
Pela primeira vez alguém mostrava com clareza como cada faixa de altitude em regiões montanhosas é um microcosmo de climas e biodiversidade, que pode ir da floresta equatorial ao polar em poucos milhares de metros de subida.
Do microscomo da “Naturgemälde”, Humboldt acabou partindo para o Cosmos como um todo —aliás, “Kosmos”, título dado à sua obra magna, publicada nos seus anos de velhice em quatro volumes (mais um quinto póstumo). O subtítulo diz tudo: “Um rascunho de uma descrição física do Universo”.
Não é por acaso que o maior divulgador científico do século 20, o astrônomo americano Carl Sagan (1934-1996), tenha tomado de empréstimo o título “Cosmos” para sua série de TV. Na obra original e em suas outras publicações, Humboldt tinha o cuidado de adotar uma linguagem viva, evocativa e poética, que conquistou admiradores como Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832), o maior nome da literatura alemã da época, e virou best-seller entre o público em geral.
Darwin chegou a ser ridicularizado pela irmã por adotar as “descrições floreadas e afrancesadas de Humboldt” nos relatos sobre sua viagem científica pelo mundo a bordo do navio Beagle, nos anos 1830. A narrativa da viagem de Darwin, aliás, chegou às mãos do sábio alemão, que a comentou ponto por ponto numa carta elogiosa ao então jovem britânico.
As origens aristocráticas, ademais, não impediram o naturalista de se tornar um defensor ferrenho dos ideais da Revolução Francesa. Suas longas conversas com Simón Bolívar inflamaram ainda mais o desejo que o sul-americano tinha de buscar a independência da Coroa espanhola.
Entusiasta da nascente experiência democrática dos EUA, Humboldt não se furtava a criticar o sistema escravista e a perseguição aos indígenas em solo americano. Para ele, a harmonia da “Naturgemälde” também tinha uma dimensão política.
Da Amazônia a Napoleão, as aventuras de Humboldt
Explorador incansável, alemão virou ídolo de outros cientistas
As Descobertas
Humboldt pode ser considerado o criador da ciência da ecologia antes mesmo que o termo fosse cunhado, desvendando as interações entre o meio físico e os seres vivos, como a que existe entre o clima e a biodiversidade
Humboldt pode ser considerado o criador da ciência da ecologia antes mesmo que o termo fosse cunhado, desvendando as interações entre o meio físico e os seres vivos, como a que existe entre o clima e a biodiversidade
Conceito das zonas climáticas e de vegetação na Terra, cunhado por ele:
Relação entre zonas de vegetação e altitude no vulcão Chimborazo, nos Andes:
(Quase) Todo Mundo Ama o Alex
Naturalista inspirou maiores pesquisadores e políticos do século 19
Naturalista inspirou maiores pesquisadores e políticos do século 19
Thomas Jefferson (1743-1826)
Além de ajudar a fundar os EUA e se tornar presidente do jovem país, Jefferson tinha interesse insaciável por todas as ciências e passou semanas discutindo o tema com Humboldt em Washington
Além de ajudar a fundar os EUA e se tornar presidente do jovem país, Jefferson tinha interesse insaciável por todas as ciências e passou semanas discutindo o tema com Humboldt em Washington
Simón Bolívar (1783-1830)
Ainda um jovem galanteador nascido nas colônias espanholas da América do Sul, ele conheceu Humboldt em Paris e debateu com ele os ideais de liberdade da Revolução Francesa antes de se tornar revolucionário
Ainda um jovem galanteador nascido nas colônias espanholas da América do Sul, ele conheceu Humboldt em Paris e debateu com ele os ideais de liberdade da Revolução Francesa antes de se tornar revolucionário
Napoleão Bonaparte (1769-1821)
O imperador da França teve um ataque de ciumeira diante da atenção que Humboldt recebia do público parisiense —em parte porque os livros do prussiano competiam com a obra que ele escrevera sobre sua invasão do Egito
O imperador da França teve um ataque de ciumeira diante da atenção que Humboldt recebia do público parisiense —em parte porque os livros do prussiano competiam com a obra que ele escrevera sobre sua invasão do Egito
Charles Darwin (1809-1882)
O pai da teoria da evolução resolveu se tornar naturalista, em grande parte, por causa da admiração que tinha por Humboldt. Ficou decepcionado porque o alemão falava demais e ele não conseguiu conversar direito com ele quando se encontraram em Londres
O pai da teoria da evolução resolveu se tornar naturalista, em grande parte, por causa da admiração que tinha por Humboldt. Ficou decepcionado porque o alemão falava demais e ele não conseguiu conversar direito com ele quando se encontraram em Londres
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comentários são sempre bem-vindos, desde que se refiram ao objeto mesmo da postagem, de preferência identificados. Propagandas ou mensagens agressivas serão sumariamente eliminadas. Outras questões podem ser encaminhadas através de meu site (www.pralmeida.org). Formule seus comentários em linguagem concisa, objetiva, em um Português aceitável para os padrões da língua coloquial.
A confirmação manual dos comentários é necessária, tendo em vista o grande número de junks e spams recebidos.