XARAB, MOGAR, QUATRO 3: OS LIVROS DE FICÇÃO DE ERNESTO ARAÚJO
"Desafio à realidade", "geografia imaginária", "história paralela", "país fictício", "situações irreais", "sistema anárquico de textos", "campo de confronto com a realidade objetiva": os apostos poderiam descrever a produção ensaística de Ernesto Araújo no blog Metapolítica 17 ou ainda no discurso de posse, aquele dos queixumes sobre a CNN e da ave-maria em tupi. Mas são termos usados nas apresentações de A porta de Mogar (1998), Xarab fica (1999) e Quatro 3 (2001), os três romances que o então jovem diplomata lançou pela pequena editora Alfa Ômega, de São Paulo. Embora curtos, os livros são exigentes, tamanha a dificuldade de entender os enredos.
A porta de Mogar, o primeiro, foi escrito quando Ernesto estava na Missão do Brasil junto às Comunidades Europeias, em Bruxelas. Com jogos de pensamento e divagações, é cheio de situações filosóficas vividas pelos personagens Keniv e Mogar, num país fictício. Na epígrafe, uma frase do pré-socrático Heráclito [no livro, grafado Herakleitos, em grego], é sincera ao anunciar as elucubrações que vêm nas páginas seguintes: "Quem não espera o inesperado, não o encontrará".
A apresentação compara o estilo de Ernesto com o do alemão Herman Hesse, embora não tenha nada a ver, até pela dificuldade de compreensão. Alguns trechos, entretanto, podem ser interpretados como indicações do que seria o Ernesto chanceler de 2019, a exemplo de um diálogo de Keniv e outra personagem, chamada Tsanash:
"— Keniv, estou cansado dessa guerra de mentira, precisando de uma guerra de verdade. Ajude-me a inventar uma guerra. Contra o que podemos lutar?
— Deixe-me ver. Contra o sistema.
— Que sistema?
— Nenhum sistema em especial. Contra o sistema em si mesmo."
O segundo romance, Xarab fica, aprofunda a fantasia, e a própria Alfa Omega admite, na apresentação: "Mais uma vez, Ernesto Araújo surpreende". Cria novamente uma terra fictícia, Xarab, cidade marítima com um passado de guerras e que, embora tenha chegado à paz, "permanece inquieta, insatisfeita, sentindo que lhe cabe a missão de preservar algum tipo de segredo ou de virtude que o resto do mundo ignora".
Ainda em Bruxelas na época, o então terceiro-secretário, primeiro degrau na carreira diplomática, tem em Xarab seu mais longo e difícil livro, em que Auápnei, Glaraps, Ahalac e outros nomes impronunciáveis travam longos diálogos, mas desta vez com menos divagações filosóficas.
Em Quatro 3, lançado quando Ernesto servia na embaixada em Berlim, as reflexões são retomadas, novamente acenando aqui e ali ao chanceler que ele seria 18 anos depois.
Alguns trechos caberiam em suas postagens no Twitter:
"O Estado entorpece o homem. [...] O Estado é uma parede de concreto que nos esconde a verdadeira realidade e o abismo do mundo. [...] O Estado deveria existir para buscar tesouros, e não para organizar a coleta de lixo."
Ou ainda:
"Só entendo o Estado e o admito como instrumento da pátria. Pode haver pátria sem Estado, mas ultimamente inventaram esse monstro que é o Estado sem pátria. O Estado inibidor de pujanças, o Estado inibidor de pátrias. O próximo passo, repulsivo e podre, é o Estado mundial. Os Estados, em vez de lutarem uns contra os outros, vão se unir contra a humanidade."
Quatro 3 se apresenta como uma experiência literária, que "desafia a realidade e as convenções", "em que a humanidade parece cansada de sua aventura milenar e anseia pela paz perpétua do não-ser". "A cada página, [percebe-se] o esforço de defender o indivíduo contra a sociedade e abrir espaço para a transcendência."
Mas os romances não foram as primeiras incursões de Ernesto na literatura.
Em 1985, quando ainda cursava Letras na UnB, lançou, pela editora Roswitha Kempf, o livro de poemas Ocidente (1985), escrito durante o ensino médio. Com uma apresentação de Carlos Nejar, traz 51 textos, assumidamente "devaneios".
Diz a orelha do livro: " [...] ouvimos as primeiras impressões, sentimos os devaneios pelos quais o poeta Ernesto Araújo se lançou e se lança, navegando solitário e solidário pelo Ocidente, sua primeira viagem como eterno marinheiro".
O mar e as naus são os temas predominantes, e, apesar do título, não há nada no livro que sugira a cruzada que ele, ministro, empreenderia contra o "globalismo", acreditando estar salvando o que para ele é a cultura ocidental.
Os livros de Ernesto ainda podem ser encontrados no site da Alfa Ômega e em sebos, com preços que não passam de R$ 25 por exemplar. Preço bem menor do que outras obras que a editora lançou anos atrás no Brasil e que a notabilizaram: os textos clássicos do marxismo.
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