terça-feira, 23 de novembro de 2021

A geopolítica para a energia renovável - Rubens Barbosa (OESP)

A GEOPOLÍTICA PARA A ENERGIA RENOVÁVEL

 

Rubens Barbosa

O Estado de S. Paulo, 23/11/2021

A Declaração de Glasgow sobre o uso da terra e das florestas, firmada por 105 países, inclusive o Brasil, enfatizou a interdependência de todos os tipos de florestas, biodiversidade e uso sustentável da terra para permitir que o mundo consiga atingir os objetivos de desenvolvimento e mudança de clima. Os países reafirmaram o compromisso do uso sustentável da terra e da conservação, proteção, manejo das florestas e reflorestamento. Para tanto, todos reconheceram que será necessária uma ação mais vigorosa entre as áreas interconectadas de produção sustentável e consumo; infraestrutura; desenvolvimento; comércio; finanças e investimento, além de apoio aos pequenos produtores, povos indígenas e as comunidades locais, que dependem da floresta para seu sustento e a tem um papel chave na sua preservação. Os países assumiram um firme compromisso de trabalhar coletivamente para alterar e reverter a destruição das florestas e a degradação da terra até 2030.

A declaração de Glasgow, combinada com a dos líderes do G-20, e com os resultados da COP26, apesar de abaixo do esperado, trará implicações geopolíticas na transição para a contenção do aquecimento global. A transição climática vai gerar mudanças globais significativas que deverão conformar uma nova estrutura de poder internacional e de governança global nas próximas décadas.

Vale ressaltar dois aspectos dessa geopolítica: a corrida em busca de fontes renováveis, que, nessa nova fase, vai consolidar os novos países hegemônicos e a cooperação internacional entre as nações.

A corrida dos países para tornar-se uma superpotência renovável trará como consequência o surgimento de vencedores e perdedores. A mudança para as energias renováveis deverá democratizar os sistemas energéticos, mas também vai colocar um encargo adicional nas nações em desenvolvimento mais pobres que dependem de exportações tradicionais e/ou não tem recursos para investir na transição climática. Por outro lado, as nações mais ricas, exportadoras de petróleo e que possuem capacidade de liderar a transformação climática com tecnologia verde, poderão mais facilmente se beneficiar financeiramente e superar os custos sociais decorrentes da mudança. A China, que controla grande parte da tecnologia e das matérias primas necessárias para a produção de energia renovável, terá vantagens econômicas e geopolíticas na mudança para as fontes de energia renovável, o que deverá acelerar sua consolidação como uma superpotência global. Os desafios que poderão surgir pelos desníveis da produção energética ficaram evidentes na recente crise do gás e o carvão, demonstrando que os países devem invistir mais nas suas próprias capacidades de energia renovável a fim de proteger-se e aumentar sua própria resiliência. Os desafios imediatos que a crise apresenta podem adiar os avanços já conseguidos nas ações climáticas, como se viu na impossibilidade de compromisso para eliminar o consumo de carvão pela Índia e China.

A natureza global das questões de mudança de clima demanda ampla cooperação dos EUA, Europa, Rússia e China, além dos demais países desenvolvidos e em desenvolvimento em torno desta agenda. Será um desafio para o multilateralismo porque requererá a priorização de ações coletivas sobre necessidades domésticas imediatas e uma dinâmica geopolítica mais ampla para produzir soluções conjuntas em vista de desafios comuns. O futuro da cooperação internacional tem de ver com as possibilidades dessa cooperação na transição climática e na perspectiva de resultados concretos. Apesar dos compromissos assumidos pelos EUA e pela China em comunicado ao final do encontro de Glasgow para cooperação nas ações de mudança do clima, a ausência do presidente chinês Xi Jinping da COP26 sugere a existência de limitações significativas para as oportunidades de cooperação dos países ocidentais com a China na mudança de clima. Mesmo quando a China se prepara para assumir um papel de relevo na mudança de clima e quer ser vista como um país líder nessas questões, ela continua cautelosa, evitando engajar-se em compromissos proativos com os EUA e a Europa, especialmente quando isso pode ser visto como uma concessão ao que considera como objetivos centrais ocidentais. A dificuldade de cooperação deriva, entre outros fatores, da crescente tensão entre países desenvolvidos e em desenvolvimento no tocante ao financiamento necessário para apoiar as economias mais frágeis para adotar políticas mais radicais. O G-20 reafirmou o compromisso de recursos muito inferiores aos US$100 bilhões prometidos em 2015.

No contexto geopolítico, o Brasil poderia e deve ter um lugar de realce, recuperando sua credibilidade e se afirmando como uma superpotência renovável. A matriz energética é limpa e as emissões de CO2 e de metano derivam basicamente dos ilícitos na Amazônia e do setor pecuário. O mercado de carbono poderá trazer grandes recursos ao Brasil. A meta de 2030 de redução do desmatamento poderá ser alcançada com a mudança da política ambiental e com a repressão e a fiscalização dos ilícitos na Amazônia. Os compromissos assumidos na COP26 pelo governo brasileiro devem ser cumpridos, com a apresentação de resultados concretos.

Rubens Barbosa, presidente do IRICE e membro da Academia Paulista de Letras.


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