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quarta-feira, 16 de agosto de 2023

Saraiva Guerreiro foi um grande diplomata e um chanceler equilibrado: muito diferente de outros que estavam antes ou vieram depois - Elio Gaspari

O efeito Milei e o Itamaraty

Elio Gaspari

Folha de S. Paulo, 15.ago.2023 às 23h15 

 

A encrenca argentina é séria, mas não é inédita. Lá, o general Jorge Rafael Videla, ditador deposto em 1981, morreu num banheiro da cadeia em 2013. Em 2001, o presidente civil Fernando de la Rúa fugiu da Casa Rosada e em duas semanas o país teve três presidentes.

O governo do presidente Alberto Fernández está bichado. Cumpriu-se parcialmente uma profecia de Jair Bolsonaro, impropriamente enunciada durante a campanha eleitoral de los hermanos. Fernández e Lula aproximaram-se. Javier Milei, por sua vez, aproximou-se de Bolsonaro.

Com as cartas que estão na mesa, é forte o efeito gravitacional que levaria o Brasil a se meter na encrenca argentina. Se Bolsonaro não deveria ter se metido na campanha de 2019, o governo de Lula não deve se meter na disputa de 2023. À primeira vista isso parece impossível, até injusto. Seria como tirar o sapato sem tirar a meia.

Para diplomatas competentes, não só isso é possível, como em circunstâncias piores, o Itamaraty já fez a mágica.

Em 1982, os presidentes Leopoldo Galtieri e João Baptista Figueiredo eram bons amigos. Militares brasileiros sequestravam exilados argentinos no Brasil e militares argentinos sequestravam brasileiros em Buenos Aires. O general Galtieri (um bebum) teve sua ideia: invadir as ilhas Falklands, terras perdidas no meio do oceano, governadas pelos ingleses.

A primeira parte foi fácil e ele tomou as Malvinas. Restava a segunda: o que faria a Inglaterra, governada pela primeira-ministra Margaret Thatcher? No dia 23 de abril de 1982, o embaixador do Brasil em Londres, Roberto Campos, informava: "Especula-se que as propostas britânicas estariam divididas em três fases: retirada argentina, período de transição, onde o Reino Unido faria algumas concessões no sentido de uma administração partilhada, e de uma negociação da situação final das ilhas, inclusive da questão da soberania".

No dia seguinte, foi além: "Vários observadores vêm insistindo em que seria muito pouco provável que o Reino Unido inicie operações militares contra a Argentina enquanto estão em curso negociações".

Ilusão do doutor. Thatcher desceu a frota, retomou as ilhas e Galtieri, humilhado, foi mandado para casa. No Itamaraty, estava o chanceler Ramiro Guerreiro, de sapatos e meias. Ele sabia que a aventura militar acabaria em desastre. Tratava-se de dissociar-se da maluquice, sem colocar o Brasil na condição de aliado dos ingleses numa questão sensível para todos os argentinos.

Guerreiro conteve os ímpetos de Figueiredo e dos militares brasileiros aliados da ditadura argentina, com suas dezenas de milhares de mortos. O chanceler Guerreiro era um diplomata discreto. Seu colega Araújo Castro dizia que ele era a única pessoa capaz de dormir durante o próprio discurso.

Por calado, Guerreiro não deixou registro público da sua mágica. Seus detalhes estão nos arquivos do Itamaraty. Passados 41 anos, eles estão disponíveis para quem sente o impulso de se meter na encrenca argentina e na alma aventureira de Javier Milei.


segunda-feira, 14 de agosto de 2023

A Rússia a caminho de virar uma Argentina? Ainda não, mas perto - Foreign Policy

 Currency Crisis

Foreign Policy, August 14, 2023

A woman walks past a currency exchange office in Moscow.

A woman walks past a currency exchange office in Moscow on Aug. 14.Yuri Kadobnov/AFP via Getty Images

Russia’s Central Bank announced on Monday that it will convene an emergency meeting on Tuesday after the ruble fell to a 16-month low against the U.S. dollar—indicating that Western sanctions and international isolation over Russia’s war in Ukraine are taking a bite out of the country’s economy. According to new central bank data, the ruble is trading at a rate just above 101 to the U.S. dollar—a value loss of around 30 percent since the year began.

This marks the Kremlin’s weakest currency level since Russia invaded Ukraine more than 18 months ago. Now, only a handful of fiscally stricken nations—such as Turkey, Nigeria, and Argentina—are having a worse monetary year. “The whole world is laughing at us now,” said Vladimir Solovyov, a Russian TV presenter considered Moscow’s top media propagandist.

Russian President Vladimir Putin’s economic advisor, Maxim Oreshkin, wrote a column for a state media outlet blaming “loose monetary policy” for the weak currency and worsening inflation. The nation’s central bank furthered his argument, citing Russia’s shrinking trade balance; the country’s account surplus fell 85 percent year on year in the last seven months, shrinking to just $25.2 billion.

Much of that is due to Western sanctions, which have restricted trade revenue, increased costs of imports, and made migrant labor less attractive in Russia during a time when Moscow is battling its worst labor shortage in decades. Still, Russia’s GDP exceeded expectations by growing 4.9 percent in its second quarter, mostly due to consistent oil revenue deals and intense government spending on war production efforts.

To stop inflation from rising further, Russia’s Central Bank raisedinterest rates last month. And on Thursday, it halted foreign-currency purchases for the rest of the year. But economists maintain that inflation will reach as high as 6.5 percent by the end of 2023.

If the Kremlin does not shore up its currency soon and decrease inflation fears, the nation’s economic crisis could spill into the streets. “It is important for the Central Bank of Russia to understand that until now, unfortunately, the dollar exchange rate is not only an economic indicator, the exchange rate has a significant impact on the social rights of our citizens,” wrote Russian Sen. Andrey Klishas on Telegram.


quarta-feira, 24 de maio de 2023

A Argentina precisa desesperadamente do apoio do Brasil: entrevista com o embaixador Daniel Scioli (Valor)

 ‘Argentina pode superar a crise com ajuda do Brasil’, diz pré-candidato à presidência

Embaixador argentino em Brasília, peronista Daniel Scioli fala de voto, inflação e cooperação
Por Marcos de Moura Souza, Valor — São Paulo
23/05/2023 20h57 

O embaixador da Argentina no Brasil, Daniel Scioli, está em campanha para tentar emplacar seu nome como candidato governista nas eleições presidenciais de outubro. As primárias — etapa na qual os eleitores votam nos nomes que efetivamente disputarão a eleição — se realizarão em 13 de agosto.

No bloco governista, a Frente de Todos, foi o primeiro a se colocar como pré-candidato. Outros se movem, de forma mais aberta ou cautelosa, para tentar a vaga. Entre eles, o ministro do Interior, Eduardo de Pedro e o chefe de Gabinete do atual governo, Agustín Rossi. O ministro da Economia, Sergio Massa, não se lançou, mas é visto também como presidenciável. Scioli é um veterano da política e o nome, entre os quatro, que os eleitores conhecem há mais tempo.

Em entrevista ao Valor, ele descarta reformas estruturais ou corte de gastos, como defendem muitos economistas, para estabilizar a economia de seu país, que sofre com uma inflação de mais de 100%. Aposta em um cenário otimista de supersafra em 2024, com a expectativa de fim da prolongada seca, e no início das operações de um novo gasoduto, que, numa primeira fase, atenderá à demanda interna do país e, numa segunda fase, permitirá exportações para o Chile e para o Brasil.

Scioli vê nesses dois elementos o início de uma virada de página na atual crise argentina. Mas até que isso ocorra, diz ele, seu país precisa da ajuda do Brasil.

Scioli foi vice-presidente da Argentina no governo Néstor Kirchner (2003-2007), governador da Província de Buenos Aires (2007-2015) e candidato a presidente derrotado por estreita margem de votos e 2015. Desde 2019 é embaixador no Brasil.

Como pré-candidato governista, sua tarefa não é fácil dada a baixíssima popularidade do governo de Alberto Fernández.

Aos 66 anos, Scioli se apresenta como uma voz sensata e moderada para enfrentar os candidatos da oposição. Um deles, o economista e deputado Javier Milei, que faz sucesso entre uma faixa de eleitores pregando, entre outras ideias, o fim do peso e a adoção do dólar como moeda nacional. A seguir os principais trechos da entrevista:

Valor: A Argentina vive um momento de rápida deterioração das expectativas em relação a inflação e câmbio, além de as reservas estarem dilapidadas. O que é possível fazer para estabilizar a economia neste momento?
Daniel Scioli: Desenvolvê-la, colocar todo o esforço no desenvolvimento produtivo, impulsionar setores estratégicos, como energia, mineração, a economia do conhecimento, do turismo, que ajudam a fortalecer nossas reservas. E há a perspectiva de que em 2024 teremos uma safra recorde. O agronegócio, setor tão importante para a economia argentina, foi afetado por uma seca histórica que reduziu em US$ 20 bilhões o que a Argentina tinha previsto para este ano. E isso afetou muito fortemente as reservas. Trouxe consequências para o conjunto da economia. Por isso com nossa aliança estratégica com o Brasil estamos trabalhando em um marco de cooperação e de complementação para passarmos esse momento.

Valor: Que medidas o Brasil poderia adotar para ajudar a Argentina a administrar esse quadro?
Scioli: Há uma demanda de empresários brasileiros que exportam para a Argentina para que o Brasil possa encontrar mecanismos para aumentar o comércio bilateral. A Argentina não veio aqui [no último encontro entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e Fernández em maio, em Brasília] pedir dinheiro. Veio apresentar uma situação relacionada à seca, somada aos impactos da guerra no aumento dos preços da energia. E para atravessar este momento seria muito importante que o Brasil, através de todas essas reuniões periódicas entre as autoridades, com o ministro Haddad, com vice-presidente Alckmin, com BNDES, com a própria Dilma Rousseff, conseguisse algumas garantias para ajudar a indústria brasileira que abastece a indústria argentina de insumos, matéria-prima e auto-peças.

Valor: Esse, na sua visão, é um dos pontos centrais? Mais disponibilidade de financiamento?
Scioli: Sim, para que o problema conjuntural com a seca na Argentina, que não tem dólares de forma imediata para importar, possa, através de financiamento de entidades brasileiras a suas empresas, conseguir que o comércio bilateral não seja interrompido. E isso por alguns meses e nada mais. Porque a Argentina tem projetada uma safra recorde, um superávit energético quando o gasoduto for concluído; um superávit muito importante relacionado às exportações de minerais estratégicos, como o lítio e o cobre; uma entrada de dólares também muito importante na economia do conhecimento.

Valor: As conversas com o Brasil estão avançando?
Scioli: Acredito que estamos muito próximos. Porque no acordo que foi firmado em janeiro, que é um plano de governo binacional, com interesses mútuos, houve avanço em todos os objetivos.

Valor: Financiar empresas que exportam para a Argentina enfrenta críticas no Brasil. Teme-se que as empresas brasileiras não recebam na Argentina e, consequentemente, não teriam como saldar o financiamento concedido a elas pelo Brasil. Há razão para esse temor?
Scioli: Não há nenhum risco. A Argentina tem uma situação conjuntural por esse fenômeno da seca. Mas todos os especialistas confirmam que no ano que vem teremos uma safra recorde. E a situação que tivemos neste ano e no ano passado, de ter de importar gás, será revertida e vamos passar a exportar. E apesar de tudo o que houve, estamos aumentando o comércio bilateral em mais de 25% em relação ao ano passado — a Argentina importando do Brasil— em um setor estratégico que é o automobilístico. Portanto, não há absolutamente nenhum risco porque a Argentina é um país que tem toda a condição para poder superar essa situação conjuntural. Veja o que está acontecendo no comércio bilateral com a China. China facilitou para que se possa pagar com yuan as importações da Argentina de empresas chinesas. Como defendo a integração, o nosso comércio bilateral, nossa aliança estratégica, estamos buscando mecanismos para que o Brasil não perca o mercado argentino para a China. Porque como as exportações vêm com financiamento da China, isso dá a ela uma vantagem. Vemos como muito mais natural [o comércio com o Brasil], estratégico, porque o Brasil é nosso principal sócio comercial e mais de 50% das exportações são de origem industrial. Então que se encontre uma fórmula, e será encontrada não tenho nenhuma dúvida.

Valor: Em quais setores empresas chinesas estão ampliando sua presença na Argentina, deslocando as empresas brasileiras?
Scioli: Podem ser calçados, têxteis. Também setores de autopeças, de pneus, químicos, insumos petroquímicos. Até no gasoduto. Porque há a possibilidade de a China fornecer os tubos com financiamento. A primeira etapa do gasoduto fizemos com tubos fabricados no Brasil. E se o grande beneficiário, quando a segunda etapa do gasoduto for concretizada daqui a um ano, vai ser o Brasil [fará sentido] que os tubos [desta segunda etapa] sejam fabricados no Brasil.

Valor: Voltando à crise da economia. Para além desse cenário otimista que o senhor apresenta pós-seca, com o novo gasoduto, o que o futuro governo precisará fazer para baixar a inflação?
Scioli: Vamos falar um pouco do cenário político argentino. Aqui há três caminhos. Os que propõem a dolarização; os que dizem que vão fazer o mesmo, só que mais rápido, que são aqueles que fizeram a Argentina voltar ao FMI com um hiperendividamento em dólares; e os que [como nós] estão convencidos que com desenvolvimento, crescimento, equilíbrio fiscal — não por meio de mais ajustes e mais sofrimento, mas, sim, por meio da expansão produtiva — serão geradas as condições para reverter essa situação. [...] O grande desafio é baixar a inflação e aumentar os salários porque a inflação afeta os salários. Não solucionaremos isso dolarizando a economia ou eliminando o BC, como defendem alguns, ou taxando a educação, a saúde ou tirando direitos dos trabalhadores.

Existem múltiplas causas para a inflação, não é só seca. Há também o impacto da guerra, que gerou aumento no preço da energia e a Argentina teve que importar gás. Houve também uma ajuda por parte do governo durante a pandemia que mudou o planejamento fiscal. Durante a pandemia a Argentina adotou medidas ativas para que nenhuma empresa fechasse suas portas. Então, com respeito ao futuro, a Argentina tem como encarar os seus desafios por isso estou convencido de que a alternativa segura será eleita de uma forma soberana — um nacionalismo moderno, de integração inteligente com o mundo, de industrializar e gerar valor com a economia do conhecimento, com a nossa matéria-prima. [A saída] não é a dolarização, nem mais ajuste que a sociedade não suporta nem mais endividamento. Não temos que pedir nem um dólar mais ao FMI. Temos que planejar e encarar o futuro expandindo nossos recursos aumentando as exportações.

Valor: O ministro Sérgio Massa tem feito gestões para adiantar os desembolsos do FMI. O senhor defende essa demanda e por que o Fundo aceitaria isso?
Scioli: Porque no acordo que foi firmado, o artigo 11 diz que qualquer acontecimento extraordinário seria possível rever metas e outros aspectos. E o que o ministro Massa está pedindo é que se considere essa nova situação.

Valor: Governo e oposição ainda não definiram seus candidatos. Enquanto isso, o candidato Javier Milei avança numa fatia importante do eleitorado? A indefinição dos concorrentes ajuda Milei?
Scioli: Na Argentina existe uma lei que são as primárias que eu defendo e decidi participar delas para que democraticamente a sociedade argentina escolha os melhores candidatos. No caso dessa força política que se chama Libertad Avanza, tem um só candidato que é Milei, com suas ideias e seu programa de governo. E as pessoas, como estão com raiva, encontraram nele um candidato para expressar essa inconformidade com a política. Mas eu espero que as pessoas votem com esperança em um país melhor e não com raiva, que é razoável que as pessoas tenham. Existe uma alternativa que é muito mais razoável e sensata de progresso, de desenvolvimento do país, de soberania, que tem a ver com essas ideias que eu fiz referência. O caminho não é dolarizar a economia e perder a nossa soberania enquanto política monetária expansiva de crédito, de fortalecimento da moeda que nos permite enfrentar esses desafios que temos.

Valor: Como o senhor espera que as pessoas votem com esperança em um candidato de um governo impopular que deixa uma inflação de mais de 100%?
Scioli: Porque as pessoas sabem escolher uma pessoa com mais experiência. Fui governador, vice-presidente, ministro, secretário de Turismo e de Esportes e comandei esse trabalho de reconstrução na relação com o Brasil, que começou no ano passado e tem produzido um grande impacto. Um trabalho que começou no ano passado com o governo com uma diferença ideológica e política notável e que agora está avançando na concretização de uma aliança e um acordo de integração profundos. [...] Agora, começou uma etapa de reindustrialização da Argentina, a finalização da obra binacional mais importante da história que é o gasoduto, o marco para investimentos na área de mineração, obras de infraestrutura. Então, sobre isso o desafio é construir um país melhor e atacar de forma urgente a maior preocupação que a sociedade argentina tem que é a inflação e a recuperação dos salários.

Valor: Em um dos vídeos nas suas redes sociais, o senhor destaca que a experiência como embaixador no Brasil lhe deu ideias renovadas. Efetivamente, de que maneira a experiência em Brasília lhe ajuda em uma possível candidatura à presidência e em um possível governo?Scioli: Eu insisto na globalização da região e para encarar mais rápido a recuperação [é preciso] integração com Brasil, que seja benéfica para os dois países. Vamos poder expandir o crescimento, que é de onde vem a solução de fundo de um país. Todos os programas sociais, de emergência tem que envolver o trabalho e isso se consegue de mãos dadas com educação. O Brasil me deu e me dá a experiência a importância da Integração energética, da infraestrutura, de energias alternativas, no foco no agronegócio, no compromisso que existe nesse programa de neoindustrialização buscando em todos os setores produtivos uma melhora na competitividade na produtividade, o que está se fazendo aqui em matéria de simplificação e redução de imposto para melhorar a competitividade melhor crescimento estes pontos entre outros.

Valor: Em janeiro o presidente Lula e presidente Alberto Fernández falaram sobre o interesse em discutir uma moeda comum não necessariamente para substituir o peso e o Real mas para que fosse usada nas transações comerciais o senhor se manifestou positivamente sobre essas ideias de que maneira na sua avaliação isso poderia ajudar a Argentina?
Scioli: Esse é um objetivo de longo prazos que não depende apenas da vontade apenas de Brasil e da Argentina (...) Isso depende de articulação e acordos entre os nossos países. Hoje existem caminhos imediatos intermediários, por exemplo potencializar o pagamento com moedas locais, no caso real ou peso argentino. Ou como no caso da China o caso dos yuan e isso vai no caminho do que dizia antes: é preciso repensar essa transformação geopolítica com maior autonomia e auto-abastecimento entre os nossos países. Por exemplo, no caso dos fertilizantes ou no caso do semicondutores com o objetivo de reativar um projeto binacional que temos. Argentina tem a maior bacia de potássio do mundo que é fundamental para desenvolver fertilizantes.

Valor: Por fim, para dar um impulso a sua pré-candidatura seria necessário um gesto, uma posição do presidente da vice-presidente e o senhor espera isso?
Scioli: Não,não. Eu confio no povo argentino e o povo argentino confia em mim. Me conhecem há 25 anos na minha carreira política e em outras atividades no mundo desportivo, por exemplo. O presidente está [trabalhando para] resolver os problemas da Argentina e a vice-presidente tem o seu papel instituciona. Eu tomei uma decisão [de me pré-candidatar] convencido que é preciso dar ao nosso país essa alternativa que é a que eu represento frente ao que os outros grupos políticos tem proposto. Estou seguro que vai ganhar o previsível, o confiável, a sensatez, a moderação que possa harmonizar melhores acordos dentro da Argentina e com o mundo como eu demonstrei aqui no Brasil.
 

quarta-feira, 26 de abril de 2023

Os motivos para a brutal declaração de Lula sobre a guerra na Ucrânia - Clarín Online - Argentina

Os motivos para a brutal declaração de Lula sobre a guerra na Ucrânia
Clarín Online - Argentina | BR
25 de abril de 2023
Os motivos para a brutal declaração de Lula sobre a guerra na Ucrânia Após seus primeiros cem dias de governo, a guerra na Ucrânia se tornou uma das construções identitárias centrais de Lula.

Para muitos analistas, não fica claro se essa decisão foi resultado de uma extraordinária imperícia diplomática ou produto de uma ingenuidade. Ou ambos.

É o que sugere The Economist para tentar explicar por que o recém-começado terceiro governo do líder do PT embarcou nesse conflito, pendendo para a narrativa da Rússia.

A ambição de Lula é devolver o Brasil ao lugar que ocupava na agenda internacional há 20 anos, na época de seus dois primeiros mandatos. Era um mundo diferente, e o brilho saudosista talvez o impeça de detectar os caminhos escabrosos deste presente.

Essa visão é ofuscada ainda mais pelas complicações internas que o governo enfrenta. O petista ganhou de Jair Bolsonaro por uma margem estreita de votos, que se reflete na falta de poder no Congresso e na construção de um gabinete do centro à direita, conectado com o país que ele tem que governar.

Um Brasil com um eleitorado de classe média que o escolheu, em grande parte, para não apoiar a misoginia e o fanatismo iliberal do candidato de extrema-direita. Ou seja, que optou pelo candidato que, na comparação, era mais liberal, não mais esquerdista -conceito que Lula, longe do folclore dos anos 70, talvez tenha enterrado para sempre nesta campanha-.

Esse é um espaço em que o presidente se sente à vontade. Nos seus dois governos anteriores, Lula jogou nas duas pontas do espectro. Promoveu uma política econômica ortodoxa que monitorava rigorosamente os gastos públicos, os lucros empresariais e os superávits gêmeos, ao mesmo tempo em que ele abraçava os Castro cubanos, conversava de igual para igual com Hugo Chávez, com o nicaraguense Ortega e com os Kirchner da Argentina.

Era um atalho para dissolver o risco de conflitos internos. Mas tudo mudou e esses players, os que ainda estão, já não têm o mesmo protagonismo. A guerra pode ter funcionado então como uma tentação para exibir essas rebeldias.

Tudo indica que essa guinada controversa, nos moldes dos parâmetros Leste-Oeste do século passado, foi aconselhada pelo veterano assessor internacional de Lula, Celso Amorim.

Essa visão, comum no chamado progressismo regional, concebe o drama ucraniano como a ponta de lança dos EUA contra a Rússia que, apesar de não ser mais a lendária União Soviética, mantém um enfrentamento com os Estados Unidos, o odiado império da Guerra Fria.

O principal prato chinês Mas não é a Rússia, e sim a China, que atrai especialmente o líder do PT, menos motivado ideologicamente por uma necessidade de crescimento que resolva uma realidade econômica limitada.

As autoridades brasileiras ouvem as críticas dos EUA sobre essas mutações, mas acusam Washington de falar muito e mostrar pouca consistência prática.

A recente viagem de Lula à China resultou em 10 bilhões de dólares em investimentos. Algumas semanas antes, o encontro com Joe Biden na Casa Branca teve como saldo zero compromissos monetários. Pior ainda, há um persistente êxodo de investidores americanos do Brasil.

Um dado paradigmático desse ciclo é a montadora Ford, que saiu do país há dois anos e agora está vendendo sua enorme fábrica na Bahia para a chinesa BYD que, segundo a Bloomberg, a usará para fabricar carros elétricos.

A intenção de Lula e sua equipe, dizem fontes diplomáticas a este cronista, é impulsionar as decisões de investimento com uma multiplicação de fábricas, acordos tecnológicos, negociações nas moedas nacionais e uma aliança econômica quase total com a China.

Esse passo pragmático é fácil de entender. Não assim a derrapagem sobre a Ucrânia. É difícil que tenham pedido a Lula uma contraprestação tão grande. No fim da sua viagem à China, o petista surpreendeu ao insistir em equiparar Kiev a Moscou na responsabilidade pela guerra. Ele confundiu a vítima com o criminoso.

Essa é uma noção grave que Lula já havia ensaiado em uma entrevista em maio do ano passado à revista Time, antes da eleição, na qual afirmou livremente que o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky "queria a guerra. Se ele não quisesse, teria negociado um pouco mais. É isso". Como assim? Negociado?!!

Essa visão polêmica ignora o fato de que não se trata de um conflito clássico com exércitos lutando nas fronteiras. A Rússia invadiu a Ucrânia e há um ano vem demolindo o país, massacrando civis, casas, hospitais e escolas para demonstrar um suposto direito do Kremlin de mandar em todo o território que fazia parte da URSS. Não é só a Ucrânia.

É por isso que o mundo assiste a esse cenário com horror, repudiando Moscou e se solidarizando com Kiev. Vale lembrar que a Ucrânia não é o Vietnã nem a Coreia.

Lula entrou nesse drama com o pé esquerdo, desgastando desnecessariamente a imagem do Brasil como defensor dos direitos humanos e afugentando o público europeu que o tinha recebido com aplausos.

Um ciclo maior dessa deterioração foi a crítica do brasileiro aos EUA e à Europa por fornecerem ajuda militar à Ucrânia e sancionarem a Rússia. Mas Lula sabe que, sem essas duas ferramentas, Putin teria vencido a guerra imediatamente.

Há alguns dias, Amorim conversou pelo telefone com o assessor de segurança nacional dos Estados Unidos, Jake Sullivan, para esclarecer o que chamou de mal-entendidos e afirmar que o Brasil não apoia a visão chinesa da guerra e muito menos a da Rússia. Mas essas palavras se chocam com os gestos.

É interessante lembrar que o líder do PT chegou à presidência do Brasil com grande entusiasmo da Casa Branca, incomodada com Bolsonaro e com sua relação estreita com Putin, que o então presidente visitou dias antes do início desta guerra que nunca condenou.

Joe Biden foi um dos primeiros a parabenizar Lula após a vitória, desfazendo assim as acusações de fraude eleitoral que Bolsonaro lançava.

Após esse sinal, uma delegação chefiada por Sullivan viajou imediatamente a Brasília para convidar o presidente eleito para uma reunião em Washington. Esse encontro ocorreu neste ano, após a posse de Lula, e nele os dois presidentes condenaram a guerra e Moscou.

Naquela época nasceu um acordo entre as duas maiores economias do hemisfério, que compartilham a preocupação com a crise de representação que está dilacerando a região. Além disso, existe o interesse evidente dos EUA em construir uma aliança que modere o firme avanço da China e, em menor escala, da Rússia na América Central e do Sul. Essa parceria de confiança foi quebrada. É claro que, se houve ingenuidade, não foi apenas de Lula.

Submarinos e centrais atômicas Os laços do Brasil com a China são imparáveis. Até a tecnologia da China, o 5G da Huawei em vigor aqui desde 2021, visa inundar a estrutura de comunicações e os rudimentos da Internet das Coisas do gigante sul-americano.

A Huawei já tem duas fábricas de equipamentos de telecomunicações em São Paulo. Uma delas é uma fábrica inteligente inaugurada em março de 2022.

Do lado russo, há outros aspectos pouco abordados pela mídia que prometem um embate ainda mais acentuado com Washington. Lula, alinhado nesse aspecto com as negociações de Bolsonaro com Moscou, busca o apoio do setor de energia atômica russo para o fornecimento de combustível para o reator do submarino de propulsão nuclear brasileiro, que entrará em operação na próxima década.

Conforme lembrou a Folha de S.Paulo, o presidente quer manter contato com a Rosatom, estatal russa que lidera o mercado mundial de reatores, para a retomada da construção da central nuclear Angra 3, a maior das três de mesmo nome. Angra 1 e Angra 2 já estão em funcionamento.

A empresa russa já apresentou uma proposta com algumas garantias para esse projeto, concorrendo com a americana Westinghouse, a chinesa CNNC e a francesa EDF. As obras da central nuclear estão paralisadas desde 2015 devido a denúncias de corrupção na estatal brasileira Eletronuclear durante o fracassado governo petista de Dilma Rousseff, na época da Lava Jato.

Essas questões, e não apenas o destino da guerra na Ucrânia, foram tratadas na reunião do dia 17 deste mês, em Brasília, entre o chanceler russo, Sergei Lavrov, seu par brasileiro, Mauro Vieira, e o próprio presidente Lula.

Visita que ocorreu em meio ao repúdio internacional a essa presença, recebida com honras pelo governo brasileiro e que proclamou sua satisfação pelos múltiplos interesses comuns que unem os dois países.

terça-feira, 4 de abril de 2023

Mercosur, Brasil y Argentina en el año 2035: um exercício de futurologia - Paulo Roberto de Almeida

O que,  em 2004, eu previa para o Mercosul em 2035? Só faltam 12 anos...

Mercosur, Brasil y Argentina en el año 2035

Paulo Roberto de Almeida


Respostas a perguntas colocadas pelo jornalista argentino Tomás Vela.

 

1) -¿Cómo prevé para la Sudamérica del año 2035 (marco referencial de la nota) que esté integrado el bloque MERCOSUR / UNIÓN SUDAMERICANA?, 

PRA: Union SudAmericana no tendrá ningun rol, pues que correspondiendo a un empreendimento politico sin cualquier contenido real. Desaparecerá sin dejar trazos, en los proximos anos.

Mercosur no desaparecerá, pero tendra funcciones marcadamente politicas y de cooperacion ampliada, pues sus funcciones comerciales y económicas tendran sido absorbidas sea por el esquema hemisferico de liberalizacion ampliada, sea por el crescimiento de la liberalizaion multilateral, bajo el liderazgo de OMC.

 

2) -En caso de que esta unión prospere, y siempre ubicados en la Sudamérica de 2035, ¿qué beneficios traería el bloque a la Argentina y a Brasil? 

PRA: Brasil y Argentina habran superado sus mas renitentes problemas de inestabilidad económica, de desigualdades sociales, de disfuncciones institucionales, pero solo parcialmente estos logros serán debidos a Mercosur. En general, y por la maior parte, los esfuerzos seran determinados sobretodo internamente, como resultado de la consciencia de sus propios pueblos que ya les bastaba decadas de inestabilidad, injusticia, corrupcion politica y deterioro institucional.

Las realizaciones mas importantes haran estos dos paises por sus proprios esfuerzos, por determinacion nacional, porque es asi que se pasa en todas las experiencias nacionales: lo principal se hace en casa, no externamente. Los bloques de integracion no tienen mucha capacidad transformadora si los proprios pueblos no quieren transformarse a si mismos.  

 

3) -¿Qué relación podría llegar tener el bloque con la Unión Europea y los Estados Unidos para el 2035

PRA: En 2035, estas relaciones ya no tendran tanta importancia substantiva como han tenido durante el auge del “minilateralismo selectivo”, durante la “fiebre de los bloques” que atingió el mundo alrededor de los anos 2005-2015. Progresivamente despues de esta fecha, el mundo empezará a superar este maximo de discriminacion minilateralista representado por los bloques, para reanudar con en multilateralismo de la OMC.

Mercosur, aunque teniendo fuertes lazos economicos, politicos, culturales, tanto con UE como con los EUA, desarrollará estos vinculos de cooperación en el cuadro de un sistema politico y económico fuertemente multilateralizado, en el cual em grueso de las relaciones económicas y comerciales se llevaran por medio de las regras universales de la OMC, que ha logrado, a partir de 2015, recuperar el liderazo del proceso de liberalizacion irrestrita e incondicional, que por un momento habia sido “secuestrado” por los bloques geograficos restritos.

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 26 novembro 2004

 

From: Tomás Vela [mailto:tomasvela@mvprensa.com.ar]

Sent: Thursday, November 25, 2004 2:29 AM

Subject: Breve consulta periodística sobre el MERCOSUR para Argentina


Dr. Paulo Roberto de Almeida

Hola, mi nombre es Tomás Vela; soy fotógrafo, periodista y estudiante de la escuela de periodismo TEA, la más importante de la Argentina, y quería saber su opinión sobre el futuro del MERCOSUR para un trabajo que será publicado el 5 de diciembre en el diario Domingo de la mencionada institución formativa. Se trata de sólo tres preguntas sobre la hipotética situación socio-política del MERCOSUR y la Unión Sudamericana para dentro de 30 años.

Si bien esto es sólo una proyección muy difícil de llevar a cabo dada la cantidad y calidad de cambios políticos de la región, resulta fundamental el punto de vista que usted nos pueda llegar a compartir, junto con el de su compatriota Dr. Mario Marconini, sobre: 

-¿Cómo prevé para la Sudamérica del año 2035 (marco referencial de la nota) que esté integrado el bloque MERCOSUR / UNIÓN SUDAMERICANA?, 

-En caso de que esta unión prospere, y siempre ubicados en la Sudamérica de 2035, ¿qué beneficios traería el bloque a la Argentina y a Brasil? Y

-¿Qué relación podría llegar tener el bloque con la Unión Europea y los Estados Unidos para el 2035? 

Lamentablemente es probable que, aunque pueda y quiera responder estas preguntas, el tiempo no juegue a mi favor y se me complique incluir en la nota final su valiosísimo punto de vista, porque debo cerrarla mañana jueves 25 de noviembre antes de las 20. De todas formas me gustaría mucho en algún momento poder entrevistarlo sobre este y otros temas relacionados con la sociedad sudamericana para el medio periodístico y fotoperiodístico MVPrensa (http://www.mvprensa.com.ar/), del cual soy el director. Sería un gran honor e inmensa oportunidad de aprendizaje el mantener una entrevista vía mail con usted.

Muchísimas gracias por su tiempo. 

Atentamente,

 

sábado, 1 de abril de 2023

Argentina: como se deu a autofagia - Stelio Amarante, Dalton Melo de Andrade

 Reproduzo abaixo uma postagem de meu amigo e colega diplomata Stelio Amarante sobre o processo de “self-depletion” da e na Argentina, destruída pelos seus próprios dirigentes, em especial Perón, mas também dirigentes de outras correntes.

A causa principal do empobrecimento da Argentina foi a fuga de imensa parcela do capital que se havia acumulado durante as primeiras décadas do século passado.

O agrobusiness (trigo, carne e lã) havia naqueles tempos dourados elevado a renda Argentina a níveis estratosféricos. Teve início porém lá pelos anos 30 e 40 um encadeamento catastrófico. O país tinha população pequena e sem mercado interno que sustentasse processo industrial. Teve início a migração de capital argentino para os mercados financeiros da Europa e da América do Norte. Com os imigrantes chegaram também as conflitivas ideologias políticas europeias: comunismo, fascismo, anarquismo e nazismo, criando um ambiente que acentuou a fuga de capitais argentinos. A versão argentina do fascismo mussolínico, o Peronismo, foi porém a mais assustadora onda a induzir os detentores de capital a se protegerem, transferindo recursos para o exterior. Dizem que os capitais argentinos entranhados nos mercados financeiros internacionais há muito tempo superam as reservas oficiais do país.

A política econômica assistencialista iniciada com Perón gerou outro monstro, a inflação, devastadora de capital e rebaixador do padrão de vida das classes assalariadas.

Gradualmente, a perda de confiança na moeda argentina levou a uma dolarização dos meios de pagamento. Das cidades em que vivi, Buenos Aires foi a única em que não abri conta bancária. Apenas usava, como todos os amigos argentinos, cartão de crédito. Quando chegava o dia de pagar a conta mensal, trocava dólares. 

Quem vá a Buenos Aires hoje em dia achará ainda deslumbrante o comercio da zona elegante da cidade. Pois ele é sustentado pelo consumo dos detentores de recursos aplicados no exterior, que trazem a conta-gotas para a Argentina os dividendos de seus investimentos fora.

íFuncionários e trabalhadores que sobrevivem nesta atmosfera pouco oxigenada trocam lucros e saldos salariais por dolares. Não há forma de governo, arcabouço fiscal, genialidade de economista de Chicago, Viena ou PUC Rio que consiga trazer para a Argentina parcela substancial do dinheiro aplicado fora. 

Esperemos que fenômeno semelhante não nos faça perder capital em benefício de terceiros países. A Bolsa que detecta este medo, já desceu de 120 mil pontos para menos de 100 mil…”

Stelio Amarante

Comentário de Dalton Melo de Andrade:

“ Comentários pertinentes. Cheguei a comprar sapatos excelentes por um dólar! (1974,1975). Quando trabalhei na OEA, tinha um bom amigo argentino, Rodolfo Martinez, ex-Ministro de Frondizi, Professor de Ciências Políticas da Universidade de Buenos Aires, então Diretor Cultural da Organização. Perguntei-lhe, numa das nossas conversas, como ele explicava o problema de seu país; respondeu, com uma palavra, Peron.”

Resposta do Stelio:

“Dalton Melo de Andrade: Verdade. Perón foi o “Anjo exterminador” da Argentina. Nosso Getúlio Vargas, também adepto da escola fascista salazarista, era muito mais inteligente e soube modernizar o Brasil, sobretudo através do excelente DASP, que racionalizou os serviços públicos, contendo o chamado “empreguismo” que atualmente consome imensa parcela do PIB e nos oferece pífios serviços públicos.”


terça-feira, 14 de fevereiro de 2023

O Brasil e o seu vizinho mais importante, a Argentina, talvez distante - Paulo Roberto de Almeida (Crusoé)

 O Brasil e o seu vizinho mais importante, a Argentina, talvez distante  

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

Artigo sobre as relações Brasil-Argentina, no contexto da primeira viagem de Lula; versão editada publicada na revista Crusoé: “O bloco do Cambalacho”, na revista Crusoé (n. 247, 20/01/2023, link: https://crusoe.uol.com.br/edicoes/247/o-bloco-do-cambalacho/).

 

 

Desde os tempos coloniais, o vice-reinado do Rio da Prata, parte do qual viria a se tornar a Argentina atual, ocupa um lugar especial nas relações exteriores do Brasil. Os patacões espanhóis, moedas de prata de 600 reis, eram uma espécie de “moeda comum”, alimentando o comércio de contrabando entre dois impérios funcionando sob um regime de exclusivo colonial. Depois da libra, veio o dólar, e os dois países passaram da hegemonia informal do império britânico, no século XIX, para a preeminência americana no século XX.

Ambos os países tinham suas diferenças de interesses nacionais, antes mesmo da transferência da corte portuguesa para o Rio de Janeiro, em 1808, no decorrer do inédito experimento monárquico num hemisfério republicano e na mais longa ainda adesão dos dois países a regimes presidencialistas, com seus altos e baixos nessa longa duração. Os conflitos começaram na guerra da Cisplatina (atual Uruguai), se prolongaram na queda do ditador Rosas em 1853, se recompuseram parcialmente durante o enfrentamento comum do ditador Solano Lopez, na guerra do Paraguai, e continuaram entre indiferença e aproximação do decorrer do século XX. No início do século passado, a Argentina era cinco vezes mais rica do que o Brasil, em PIB per capita, pelo menos, e bem mais educada. 

A decalagem começou a ser lentamente erodida a partir dos anos 1930, a “década infame” na Argentina – quando foi escrito o tango Cambalache –, que marca também o início da industrialização no Brasil, completada sob o regime militar de 1964, quando o Brasil suplanta a Argentina no poderio industrial e se aproxima do seu nível de renda per capita. Mas esses anos também são marcados, se não pela hostilidade, como no século XIX, ao menos pela indiferença e por conflitos latentes, como nos casos da exploração dos recursos hídricos do Rio da Plata (Itaipu) e dos projetos nacionais (frustrados) de capacitação nuclear.

A convergência de interesses começou mesmo na redemocratização dos dois países em meados dos anos 1980, com a amizade entusiasta de Ricardo Alfonsin e de José Sarney, que também deram a partida a um projeto aberto de integração, mas que ainda não atingiu sua finalidade básica, a formação de um espaço econômico comum, unindo os dois maiores países da América do Sul a outros parceiros regionais, começando por Paraguai e Uruguai justamente. O Mercosul, criado quadrilateralmente em 1991, a partir de um tratado bilateral de 1988, ainda não atingiu os objetivos estipulados no seu Artigo 1º, qual seja, uma união aduaneira completa, base indispensável para justificar o seu nome: o Mercado Comum do Sul. Os obstáculos não estão propriamente no Tratado de Assunção, mas na resistência dos lobbies nacionais a uma verdadeira abertura econômica e à liberalização comercial.

Os seis primeiros países europeus que assinaram os tratados de Roma em 1957, atingiram a meta fixada do mercado comum no espaço de dez anos, ainda assim com diversas lacunas que foram sendo completadas em sua história de mais de meio século, chegando a constituir, atualmente, uma União econômica, dotada, não de uma moeda única, mas de uma moeda comum, que alcança inclusive países que ainda não integram o sistema comunitário. O Mercosul já passou dos trinta anos, mas sequer conseguiu completar sua zona de livre comércio e ainda está longe de se apresentar como união aduaneira perfeita. Os quatro membros originais possuem exceções nacionais à Tarifa Externa Comum, e as demais normas relativas a investimentos e serviços não foram implementadas devido à habituais restrições protecionistas em cada um deles, com destaque para os dois grandes. Depois de uma fase inicial de crescimento do comércio intrarregional, a dinâmica da integração cessou, e o Mercosul tornou-se um palanque retórico dedicado a outras causas que não o comércio.

Assim como ocorre no âmbito europeu, onde os impulsos comunitários são dados pelas suas duas maiores economias, a Alemanha e a França, o maior esforço no caso do Mercosul deveria ser feito pelos seus dois maiores membros. Entretanto, mesmo a despeito de um engajamento puramente formal em favor da integração, os dois grandes não lograram impedir que seus respectivos lobbies protecionistas introduzissem obstáculos burocráticos e regulatórios a uma plena abertura recíproca. Não obstante, tornou-se um hábito, quase que um ritual obrigatório, as viagens bilaterais recíprocas dos presidentes respectivos, primeiro entre Sarney e Alfonsin, depois Collor e Menem, e assim foi indo até chegar na negação dos contatos, durante a gestão Bolsonaro. Não apenas afastamento, mas hostilidade aberta, com base em preconceitos ideológicos sem qualquer sentido no caso de uma relação realmente estratégica, não limitado ao bilateralismo estrito, mas sobretudo no tocante ao Mercosul e a todos os demais temas de interesse comum num contexto bem mais amplo que o comércio.

O ritual das viagens iniciais e dos contatos intensos deve ser retomado a partir de agora com Lula, que só não visitou a Argentina antes da posse em função das dificuldades de uma transição atribulada, depois das eleições presidenciais mais divisivas da história política brasileira. Não se trata apenas de contatos amistosos, mas de uma agenda repleta de temas relevantes para os dois países, nas áreas econômicas, de fronteiras, de segurança e, não menos importante, de coordenação de posições com vistas às grandes questões da ordem política e econômica internacional. Haverá certamente muito mais retórica – ao estilo do velho bordão “tudo nos une, nada nos separa” – do que resultados concretos, tanto porque a Argentina se encontra engolfada numa nova hiperinflação – a maior em três décadas – e o Brasil ainda sequer encontrou a paz interna para cuidar de sua economia combalida, para prometer novos impulsos numa relação bilateral que se mantém em banho-maria desde a grande crise do Mercosul vinte anos atrás.

Registre-se que até o início do presente século, o intercâmbio global do Brasil com os países do bloco representava fração bem mais significativa do comércio total do país do que atualmente, quando os fluxos com a Ásia cresceram enormemente, sobretudo com a China. Registre-se igualmente que a “Brasil dependência” da Argentina acaba de encerrar-se, pois que a China também assumiu a liderança no seu comércio exterior, evolução que já tinha ocorrido para o Brasil desde 2009. A fragmentação do processo de integração que se vê no resto do continente – da qual a Aliança do Pacífico (México, Colômbia, Peru e Chile) é justamente a mais clara evidência, pois que voltada bem mais para a Ásia Pacífico do que para intercâmbios recíprocos – também atinge o próprio Mercosul, no qual o pequeno Uruguai volta a buscar relações comerciais preferenciais fora do bloco, antes na direção dos Estados Unidos, agora num acordo de livre comércio com a China (o Chile já tem um, aliás com praticamente 80% do PIB mundial, desde mais de vinte anos).

Nem o Brasil, nem a Argentina possuem uma visão unificada a respeito, por exemplo, do acordo do Mercosul com a UE, nem a respeito da adesão à OCDE ou a da Argentina ao BRICS (aceita e desejada pela China, que pretende fazer desse foro uma espécie de grupo contrário ao hegemonismo ocidental na OCDE). A referência a uma “moeda comum” no Mercosul não passa de um diversionismo ilusório, sem qualquer chance de prosperar, assim como anúncios reiterados de uma “reforma” no Mercosul que tem pouca chance de prosperar num contexto de dificuldades econômicas nos dois maiores membros. Não obstante, a velha retórica da relação especial vem sendo novamente invocada com certo ardor, como acaba de anunciar o novo chanceler em seu discurso de posse: 

Nossa ideologia na região será a ideologia da integração.

Daremos atenção especial à parceria estratégica com Argentina, Uruguai e Paraguai, fortalecendo os mecanismos bilaterais e a implementação de projetos de interesse comum.

O MERCOSUL deve ser aprofundado, juntamente com nossos três parceiros, nas vertentes que tenham impacto direto na vida das pessoas e no comércio intra e extrarregional, com ênfase no avanço da liberalização e facilitação do comércio dentro do bloco, da conclusão de acordos externos equilibrados, na promoção dos investimentos, no turismo, e na facilitação da circulação de pessoas e bens.

Em diálogo com nossos parceiros, buscaremos recuperar em novas bases a União de Nações Sul-Americanas (UNASUL), garantindo claro sentido pragmático e eficácia à organização. O pronto retorno à Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) e a sua dinamização serão, também, objetivos imediatos da política externa brasileira. (chanceler Mauro Vieira, 2/01/2023)

 

Ou seja, nada que se diferencie muito de discursos do passado, por ocasião de posses presidenciais ou de visitas de alto nível. O que não falta, na região, em especial no Mercosul e na relação Brasil-Argentina, são invocações grandiosas de projetos e iniciativas que não tardam a modorrar na condução burocrática e rotineiramente delongada. Nenhum dos países do Cone Sul encontra a energia necessária para confrontar os lobbies protecionistas internos para desarmar, de fato, as barreiras que impedem a adoção do projeto integracionista que constitui o artigo primeiro do Tratado de Assunção: a constituição de um mercado comum do Sul, como aliás é o título oficial do bloco. Os europeus, depois de uma fase intermediária de retraimento na “euroesclerose” – depois do fim de Bretton Woods em 1971 – encontraram a saída firmando o ambicioso projeto do mercado unificado – o Ato Único de 1986 – que os levou a Maastricht e à conformação de um espaço econômico verdadeiramente comum, com a adoção de uma mesma moeda pelos países convergentes com uma série de regras rígidas em matéria monetária e financeira, o que está longe de ocorrer no caso do Mercosul. 

Do lado europeu, prevaleceu o desejo francês e alemão de encerrar definitivamente um século de guerras interestatais – que foram na verdade mundiais – para mirar no projeto comunitário que uniu toda a Europa ocidental e depois se estendeu a suas porções central e oriental. No caso do Cone Sul, a formação de um espaço econômico integrado na América do Sul depende inequivocamente da liderança do Brasil e da Argentina, mas talvez falte, para isso, o acicate de conflitos bem mais graves entre os seus principais protagonistas, entre eles Colômbia e Venezuela. Não é certo que Brasil e Argentina conseguirão superar a letargia dos últimos vinte anos, inclusive porque as eleições no país platino poderão, uma vez mais, levar a um novo distanciamento entre os projetos econômicos nacionais. Os Estados Unidos e a China estarão atentos a quaisquer movimentos dos dois grandes do Cone Sul, que, talvez, sejam parceiros no BRICS, mas provavelmente não na OCDE. Seria uma pena...

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4304: 16 janeiro 2023, 4 p.

 

domingo, 22 de janeiro de 2023

Brazil and Argentina to start preparations for a common currency - Financial Times

Brazil and Argentina to start preparations for a common currency

Financial Times, 22 January 2023

https://www.ft.com/content/5347d263-7f24-4966-8da4-79485d1287b4

Other Latin American nations will be invited to join plan which could create world’s second-largest currency union 

Brazil and Argentina will this week announce that they are starting preparatory work on a common currency, in a move which could eventually create the world’s second-largest currency bloc. 

South America’s two biggest economies will discuss the plan at a summit in Buenos Aires this week and will invite other Latin American nations to join. The initial focus will be on how a new currency, which Brazil suggests calling the “sur” (south), could boost regional trade and reduce reliance on the US dollar, officials told the Financial Times. 

It would at first run in parallel with the Brazilian real and Argentine peso. “There will be . . . a decision to start studying the parameters needed for a common currency, which includes everything from fiscal issues to the size of the economy and the role of central banks,” Argentina’s economy minister Sergio Massa told the Financial Times. “It would be a study of mechanisms for trade integration,” he added. “I don’t want to create any false expectations . . . it’s the first step on a long road which Latin America must travel.” 

Initially a bilateral project, the initiative would be offered to other nations in Latin America. “It is Argentina and Brazil inviting the rest of the region,” the Argentine minister said. A currency union that covered all of Latin America would represent about 5 per cent of global GDP, the FT estimates. 

The world’s largest currency union, the euro, encompasses about 14 per cent of global GDP when measured in dollar terms. 

Other currency blocs include the CFA franc which is used by some African countries and pegged to the euro, and the East Caribbean dollar. However, these encompass a much smaller slice of global economic output. The project is likely to take many years to come to fruition; Massa noted that it took Europe 35 years to create the euro.

An official announcement is expected during Brazilian president Luiz Inácio Lula da Silva’s visit to Argentina that starts on Sunday night, the veteran leftist’s first foreign trip since taking power on January 1. 

Brazil and Argentina have discussed a common currency in the past few years but talks foundered on the opposition of Brazil’s central bank to the idea, one official close to the discussions said. Now that the two countries are both governed by left-wing leaders, there is greater political backing. 

A Brazilian finance ministry spokesman said he did not have information about a working group on a common currency. He noted that finance minister Fernando Haddad had co-authored an article last year, before he took his current job, proposing a south American digital common currency. 

Trade is flourishing between Brazil and Argentina, reaching $26.4bn in the first 11 months of last year, up nearly 21 per cent on the same period in 2021. 

The two nations are the driving force behind the Mercosur regional trade bloc, which includes Paraguay and Uruguay. The attractions of a new common currency are most obvious for Argentina, where annual inflation is approaching 100 per cent as the central bank prints money to fund spending. 

During President Alberto Fernández’s first three years in office, the amount of money in public circulation has quadrupled, according to central bank data, and the largest denomination peso bill is worth less than $3 on the widely used parallel exchange rate. However, there will be concern in Brazil about the idea of hitching Latin America’s biggest economy to that of its perennially volatile neighbour.

Argentina has been largely cut off from international debt markets since its 2020 default and still owes more than $40bn to the IMF from a 2018 bailout.

Lula will stay in Argentina for a summit on Tuesday of the 33-nation Community of Latin American and Caribbean States (CELAC), which will bring together the region’s new crop of left-wing leaders for the first time since a wave of elections last year reversed a right-wing trend. 

Colombia’s president Gustavo Petro was likely to attend, officials said, along with Chile’s Gabriel Boric and other more controversial figures such as Venezuela’s revolutionary socialist president Nicolás Maduro and Cuban leader Miguel Díaz-Canel. 

Mexico’s president Andrés Manuel López Obrador generally shuns overseas travel and is not scheduled to participate. Protests against Maduro’s attendance are expected in Buenos Aires on Sunday. 

Argentina’s foreign minister Santiago Cafiero said the summit would also make commitments on greater regional integration, the defence of democracy and the fight against climate change. Above all, he told the Financial Times, the region needed to discuss what sort of economic development it wanted at a time when the world was hungry for Latin America’s food, oil and minerals. “Is the region going to supply this in a way which turns its economy [solely] into a raw material producer or is it going to supply it in a way which creates social justice [by adding value]?,” he said. 

Alfredo Serrano, a Spanish economist who runs the Celag regional political think-tank in Buenos Aires, said the summit would discuss how to strengthen regional value chains to take advantage of regional opportunities, as well as making progress on a currency union. “The monetary and foreign exchange mechanisms are crucial,” he said. “There are possibilities today in Latin America, given its strong economies, to find instruments which substitute dependence on the dollar. That will be a very important step forward.” 

Manuel Canelas, a political scientist and former Bolivian government minister, said that CELAC, founded in 2010 to help Latin American and Caribbean governments co-ordinate policy without the US or Canada, was the only such pan-regional integration body which had survived over the past decade as others fell by the wayside. 

However, Latin America’s leftist presidents now face more difficult global economic conditions, trickier domestic politics with many coalition governments, and less enthusiasm from citizens for regional integration. “Because of this, all the steps towards integration will certainly be more cautious . . . and will have to be focused directly on delivering results and showing why they are useful”, he cautioned.


sábado, 17 de dezembro de 2022

Lima Barreto torceria pela Argentina? - Maria Salete Magnoni (Outras Palavras)

 

Lima Barreto torceria pela Argentina?

Parte da torcida argentina chama nossos jogadores de macaquitos, ofensa racista que remonta a 1920 – e fator apontado para sempre agourar los hermanos. Mas o escritor negro desconstrói o insulto – e ajuda a destravar o grito: vai Argentina!

Imagem: Arte Revista CULT

Assim que ficou definido que as seleções da Argentina e França disputarão a final da Copa do Mundo 2022, no próximo domingo, teve início, principalmente nas redes sociais, um acalorado debate sobre para qual país os brasileiros devem torcer. Arquirrivais no futebol torcedores brasileiros e argentinos não economizam nas ofensas e insultos mútuos, por isso muitos entre nós vão torcer pela França. Todavia há os que argumentam que torcer pelo país vizinho, nosso parceiro comercial e aliado político, é um gesto de reconhecimento da necessária integração sul-americana, e também de pertencimento à América Latina.

Do outro lado, além da dor de cotovelo de ver a Argentina novamente em uma final de Copa do Mundo, conquista que o Brasil não vive há 20 anos, uma das alegações para que não torçamos pela vitória do time argentino é de que eles são racistas e nos chamam de macaquitos. Sem minorar o comportamento de parte da torcida argentina, temos que nos lembrar que o racismo no futebol, infelizmente, ainda é uma constante, tanto no mundo, como no Brasil e que “incidentes de discriminação racial ainda são comuns nos estádios, assim como restrita presença de negros fora das quatro linhas, nos cargos de treinadores ou nas direções dos principais clubes do Brasil.”[1]

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O insulto, do qual os brasileiros se ressentem, e com razão, teve origem a partir de uma charge, que representava os nossos jogadores como macacos, publicada em 1920, pelo jornal sensacionalista argentino La crítica, quando o time brasileiro voltando do 4º Campeonato sul-americano de futebol, realizado no Chile, passou pela Argentina para jogar um amistoso com a sua seleção. Os ecos do incidente se fizeram sentir em 1921, pois o torneio que daria origem à Copa América seria realizado no país vizinho; o jornal carioca Correio da Manhã publicou, em setembro daquele ano, que a Confederação Brasileira de Desportos (CBD) estaria discutindo não enviar jogadores negros ao certame. O impasse foi levado ao então presidente da República, Epitácio Pessoa, que decidiu pela exclusão dos atletas negros, o que fez com que craques como Arthur Friendenreich que foi o autor do gol que deu o primeiro título internacional à seleção brasileira, em 1919, ao derrotar o Uruguai no 3º Campeonato sul-americano de futebol, ficasse de fora.

Charge no jornal argentino La Crítica, em 1920.

O escritor Lima Barreto, arguto observador do cotidiano político e social do Brasil do seu tempo, e que muito combateu o racismo, do qual também era alvo, comentou de maneira ácida e irônica o veto de Epitácio Pessoa na crônica Bendito footbal, publicada na Revista Careta em 01/10/1921:

“Foi sua resolução de que gente tão ordinária e comprometedora não deveria figurar nas exportáveis turmas de jogadores; lá fora, acrescentou, não se precisava saber que tínhamos no Brasil semelhante esterco humano […]. A providência, conquanto perspicazmente eugênica e científica, traz no seu bojo ofensa a uma fração muito importante, quase a metade, da população do Brasil […]. P.S – A nossa vingança é que os argentinos não distinguem, em nós, as cores; todos nós, para eles, somos macaquitos.”

Entretanto outra foi sua atitude ao tomar conhecimento, em 1920, da charge publicada no  jornal La crítica, utilizando-se do recurso do humor escreveu a crônica Macaquitos, que pode ser lida como uma refinada provocação aos discursos de superioridade racial vigentes à época, pois ao considerar o macaco, devido à sua inteligência e esperteza, superior aos demais animais, descontruiu a intenção desumanizadora do periódico argentino, combateu a discriminação racial, imprimiu leveza a um tema denso e de quebra, ainda hoje, nos faz rir. Que seja esse o espírito a presidir as torcidas no domingo. E da parte da autora deste breve comentário: #VamosArgentina!

Macaquitos, por Lima Barreto

Um jornal ou semanário de Buenos Aires, quando uma équipe brasileira de football, de volta do Chile, onde fora disputar um campeonato internacional, por lá passou, pintou-a como macacos. A cousa passou desapercebida, devido ao atordoamento das festas do Rei Alberto; mas, se assim não fosse, estou certo de que haveria irritação em todos os ânimos.

Precisamos nos convencer de que não há nenhum insulto em chamar-nos de macacos. O macaco, segundo os zoologistas, é um dos mais adiantados exemplares da série animal; e há mesmo competências que o fazem, senão pai, pelo menos primo do homem. Tão digno “totem” não nos pode causar vergonha. A França, isto é, os franceses são tratados de galos e eles não se zangam com isto; ao contrário: o galo gaulês, o chantecler, é motivo de orgulho para eles.

Entretanto, quão longe está o galo, na escala zoológica, do macaco! Nem mamífero é! Quase todas as nações, segundo lendas e tradições, têm parentesco ou se emblemam com animais. Os russos nunca se zangaram por chamá-los de ursos brancos; e o urso não é um animal tão inteligente e ladino como o macaco. Vários países, como a Prússia e a Áustria, põem nas suas bandeiras águias; entretanto, a águia, desprezando a acepção pejorativa que tomou entre nós, não é lá animal muito simpático.

A Inglaterra tem como insígnias animais o leopardo e o unicórnio. Digam-me agora os senhores: o leopardo é um animal muito digno? A Bélgica tem leões ou leão nas suas armas; entretanto, o leão é um animal sem préstimo e carniceiro. O macaco – é verdade – não tem préstimo; mas é frugívoro, inteligente e parente próximo do homem. Não vejo motivos para zanga, nessa história dos argentinos chamar-nos de macacos, tanto mais que, nas nossas histórias populares, nós demonstramos muita simpatia por esse endiabrado animal.

Crônica publicada na revista Careta, em 23/10/1920.  Disponível em: http://www.letras.ufmg.br/literafro/autores/11-textos-dos-autores/789-lima-barreto-macaquitos. Acesso em: 15 dez.2022.


[1] CARVALHO, Marcelo Medeiros. O negro no futebol Brasileiro: inserção e racismo. Disponível em: http://movimentoar.com.br/o-negro-no-futebol-brasileiro-insercao-e-racismo/. Acesso em: 15.dez.2022.