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quinta-feira, 12 de junho de 2014

Acordos preferenciais de comercio e barreiras temporarias - um estudo do Banco Mundial


CHAD P. BOWN, World Bank, World Bank - Development Research Group (DECRG)
Email: cbown@worldbank.org
BAYBARS KARACAOVALI,
University of Hawaii at Manoa - Department of Economics
Email: baybars@hawaii.edu
PATRICIA TOVAR,
Pontificia Universidad Catolica del Peru, Brandeis University
Email: tovar@brandeis.edu


Two of the most important trade policy developments to take place since the 1980s are the expansion of preferential trade agreements and temporary trade barriers, such as antidumping, safeguards, and countervailing duties. Despite the empirical importance of preferential trade agreements and temporary trade barriers and the common feature that each can independently have quite discriminatory elements, relatively little is known about the nature of any relationships between them. This paper surveys the literature on some of the political-economic issues that can arise at the intersection of preferential trade agreements and temporary trade barriers and uses four case studies to illustrate variation in how countries apply the World Trade Organization's global safeguards policy instrument. The four examples include recent policies applied by a variety of types of countries and under different agreements: large and small countries, high-income and emerging economies, and free trade areas and customs unions. The analysis reveals important measurement and identification challenges for research that seeks to find evidence of systematic relationships between the formation of preferential trade agreements, the political-economic implications of their implementation, and the use of subsequent temporary trade barriers.

terça-feira, 3 de junho de 2014

O preferencialismo dos acordos comerciais discriminatorios: um desafio para a OMC

Um estudo que vai na mesma linha argumentada em meu mais recente livro publicado:
Paulo Roberto de Almeida
São Paulo: Saraiva, 2013, 192 p.;
Coleção: Temas Essenciais em R.I., vol. 3
Coordenadores: Antonio Carlos Lessa, Henrique A. de Oliveira
ISBN: 978-85-02-19963-7
Paulo Roberto de Almeida

PATRICK LOW, Fung Global Institute


This paper argues that preferential trade agreements (PTAs) and the World Trade Organization (WTO) are not substitutes, and while PTAs are without doubt here to stay, dispensing with a multilateral venue for doing business in trade matters is not a serious option. It is therefore necessary to seek out better accommodation between PTAs and the WTO than has been apparent to date. The law of the General Agreement on Tariffs and Trade (GATT)/WTO has systematically fallen short in imposing discipline on discriminatory reciprocal trade agreements, while procedural requirements, such as notifications, have been partially observed at best, and dispute settlement findings have tended to reinforce existing weaknesses in the disciplines. One approach to remedying this situation is to explore a different kind of cooperation — that of soft law. A soft law approach to improving coherence and compatibility between the WTO and PTAs may hold some promise, but the option also has its pitfalls.

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Ilusoes comerciais (e anticomerciais) brasileiras...

Vou ser cruel, mas de vez em quando é preciso.
Os companheiros desmantelaram, implodiram, eliminaram (com muito orgulho para eles e o bando de basbaques que os sustentam) as negociações comerciais hemisféricas propostas pelos EUA sob o signo da Alca, o acordo de livre comércio das Américas.
Para eles, não se tratava de acordo de integração -- nunca foi, mas ele ignoram isso e nunca souberam distinguir um acordo comercial de um prato de abobrinhas -- mas sim de um tratado de anexação, como várias vezes repetido pelo guia genial dos povos. Ou seja, anexação de todos os coitadinhos latino-americanos pelo império malvado, hegemônico, arrogante e..., claro, imperialista.
Os companheiros nunca entenderam de comércio, menos ainda de finanças, mas isso não é o que importa: bastava se cercarem de bons expertos -- diplomatas e outros -- para ter a melhor informação possível sobre como funcionam essas coisas, o projeto do Mercosul, a proposta da Alca, seu impacto sobre a economia brasileira, as oportunidades e desafios assim criados, os custos e benefícios do processo. Mas não foi isso que ocorreu: os "especialistas" da área, seja por subserviência e sabujice aos companheiros, seja por ideologia simplificadora, anti-imperialismo primário, ignorância econômica -- provavelmente uma mistura de tudo isso -- acharam sim, que era preciso sabotar o processo da Alca e fazer uma aliança dos pobres e oprimidos, os coitadinhos da América do Sul (já que o México já tinha se "vendido" ao imperialismo), para enfrentar o dragão da maldade, o império capitalista. Conseguiram, com a ajuda dos companheiros Hugo e Nestor, implodiram a Alca, e se orgulharam disso, tanto que sairam cantando vantagem por.
Teve até um especialista que se aproveitou da recessão no México, na crise americana de 2007-2008, para alertar nós, os pobres incautos, como teria sido ruim para o Brasil se tivessemos aderido à Alca: imaginem, em lugar de um pequeno crescimento, disse ele, teríamos tido uma megarecessão. Não sei se acreditava no que dizia, ou se o fazia mesmo por desonestidade intelectual, mas o fato é que disse essa barbaridade sem tamanho, que além de tudo é uma mentira consumada.
Ao mesmo tempo que desmantelavam as malvadas pretensões imperialistas no hemisfério, os companheiros se achavam sumamente espertos, ao achar que iriam concluir um acordo muito rapidamente com os bonzinhos dos europeus, que como todos sabem não são arrogantes, nunca foram imperialistas e só querem o nosso bem, a começar porque eles também têm um baita mercado comum que só vive de fazer bondades para os seus membros e os associados simpáticos, como nós.
Os companheiros não desconfiavam -- e os especialistas se "esqueceram de avisar -- que os bonzinhos europeus só tinham embarcado nessa aventura de um acordo comercial com o Mercosul porque temiam perder vantagens para os americanos no hemisfério. Qualquer criança -- mas não os companheiros, claro -- podia adivinhar que, afastada a Alca, afastava-se ipso facto a necessidade de os bonzinhos europeus continuarem bonzinhos conosco, e assim as negociações birregionais foram se arrastando pelos últimos 17 anos...
Ao mesmo tempo os companheiros -- nisso secundados pelos especialistas malucos -- inventaram a tal de "nova geografia comercial mundial", e achavam que todos os pobrezinhos do mundo iriam se unir para transacionar entre si, sem toda aquela "dependência" dos mais ricos, que além de tudo eram arrogantes e assimétricos. E assim fomos nós, fazendo magnifícos acordos com Índia, África do Sul e um bando de outros periféricos, achando que os ricos já eram.
Deu no que deu...
Sim, ficou pior desde então, porque pelo menos, no governo companheiro anterior, ainda se acreditava na possibilidade de se concluir a Rodada Doha, assim os companheiros não exerceram todos os seus talentos protecionistas e anti-livre-cambistas. Agora que ninguém mais acredita em rodada nenhuma, vamos deitar e rolar, com os argentinos, nessa farra protecionista descarada.
Assim vai o mundo, ou melhor, o Brasil, o Mercosul e os companheiros.
Depois não digam que não avisei: posso mostrar dezenas de artigos meus, desde antes da assunção dos companheiros no poder, e especialmente no começo do seu reino maravilhoso, chamando a atenção para essas evidências evidentíssimas, mas os companheiros não acreditavam nelas, claro. Nem os especialistas, mas esses são piores do que os companheiros. Estes podem ser no máximo acusados de ignorância ou ingenuidade. Aqueles exibiram má-fé, desonestidade e sabujice, apenas isto. E já é muito, não acham?
Paulo Roberto de Almeida

Acordo comercial entre EUA e Europa divide governo brasileiro

Enquanto diplomatas querem buscar novos acordos de comércio, equipe econômica espera resolver primeiro disputas no Mercosul

15 de fevereiro de 2013 | 2h 10
LISANDRA PARAGUASSU, IURI DANTAS / BRASÍLIA - O Estado de S.Paulo
 
A notícia de que os Estados Unidos e os 27 países da União Europeia iniciaram negociações para um acordo de livre comércio foi recebida de maneira contraditória pelo governo brasileiro. A diplomacia aposta em usar o caso como exemplo para convencer a equipe econômica sobre a importância de acordos regionais de comércio. Os responsáveis pela política comercial, no entanto, não veem chances de avanço para o Brasil sem que se resolvam questões internas do Mercosul.
A extensão, ou "ambição", do acordo EUA-UE indicará o tamanho do impacto na economia brasileira, na avaliação do Itamaraty. Se ficar limitado a bens e normas, o impacto não será tão significativo para o Brasil, na visão dos diplomatas. Mas a inclusão de serviços e compras governamentais pode reduzir a participação de empresas brasileiras nestes setores, porque companhias americanas e europeias teriam mais vantagens em competir entre si nos dois mercados.
O Itamaraty começou ontem a mapear os impactos do acordo transatlântico para o Brasil. O relatório, que será apresentado à presidente Dilma Rousseff, fica pronto em algumas semanas.
De início, as negociações entre UE e EUA vão consumir mais tempo dos negociadores europeus. Isso no momento em que o Brasil tenta retomar, de forma efetiva, as negociações de acordo de livre comércio entre o Mercosul e os europeus. O Itamaraty não vê prejuízos para essas negociações com a decisão anunciada pelo presidente dos EUA, Barack Obama, no início da semana.
Silêncio. O ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Fernando Pimentel, evitou comentar o tema. Internamente, a equipe do ministro avalia que o Brasil tem as mãos amarradas porque só pode negociar em bloco e a Argentina resiste a acordos desse tipo. Por outro, os técnicos mais experientes da Pasta sabem que a vontade dos europeus de conseguir um pedaço do mercado brasileiro não representa vontade política suficiente para derrubar os pesados subsídios agrícolas, tema central para os brasileiros nas discussões com a UE.
Diante deste cenário, o Palácio do Planalto optou por maior cautela em relação ao diálogo Estados Unidos e UE. O governo preferiu não se comprometer com comentários públicos e escolheu o Itamaraty como porta-voz da questão. A presidente conversou com Pimentel ontem no Palácio do Alvorada. A ideia é seguir com o trabalho e apresentar, nos próximos meses, proposta de acordo aos europeus.
A Confederação Nacional de Agricultura (CNA) identifica um prejuízo claro às pretensões brasileiras. As negociações de um acordo UE-Mercosul, que se arrastam há mais de dez anos, devem ficar em segundo plano para os europeus. "Há necessidade de se repensar a política comercial brasileira", afirmou Thiago Masson, coordenador da área internacional da entidade.
Nesta conversa com a UE, interessa ao Brasil derrubar os subsídios agrícolas e obter mais acesso para produtos nacionais. A Europa, como os EUA, tenta uma saída para sua indústria manufatureira. Sob uma severa crise econômica, alto desemprego e dívidas soberanas em lento ajuste, a indústria do continente cortou preços para reduzir seus estoques. Parte do governo brasileiro teme uma invasão ainda maior destes produtos no mercado nacional, em caso de um acordo entre Mercosul e UE, Daí a importância de se obter redução nos subsídios europeus.
Outro fator de preocupação para o País em relação ao possível acordo entre americanos e europeus são as normas. Atualmente, boa parte das normas de segurança sanitária, de qualidade para produtos, entre outras, são negociadas no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC) e da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO). O problema é que as negociações entre EUA e União Europeia podem resultar em normativos próprios. E essas regras tenderiam, naturalmente, a ser seguidas pela OMC, FAO e até outros parceiros comerciais do País.

domingo, 30 de dezembro de 2012

Progressos e retrocessos do comercio mundial: adivinhem as escolhas do Mercosul - Editorial Estadao

Rumo a um acordo EUA-Europa

27 de dezembro de 2012
Editorial O Estado de S.Paulo
 
Americanos e europeus podem começar em breve a negociação de um acordo comercial entre os dois mais importantes mercados do mundo. Representantes dos Estados Unidos e da União Europeia reuniram-se várias vezes neste ano para discussões preliminares. As trocas de bens e serviços entre os dois parceiros são estimadas em cerca de 700 bilhões (US$ 927 bilhões) e já são facilitadas por tarifas em geral muito baixas, com média inferior a 2%. Mas há espaço para um aumento considerável do comércio e para a ampliação de investimentos entre as duas maiores potências do Atlântico Norte. Enquanto isso, brasileiros e seus sócios do Mercosul ficam limitados a assistir de longe a mais um capítulo importante da integração econômica internacional.
Preferências comerciais entre Estados Unidos e União Europeia tornarão mais difícil o acesso de outros parceiros a esses mercados. Para os muito competitivos, como a China e outros exportadores dinâmicos, o prejuízo poderá ser limitado, mas o custo será provavelmente considerável para os demais. Além disso, alguns países pobres e alguns emergentes já têm acesso facilitado aos mercados europeus e esse benefício será quase certamente mantido.
Nos últimos dez anos a integração avançou em todo o mundo, com dezenas de acordos bilaterais, regionais e inter-regionais entre países desenvolvidos e em desenvolvimento. O grande objetivo foi geralmente a expansão das oportunidades de comércio e de investimento, sem restrições ideológicas. O Mercosul foi uma exceção, sem pactos comerciais com as economias mais avançadas. Seus acordos de livre comércio foram celebrados com países da região e com uns poucos parceiros de fora, todos em desenvolvimento. Os entendimentos foram sempre liderados pelos dois maiores países do bloco, Brasil e Argentina, governados há mais de uma década por líderes populistas e com tendências terceiro-mundistas.
A primeira grande façanha desse terceiro-mundismo requentado e intelectualmente subdesenvolvido foi o abandono do projeto de criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). A façanha foi comandada pelos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Néstor Kirchner. O governo dos Estados Unidos contribuiu, no final da história, para a liquidação do plano, mas a dupla sul-americana já havia feito o suficiente para enterrar a Alca. Outros governos da América do Sul acabaram negociando regras de livre comércio com Washington. O Brasil, naturalmente, ficou fora das preferências concedidas nesses acordos.
A negociação entre Mercosul e União Europeia, iniciada em 1999, permanece emperrada. As discussões foram interrompidas em 2004 e retomadas em 2010, mas sem sucesso, apesar das renovadas declarações de interesse das duas partes. Os negociadores brasileiros e argentinos concentraram a atenção na abertura dos mercados agrícolas europeus, como se pouca ou nenhuma vantagem se pudesse obter para a exportação de bens manufaturados. Ao mesmo tempo, foram sempre muito tímidos na liberalização dos mercados do bloco para produtos industriais.
A tendência protecionista sempre foi mais forte do lado argentino, mas o governo brasileiro sempre cedeu a pressões desse tipo. Indústrias da Turquia e do Norte da África têm acesso facilitado ao mercado da União Europeia, mas os negociadores do Mercosul parecem ter desprezado, sempre, detalhes como esses. Comportaram-se, em geral, como se representassem economias exclusivamente agrícolas.
A presidente Dilma Rousseff tem mantido as linhas principais da diplomacia inaugurada por seu antecessor. Além de insistir na orientação terceiro-mundista, mantém a tolerância ao protecionismo argentino, altamente prejudicial à indústria brasileira, e aceita a liderança da presidente Cristina Kirchner na fixação de rumos para o Mercosul. A suspensão do Paraguai e a admissão da Venezuela bolivariana, num evidente golpe contra as regras do bloco, foram novas demonstrações, em 2012, do compromisso do lulismo-kirchnerismo com o atraso. No resto do mundo, governos mais adultos, como os da Europa e dos Estados Unidos, tentam multiplicar as oportunidades comerciais.

domingo, 20 de novembro de 2011

Relacoes Mercosul –Uniao Europeia: um questionario de 2004 - Paulo Roberto de Almeida

As perguntas abaixo foram respondidas a um jornalista espanhol, que preferiu dirigir-me as perguntas em inglês, mas alertando que eu poderia responder em português. Sequer reli o que respondi na ocasião, em 24 de maio de 2004, mas todas as respostas devem ser lidas no contexto da época.


Relações Mercosul –União Européia
Respostas a questionário

Paulo Roberto de Almeida
(www.pralmeida.org; Brasília, 24 maio 2004)

1) Do you think it is possible to concrete an agreement among The European Union and Mercosur in order to sign up the final agreement in November? What  do you thing are the major problems that could explain the fact that this  agreement had been postponed so many times?
            PRA: É, sim, possível um acordo entre o Mercosul e a UE, mas não acredito que ele seja abrangente como poderia ser, ou verdadeiramente caracterizado pelos princípios do livre comércio. Por caracterísitcas próprias a cada bloco, o acordo será o reflexo dos protecionismos setoriais que bloquiam uma verdadeira liberalização abrangente, convertendo esse acordo em algo mais do que comércio administrado. Ainda assim, a situação do comércio recíproco estará facilitada, e novos fluxos de intercâmbio vão se estabelecer.
            Os problemas principais se situam, por um lado, no renitente, reiterado e injusto protecionismo agrícola europeu e, por outro lado, no renitente, reiterado e irracional protecionismo industrial e de serviços por parte do Mercosul. Nenhum dos lado parece disposto a fazer um verdadeiro esforço para se libertar desses protecionismos setoriais, que prejudicam em primeiro lugar seus próprios consumidores, ainda que beneficiem os lobbies agrícolas, industriais e comerciais com eles identificados.
            Em outros termos, teremos liberalização parcial dos fluxos de comércio mas não verdadeiramente livre comércio.

2) If the parties don´t make any agreement, do you think that might be harmful for the progresses of Mercosur carried out by Lula´s initiatives? Could this  disagreements change the mind of the members of MERCOSUR in relation to ALCA  in detriment of the European Union? Could this be perjudicial for MERCOSUR in relation to its subregional identity?
            PRA: Não há uma relação direta entre os progressos internos ao Mercosul e os acordos comerciais que este bloco possa fazer externamente, nos planos regional (com a CAN, por exemplo), hemisférico (Alca), birregional (com a UE) e multilateral (OMC). O Mercosul padece de problemas internos que derivam de suas fortes assimetrias macroeconômicas e sociais, bem como da incapacidade política dos governos dos países membros em internalizar de fato as medidas propostas, discutidas, acordadas e muitas vezes adotadas, que independem do aprofundamento da liberalização comercial externa para serem implementadas.
            Por outro lado, progressos da liberalização nos planos regional e multilateral podem estimular, ou induzir, o Mercosul a aprofundar seu próprio processo de integração, na medida em que se não o fizer ele pode se tornar irrelevante do ponto de vista das preferências internas ou retirar legitimidade intrínseca ao próprio processo de integração.
            Do ponto de vista político, persistem inclusive diferenças de percepção, entre os países membros do Mercosul, entre as vantagens respectivas da Alca e do acordo com a UE, segundo os parceiros. Uruguai e Argentina parecem privilegiar um acordo na Alca, ao passo que o Brasil, por razões essencialmente políticas do partido que agora ocupa o poder (PT), parece privilegiar um acordo com a UE, por considerá-lo mais benéfico. Trata-se, porém, em grande medida, de preconceito contra os Estados Unidos e a Alca.
            Não há uma definição clara do que poderia ser prejudicial para o Mercosul em termos de identidade regional, uma vez que a maior parte dos países parece enfatizar a importância de uma relação mutuamente proveitosa com os Estados Unidos e vêem como positivo um acordo no âmbito da Alca, ao passo que o Brasil inclina-se mais favoravelmente a um acordo com a UE.

3)  Do you think that the enlargement of the European Union can be harmful for the agreement between the European Union and Mercosur?
            PRA: Os efeitos são diversos e complexos, mas motivos de preocupação existem, na medida em que todo bloco comercial, restrito ou amplo, sempre significa um certo potencial de desvio de comércio. A ampliação do bloco europeu poderá significar maior desvio de comércio intra-bloco e portanto menores oportunidades para exportações a partir do bloco do Mercosul. Deve-se igualmente considerar os efeitos em termos de reforço de certas políticas negativas como o subvencionismo interno e externo na área agrícola, onde estão concentradas as vantagens comparativas do Mercosul.
            Ou seja, mesmo que exista um acordo Mercosul-UE, ele pode produzir efeitos limitados em vista da ampliação da UE aos novos países membros.
            Por outro lado, em outras linhas produtivas, o mercado europeu pode estar ainda mais atrativo, pela sua nova amplitude e extensão.

4)  One of the items is the beginning of a possible agreement with the Andinean  Countries and Central America, do you think it would take so more time as the negotiations with MERCOSUR?
            PRA: Já existe um acordo de princípio entre o Mercosul e a CAN, que se aproxima mais do conceito de preferências tarifárias do que de livre comércio, mas progressivamente os intercâmbios entre as duas regiões vão se intensificar.
            Não há, por outro lado, nenhum progresso real em termos de acordo comercial entre o Mercosul e países da América Central, que sempre vai estar mais vinculada aos mercados da América do Norte, a começar pelos Estados Unidos.

5)  Do you think that the cooperation between Kirchner, Lula and Chaves could benefit the estrategic assotiation between the two regions? Why this  cooperation, this new way of cooperation that was very important two in the  creation of G-3 and G-20?
            PRA: Não há essa cooperação tripartite, mas tão somente uma excelente cooperação, institucionalizada, entre o Brasil e a Argentina, com maior aproximação política dependendo dos presidentes (o que parece ser o caso agora com Lula e Kirchner), e uma certa aproximação política entre esses dois países e a Venezuela de Chavez, mas este dirigente parece ter problemas mesmo com aqueles outros líderes que poderiam ser seus aliados na defesa da legalidade, ao administrar mal a crise política da Venezuela.
            Não há esse G-3 entre os três países, pois o únicoG-3 de que se fala atualmente no Brasil é o esquema que aproxima este país da África do Sul e da Índia. O outro G-3 da América Latina refere-se a um acordo de liberalização comercial Chile-México-Colômbia, concluído na Aladi, no início dos anos 90.
            O G-20, por sua vez, tem vida própria e está mais vinculado às posições negociadoras em agricultura na OMC do que a qualquer esquema político na América do Sul.

6)  Do you think Spain is vitalizing the relations between the two regions in this third meeting? What is the balance of the Spain initiatives in the last  two?
            PRA: A Espanha tem desempenhado um papel fundamental não apenas nos processos de cooperação política e econômica (cúpulas ibero-americanas e euro-latino-americanas), como também na implementação prática da interdependência econômica recíproca, ao ser um dos maiores investidores, se não o maior, na região. Ela continuará a ter um papel relevante nesses processos político-diplomáticos e econômicos, voltando a dispor, em conseqüência, de um poder político e econômico que ela nunca mais tinha tido desde o final da dominação colonial sobre o continente. Esse poder, obviamente, é feito atualmente em benefício de todos os povos da região e da Espanha. 

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Controle de capitais: economistas dos EUA a favor

Uma carta dirigida ao Secretário do Tesouro, o Secretário do Comércio e à Secretária de Estado defende a adoção de medidas defensivas contra fluxos excessivos de capitais, pregando a mudança dos acordos de investimentos e de liberalização de comércio:

January 31, 2011

Secretary Hillary Rodham Clinton
U.S. Department of State
2201 C Street NW
Washington, D.C. 20520

Secretary Timothy Geithner
Department of the Treasury
1500 Pennsylvania Avenue, NW Washington, D.C. 20220

Ambassador Ron Kirk
Office of the United States Trade Representative
600 17th Street NW
Washington, DC 20508

Dear Secretary Clinton, Secretary Geithner, and Ambassador Kirk:

We, the undersigned economists, write to alert you to important new developments in the economics literature pertaining to prudential financial regulations, and to express particular concern regarding the extent to which capital controls are restricted in U.S. trade and investment treaties.
Authoritative research recently published by the National Bureau of Economic Research, the International Monetary Fund, and elsewhere has found that limits on the inflow of short-term capital into developing nations can stem the development of dangerous asset bubbles and currency appreciations and generally grant nations more autonomy in monetary policy-making.i
Given the severity of the global financial crisis and its aftermath, nations will need all the possible tools at their disposal to prevent and mitigate financial crises. While capital account regulations are no panacea, this new research points to an emerging consensus that capital management techniques should be included among the “carefully designed macro-prudential measures” supported by G-20 leaders at the Seoul Summit.ii Indeed, in recent months, a number of countries, from Thailand to Brazil, have responded to surging hot money flows by adopting various forms of capital regulations.
We also write to express our concern that many U.S. free trade agreements and bilateral investment treaties contain provisions that strictly limit the ability of our trading partners to deploy capital controls. The “capital transfers” provisions of such agreements require governments to permit all transfers relating to a covered investment to be made “freely and without delay into and out of its territory.”
Under these agreements, private foreign investors have the power to effectively sue governments in international tribunals over alleged violations of these provisions. A few recent U.S. trade agreements put some limits on the amount of damages foreign investors may receive as compensation for certain capital control measures and require an extended “cooling off” period before investors may file their claims.iii However, these minor reforms do not go far enough to ensure that governments have the authority to use such legitimate policy tools. The trade and investment agreements of other major capital-exporting nations allow for more flexibility.
We recommend that future U.S. FTAs and BITs permit governments to deploy capital controls without being subject to investor claims, as part of a broader menu of policy options to prevent and mitigate financial crises.
Sincerely,

Initial Signatories:
1. Ricardo Hausmann, Director, Harvard University Center for International Development
2. Dani Rodrik, Rafiq Hariri Professor of International Political Economy, John F. Kennedy School of Government, Harvard University
3. Joseph Stiglitz, University Professor, Columbia University, Nobel laureate
4. Arvind Subramanian, Senior Fellow, Peterson Institute for International Economics, and Senior Fellow, Center for Global Development
5. Nancy Birdsall, President, Center for Global Development, Washington, DC
6. Olivier Jeanne, Professor of Economics, Johns Hopkins University, and Senior Fellow, Peterson Institute for International Economics
7. Pranab Bardhan, Professor of Economics, University of California, Berkeley
8. Lance Taylor, Department of Economics, New School for Social Research
9. Jose Antonio Ocampo, School of International and Public Affairs, Columbia University
10. Stephany Griffith-Jones, Initiative for Policy Dialogue, Columbia University
11. Ethan Kaplan, IIES, Stockholm University and Columbia University
12. Dimitri B. Papadimitriou, President, The Levy Economics Institute of Bard College
13. Ilene Grabel, Josef Korbel School of International Studies, University of Denver
14. Alice Amsden, Department of Urban Studies and Planning, MIT
15. Gerald Epstein, Department of Economics, University of Massachusetts-Amherst
16. Kevin P. Gallagher, Department of International Relations, Boston University
17. Sarah Anderson, Global Economy Project Director, Institute for Policy Studies
18. Arindrajit Dube, Department of Economics, University of Massachusetts-Amherst
19. William Miles, Department of Economics, Wichita State University
20. Adam Hersh, Center for American Progress
21. James K. Galbraith, Lloyd M. Bentsen Jr. Chair in Government/Business Relations and Professor of Government, University of Texas at Austin
22. Paul Blustein, Nonresident Fellow, the Brookings Institution, and Senior Visiting Fellow, Centre for International Governance Innovation
23. Anton Korinek, Department of Economics, University of Maryland

Other US-Based
24. Rania Antonopoulos, Director, Gender Equality and the Economy Program, Levy Economics Institute
25. Eileen Appelbaum, Center for Economic and Policy Research
(...)
127. Steven Topik, Department of History, University of California
(...)
139. Silverio Zebral, Chief-Economist, Organization of American States (OAS)
International
(...)
159. Ha-Joon Chang, Department of Economics, University of Cambridge, UK
(...)
174. Ricardo Ffrench-Davis, Professor, Departamento de Economía, Universidad de Chile, Chile
(...)
177. Roberto Frenkel, Professor and Principal Research Associate, University of Buenos Aires and CEDES, Argentina
(...)
210. André Nassif, Professor, Department of Economics, Universidade Federal Fluminense Brazil and The Brazilian Development Bank (BNDES), Brazil
(...)
229. Gilson Schwartz, Professor, University of São Paulo, Brazil
(...)
239. Eduardo Strachman, Coordinator of Post Graduate Studies in Economics, São Paulo State University, (Unesp), Araraquara, São Paulo, Brazil

Organizations listed for identification purposes only.

i For some of the most important recent studies see: Ostry JD, Ghosh AR, Habermeier K, Chamon M, Qureshi MS and Reinhardt DBS (2010). Capital Inflows. The Role of Controls. IMF Staff Position Note, SPN/10/04. Washington, DC, International Monetary Fund. Magud N and Reinhart CM (2006). Capital Controls: An Evaluation. NBER Working Paper 11973. Cambridge, MA, National Bureau of Economic Research. Further studies are available upon request.
ii “Seoul Summit Document,” Nov. 12, 2010.
iii See, for example, Annex 10-E of the U.S.-Peru FTA.

sábado, 25 de setembro de 2010

A integracao Sul-Sul e o desvio de comercio

Isto tambem faz parte da nova geografia comercial internacional:

Brasil deve assinar em dezembro acordo com dez emergentes
Assis Moreira
Valor Econômico, 20/09/20010

O Brasil pretende assinar em dezembro o acordo comercial Sul-Sul com outros dez emergentes. O acordo envolverá os quatro países do Mercosul mais Coreia do Sul, Índia, Indonésia, Malásia, Egito, Marrocos e Cuba. Estabecerá uma preferência tarifária de 20% em grande parcela das exportações nesse grupo. Foram excluídos da liberalização boa parte dos produtos agrícolas. O Brasil excluiu têxteis, bens de capital, eletrônicos e automóveis.

O Brasil articula para assinar em dezembro com outros dez países emergentes um acordo comercial estabelecido em novas bases, pelo qual trocarão margem de preferência de 20% em boa parte das exportações entre eles, no que ficou conhecida como "Rodada Sul-Sul". A negociação está praticamente concluída e o governo brasileiro agora está convidando os outros participantes a assinar o acordo durante a cúpula do Mercosul, dias 16 e 17 de dezembro, em Foz do Iguaçu, num dos últimos atos do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Participam o Mercosul como bloco - Brasil, Argentina Paraguai e Uruguai -, Coreia do Sul, Índia, Indonésia, Malásia, Egito, Marrocos e Cuba, bem menor do que a lista inicial de participantes. "Foi criado um novo paradigma para negociação entre os países em desenvolvimento", afirma o embaixador brasileiro na Organização Mundial do Comércio (OMC), Roberto Azevedo. "Em vez da negociação interminável baseada em oferta e demanda, foi fixada uma margem de preferência, que beneficiará os participantes não importa se a tarifa sobe ou desce."

Se a tarifa de importação de um produto na Índia é de 10% para os Estados Unidos, ela cairá a 8% para o Brasil, dando vantagem para o produto brasileiro. O acordo cobre 70% do comércio, com setores sensíveis ficando fora da liberalização nos outros 30% de exceção pedida por vários países para participar do pacote.

Os parceiros excluíram da liberalização boa parte dos produtos agrícolas, o que não é surpresa e apenas confirma a dificuldade para esse tipo de acordo diante do temor com a competitividade brasileira no setor. Por sua vez, o Brasil não dará a margem de preferência sobretudo para têxteis, bens de capital, eletrônico e automóveis, que interessam mais aos indianos e coreanos, por exemplo.

"Esse é um acordo que vai criar oportunidades novas de negócios, mais do que abrir o comércio de produtos atuais entre os participantes", diz o diretor do Departamento Econômico do Itamaraty, ministro Carlos Marcio Cozendey. "O Brasil tem uma vasta gama de produtos industrializados que podem ser atraentes para mercados que até agora importam principalmente produtos de base."

O Itamaraty calcula que o acordo beneficiará entre um terço e metade das exportações brasileiras para os países participantes, quase todos com bom potencial de crescimento. A negociação foi lançada em São Paulo em 2004, na conferência da Agência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (Unctad), sob a cobertura do Sistema Geral de Preferências Comerciais (SGPC), que define negociações entre países em desenvolvimento.

No princípio, cerca de 40 países começaram a participar das discussões. No ano passado eram 21 e agora devem assinar 11, mas que basicamente são grandes, com exceção de Cuba. A China ficou fora desde o começo, temida pelos concorrentes.

O Mercosul inicialmente quis corte de tarifas de 40%, depois teve de reduzir a ambição para 30% e afinal teve de aceitar margem de preferência de 20% para poder manter outros países no acordo, como a própria Índia.

No ano passado, o ministro de Comércio do Irã chegou a participar do anúncio da conclusão da primeira parte do acordo, ao lado do ministro Celso Amorim, em Genebra. Mas só quer assiná-lo depois de ser aceito na OMC, onde já vai ter de pagar com liberalização de seu mercado. A Argélia, que também negocia sua entrada na OMC, tomou o mesmo rumo. O México e o Chile, com muitos acordos bilaterais de comércio e tarifas baixas, resolveram ficar fora.

A Unctad estima que, apesar do número reduzido de participantes, o impacto em termos de comércio adicional será maior do que a negociação na Rodada Doha. É que a margem de preferência é sobre a tarifa aplicada e não sobre a consolidada, como ocorre na OMC.

Técnicos da agência admitem que uma parte será desvio de comércio, ou seja, os participantes vão comprar mais entre eles, com tarifa menor, em vez de importar de outros países que ficarão fora do acordo.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Nova geografia do comercio internacional: finalmente um acordo...

O modesto acordo Sul-Sul
Editorial - O Estado de S.Paulo
21 de setembro de 2010

O Brasil e mais dez países poderão concluir em dezembro a primeira Rodada Sul-Sul, uma negociação comercial lançada em São Paulo em 2004. O ponto principal do acordo será uma vantagem tarifária - ou margem de preferência - de 20% para a maior parte dos produtos comercializados entre os participantes. O governo brasileiro propõe a assinatura do compromisso em Foz do Iguaçu, durante a próxima conferência de cúpula do Mercosul. Até lá, os diplomatas terão de torcer para ninguém mais desistir. No começo da negociação os envolvidos eram 40 países. O número foi minguando e dos 11 atuais 4 são do Mercosul.

O resultado econômico será provavelmente modesto, mas o governo brasileiro poderá apresentar o acordo como um feito diplomático importante: pela primeira vez países emergentes da América, da Ásia e da África terão formalizado uma troca de vantagens dentro do Sistema Geral de Preferências Comerciais.

Será também o primeiro acordo brasileiro com vários parceiros de fora da América do Sul. A negociação entre Mercosul e União Europeia foi retomada recentemente, depois de quase seis anos de abandono, e sua conclusão é incerta. O projeto da Área de Livre Comércio das Américas envolveria 34 países do hemisfério, mas foi implodido em 2003. A mais ambiciosa iniciativa multilateral, a Rodada Doha, lançada em 2001, está paralisada há mais de um ano e ninguém sabe quando se poderá retomá-la para valer.

Fora da vizinhança, o Mercosul tem acordos de livre comércio com Israel e com o Egito, Além disso, acertou algumas facilidades com o México, mas em escala muito limitada. A primeira Rodada Sul-Sul foi lançada em São Paulo, há seis anos, durante evento da Unctad, a Conferência das Nações Unidas para Comércio e Desenvolvimento. Realizada pela primeira vez em 1964, em Genebra, essa conferência, concebida como um fórum de países do Terceiro Mundo, se converteu em órgão permanente.

A ideia de uma Rodada Sul-Sul ajustou-se perfeitamente às novas bandeiras da diplomacia brasileira, adotadas a partir de 2003. Mas três quartos dos países mobilizados inicialmente abandonaram o projeto. A China, embora considerada uma potência emergente, seria um parceiro incômodo, por causa de suas condições especiais de competitividade. O grupo remanescente inclui, além dos quatro membros do Mercosul, a Coreia, por muitos considerada um país industrializado, a Índia, a Indonésia, a Malásia, o Egito, o Marrocos e a pequena Cuba, a menor e mais fraca dessas economias.

O Mercosul já tem um acordo de livre comércio com o Egito, assinado este ano. A Coreia já negociou um acordo desse tipo com os Estados Unidos, ainda não aprovado pelo Congresso americano, e suas conversações com a União Europeia estão avançadas. Dentre as economias envolvidas na Rodada Sul-Sul, a mais desenvolvida é a coreana, com elevado nível de industrialização, respeitável estoque de capital humano e alto padrão de competitividade.

A rodada encolheu não só em número de participantes. Também as propostas se tornaram mais modestas. O Mercosul defendeu inicialmente uma redução de tarifas de 40%. Mas a margem de preferência acabou ficando em 20% - apreciável, de toda forma. Além disso, os negociadores foram cautelosos na seleção dos produtos com tarifas sujeitas à redução. O Brasil não terá facilidades maiores para exportar produtos do agronegócio. Sua competitividade nessa área é reconhecida. Mas, em contrapartida, não concederá facilidades para o ingresso de produtos têxteis, eletrônicos, veículos e bens de capital.

A conclusão dessa rodada provavelmente criará oportunidades comerciais. Mesmo com esse acordo, no entanto, o balanço do governo Lula, no campo da diplomacia comercial, será muito pobre. Parte desse resultado será atribuível às suas escolhas. Decisões políticas erradas privaram o Brasil, por exemplo, de uma presença maior no mercado americano e de acordos vantajosos com parceiros do mundo rico. Nossos concorrentes se beneficiaram desse equívoco.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Diplomacia dos acordinhos comerciais...

Parece que o Estadão é um jornalão sem humor, sobretudo sem sutilezas. Ele não percebe a enorme importância desses acordos que vem sendo negociados pelo Mercosul, seu enorme impacto sobre a economia brasileira. Ele não percebe que a nova geografia do comércio internacional tem razões que a própria razão desconhece. Ignora essas coisas que são feitas com o coração, e não simplesmente com o bolso. Materialistas vulgares...
Paulo Roberto de Almeida

O Mercosul e seus parceiros
Editorial - O Estado de S.Paulo
04 de agosto de 2010

Sem um acordo sequer com os grandes mercados do mundo rico, o Mercosul acaba de fechar seu segundo tratado de livre comércio fora da América do Sul. Desta vez o acerto foi com o Egito. O anterior foi com Israel. Há um acordo de preferências comerciais com a Índia, definido formalmente como primeiro passo na direção de um pacto de livre comércio. O entendimento com o Egito foi oficializado na cidade argentina de San Juan, na segunda-feira, no primeiro dia da reunião de ministros e presidentes do bloco. Foi um dos principais eventos de uma conferência sem grandes emoções.

A ministra de Indústria e Comércio da Argentina, Débora Giorgi, descreveu o acordo como um passo importante para o bloco, porque o Egito, com 76 milhões de habitantes, tem crescido com rapidez e alcançou no ano passado um PIB de US$ 187 bilhões. O chanceler Celso Amorim mostrou igual entusiasmo. Segundo nota do Itamaraty, o acerto com o Egito "reafirma o interesse dos países do bloco em negociar acordos comerciais ambiciosos".

O acordo pode ser interessante, mas a adjetivação usada pelos diplomatas brasileiros é um tanto exagerada. No ano passado, o Brasil exportou US$ 1,4 bilhão para o mercado egípcio e importou US$ 87,7 milhões. Os principais produtos exportados foram minério de ferro, açúcar, carne bovina congelada e aviões. As principais importações foram de fertilizantes e algodão. O autor da nota aproveitou para lembrar negociações com outros parceiros da região - Jordânia, Marrocos e países do Conselho de Cooperação do Golfo (Arábia Saudita, Bahrein, Catar, Emirados Árabes Unidos e Omã).

A parte final da nota é especialmente instrutiva para quem quer entender as atuais prioridades comerciais do Itamaraty e do Palácio do Planalto. Segundo a notícia, o Egito tem acordos de livre comércio com a União Europeia, a Turquia, o Mercado Comum da África Oriental e Austral e a Área de Livre Comércio Pan-árabe. Graças ao novo acordo, os países do Mercosul poderão exportar para o Egito com as mesmas facilidades já concedidas àqueles blocos e países.

Em outras palavras: o Brasil poderá competir com os países da União Europeia e com a Turquia pelo mercado egípcio. Mas o governo brasileiro e seus parceiros do Mercosul fizeram muito menos que o necessário, nos últimos dez anos, para competir com o Egito e a Turquia pela conquista de mercados na Europa.

Egípcios, turcos e vários países do Mediterrâneo têm acesso privilegiado à União Europeia, concorrendo vantajosamente com os brasileiros. Os negociadores do Mercosul deveriam ter trabalhado há muito tempo para eliminar essa diferença, mas objetivos como esse não se encaixam bem na sua concepção de comércio. O acordo com a União Europeia, em negociação há mais de dez anos, permaneceu emperrado por muito tempo, principalmente por causa de divergências entre Brasil e Argentina. As discussões foram retomadas e o acordo agora está próximo, segundo autoridades do Mercosul. Mas isso já foi dito em outras ocasiões.

Os governos do Brasil e da Argentina tiveram o cuidado, pelo menos, de não enterrar as negociações com os europeus, como fizeram no caso da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). A liquidação da Alca dependeu muito mais de Brasília e Buenos Aires do que de Washington. Depois, o governo americano avançou em conversações com outros sul-americanos. Reação do Itamaraty: são acordos sem grande consequência, porque esses mercados são menos importantes que o brasileiro para os EUA. Como agora, os estrategistas de Brasília enxergaram o quadro de cabeça para baixo.

Com aqueles acordos, outros países sul-americanos teriam acesso preferencial ao maior mercado não só do hemisfério, mas do mundo, e ganhariam investimentos de empresas interessadas nessa vantagem. Empresas brasileiras também seriam atraídas. Além disso, esses países se abriram não só às indústrias americanas, mas também às de outros países, como a China. O Brasil perdeu de todos os lados. Só os estrategistas de Brasília parecem não perceber.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Nossos aliados estrategicos (apenas para vender armas...)

Quando se trata de vender caças e submarinos, a França é aliada estratégica do Brasil.
Quando se trata de concluir um acordo de liberalização comercial, ela deixa de ser aliada para ser uma das mais decididas opositoras da expasão de comércio que possa haver.

França trava acordo entre UE e Mercosul, diz Lula
Fábio Amato e Simone Iglesias
Folha de S. Paulo, 15.07.2010

O presidente Lula disse ontem que a França é o principal entrave para um acordo entre Mercosul e União Europeia em torno da criação de uma zona de livre comércio entre os dois blocos.
Em discurso na 4ª reunião de cúpula Brasil-União Europeia, em Brasília, Lula disse que o seu principal compromisso como presidente do Mercosul, cargo que assume ainda neste mês, será convencer o colega francês, Nicolas Sarkozy, a enfrentar vozes contrárias ao acordo dentro de seu país para que o compromisso saia. A iniciativa sofre oposição, principalmente de agricultores.
O companheiro que mais tem dado trabalho nas discussões sobre zona de livre comércio é um grande amigo meu, o presidente da França, Nicolas Sarkozy. Eu tenho a responsabilidade de tentar convencer o Sarkozy a flexibilizar o coração dos franceses e a gente fazer um acordo antes de eu terminar a Presidência. Seria um avanço extraordinário, disse.
Lula disse que conhece o peso dos agricultores franceses na política do país e classificou como normais as pressões de setores que se sintam prejudicados com o acordo Mercosul-UE.

BENEFÍCIOS
O presidente apontou, porém, que os países dos dois blocos precisam levar em conta o benefício da zona de livre comércio para a população de uma maneira geral.
Você sempre pode ter um setor da economia que não fique contente, mas isso aqui não é um jogo de corporação. É um jogo de nações, em que você tem que fazer os acordos pensando em beneficiar o conjunto da população.
O presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso, disse durante o encontro que um acordo entre o bloco e o Mercosul em torno da zona de livre comércio só não foi possível até agora porque os latino-americanos estão pedindo muito.
De acordo com Barroso, a UE está interessada em uma parceria, mas isso só vai ser possível se o Mercosul apresentar uma proposta mais equilibrada, que atenda a interesses gerais das 27 nações que compõem o bloco europeu e de algum setor que se sinta mais especialmente afetado, em referência aos agricultores, contrários à iniciativa.
Mercosul e UE voltaram a negociar a zona de livre comércio em maio. As conversações estava interrompidas desde 2004 porque os europeus não ofereciam a abertura no mercado agrícola desejada pelos sul-americanos.

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França é pedra no sapato
Mariana Mainenti
Correio Braziliense, 15.07.2010

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso, assumiram ontem compromisso político com a consolidação do acordo entre Mercosul e União Europeia até o fim do ano. Os dois mandatários demonstraram determinação em convencer o presidente francês, Nicolas Sarkozy, a tentar equalizar em seu país as questões relacionadas à oposição dos agricultores à proposta de redução dos subsídios a esse setor — principal entrave às negociações entre os dois blocos econômicos.

“Queremos avançar para criar um acordo de livre-comércio entre Mercosul e União Europeia. Isso será uma prioridade durante a minha Presidência (do Mercosul)”, afirmou Lula, após reunir-se com Durão Barroso e o presidente do Conselho Europeu, Herman Van Rompuy, durante a IV Cúpula Brasil-União Europeia, no Palácio do Itamaraty. “Vamos batalhar em conjunto por esse acordo”, afirmou o presidente da Comissão Europeia. Em entrevista concedida pelos três à imprensa, Lula disse que tentará convencer Sarkozy a flexibilizar “o coração dos franceses” para que seja fechado um acordo até o fim do mandato do presidente brasileiro.

Durão Barroso afirmou que o acerto trará grande benefício para ambas as partes. “Somos 27 países e temos que recolher o apoio em muitas frentes. Por isso, esperamos que o Mercosul avance com uma oferta que também corresponda às nossas ambições”, provocou Barroso. A União Europeia deseja a liberalização de setores industrias dos países do Mercosul, assim como o de serviços e de compras governamentais.

O Brasil já sinalizou que está disposto a fazer concessões nessas áreas, mas para isso é necessário que os europeus concordem com a redução nos subsídios à agricultura. No entanto, o presidente francês, cuja popularidade está abalada por escândalos recentes, enfrentou protestos do setor agrícola devido à retomada das negociações da UE com o Mercosul. Lula, por sua vez, terá de lidar com resistências da Argentina à liberalização em alguns setores. A sinalização para um acordo Mercosul-UE acontece num momento em que a economia europeia, atolada na recessão, está no centro das atenções.

Cruzar o Atlântico
Durante o encerramento do IV Fórum Empresarial Brasil-União Europeia, o presidente brasileiro convidou os europeus que estejam se sentindo inseguros com as instituições financeiras de seu país a investir seus recursos no Brasil. “Se tiver dinheiro no banco e não estiver seguro, atravesse o Atlântico e venha para o Brasil”, disse.

Lula deixou o discurso oficial previsto de 29 páginas de lado e recorreu ao improviso para fazer uma retrospectiva dos desafios enfrentados em seu governo na área econômica. “Eu comecei a minha vida política tendo relações com os europeus, seja brigando com os empresários da região quando era presidente do sindicato em Diadema, seja negociando com os dirigentes sindicais europeus”, afirmou, lembrando -se das resistências que sofreu por parte de empresários e analistas econômicos no início de seu mandato.

O presidente afirmou que tinha “medo(1)” no início do mandato e fez referência à primeira reunião que teve com o então diretor-gerente do FMI Horst Koeller. “Não me esqueço do Koeller, que foi diretor-gerente do FMI, da primeira conversa que nós tivemos. Passei 20 anos da minha vida carregando a faixa ‘Fora FMI’ e, sabe, de repente estava sentado na frente do cara do FMI querendo que eu aumentasse superavit primário”, afirmou. Segundo ele, hoje o Brasil é um país sério, que tem “um sistema financeiro mais sólido até que o europeu”.

De acordo com Lula, foi em uma visita à Espanha, quando o então primeiro-ministro, Felipe González, lhe lembrou que teria apenas quatro anos para lidar com questões como a relação com as Forças Armadas, que se deu conta de que tomou a decisão de “não ficar brigando com ninguém”. “Um mandato é tão curto que, se você trabalhar 24 horas como a gente trabalha, não consegue fazer tudo. Imagina se passar um tempo brigando com a oposição, brigando com os empresários”, disse.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Custo Brasil, protecionismo impedem acordos comerciais

O reporter acha que o preconceito ideológico do governo contra acordos com países ricos não existe. Talvez, mas deve ser preconceito contra a abertura, então. Ele acha que o protecionismo argentino é um mito. Talvez, mas deve ser protecionismo brasileiro então.
Curioso que todos falam do famoso custo Brasil, mas ninguém cobra do nosso empresariado uma ação decisiva a esse respeito. Como tem o custo Brasil, então isso é desculpa para continuar protecionista, recusar acordos, etc.
Talvez o governo tenha um preconceito ideológico a favor de acordos com países pobres, o que não deixa de ser preconceito.
Qualquer preconceito é estúpido, inclusive o de pretender não ter preconceito.
Como alguém muito bem posicionado no assunto já disse: "todo mundo tem ideologia", o que é uma desculpa esfarrapada para continuar manifestando a sua...
Paulo Roberto de Almeida

Acordo comercial tem embaraço no Brasil
Sergio Leo
Valor Econômico, 12/07/2010

O possível acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia está de volta à lista de assuntos que nunca chegam ao fim que prometem. O retorno é boa oportunidade para desmistificar certos mitos, ideias que passam por verdades estabelecidas, mas não se sustentam ao se conhecer a realidade das negociações comerciais.
Dois mitos de fôlego são os de que: 1) preconceitos ideológicos do governo inviabilizam acordos comerciais com países ricos; e 2) a Argentina é o grande obstáculo às negociações para derrubada de barreiras de sócios comerciais do Brasil.
A Argentina exagera em seu viés protecionista, mas, em algumas negociações comerciais, age incentivada por associações empresariais brasileiras. A diplomacia brasileira, de fato, tem prevenção contra certos modelos de acordo dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) - nações como os EUA e as principais potências europeias.
São acordos que vão além de comércio, enrijecem regras de propriedade intelectual e impedem prioridade a fornecedores nacionais nas compras do governo, entre outros pontos - questões de política econômica, não de mera ideologia, que merecem debate.
Há freios mais fortes às negociações do Brasil no próprio setor privado brasileiro. As associações empresariais são o veículo preferencial para o acionamento desses freios, mas elas agem somente quando se aproxima do fim alguma negociação importante - como foi o caso, anos atrás, do acordo quase assinado entre Mercosul e Conselho de Cooperação do Golfo (CCG). O acordo, que abriria mercado em uma das regiões de maior crescimento de
importações do mundo, era prioridade do governo, mas foi bloqueado por pressão da indústria química nacional, que teme os planos de produção petroquímica futura dos árabes.
Curiosamente, o acordo com o CCG é apontado entre as prioridades na agenda para os candidatos à Presidência formulada pela Confederação Nacional da Indústria (menosprezando o papel da Abiquim, a associação do setor químico, em bloquear a negociação). O documento da CNI cita, coerentemente, a necessidade de acordo com grandes mercados, como EUA e União Europeia.
Os EUA, porém, até hoje não aprovaram no próprio Congresso o acordo de comércio assinado com a Colômbia em 2006; não reúnem condições políticas para aceitar os pleitos do Brasil em agricultura e setores competitivos, como aço ou suco de laranja.
O caso dos europeus é ainda mais interessante. Embora entidades heterogêneas, como a CNI e a Fiesp, anunciem interesse no acordo com os europeus, uma variedade de associações empresariais batalha nos bastidores contra a negociação. Quem conversa com integrantes da Eletros, por exemplo, sabe que os fabricantes brasileiros de eletroeletrônicos querem mercado aberto com países na América do Sul e alguns emergentes, mas pedem distância dos europeus, americanos ou asiáticos. A Abiquim também se manifesta discretamente contra o acordo com a UE, assim como a Abinee, da indústria eletroeletrônica, e o Sindipeças, de peças e partes automotivas.
Até a Anfavea, do setor automotivo, está dividida na questão e, antes interessada no acordo, perdeu entusiasmo com as negociações. Os empresários sabem que são injustos quando atribuem apenas ao governo a timidez em acordos assinados recentemente com países como Índia e África do Sul. Os empresários do setor automotivo são os primeiros a apontar problemas em abrir o mercado brasileiro aos indianos e sul-africanos. O setor
têxtil endossa as prevenções contra a Índia.
As pressões que se manifestam quando o governo está prestes a concluir negociações não raramente incluem ameaça de bloquear o acordo no Congresso, se assinado. A última dessas manifestações foi feita pela Abit, do setor têxtil, que, em carta a vários ministérios, se recusa a fazer qualquer concessão para fazer andar a negociação em curso com o Egito, com países de menor desenvolvimento relativo como Camboja, com os países da chamada rodada São Paulo da Unctad, como Coreia do Sul ou Índia. Com a UE, pede firmeza na exigência de regras de origem, demanda legítima.
Submetidos a juros recordistas, ao câmbio valorizado em relação ao dólar, a concorrentes com preços artificialmente baixos, a tributos escorchantes e infraestrutura deficiente, não é por tara protecionista que empresários nacionais rejeitam os acordos (ainda que alguns busquem nas barreiras comerciais a solução para problemas de eficiência). A CNI cita estudo do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), segundo o qual a melhoria da infraestrutura nacional garantiria vantagens maiores que um acordo de comércio com grandes parceiros. Uma queda de 10% no custo de transportes aumentaria em 30% as vendas aos EUA; uma queda de 10% nas tarifas elevaria
as exportações para lá em apenas 1,9%.
O necessário debate sobre o empenho comercial brasileiro exige que sejam deixados de lado os mitos, relevantes apenas para uso em palanque, e se discutam as verdadeiras questões que bloqueiam as negociações de comércio do Brasil com o mundo.

Sergio Leo é repórter especial e escreve às segundas-feiras

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Addendum para tornar transparente o comentário do referido repórter à minha nota inicial, e os meus comentários em retorno:

2 Comentários

Sergio Leo disse...

Não, meu caríssimo diplomata e professor, o repórter, eu, não acha nem escreveu que o governo não tem preconceitos contra acordos nem que o protecionismo argentino seja um mito. Releia a coluna do repórter com menos preconceito, e verá que ele diz coisa distinta: não é a Argentina o único nem o principal obstáculo a acordos comerciais e não são os preconceitos do governo o que inviabiliza acordos com países ricos.

Segunda-feira, Julho 12, 2010 8:52:00 PM

Blogger Paulo R. de Almeida disse...

Então ficamos assim combinados:
1) O reporter não tem preconceito a favor do governo;
2) O governo não tem preconceitos contra países ricos e não tem preconceitos contra acordos comerciais em geral, com países ricos em particular;
3) Os empresários brasileiros, tão ativos e preparados, não tem preconceitos contra a competição em geral, a da China e dos países ricos em particular;
4) Os mesmos empresários tampouco tem preconceitos contra receber dinheiro favorecido do governo e sobretudo receber proteção especial do governo contra concorrência desleal, sobretudo quando ela é apenas concorrência;
5) Este escrevinhador não tem preconceitos contra preconceitos, e não tem restrições a governos e acordos comerciais em geral, com países ricos ou pobres em especial, sobrando só os do mesmo bloco, que são excepcionais, e podem praticar protecionismo a vontade;
6) O Brasil é um país sem preconceitos. Por isso mesmo, ele pode criar cotas para empresários, para negros, e outras minorias desfavorecidas, os empresários sendo apenas uma minoria favorecida, mas que não deixa de ser minoria...
Paulo Roberto de Almeida

Segunda-feira, Julho 12, 2010 11:14:00 PM

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Se ouso acrescentar mais uma pequena nota, seria esta:

O governo não tinha preconceitos contra a Alca: ele apenas desejava implodi-la, e conseguiu, vangloriando-se do fato depois em diversas ocasiões, pela boca de suas autoridades mais consagradas, a partir do presidente.
Não se tratava de preconceito, apenas oposição a um acordo que seria catastrófico para o Brasil, segundo o diagnóstico antecipado de seus ideólogos mais respeitáveis. Eles já sabiam que a Alca representaria o fim da soberania e da autonomia do Brasil para estabelecer, definir e implementar políticas públicas em geral e setoriais de comércio e indústria em particular.
Mas, isso não era preconcento. Apenas antevisão, premonição, certez de que a Alca seria um desastre para o Brasil.
Não era preconceito, era um pré-conceito, ou seja, um conceito formado antes.
O governo é um visionário, e encontra repórteres para justificar e explicar essas coisas pouco ideológicas.

Como disse uma vez o presidente do Bank of England a um economista:
"You are not here to tell us what to do, but to explain to us why we have done it."
Norman Montagu, cited by Liaquat Ahmad, Lords of Finance, p. 233.

All is said.
Paulo Roberto de Almeida

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Novo Addendum em torno de um debate essencial, para o jornalismo e a diplomacia

Transcrevo primeiro, for sake of transparency, novo comentário do jornalista ao meu comentário acima alinhado:

Sergio Leo disse...

Podemos combinar outra coisa, embaixador:
1) o diplomata tem preconceito já expressado neste blogue contra o repórter, que considera "linha auxiliar do governo". O repórter não concorda com essa avaliação e acredita que ela impede ao diplomata ler com isenção suas colunas e discutir o verdadeiro ponto expressado nelas.
O repórter tem preconceito, sim, contra explicações simplistas e definitivas, como a de que são os preconceitos do governo que impedem acordos com os países ricos. Já no governo FHC, sem preconceito, aparentemente, o governo brasileiro se insurgia contra propostas essenciais da Alca, como os dispositivos em propriedade intelectual, as determinações em compras governamentais e as disposições sobre solução de controvérsias, que, diziam as autoridades anteriores a Lula, não eram aceitáveis pelo Brasil. (Dispostitivos aceitos pela Colômbia, por exemplo, mas que não ajudam a tirar do limbo no Congresso americano o acordo de livre comércio assinado com os colombianos e até hoje não aprovado em Washington _ certamente não por causa do sabido preconceito acima do rio Grande contra cucarachos).

Dizer que o que impede um acordo Mercosul-União Europeia seriam os preconceitos do governo petista não faz jus à reconhecida inteligência do diplomata e professor, respeitada pelo repórter, que entende e encoraja seu papel no debate político e partidário nacional _ ainda que nesse papel revele preconceitos insultuosos contra o jornalista.

A coluna crítica o protecionismo do empresariado nacional, embora manifeste respeito as posições do setor privado e admita que o Custo Brasil desequilibra as condições de competição com a concorrencia estrangeira. Mas o preconceito do diplomata e professor contra o repórter não o deixa reconhecer isso, a ponto de atribuir ao jornalista a afirmação de que não haveria protecionismo entre empresários _ enquanto a coluna diz explícitamente que empresarios pedem barreiras para proteger suas ineficiencias.

O repórter, sem preconceitos, aplaude a vocação democrática do diplomata e professor, que publica o contraditório nestes comentários. E aceita combinação num ponto: compartilha as restrições a políticas de cotas e endossa suas observações sobre o protecionismo no setor privado, que deveria trocar suas reivindicações de facilidades oficiais por pressão mais efetiva contra o Custo Brasil.
Terça-feira, Julho 13, 2010 11:08:00 AM

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Agora, o diplomata-professor (talvez o inverso) vem novamente dizer que:

1) Credibilidade de informações e honestidade intelectual são duas qualidades essenciais aos jornalistas, aos professores, aos diplomatas. Nenhum deles conseguiria manter sua boa reputação dispensando qualquer grama de credibilidade e honestidade.
2) O professor-diplomata apresenta suas humildes desculpas se algo próximo da desconfiança e da subserviência pareceu transparecer de suas avaliações sobre as matérias do jornalista em questão. Não era essa a intenção, apenas a de exercer sua dose de ceticismo e de exame crítico sobre cada linha escrita sobre um governo que não preza muito essas qualidades, como revelado em inúmeros casos internos e externos.
3) Todos tem direito a exercer sua dose de anarquismo intelectual, o que é, aliás, uma atitude recomendável sobretudo para jornalismo, pois o Estado tem meios poderosos para construir sua verdade e defender suas razões (que muitas vezes não são nem de Estado, mas de pessoas).
4) O governo FHC nunca gostou da Alca, isso é público e notório, inclusive porque isso corresponde a um sentimento unânimo no Brasil, desde sempre: falou em livre comércio, somos contra, qualquer que seja a razão, só aceitável desde que seja a nosso favor...
5) Empresários estão submissos ao Estado, e pretendem continuar assim, e este por outro lado atende seus reclamos protecionistas.
6) A retirada dos APPIs do Congresso foi feita em dezembro de 2002, para atender aos reclamos do governo eleito, não necessariamente como iniciativa do governo FHC, causando assim desconforto e uma descortesia diplomática brutais entre os países parceiros nesses acordos, que não entenderam as razões do Brasil, senão como submissão a uma ideologia canhestra.
7) O principal fator de oposição aos acordos de investimento sempre foi essa ideologia difusa que faz com que o Brasil adore capitais estrangeiros, mas deteste capitalistas estrangeiros, se apoiando mais em empréstimos e financiamentos do que em investimentos diretos em toda a sua história, numa das demonstrações mais idiotas de nacionalismo econômico em vários continentes.
8) No caso da contraposicao Alca-UE, mais do que preconceito, existe ingenuidade, e uma inacreditável crença nas virtudes do modelo europeu, aliás manifestado até na constituição de um bizarro mecanismo redutor de assimetrias, como se o Brasil fosse a Alemanha do processo do Cone Sul.

AO fim e ao cabo, todas essas questões nos revelam apenas como o Brasil é um país de mentalidade atrasada e pouco preparado para crescer. OK, vamos continuar nos arrastando em direção da modernidade, que o progresso também é um fatalidade...

Paulo Roberto de Almeida (13.07.2010)