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segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Que ideia estúpida é esta de Brics? - Vaclav Smil

"Os BRICS são uma invenção completamente artificial"
Entrevista com Vaclav Smil, escritor e professor da Uni. Manitoba
Por Carlos Eduardo VALIM
IstoÉ Dinheiro, Nº EDIÇÃO: 830 | 06.SET.13 

O tcheco naturalizado canadense Vaclav Smil é o que se costuma chamar de um homem renascentista,no sentido de que suas 400 publicações acadêmicas e mais de 30 livros escritos demonstram interesses amplos como eram os de gênios de conhecimento multifacetado


O tcheco naturalizado canadense Vaclav Smil é o que se costuma chamar de um homem renascentista, no sentido de que suas 400 publicações acadêmicas e mais de 30 livros escritos demonstram interesses amplos como eram os de gênios de conhecimento multifacetado como Leonardo da Vinci, Michelangelo e Nicolau Copérnico. Smil, que não tem telefone celular e garante ler até 80 livros por ano, publicou obras sobre assuntos tão diversificados que vão da evolução do consumo de carne no Japão à exploração da biosfera, passando pela desindustrialização dos Estados Unidos. Sua vasta produção faz parte da lista de leituras obrigatórias do bilionário americano Bill Gates, fundador da Microsoft, que escreveu em seu blog que Smil é um dos seus autores favoritos e que aprende mais com ele do que com qualquer outro. Nesta entrevista à DINHEIRO, Smil, com o seu forte sotaque do Leste Europeu, coloca em questão o sentido do termo Brics e o excesso de importância dada aos economistas.

DINHEIRO – Seu último livro trata da reindustrialização dos Estados Unidos. Por que acredita que ela não esteja realmente acontecendo?
VACLAV SMIL – Em uma perspectiva histórica, não ocorre um renascimento da manufatura americana. Muitos economistas não acreditam que a indústria seja uma atividade especial. Eles esperam que seja possível sobreviver somente com empregos em serviços. Mas as sociedades mais bem-sucedidas, não só em termos de geração de riqueza, possuem uma boa porção de empregos industriais. Fazer microchips é, apesar do que muitos economistas americanos pensam, bem mais importante do que servir batatas chips. Os índices de desemprego do país estão em 7%, o que é ok. Mas os postos de trabalho criados nos últimos cinco anos são, em grande parte, temporários e pagam mal. Com isso, surgem problemas, como a queda no número de casamentos. As pessoas querem se casar só depois de terem empregos estáveis. Ou seja, há tremendas consequências sociais, não apenas econômicas, na desindustrialização.

DINHEIRO – A terceirização de produção para o Exterior causará, então, grandes problemas nos países desenvolvidos?
SMIL – Esse é um grande problema, não só por criar um desequilíbrio na balança comercial. Há um grande impacto na classe média. Foi com bons e confiáveis empregos em fábricas que as classes médias surgiram pelo mundo. Sem eles, acontecerão dois movimentos: uma minoria se moverá para cima, para uma classe mais alta, e a grande maioria se tornará pobre.

DINHEIRO – Isso não é privilégio dos países desenvolvidos. No Brasil, há muitas discussões sobre a perda de atividades de manufatura para a China. 
SMIL – Até mesmo a China está perdendo empregos. Bangladesh já é o produtor número 2 em têxteis. O Paquistão passou a China e é o número 1 em roupas de algodão. Tudo isso por causa de uma procura louca por locais com mão de obra mais barata. As empresas vão para Bangla­desh, para aproveitar as condições locais horríveis de trabalho.

DINHEIRO – Não há um limite para isso?
SMIL – Não, até que se acabem as pessoas. As empresas sempre procurarão locais mais baratos, exceto por lugares aonde elas nunca iriam por serem muito perigosos, como alguns países muçulmanos. Acredito que nos próximos 10 a 20 anos estaremos atingindo o limite, porque já teremos passado por toda a América Latina e a Ásia e chegado à África. Então, o ciclo precisa terminar.

DINHEIRO – As empresas vão passar, então, a considerar mais a produtividade como fator para escolher onde se instalarem?
SMIL – Isso já acontece agora. A industrialização moderna não tem relação com a força de trabalho. A maior parte do trabalho já é feita por máquinas. Os iPhones, iPads e que tais não são feitos na China. São apenas montados lá, a partir de componentes construídos por máquinas nos EUA, na Alemanha, Inglaterra, Holanda, Coreia do Sul ou Cingapura. A produtividade já é muito alta. Então, eles buscam fazer de forma um pouco mais barata. Mas, dessa forma, quem terá empregos do futuro? Nem todo mundo poderá ser um consultor de negócios. Então, quem terá poder de compra para consumir esses produtos? Essas pessoas que eles empregam não poderão.

DINHEIRO – E que papel o Brasil pode ter nesse mundo?
SMIL – O Brasil é um País estranho. Por exemplo, que ideia estúpida é esta de Brics? Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul é uma combinação nada natural. Eles são países completamente diferentes: religiões, expectativas, história, meio ambiente, não há nada parecido entre eles. É algo completamente artificial os colocarem juntos só porque, por um tempo, tiveram altos índices de crescimento econômico. E isso nem acontece mais com o Brasil. Mesmo na China o crescimento caiu rapidamente. E, na Rússia, só há petróleo e gás. Não existe crescimento econômico lá. A Rússia é um país de mentira, que não produz nada. O conceito de Brics é a invenção de um economista britânico (Jim O’Neill – leia reportagem AQUI) que um dia teve essa ideia. Agora estão dizendo que 20 outros países serão a onda do futuro, no lugar dos Brics. São nações como Indonésia e a Nigéria. Boa sorte com a Nigéria!

DINHEIRO – Quais são os limites para o crescimento da China?
SMIL – O problema da China é que ela quer ser mais os EUA que os próprios EUA. Mas ela não tem os mesmos recursos, as mesmas capacidades, e não pode repetir a mesma evolução. Então, para que tentar? Os japoneses foram muito mais sábios. O consumo japonês é muito mais modesto e moderno.

DINHEIRO – O aumento do consumo chinês pode ser um problema para o mundo?
SMIL – Com certeza. É só observarmos a indústria da pesca. Estamos pescando próximo ou além dos limites, em todas as partes do oceano. Mesmo na Antártica e no Ártico. É como as plantações de eucaliptos. A Amazônia está sendo preenchida por eucaliptos da Austrália, que não pertencem a essa região. Estamos exaurindo os recursos e causando grandes problemas.

DINHEIRO – O sr. acredita que está havendo uma desmaterialização dos itens industrializados, com o lançamento de produtos que exigem menos materiais para serem produzidos?
SMIL – Sim e não. Nós estamos desmaterializando, em termos. Meu próximo livro, que será lançado em dezembro, tratará disso. Nossas geladeiras, é certo, possuem menos aço do que as de 20 anos atrás. O iPhone é mais leve do que os telefones de dez anos atrás. No entanto, com os automóveis isso não aconteceu. O motor é mais leve, porque tem menos alumínio. Mas o peso geral dos carros aumentou. Mesmo o telefone mais leve agora é jogado fora a cada nove meses. Podemos ter desmaterializado em cada unidade, mas, em termos absolutos, a desmaterialização ainda não aconteceu. Lembra que as pessoas falavam sobre o escritório sem papel e que tudo seria eletrônico? O consumo de papel se multiplicou nos últimos 20 anos.

DINHEIRO – Os avanços tecnológicos na agricultura darão conta do crescimento da população?
SMIL – Com certeza. Mas o maior problema é que, nos EUA e na Europa, jogamos fora 40% da comida que produzimos. Mesmo em países pobres acontece isso. Na China, na Índia e o no Brasil, as pessoas ricas desperdiçam comida demais. Estressamos o meio ambiente, aumentamos a produção e desperdiçamos quase a metade no final. Não faz o menor sentido. As pessoas perguntam como fazer para alimentar a todos e haverá falta de alimentos, mas ninguém fala que dois bilhões de pessoas estão desperdiçando comida.

DINHEIRO – Recentemente, o sr. escreveu um livro sobre se os humanos devem comer carne. Devemos?
SMIL – Não há nada de errado em comer carne, mas sim na quantidade em que fazemos isso. Todo mundo quer comer 100 quilos per capita. E as pessoas não querem comer comida eficiente como galinha e porco, mas sim vacas, que exigem muito espaço e o corte de florestas tropicais. Os fast-foods deveriam ser baseados em frango. Antes de pensarmos em animais e sementes geneticamente modificadas, poderíamos nos preocupar em encontrar métodos racionais para desperdiçar menos. As pessoas poderiam comer de 20 a 40 quilos por ano, como no Japão. Assim como na Europa, lá há uma diminuição do consumo per capita de uma série de coisas, por conta do envelhecimento da população e da economia mais lenta.

DINHEIRO – Mas não há uma grande pressão para que esses países cresçam mais rapidamente?
SMIL – Sim, com certeza. Mas é porque a sociedade moderna é comandada por economistas. E eles só sabem pedir uma coisa: crescimento. Diga a um economista moderno que podemos ter uma sociedade sem expansão, e para eles será o fim do mundo. Eles não conseguem imaginar uma sociedade estável. Em tudo, há nascimento, maturação e crescimento rápido, depois a saturação e, em um momento, o declínio e a morte. Seja isso em um organismo, em um ecossistema, ou em um grande sistema chamado economia global.

DINHEIRO – O sr. é um crítico das energias renováveis?
SMIL – Não há nada de errado com elas, mas depende de como as exploramos. Qual é o ponto de se derrubar florestas tropicais para plantarmos cana-de-açúcar para produzir etanol? Nos EUA, as pessoas colocam o etanol em grandes SUVs. Você produz esse combustível, que é relativamente caro, e usa para abastecer veículos monstruosos. Por outro lado, os motores estão mais eficientes. Mas, como a massa do carro é maior, o consumo também cresce.

DINHEIRO – O sr. acredita que os combustíveis fósseis ainda terão participação importante no mundo?

SMIL – Sim, porque cerca de 85% do combustível utilizado no mundo para alimentar as máquinas vem de fontes fósseis. E a transição para a energia renovável será lenta. Nós não estamos nem diminuindo o uso dos combustíveis fósseis, em termos absolutos. Por causa da China e da Índia, estamos, na verdade, consumindo mais desses combustíveis hoje do que há dez anos.

segunda-feira, 3 de junho de 2013

O futuro da industria no Brasil - Edmar Bacha (entrevista) - IstoÉ Dinheiro


"Desvalorizar o real e abrir mais o País dariam um rumo à indústria"
Entrevista: Edmar Bacha
Economista e ex-presidente do BNDES
Por Carla Jimenez
Revista IstoÉ Dinheiro, 2/06/2013

O economista Edmar Bacha, que integrou a equipe criadora do Plano Real em 1994, dirige hoje a Casa das Garças, uma espécie de think tank dedicado ao debate sobre a economia brasileira

O espaço está mais identificado com economistas tucanos, adeptos do neoliberalismo. Mesmo assim, Bacha tem fomentado uma discussão que, segundo ele próprio, deixou alguns amigos neoliberais “de cabelo em pé”. Preocupado com a perda da importância do setor industrial no País, Bacha propõe um projeto ousado, de longo prazo, de trabalhar com um câmbio desvalorizado por um determinado período, para fomentar exportações, ao mesmo tempo que se derrubam as tarifas de importação para ampliar a abertura comercial brasileira. “Mudar a lógica de proteção vai alterar tudo”, afirma Bacha. “A indústria toparia jogar.” Em outras palavras, aumentaria a taxa de investimento e de inovação, necessária para aumentar a produtividade.

DINHEIRO – O sr. tem defendido uma espécie de Plano Real para a indústria a fim de retomar a importância do setor no País. Por onde essa reindustrialização começaria?
EDMAR BACHA – Talvez a palavra mais correta seja reestruturação. Não tenho nenhuma concepção fechada, ou antevisão, de como vamos sair do lado de lá, ou seja, quais serão os setores que encabeçariam essa reindustrialização. A ideia é induzir investimentos a partir do que a indústria já faz hoje, trabalhando com o padrão atual. Trabalhar mudando a lógica de proteção, que vai alterar tudo. O que vai aparecer, não sei exatamente. Mas acredito que serão indústrias com características novas. Primeiro, porque terão de operar com muito mais utilização da tecnologia, pois serão capazes de acessar insumos e bens de capital de última geração mais baratos. Serão empresas que terão escala muito maior, não vão produzir só para 3% do PIB mundial, ou seja, para o mercado brasileiro, mas para 100% do PIB global. Trabalharão com tecnologia, escala e especialização. Não dá para ter só supermercado no Brasil.

DINHEIRO – Um dos pilares da sua proposta é a desvalorização do câmbio, em paralelo à redução do custo das tarifas de importação. Como essa equação funcionaria a favor da indústria?
BACHA – É preciso trabalhar uma proposta integrada. Seria a troca de uma tarifa de importação mais baixa pelo câmbio mais desvalorizado. Dessa forma, a proteção pela tarifa desaparece e, por outro lado, uma tarifa cambial, que é uma medida vertical e serve a todos os setores, beneficiaria as exportações. E aí estou disposto a encarar os meus amigos mais neoliberais que ficam com o cabelo em pé com a minha proposta. O Banco Central teria, nessa transição, uma taxa de referência para compensar essa queda das tarifas e as mudanças nas importações e exportações. Ele trabalharia com uma banda, para modular a maior ou menor oferta de dólares. E, eventualmente, aplicar medidas macroprudenciais. Nesse processo, imagino uma transformação estrutural, de grande monta. Ali na frente, haverá outra indústria.

DINHEIRO – Um câmbio a R$ 2,40, R$ 2,70?
BACHA – Não há um parâmetro específico. Já falei em R$ 2,40, hipoteticamente, mas haveria um valor como referência. O mercado teria de aprender (a encontrar a taxa ideal) a partir da forma com que o governo viesse a intervir. E o BC teria de aprender a trabalhar também dentro desse novo modelo, com o parâmetro das bandas. Ao longo da transição, na medida em que se conclui o processo de eliminar a parafernália do protecionismo, vou alargando os limites até o câmbio flutuar. Outra ponta dessa nova lógica seria investir em novos acordos comerciais. Pois, se vamos abrir o País, é preciso mudar de postura. Vamos voltar à Alca, à Aliança do Pacífico. De modo a assegurarmos uma contrapartida em termos de acesso a novos mercados.

DINHEIRO – Um real desvalorizado não corre o risco de viciar as empresas?
BACHA – Negociações são necessárias, barganhas, para acomodar situações específicas. Durante a implantação do Plano Real, nós fizemos isso. Pedimos aos empresários, em diversas reuniões: “Não aumentem os preços de forma alguma.” É possível fazer as coisas com suavidade. Uma taxa mais vantajosa com a abertura comercial daria um rumo à indústria.
DINHEIRO – Esse modelo ajudaria a aumentar o investimento produtivo da indústria, que anda muito baixo?
BACHA – Suponha que a carga tributária caia de 60% para 40%. Suponha que, em vez de bens de capital, as indústrias possam também importar componentes. Vamos abrir a economia e o câmbio vai se desvalorizar, indo para algo como R$ 2,40. Esse seria o mundo. Eu, que já tenho mercado interno, tenho a oferta de me integrar com o resto. Supondo que a infraestrutura vai finalmente ser resolvida, a indústria toparia jogar. Onde investir? Deixo para o empresário escolher. Claro que é preciso tomar alguns cuidados, olhar com cautela setores mais sensíveis, dar mais prazos para esta ou aquela cadeia.

DINHEIRO – O País tem diversos fatores que desestimulam o investimento, atualmente, como o próprio custo Brasil. Mas a indústria não tem responsabilidade, também, por não fortalecer a oferta, diante de um mercado consumidor aquecido?
BACHA – Com esse câmbio atual e essa tarifa de importação, ouço empresários que dizem preferir não fazer investimentos. Outro ponto: quem entrou atuando dentro dessas regras do jogo, que é para produzir para o mercado interno, deixa as coisas como estão. Por isso, o Brasil vive, hoje, um déficit na balança comercial, a economia não tem produtividade, não vai para lado nenhum. Para exportar produto primário, não precisa inovar. Para o mercado interno, também não. Tudo é protegido. O ambiente econômico não é propício. Numa economia sem rumo, quem vai querer inovar?

DINHEIRO – Pela sua proposta, mudaria a configuração atual do parque industrial?
BACHA – Deixaríamos de importar alguns produtos ou de produzir outros. A indústria poderia se beneficiar da importação de insumos e bens de capital de última geração. Ao contrário da tendência atual de investir na densificação da cadeia. E haveria muito mais concorrência. O mesmo que acontece com a Embraer, um dos poucos exemplos de indústria bem-sucedida, capaz de competir em igualdade de condições com o Exterior.

DINHEIRO – Seria a hora de fazer escolhas?
BACHA – Hoje, o mundo é muito mais globalizado que antes. Muito mais integrado. E tem um personagem chamado China no meio do caminho, que desequilibra o mercado. Mas vai tirar a China do jogo? Não, tem de compatibilizar. Tem um bilhão de pessoas lá e agora temos a Índia, com outro bilhão! Nas décadas de 1970 e 1980, falava-se em substituir importações. Cabia naquela fase, mas não cabe agora. E não se pode repetir a história, já dizia Karl Marx...
DINHEIRO – O sr. tem se posicionado contrário à política de conteúdo nacional do atual governo. Durante o leilão de concessões da Petrobras, no entanto, os lances ofertados superaram o conteúdo mínimo exigido. Os empresários não estão endossando a proposta?
BACHA – Embora tenham ofertado mais que o mínimo, foi menos que a rodada anterior. Antes, as empresas queriam pagar para ver. Conferir se, de fato, a Agência Nacional de Petróleo ia multá-las por não seguir a obrigação. Agora, já estão saindo notícias apontando que a Petrobras vai construir uma sonda no Exterior. Há um ponto cego na questão do conteúdo nacional. Quando o produtor nacional precisa pagar sobrepreço sobre importado e tem uma tarifa estabelecida, de 35%, por exemplo, ele já sabe exatamente quanto tem que pagar a mais para importar: sairão 35% a mais do seu bolso. Quando se trata de conteúdo nacional, não sei quanto estou pagando. Qual grau de ineficiência admito para ter indústria nova? É algo muito restritivo, uma política que força a barra. E torna os custos da Petrobras mais elevados, fazendo com que ela perca valor. Isso é nacionalismo?

DINHEIRO – Mas economistas defendem que há uma curva de aprendizado que fica para o Brasil. O sr. não concorda?
BACHA – Curva de aprendizado era a mesma tese utilizada para a Lei de Informática (de 1984 a 1992, que encarecia os computadores estrangeiros). Nossa experiência não indica nada nesse sentido.

DINHEIRO – O Plano Real só foi possível quando houve consenso nacional, de alto a baixo, de que era necessário debelar a inflação. Uma proposta para a indústria já encontra apoio na sociedade?
BACHA – Deveremos ter consenso sobre um plano para a indústria em menos tempo do que foi necessário na época do Plano Real. Estou surpreso com a repercussão deste debate. A Força Sindical e a União Geral dos Trabalhadores têm citado minhas ideias. A Firjan está fazendo contato, o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento In­dus­trial também está interessado. Chegou a hora, a evidência está muito forte de que a economia não vai para lugar nenhum com essa política atual. Ninguém chegou lá sem se integrar com o mundo.

DINHEIRO – Os economistas da Fiesp e da CNI disseram que esse clima de campanha eleitoral antecipada que se instalou no País retarda debates importantes do setor industrial. O sr. concorda?
BACHA - Partilho dessa opinião, é preciso separar uma coisa de outra. Não quero dar contexto partidário ao debate. Se a presidenta Dilma abraçar a ideia, maravilha. Isso é bom para o Brasil. Quem fizer isso vai ficar na história, como ficou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso com o Plano Real. Se será ela, eu não sei. O importante é que se dê conta de que proteger o mercado é legítimo no curto prazo, mas não no longo prazo. Hoje há neoliberais e desenvolvimentistas prestando atenção nesse debate. Não interessa quem, o que importa é o que é bom para o País.

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Frase da semana: Odebrecht, by Mansueto

Transcrevendo, apenas.
Acho que a realidade produtiva do Brasil é muito pior, mas muito mais pior (como diria alguem, que vcs sabem quem é) do que o indiretamente dito (gentilmente) por este líder empresarial que também ocorre ser um dos grandes financiadores da malta de bárbaros que assalta o Brasil, aliás com a ativa colaboração dos mesmos, que são também corruptores de maiores. 
Como diria Lenin, os capitalistas fornecem a corda, etc...
Paulo Roberto de Almeida


Frase da Semana: Marcelo Odebrecht


Alguém me enviou e achei fantástico o resumo da Conferência Internacional Itaú BBA+ do dia 25 de abril de 2013, em São Paulo. Em especial, gostei muito do seguinte ponto do discurso do empresário Marcelo Odebrecht, presidente da Odebrecht S.A.:
De forma geral, as oportunidades no Brasil, segundo o executivo, são maiores para quem “está mais perto da mãe natureza”. Para ele, quanto mais avançado na cadeia produtiva industrial estiver o negócio, e quanto mais tradable for o produto, maiores são as dificuldades.
“Como país, somos caros e tendemos a permanecer caros nos próximos anos”, avaliou, ressalvando que os serviços são favorecidos por não sofrerem o mesmo nível de competição internacional. A ordem do jogo agora é aumentar a produtividade.
Antes que alguém venha me chamar de pessimista, quem falou isso não fui eu, mas sim o presidente de um dos grupos empresariais mais fortes do Brasil e com livre acesso ao  ex-presidente Lula e à Presidente da República.

segunda-feira, 13 de maio de 2013

A desindustrializacao ameaca tornar-se sistemica no Brasil: energia carissima

O preço da energia, em geral, que já foi muito barato no Brasil dos anos 1970 e 1980, tornou-se abusivamente cara, mais do dobro da média mundial, obrigando grandes indústrias transformadoras baseadas no uso intensivo da eletricidade a migrarem do Brasil para paragens mais amenas (como a indústria do alumínio, por exemplo).
Agora é o pessoal do vidro e da cerâmica -- enganados pela propaganda governamental de que teriam gás barato fornecido pela Bolívia -- que enfrenta elevação dos preços, o que simplesmente torna inviável a produção nacional para exportação. O mercado interno certamente não conseguirá absorver toda a oferta protegida, inclusive porque sempre haverá alguma competição externa, vinda da China, por exemplo.
Acrescenta-se, pois, mais uma tragédia nacional.
Quando é que o governo vai começar a resolver problemas sistêmicos, estruturais, da economia brasileira?
Paulo Roberto de Almeida


Energia barata nos EUA já afeta indústrias no Brasil

Com a exploração mais consistente do gás de xisto nos EUA, preço do gás americano passou a custar 20% do cobrado no Brasil, o que reduziu a competitividade nacional e afastou investimentos de indústrias como as de vidro, cerâmica e petroquímica

12 de maio de 2013 | 23h 40
Sabrina Valle - O Estado de S. Paulo
RIO - A concorrência com o baixo custo do gás de xisto americano, que em três anos passou a custar 20% do preço do gás natural no Brasil, está fazendo o País perder ou adiar bilhões de dólares em investimentos.
Indústrias que têm até 35% de seus custos no gás, como fabricantes de cerâmica e vidro, petroquímica e química, perderam competitividade, elevaram importações e migram investimentos para o exterior. Até setores tradicionais, como o de brinquedos, sentem os efeitos.
"Uma fatia importante do setor está com forno desligado. Estamos perdendo competitividade. O risco é a produção nacional ser substituída pela importada", diz o superintendente da Associação Nacional dos Fabricantes de Cerâmica para Revestimentos (Anfacer), Antonio Carlos Kieling.
Kieling diz que as importações do setor estouraram 9.000% em sete anos, para US$ 220 milhões ao ano, num movimento crescente, já que 25% dos custos de produção vêm do gás. A avaliação sobre perda de competitividade é a mesma em vários setores, mas atinge com maior peso a indústria química e petroquímica. Empresas como Braskem, Unigel e Dow Chemical estão entre as que paralisaram decisões de investimento de bilhões de dólares.
A multinacional de vidros AGC decidiu há pouco mais de três anos investir numa fábrica de R$ 800 milhões. Será inaugurada em Guaratinguetá (SP) neste ano para produção de vidro plano, espelhos e vidro automotivo. "De lá para cá, o preço do gás dobrou, mudou totalmente o cenário e a rentabilidade", disse o CEO da AGC Vidros do Brasil, Davide Cappellino.
A decisão de dobrar a capacidade, com mais R$ 800 milhões, foi suspensa por tempo indeterminado. Unidades da multinacional nos Estados Unidos, Emirados Árabes, Arábia Saudita e Egito, onde o preço do gás é 20% do cobrado no Brasil, ganharam preferência na destinação de recursos. "Com certeza, o preço do gás tornou a decisão de investir no Brasil muito mais difícil."
Revisão
A também multinacional Cebrace planejou até R$ 1 bilhão para transformar o Brasil em plataforma de exportação de vidros para a América Latina. A empresa estancou novas decisões de investimentos no Brasil e voltou os olhos para países como Argentina e Colômbia. O mesmo aconteceu com a Guardian, que revê investimentos. Hoje, o setor importa 35% do vidro plano, ante 10% de 2007.
"Não há novos investimentos de peso, e o futuro depende de decisões de agora. Quero ver como o setor vai estar lá para 2018", diz Lucien Belmonte, superintendente da associação setorial Abividro, que estima, grosso modo, uma perda de até US$ 3 bilhões na década pela redução de competitividade acarretada pelo preço do gás.
Revolução
A reviravolta no mercado aconteceu depois de uma revolução energética nos Estados Unidos, com a disseminação, nos últimos cinco anos, da técnica de fraturamento terrestre em formações de xisto.
Neste curto período, os Estados Unidos trocaram a posição de grande importador de gás pela de potencial exportador, um cenário impensável em 2008. A superoferta fez o preço do gás americano cair de US$ 9, naquele ano, a US$ 1,82 por milhão de BTU (unidade térmica britânica, a referência para o mercado de gás) em abril de 2012.
Hoje, o preço do gás americano fica em torno de US$ 2,5 a US$ 3 por milhão/BTUs. No Brasil o produto está cerca de cinco vezes mais caro – custa entre US$ 12 e US$ 16. Na Europa, ronda os US$ 8 a US$ 10. "Todo mundo que compete no mercado internacional e que tem produção no Brasil está reclamando conosco", diz uma fonte do governo.
O efeito é mais intenso para indústrias que usam o gás como matéria-prima, caso das fabricantes de fertilizantes, ou para mover as máquinas. Costuma ser o caso também de produtos que dependem de altas temperaturas para serem produzidos, como as cerâmicas. 

sexta-feira, 5 de abril de 2013

Desindustrializacao: o fantasma atual do Brasil - entrevista com Edmar Bacha

Postado no excelente blog do economista Mansueto Almeida.
Edmar Bacha é economista e coorganizador e coautor de O Futuro da Indústria no Brasil: Desindustrialização em Debate (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013).

Entrevista do professor Edmar Bacha sobre desindustrialização

Segue abaixo o link para uma excelente entrevista de 30 minutos do professor Bacha para TV UNIVESP sobre o livro “O Futuro da Indústria no Brasil” organizado pelo professor Edmar Bacha e Mônica de Bolle.
A entrevista está muito boa e a repórter deixa o professor desenvolver com calma o seu raciocínio. Além disso, a jornalista Mônica Teixeira faz boas perguntas, o que facilita bastante o desenrolar da entrevista. Vale a pena assistir. É uma aula de graça sobre indústria, comércio internacional e crescimento, independentemente de você concordar ou não com as ideias do professor.
Na entrevista, o professor Bacha desenvolve uma tese que não está no livro mas que resulta de suas reflexões sobre o tema. O que fazer para “salvar a indústria”: (1) reduzir conteúdo local e liberar importações, (2) reduzir gasto público para, em seguida, reduzir carga tributária, (3) fazer acordos comerciais para aumentar exportações e importações. A consequência desse plano seria uma taxa de câmbio mais desvalorizada. Mas isso seria um plano de uma década, não um plano para 2 ou 3 anos e começaria pela agenda fiscal (Ele desenvolveu esse argumento em artigo recente no VALOR – clique aqui; mansueto.files.wordpress.com/2013/04/artigo-valor-bacha.pdf)
O professor não detalha a sua proposta para a reforma fiscal. Ele sugere uma regra de bolso: crescimento do gasto público (real) passa a ser metade do crescimento do PIB real. Isso é mais complicado do que parece, mas está lançado o desafio.

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terça-feira, 19 de março de 2013

Fascismo economico em construcao (com o apoio dos empresarios)

Quando se fala em fascismo, as pessoas pensam logo em milícias armadas, de uniformes pretos, botas de couro, marchando pelas ruas com seus passos de ganso (e alguns grasnidos), caçando comunistas, judeus e pederastas, e algum tirano de bigodinho ou gestos espalhafatosos, inspirando temor e admiração.
Pode ser que tenha sido isso, durante um breve tempo, no ridículo século 20 tão devastador em sua primeira metade.
Agora já não é mais assim, pelo menos não na maioria dos países. Claro, sempre tem caudilhos de opereta, e fanfarrões de circo, prontos a se enquadrar no figurino, mas na maior parte das vezes o fascismo é insidioso, tão sutil que poucos o percebem.
Na área econômica, por exemplo, o Brasil é um país perfeitamente fascista, e mesmo os empresários não tomam consciência desse fato, e até o aplaudem, como se pode ver pela matéria abaixo.
Capitalismo de livre mercado é quando o governo se ocupa da infraestrutura e coloca as regras gerais, válidas para todo mundo, e apenas assegura que o ambiente de negócios é estável, transparente e propenso a gerar riqueza, emprego e renda pela mão dos agentes econômicos normais, que são os empresários e trabalhadores.
Fascismo é quando o governo, sem deter o comando direto da economia, pretende ditar aos empresários o que eles podem ou não podem fazer.
Quando se substitui o risco empresarial, a busca pela inovação no plano microeconômico, e quando se pretende que um bando de burocratas dite os rumos pelos quais deve caminhar a atividade empresarial privada, já se está no fascismo econômico.
Os empresários não estão percebendo que estão alienando a sua soberania decisória a um ente estatal, e visam apenas alguns favores que os livrem da concorriencia e os habilite a serem mais produtivos: ou seja, querem que alguém decida em seu lugar.
Isso é fascismo econômico. Isso é stalinismo industrial, ou seja, a mesma coisa que fazia Stalin na Rússia e os militares no Brasil dos anos 1970: achar que o Estado sabe melhor que os próprios empresários o que é melhor para a indústria.
Como os decisores vivem no mundinho de Stalin (e dos militares planejadores bismarckianos), eles acham que vão poder reproduzir a história bem sucedida da Embrapa. Estão pelo menos 40 anos atrasados. O Brasil dos anos 1970, quando a Embrapa foi criada, era um país quase socialista no seu planejamento industrial, mas era tremendamente atrasado na agricultura, o que a Embrapa (e outras forças sociais) se encarregou de reduzir. Hoje a agricultura do Brasil é pujante não mais graças à Embrapa, e sobretudo devido à sua própria modernização empresarial, às forças de mercado, à concorrência internacional, ao tino dos capitalistas agrários, que não precisam de um burocrata no MAPA para lhes dizer o que plantar, quando plantar, como vender.
O governo quer ser babá de empresário industrial, situação que eles parecem aceitar com naturalidade.  Eles acham que vão estar melhor com burocratas lhes dizendo o que inovar, quando inovar, para quem vender, em lugar de simplesmente acharem por si sós a solução dos seus problemas. Claro, desde que o governo tire a mão pesada de cima deles.
O que eles estão fazendo é pedindo mais mão pesada... 
Isso vai terminar de enterrar a indústria no Brasil.
Quando é que os empresários vão aprender?
Paulo Roberto de Almeida         


Governo cria nova estatal para gerar soluções à indústria nacional
Terra Mobile Brasil, 15 de março de 2013

O governo federal anunciou nesta quinta-feira a criação de uma nova estatal que deverá fomentar processos de cooperação entre empresas nacionais e instituições tecnológicas. Chamada Empresa Brasileira para Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii), o governo promete uma estrutura enxuta e gestão compartilhada entre os setores público e privado, mas ainda não revela o número de funcionários que serão contratados. Na prática, a empresa deverá criar soluções para indústria nacional.
Para 2013 e 2014, a estatal tem investimentos previstos de aproximadamente R$ 1 bilhão provenientes do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e de parceiros envolvidos. "Eu tenho certeza de que a Embrapii terá um papel fundamental (na inovação). Vai ser um local de articulação das nossas relações e isso fará muita diferença para todos nós", disse a presidente Dilma Rousseff em reunião com o grupo de empresários e representantes do meio acadêmico. 
"Temos que pegar nossa estrutura de conhecimento científico e técnico para atender o chão da fábrica", disse o ministro da Educação, Aloizio Mercadante. No projeto da Embrapii, o Mercadante era ministro da Ciência e Tecnologia e estava envolvido na gestação do projeto. Já o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Fernando Pimentel fez uma analogia sobre a funcionalidade da empresa: "estamos mudando de modalidade, de corrida com obstáculos para salto com vara", disse nesta quinta-feira no evento. 
A criação da Embrapii faz parte do Plano Inova Empresa, que tem investimentos iniciais de R$ 32,9 bilhões com o objetivo de tornar empresas brasileiras mais competitivas no mercado global. 
Na semana que vem o governo vai fazer uma reunião para instituir a Embrapii, que vai contar com representantes da comunidade empresarial, científica e do próprio governo. Pelo governo, os ministérios envolvidos são os ministérios: Casa Civil, Ciência e Tecnologia, Educação, Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Fazenda e a Secretaria Especial da Micro e Pequena Empresa - o projeto da secretaria foi aprovado pelo Congresso e aguarda sanção presidencial.
O Senado finalizou na semana passada a votação do projeto de lei que cria a Secretaria Especial da Micro e Pequena Empresa, que terá status de ministério. O projeto é de autoria do Poder Executivo e não sofreu alterações no parlamento. 
     

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Politica industrial companheira: da frigideira para o fogo, ou do brejo para o pantano... - IEDI

Desde o início da gloriosa era do nuncaantesnestepaís, os companheiros já conceberam (mal) e aplicaram (mais mal ainda) pelos menos quatro políticas industriais (e outras tantas políticas agrícolas no MDA, pois no MAPA tudo ficou igual...), sem falar das dezenas de medidas setoriais, aplicadas em favor dos amigos do rei, e dos companheiros dos companheiros (industriais automotivos e metalúrgicos da aristocracia operária). Nenhuma delas foi levada adiante, et pour cause: foram um fracasso completo, de diagnóstico, de aplicação, de resultados...
Cada vez que o governo anuncia, doravante, uma nova política industrial, imagino que os industriais já começam a tremer: "Ah, não por favor, desta vez não; por que o governo não faz uma política para os serviços, para a infraestrutura, reduz os impostos e deixa a gente em paz?"
Será que eles, todos eles, companheiros e industriais, não percebem que o principal inimigo da indústria é o próprio governo? Com seus impostos extorsivos? Sua infraestrutura pavorosa? Sua regulação bizantina e kafkiana? Sua completa indefinição de objetivos, de propósitos, de metas?
Os companheiros são stalinistas industriais, e agem como tal.
Que tal passar a um modesto keynesianismo, para começar?
Enfim, eu seria pela ausência completa de política industrial, mas com redução radical dos impostos, da regulação intrusiva, oferta de serviços gerais, infraestrutura de boa qualidade, energia barata, mão-de-obra capaz, bem formada, suficiente?
Por que o governo não faz o que apenas ele pode fazer?
Por que não deixa o resto para a sociedade mesma, para os agentes econômicos?
Por que o BNDES está sempre apoiando ricaços e monopolistas?
Paulo Roberto de Almeida

Produtividade da Indústria em 2012
Carta do IEDI 560, 22/02/2013

Mesmo com medidas de política econômica voltadas para incentivar o setor ao longo do ano, além da queda na taxa básica de juros, a oferta abundante de crédito e o estímulo à desvalorização da moeda no segundo semestre, a produção e a produtividade industrial não demonstraram recuperação. Na comparação contra igual mês do ano anterior apenas em outubro de 2012 a produção e a produtividade superaram os níveis obtidos em 2011. A performance de 2012 assume uma perspectiva mais negativa se considerarmos ainda que em 2011 os resultados da produção e da produtividade ficaram estagnados em relação a 2010. Assim, desde o impacto da crise financeira internacional em fins de 2008 e em 2009, a indústria não encontrou uma rota de crescimento minimamente sustentável, comprometendo sua competitividade, tendo em vista o caráter pró-cíclico da produtividade.
O emprego industrial recuou em 1,4% no ano passado, sinalizando um movimento defensivo das empresas industriais frente um cenário de baixas expectativas de crescimento. O emprego em 2011 havia crescido 1,0%, com a produção praticamente estagnada. O recuo no emprego reforça o quadro recessivo da indústria, pois há relativa escassez de mão de obra com qualificação profissional, como registrado pelas baixas taxas de desemprego nas principais regiões metropolitanas. Este recuo não impediu que o custo do trabalho se elevasse em 6,6% em 2012, a maior taxa dos onze anos da série e mais do dobro da verificada em 2011 (3,2%). Todos os setores tiveram aumento de custo do trabalho, com exceção do de Madeira.

Avaliando o comportamento da indústria desde a crise financeira internacional, um possível diagnóstico para os problemas de falta de crescimento e queda na produtividade em 2012 pode ser a persistência de um desalinhamento do câmbio, que gera desequilíbrios tanto pelo lado da demanda, ao transferir para o exterior parte da demanda doméstica, como pelo lado da oferta, ao enfraquecer os elos de encadeamento na manufatura, reduzindo sua contribuição ao valor adicionado total. Enquanto do ponto de vista da firma individual a substituição de insumos domésticos por importados, a custos mais favoráveis, é um comportamento racional, o resultado agregado é o enfraquecimento dos elos de cadeias produtivas dentro da indústria de transformação, que são fonte de ganho de escala dinâmicos. Assim, o avanço da desindustrialização com especialização da indústria em setores de baixa agregação de valor contribuiu para o baixo desempenho da produtividade.

Em termos setoriais em 2012, 10 setores, de um total de 18, apresentaram aumento na produtividade, mas destes apenas um – Produtos Químicos - com expansão na produção física, horas pagas e emprego. Há uma concentração de setores produtores de bens intermediários no grupo com produtividade positiva em 2012, com exceção da Indústrias Extrativas. Dois setores produtores de bens finais – Calçados e Couro e Textil – também apresentaram produtividade positiva, mas com quedas muito expressivas na produção e nas horas pagas. O comportamento dominante na indústria foi o de contração na produção física: dos 18 setores só 4 expandiram o produto industrial. Os custos do trabalho foram positivos em todos os setores, com exceção de Madeira.

Do ponto de vista regional a maioria dos locais também registrou diminuição da produtividade. As maiores contrações foram as verificadas na indústria do Paraná (-5,7%), seguida por Rio de Janeiro (-4,4%) e Espírito Santo (-3,6%). As indústrias do Rio Grande do Sul (-1,5%), Santa Catarina (-1,2%) e São Paulo (-0,9%) registraram diminuições menores, um pouco acima da média nacional. As melhores marcas ficaram com os parques manufatureiros da Bahia (8,7%) e Pernambuco (4,8%). Ceará (0,6%) e Minas Gerais (0,6%) apontaram aumento de produtividade de pouca expressão. Os parques industriais do Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul registraram pela primeira vez diminuição na produtividade. O resultado de Paraná (-5,7%) foi o pior de sua série histórica e do da Bahia (8,7%) o melhor já alcançado.

Nos locais com retração na produtividade predominou um padrão recessivo de queda na produção física acompanhada de uma diminuição, de magnitude menor, das horas pagas. A exceção foi a indústria do Paraná que registrou variação negativa na produção e ao mesmo tempo aumento das horas pagas. Nos locais com incremento da produtividade não houve um padrão definido: expressivo aumento da produção física e queda das horas pagas (Bahia); pequeno aumento da produção física e grande queda das horas pagas (Pernambuco); aumento das horas pagas de magnitude menor do que o incremento na produção física (Minas Gerais) e diminuição das horas pagas maior que da produção física (Ceará). Portanto só na indústria mineira houve desempenho típico de momentos de expansão da produção com aumento pró-cíclico da produtividade.

domingo, 24 de fevereiro de 2013

Politica industrial brasileira (política?) - enfim, livro no mercado

Desconfio que o termo política seja um pouco forte, ou coerente demais, para se aplicar à atual salada confusa, desorganizada, improvisada, que os companheiros keynesianos de botequim vem aplicando no Brasil, para algum alívio de setores promíscuos, para desespero de economistas racionais (nem todos o são), para o maior desconforto de todos os brasileiros (que são chamados, mesmo sem saber e sem querer, a pagar a conta), e para resultado nenhum, finalmente, já que continuamos a perder competitividade dentro e fora do país, graças, justamente, às trapalhadas econômicas companheiras.
Enfim, esta digressão meio para a bronca e a condenação, não deve impedir nenhum dos leitores de se interessar pela publicação deste novo livro, de gente racional, responsável, com os pés no chão (nada a ver, portanto, com o pessoal do botequim acima referido), e que apresenta o livro em lançamentos próximos em SP e Rio.
Aliás, a indústria certamente tem um passado no Brasil (e ele foi bastante stalinista em certas épocas), mas não tenho certeza de que tenha futuro: em todo caso, os companheiros estão pretendendo voltar, ao que parece, ao stalinismo industrial do passado. Não vai dar certo...
Transcrevo abaixo o post do Mansueto Almeida, que participa do livro com um capítulo, como ele explica em seu blog.
Paulo Roberto de Almeida 

Lançamento: O Futuro da Indústria no Brasil

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Na próxima quinta-feira será lançado, na Livraria Travessa do shopping Leblon no Rio de janeiro, o livro O Futuro da Indústria no Brasil: desindustrialização em debate, organizado pelos economistas Edmar Bacha e Monica De Bolle. O livro decorreu de duas reuniões no instituto Casa das Garças, no primeiro semestre de 2012.
O livro tem vários textos interessantes de vários autores famosos, como por exemplo, o próprio Edmar Bacha, Affonso Celso Pastore, Ilan Goldfajn, Régis Bonelli, Samuel Pessoa, etc. Eu escrevi um capítulo muito simples com o título: “Padrões de política industrial: a velha, a nova e a brasileira.” Quem quiser ler a introdução do meu capítulo reproduzo abaixo.
Mas não deixem de comprar o livro, porque é talvez o primeiro livro sobre o problema da indústria no qual pouco se fala de taxa de câmbio. Eu talvez não consiga ir para o lançamento no Rio de Janeiro mas devo ir no lançamento de São Paulo.

Padrões de política industrial: a velha, a nova e a brasileira.

Mansueto Almeida
Introdução
No início deste século, vários países da América Latina voltaram a adotar políticas de incentivos setoriais identificadas como políticas industriais (Peres, 2006; Peres e Primi, 2009). O Brasil não foi exceção e, desde 2004, já adotou três versões diferentes dessas políticas.
A primeira política industrial do governo brasileiro no período recente foi a Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE). Essa política consistia em um plano de ação do governo federal que tinha como objetivo o aumento da eficiência da estrutura produtiva, da capacidade de inovação das empresas brasileiras e a expansão das exportações. Em 2008, o governo ampliou sua política industrial para vários setores por meio da Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP) e, em 2011, a política foi novamente ampliada com o estabelecimento de novas metas, mecanismos de proteção comercial e uma política de compras governamentais com margem de preferência de até 25% para produtos manufaturados e serviços nacionais no complexo de saúde, defesa, têxtil e confecção, calçados e tecnologia da informação e comunicação.
As várias políticas industriais adotadas desde 2003 sofrem de pelos menos três grandes problemas que serão detalhados ao longo deste capítulo. Primeiro, o desenho dessas políticas  baseia-se, excessivamente, no modelo sul-coreano dos anos 1960 e 1970 com um agravante.  Ao invés de a política promover a diversificação produtiva, ela toma a forma da concessão de crédito subsidiado para empresas grandes que atuam em setores nos quais o Brasil já possui claras vantagens comparativas como, por exemplo,  alimentos, petróleo e mineração.
Segundo, esse tipo de política industrial onera de forma excessiva e desnecessária o Tesouro Nacional, já que  seu principal instrumento é a concessão de crédito subsidiado via BNDES.  No entanto, para que o governo ajude o setor privado em seu esforço de inovação ou de diversificação não é preciso o uso excessivo de recursos financeiros. Ao contrário, há um vasta literatura moderna baseada em  estudos de casos que mostram que o apoio do setor público deva se pautar pela solução de problemas de ação coletiva e pela oferta de bens públicos locais como, por exemplo, a disseminação do requisitos fitossanitários exigidos pelos países importadores de produtos vegetais e animais.
Terceiro, o Brasil já possui um conjunto de instituições que permitiriam adotar essa política industrial moderna sem onerar o contribuinte. Esse tipo de política é  local, de menor custo e seu foco não é a criação de grandes empresas. Assim, mais do que incentivar a formação de grandes grupos, a política industrial deveria se pautar pela  oferta de bens públicos.
Além desta introdução, este capítulo se divide em três seções.  A Seção 2 explica o que aqui se denomina de “velha política industrial” que é o modelo sul-coreano no qual o Brasil ainda se baseia para apoiar a indústria. Argui-se a diferença entre essa política e as “novas políticas industriais”. A Seção 3 mostra as principais características da política industrial brasileira, enfatizando  seu elevado custo devido ao crescente endividamento do Tesouro Nacional para emprestar para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). A Seção 4 conclui  com uma discussão sobre os aspectos institucionais das novas políticas industriais e sugestões sobre como deveria ser a política industrial brasileira.
   

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Desindustrializacao em marcha: agora e' um fato...

Calma, calma: nao é no Brasil: é na França.
Não sei onde está pior...
Paulo Roberto de Almeida

En France, les fermetures d'usine s'accélèrent
Le Monde.fr avec AFP | 05.02.2013

La France a perdu plus d'un millier d'usines depuis 2009, indique le quotidien économique Les Echos, qui cite une enquête d'une société de veille éc
Le quotidien écrit que "le délitement du tissu industriel français s'est de nouveau accéléré en 2012, avec une augmentation du rythme des fermetures de site de 42 %, selon les estimations du cabinet Trendeo". "L'an dernier, 266 usines de plus de 10 salariés ont encore mis la clé sous la porte", ajoutent Les Echos.
"Cette accélération des fermetures d'usine a de lourdes conséquences sur l'emploi", estime le jounal, qui poursuit : "Après avoir remonté la pente en 2010 et 2011, l'industrie manufacturière a perdu près de 24 000 postes au cours de l'année 2012 et plus de 120 000 depuis janvier 2009."
Selon le quotidien économique, "les secteurs de l'automobile, de la pharmacie, du meuble ou de l'imprimerie" sont en "première ligne" de cette dégradation.
En revanche, soulignent Les Echos, "dans cet environnement difficile, la construction aéronautique et le luxe continuent d'afficher leur singularité, avec plus de 2 400 créations de poste". "L'industrie bénéficie aussi des investissements dans les énergies vertes, avec plus de de 9 000 annonces de création en l'espace d'un an", écrit encore le journal, qui conclut toutefois que cette "montée en puissance... restera insuffisante pour redonner du souffle à l'industrie française".

Brasil: desindustrializacao em marcha (e num governo de trabalhadores industriais)

Já não se fazem mais proletários como antigamente. A flor (se o termo se aplica) da aristocracia operária (o termo se aplica, certamente), que são os operários industriais metalúrgicos, que ocuparam o poder desde 2003, pelo seu líder máximo (mínimo, também, tendo em vista esses resultados), vão passar à história do nunca antes neste país como os homens (e algumas mulheres, pois ninguém aqui é machista) que estão enterrando a indústria brasileira.
Logo a indústria, o símbolo por excelência do stalinismo industrial (para ricos, claro), que a nomenklatura da classe operária representa: tinha de ser a fina flor do proletariado industrial que começaria a enterrar a gloriosa indústria criada por Getúlio Vargas e aprofundada por todos esses ditadores militares que os companheiros admiram tanto (pelo stalinismo industrial para ricos, justamente).
Quem diria, que no regime da classe operária no paraíso da política (com direito a vinhos, charutos, carros oficiais e mulheres em altos escalões), começaria para valer o processo de desindutrialização do Brasil? Quem diria???!!! (valem todos os sinais, para chamar a atenção, para a matéria abaixo de um instituto do patronato industrial, os miniStalins industriais tão amados pelos companheiros.
Ah essa burguesia do capital alheio...
Ah esses companheiros traidores da classe operária...
Ah esses trapaceiros do socialismo verdadeiro...
Paulo Roberto de Almeida

A Indústria em Dezembro de 2012: A Confirmação da Crise
Carta IEDI n. 557, 1/02/2013

Sumário
A produção industrial em dezembro de 2012 ficou estagnada frente a novembro, fazendo com que a taxa de variação no ano se encerrasse em -2,7%. Com exceção de 1992 e 2009, anos de retração do PIB brasileiro, 2012 assinalou o pior resultado registrado na série histórica da produção industrial medida pelo IBGE, iniciada em 1992. Ou seja, desconsiderando aqueles dois anos de recessão da economia brasileira, a indústria não amargava, nos últimos vinte anos, uma queda de sua produção da dimensão e da natureza (retração generalizada) como a vista no ano passado.

Os números de 2012 confirmam a profunda crise, explicitada pela perda de parcelas do mercado interno para os produtos importados (estudo do Banco Central mostra que, em 2011, 100% da expansão dos mercados internos de bens manufaturados foi capturada pelo bem importado – e muito provavelmente isso não mudou em 2012) e pelo encolhimento das exportações nacionais de bens tipicamente produzidos pela indústria manufatureira (segundo estudo do IEDI, tais exportações recuaram 2,6% em 2012). Além disso, a retração de aproximadamente 4,0% dos investimentos na economia brasileira em 2012 contribuiu decididamente para o desempenho negativo da produção, já que todo investimento é “carregado” de produtos da indústria.

Tais efeitos pressionaram a indústria em geral, de modo que todas as categorias de uso registraram redução da produção em 2012 em relação a 2011: bens de consumo semi-duráveis e não duráveis caiu -0,3%, bens intermediários -1,7%, bens de consumo duráveis -3,4%, e bens de capital amargaram a grande retração de -11,8%.

A queda na produção das duas últimas categorias no ano de 2012 esteve relacionada principalmente à menor fabricação de produtos relacionados a veículos (como motocicletas e automóveis ou bens de capital para transporte - caminhões, caminhão-trator para reboques e semi-reboques, veículos para transporte de mercadorias e chassis com motor para caminhões e ônibus) e a equipamentos de escritório e eletro-eletrônicos (como bens de capital de uso misto - computadores e monitores de vídeo, telefones celulares).

Em termos de segmentos, o índice acumulado de 2012 assinalou uma retração da produção em 17 dos 27 ramos, 50 dos 76 subsetores e 59,5% dos 755 produtos investigados. Novamente, a atividade de veículos automotores, com recuo de 13,5%, exerceu a maior influência negativa na formação do índice geral, com retração na produção de aproximadamente 80% dos produtos pesquisados no setor, com destaque para a menor fabricação de caminhões, caminhão-trator para reboques e semi-reboques, chassis com motor para caminhões e ônibus, motores diesel para caminhões e ônibus, autopeças e veículos para transporte de mercadorias.

Outras quedas importantes se deram em material eletrônico, aparelhos e equipamentos de comunicações (-13,5%), máquinas e equipamentos (-3,6%), alimentos (-2,1%), máquinas para escritório e equipamentos de informática (-13,5%). Já as atividades que registraram maior crescimento na produção foram refino de petróleo e produção de álcool (4,1%), outros produtos químicos (3,4%) e outros equipamentos de transporte (8,5%).

O cenário de crise se comprovou também em indicadores de outras periodicidades. Em comparação a dezembro de 2012, a indústria em geral retraiu 3,6%, com redução na produção de todas as categorias de uso, em que se pese o fato que de dezembro de 2012 ter tido 2 dias úteis a menos do que o mesmo mês de 2011. Apesar da expectativa anterior de que o quarto trimestre de 2012 fosse melhor, no último trimestre do ano passado, a produção encolheu 0,3% frente ao terceiro (com ajuste sazonal). Isso significa que a indústria não somente teve um dos piores anos de sua história recente, como encerrou 2012 sem mostrar uma reação mais consistente de sua produção – mesmo diante das medidas do governo para estimular a atividade industrial, sem as quais o desempenho do setor seria ainda mais adverso.

Dezembro registrou ligeira alta no índice de utilização de capacidade com ajuste sazonal da indústria de transformação, divulgado pela FGV, assinalando 84,1%. Tecnicamente, a utilização de capacidade manteve-se perto de uma média de 84%, com uma tendência acanhada de alta ao longo de 2012, tendo evoluído de um patamar inicial de 83,7% em dezembro de 2011.

Ou seja, a partir de todos os elementos apresentados, pode-se concluir que o final de 2012 não projeta uma trajetória de crescimento mais robusto da indústria brasileira em 2013. E, vale dizer, a crise internacional não pode servir de desculpa para a queda da produção industrial brasileira, haja vista os recentes resultados positivos da indústria em países asiáticos como Rússia, Malásia e Tailândia.

Avaliamos que o Brasil não irá repetir o resultado de produção industrial do ano passado. O corrente ano será mais positivo para a indústria. Primeiro, em razão dos ajustes de estoques que já foram realizados em diferentes segmentos industriais, com exceção de bens de capital. Em segundo lugar, diante da perspectiva da retomada dos investimentos da economia brasileira, tal como indica o forte aumento das consultas de novos financiamentos junto ao BNDES. Por fim, espera-se que as medidas de política econômica e industrial lançadas em 2012 comecem a apresentar melhores resultados – ainda que a confiança do empresariado não tenha afirmado por completo.

Isso não significa dizer que a indústria viverá um ano de bonança, pois a pressão do produto estrangeiro no mercado interno e em mercados de exportação brasileiros deverá ser mantida, muito embora comecem a aparecer os primeiros resultados das medidas de redução de custos adotadas pelo governo em 2012. Um crescimento modesto – como 2,5% – nos parece ser o mais indicativo das tendências atuais. Mas, sobretudo, o que deve ser sublinhado é que 2013 ainda está em aberto para a indústria nacional.

domingo, 3 de fevereiro de 2013

Cronica de um desastre economico anunciado: Brasil recua - EditorialEstadao

O desastre da indústria
03 de fevereiro de 2013
Editorial O Estado de S.Paulo

O grande tombo da indústria, principal componente do fiasco econômico do ano passado, está confirmado e medido oficialmente. A produção industrial diminuiu 2,7% em 2012, segundo informou na sexta-feira o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Foi o primeiro resultado negativo desde o recuo de 7,4% registrado em 2009, quando se manifestaram plenamente, em todo o mundo, os efeitos recessivos do estouro da bolha financeira nos mercados de crédito americano e europeu. Mas a pior parte da notícia é outra. É preciso ir aos detalhes para encontrar o significado econômico da crise industrial brasileira e entender o estrago causado por erros políticos acumulados em muitos anos. Os números de 2012 servem tanto para um exame do passado quanto para uma avaliação dos problemas à frente. O mau desempenho em 2012 limita as possibilidades de crescimento do País em 2013 e nos anos seguintes e impõe desafios enormes ao governo e ao empresariado.

O recuo de 2,7% foi o resultado médio de todo o setor industrial. A produção da indústria extrativa diminuiu apenas 0,3%. A do setor manufatureiro encolheu 2,8%. É esse o canal mais importante de irradiação de tecnologia e de criação de empregos decentes.

É também o mais exposto à concorrência internacional. Quando se decompõe a atividade segundo as categorias de uso, aparece um quadro especialmente sombrio. A produção de bens de consumo diminuiu apenas 1%, porque o governo reduziu impostos sobre veículos e eletrodomésticos e, além disso, o emprego e o poder de compra das famílias permaneceram elevados. A demanda foi em parte suprida por importações competitivas e isso explica o resultado negativo da atividade interna.

Mas a fabricação de bens de capital encolheu 11,8%. Vale a pena, de novo, notar alguns detalhes. A produção de máquinas e equipamentos (nomenclatura do IBGE) recuou 3,6%. A de máquinas para escritório e equipamentos de informática recuou 12,7%. A de máquinas, aparelhos e materiais elétricos caiu 5,4%.

A queda de produção do setor de bens de capital é um péssimo prenúncio. O investimento, como qualquer outro uso de recursos, influencia o crescimento a curto prazo, mas seu efeito mais importante é outro.

O potencial de expansão da economia depende, a médio e a longo prazos, do valor investido em máquinas e equipamentos de vários tipos, em instalações de produção de bens e serviços e em infraestrutura (estradas, portos, armazéns, centrais elétricas, redes de transmissão e distribuição de energia e sistemas de comunicação).

No Brasil, o total do investimento desse tipo, também conhecido como formação bruta de capital fixo, continua inferior a 20% do PIB. Em outros países latino-americanos, está nas vizinhanças de 30%. Na Ásia, há taxas maiores e até próximas de 40%, financiadas principalmente por elevados níveis de poupança interna.

Também é muito importante o dinheiro investido em capital humano, isto é, o dinheiro aplicado nos vários tipos de educação e nos cuidados de saúde. Mas esses valores são raramente explicitados nas contas oficiais do investimento, assim como os recursos destinados à pesquisa e ao desenvolvimento de produtos e processos.

Mas os resultados são facilmente observáveis no desempenho das empresas e das economias nacionais. Em todos esses itens o Brasil fica muito atrás da maior parte dos demais países. Também é preciso levar em conta, naturalmente, a qualidade do investimento, um item quase sempre negligenciado nas avaliações da atividade econômica brasileira. Muito dinheiro perdido em maus projetos e corrupção acaba incluído na conta de investimentos.

Economistas de várias instituições têm estimado em 3,5%, pouco mais ou menos, o potencial de crescimento econômico do Brasil. É um cálculo complicado e impreciso, mas um ponto é indiscutível: o potencial brasileiro, nesta altura, é muito menor que o de outros emergentes. Mas o governo insiste em políticas fracassadas, continuando a atribuir à crise externa e às ações de autoridades estrangeiras (a tal "guerra cambial", por exemplo) os males do Brasil.

terça-feira, 25 de dezembro de 2012

A industria brasileira no setimo circulo de Dante... - IEDI

Ainda não é o círculo central, o do inferno infernal, se ouso dizer, pois ainda falta muita decadência para a indústria periclitar mais um pouco e entrar em crise terminal (o que obviamente não vai acontecer), mas se deixarmos o governo no comando ela vai continuar declinando, pois todas as políticas governamentais trazem dificuldades para a indústria, a começar pelos picadinhos setoriais, que visam salvar algumas e deixam todas as outras ao relento, ou os incentivos dirigidos, que tornam a indústria ainda mais cara para os consumidores brasileiros.
Quando é que os empresários vão descobrir que o governo é o problema, não a solução?
Paulo Roberto de Almeida 

Temas da Indústria e da Economia Brasileira em 2012
IEDI, 21 de dezembro de 2012

Sumário
A Carta IEDI de hoje aborda diversos assuntos relacionados direta ou indiretamente à indústria brasileira ou à economia do país, vistos do ângulo dos Conselheiros do IEDI. É uma coleção de artigos ou entrevistas de destacados empresários brasileiros que fazem parte do IEDI. As matérias foram organizadas por ordem cronológica, sendo a primeira de Pedro Passos, Presidente do Instituto, abordando as relações entre a crise industrial vivida pelo país e a condição de baixo crescimento em que a economia brasileira se encontra há mais de um ano.

Os outros Conselheiros, cujos pensamentos estão retratados na presente coletânea, são: José Roberto Ermírio de Moraes, Presidente da Votorantim; Josué Gomes da Silva, Presidente da Coteminas; Jorge Gerdau, Presidente do Conselho de Administração do Grupo Gerdau; e Marcelo Bahia Odebrecht, Presidente da Odebrecht.

Vamos seguir alguns passos da primeira das matérias reunidas. Pedro Passo defende que a indústria não voltará a ter competitividade e não resgatará as posições de destaque que já desfrutou no comércio mundial se não ampliar significativamente a inovação e a produtividade. Contudo, outros condicionantes também precisam ser redimensionados, um ponto no qual o governo vem procurando atuar. Na área cambial, ao que tudo indica a política econômica não aceitará valorizações excessivas na moeda, muito embora não se espere que, ao contrário de outros países, venha a usar o câmbio como fator extra de competitividade. É importante perseguir reduções de custos sistêmicos a exemplo das tarifas de energia elétrica, custo do crédito e desoneração da folha de salários. As medidas levarão um certo tempo para surtirem efeito e ainda são parciais, havendo muito a fazer na tributação, em logística, no financiamento voluntário de longo prazo e em outros custos de matérias primas fundamentais como o gás.

Em tendo sequência e ganhando profundidade as ações que o governo já vem adotando, é possível que em 2013 o quadro da geração de valor na manufatura seja mais favorável do que em 2012, o que pode abrir caminho para novos investimentos. Será essa a contribuição da indústria a um crescimento maior do PIB. Para além de 2013 o setor poderá aportar muito mais desenvolvimento ao país se a redefinição do marco de referência da política industrial e um novo direcionamento dos mecanismos de apoio existentes caminharem na direção da mudança estrutural.

Estando o investimento no centro das dificuldades vividas pela indústria e pela economia brasileira, caberia uma resposta rápida da política econômica visando reerguê-lo. A sugestão consiste em promover a desoneração integral e definitiva dos investimentos, incluindo o ICMS e o ISS, e instituir por um prazo como dois a três anos a depreciação acelerada dos investimentos, mecanismo potente que vem sendo utilizado com sucesso em países industrializados.
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A Crise Industrial e o Baixo Crescimento Econômico – Pedro Luiz Barreiros Passos – Presidente do IEDI e do Conselho de Administração da Natura (artigo publicado pelo jornal O Estado de São Paulo em 23/12/2012). Gostaria de abordar dois temas objeto de intenso debate no País: a questão industrial e o desempenho decepcionante da economia brasileira já pelo segundo ano consecutivo. Eles guardam relação, pois a crise industrial é a mais relevante causa da frustração do crescimento. Assim, enquanto o PIB aumentou 0,7% no acumulado desse ano até setembro, a indústria regredia 1,7%. A conexão entre esses dois termos da equação econômica brasileira se dá pelo investimento.

Este sofre uma contração severa desde a segunda metade de 2011, em parte porque o investimento público, incluindo a Petrobrás, esbarrou nos obstáculos de gestão e de financiamento. Foi também decorrência do colapso das inversões do setor industrial, que vem perdendo gradativamente fatias de sua participação em mercados externos e no próprio mercado interno para a produção realizada no exterior. Daí porque o empresário industrial refreou o ímpeto investidor que prevalecera até 2010, pelo menos até se tornar mais claro o quadro de sua capacidade de concorrer com o produto estrangeiro. É imprescindível que o Brasil retome o investimento para crescer mais e de forma sustentada e isso passa obrigatoriamente pela redinamização das inversões industriais.

Como um maior nível do investimento é também condição para que a indústria se modernize e amplie seus níveis de produtividade e inovação, o que se traduzirá em melhor competitividade, podemos afirmar que de um ponto de vista geral reside na reativação do investimento a chave da solução do problema econômico do País.

Isso pressupõe uma política industrial não apenas acomodadora dos impactos da crise global, mas, sobretudo, transformadora de nossas bases de produção. O País não se recuperará plenamente da crise industrial se não atrair capitais para os setores mais representativos das recentes ondas de revolução industrial que redefiniram as estruturas industriais das economias atualmente líderes mundiais.

São os casos do complexo eletrônico, das tecnologias de informação e comunicações, da indústria farmacêutica e de um variado leque de atividades sustentáveis e de alta eficiência energética e intensidade tecnológica, todos com grande capacidade de gerar e difundir inovações e impulsionar a produtividade do conjunto da indústria. Operar a política industrial com o objetivo de atualizar a indústria brasileira exigirá atribuir prioridade máxima à perspectiva de longo prazo e, correspondentemente, reservar às ações de curto prazo uma ênfase subordinada. Medidas em áreas como defesa comercial e subvenções a setores mais atingidos pela crise podem e devem permanecer, mas sem que se perca de vista o foco da mudança das bases industriais do País.

Como cabe insistir, a indústria não voltará a ter competitividade e não resgatará as posições de destaque que já desfrutou no comércio mundial se não ampliar significativamente a inovação e a produtividade. Contudo, outros condicionantes também precisam ser redimensionados, um ponto no qual o governo vem procurando atuar.

Na área cambial, ao que tudo indica a política econômica não aceitará valorizações excessivas na moeda, muito embora não se espere que, ao contrário de outros países, venha a usar o câmbio como fator extra de competitividade. É importante perseguir reduções de custos sistêmicos a exemplo das tarifas de energia elétrica, custo do crédito e desoneração da folha de salários. As medidas levarão um certo tempo para surtirem efeito e ainda são parciais, havendo muito a fazer na tributação, em logística, no financiamento voluntário de longo prazo e em outros custos de matérias primas fundamentais como o gás.

Em tendo sequência e ganhando profundidade as ações que o governo já vem adotando, é possível que em 2013 o quadro da geração de valor na manufatura seja mais favorável do que em 2012, o que pode abrir caminho para novos investimentos. Será essa a contribuição da indústria a um crescimento maior do PIB. Para além de 2013 o setor poderá aportar muito mais desenvolvimento ao País se a redefinição do marco de referência da política industrial e um novo direcionamento dos mecanismos de apoio existentes caminharem na direção da mudança estrutural.

Estando o investimento no centro das dificuldades vividas pela indústria e pela economia brasileira, caberia uma resposta rápida da política econômica visando reerguê-lo. A sugestão consiste em promover a desoneração integral e definitiva dos investimentos, incluindo o ICMS e o ISS, e instituir por um prazo como dois a três anos a depreciação acelerada dos investimentos, mecanismo potente que vem sendo utilizado com sucesso em países industrializados.

A Hora É de Elevar a Produção – Pedro Luiz Barreiros Passos – Presidente do IEDI e do Conselho de Administração da Natura (entrevista publicada pelo jornal DCI em 22/08/2012). Para o presidente do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) e co-presidente do Conselho de Administração da Natura, Pedro Luiz Passos, o modelo de desenvolvimento através do estímulo ao consumo se esgotou. Agora, será necessário que o governo incentive novos investimentos para que se aumente efetivamente a oferta.

Em entrevista exclusiva ao DCI, o empresário disse ainda que o pacote de concessão anunciado na última semana pelo governo federal é positivo por envolver o setor privado, que pode e deve colaborar com o investimento em infraestrutura. Ele coloca ainda um desafio adicional ao setor público no sentido de melhorar os marcos regulatórios e avançar nos sistemas de aprovação de projetos, condições essenciais para que os investimentos sejam executados. Leia abaixo alguns dos trechos da entrevista com o executivo.

A indústria vive um momento de transição?

A desindustrialização vem ocorrendo há pelo menos uma década. Juros altos e câmbio um para um foram um tranco forte, e, antes disso, a rápida abertura comercial. Que não estava na direção errada, mas foi uma transformação seguida do câmbio um para um. Aquilo foi de uma rapidez atroz. Em quatro anos, a situação competitiva da indústria virou de cabeça para baixo. E aí fizemos aquele tremendo déficit comercial que acabou dando na desvalorização no início de 1999. Portanto, esse processo vem de muito tempo. Só agora os juros convergem para níveis razoáveis. Tudo isso foi de difícil reversão. Mas o Brasil tem uma base instalada na indústria importante. Temos condições melhores em relação a muitos países, que aniquilaram suas indústrias, como a Argentina. Temos uma base diversificada, boa, mas ainda precisamos mudar o rumo geral da política para poder recuperar essa indústria e colocá-la em padrão internacional. O Brasil está muito caro, teve um câmbio que ainda não ajudou nessa história toda, além da excessiva tributação, infraestrutura deficitária, etc. O elemento produtividade no Brasil ainda é complexo, e o custo, muito alto. Precisamos mudar essa situação.

Há receio dos empresários ou não há o que investir?

Uma parte dos investimentos está represada por conta de uma situação global e do crescimento baixo do País. Mas também existe uma situação em que o governo poupa pouco e, portanto, investe pouco. O governo vai precisar reiniciar esse ciclo de investimentos com mais ênfase, com mais profundidade. E já deu o primeiro passo para isso. O pacote de concessão é positivo por envolver o setor privado, que pode e deve colaborar com o investimento em infraestrutura. E coloca um desafio adicional ao setor público no sentido de melhorar os marcos regulatórios e avançar nos sistemas de aprovação de projetos, condições para que os investimentos sejam executados. E tudo isso é importante para a retomada de um ciclo de investimentos, para criar um ambiente adequado para a atração de capital privado. Mas a situação é bastante razoável para o Brasil, em comparação com a economia mundial. Podemos e devemos retomar o ciclo de crescimento da indústria. Temos um ambiente com taxas de juros menores que permitirá financiamento de longo prazo, não só do BNDES, mas do próprio mercado de capitais. As empresas poderão emitir debêntures e criar um mercado de financiamento de longo prazo.

Os bancos estão contribuindo pouco para isso?

Os bancos ainda estão conservadores. Uma mudança dependerá da sinalização que o governo der, mas as condições de retomar o financiamento são boas.

Como o setor público pode ter um papel mais ativo nos investimentos?

Tem de haver prioridade porque perdemos velocidade recentemente. Tem muitos projetos que ainda não estão andando na velocidade possível. O dinheiro disponível precisa ser bem aplicado. Em segundo lugar, temos uma enorme possibilidade -em algumas áreas de infraestrutura, como petróleo e gás- de atrair, junto com iniciativa pública, o capital privado. E tudo isso passa por regimes de concessões e incentivos. Estamos iniciando um bom caminho nesse sentido, e temos possibilidade de fazer mais. Eu sinto que existe hoje muito mais consenso nessa direção do que existia há alguns anos. Esta é a mudança fundamental da equação do desenvolvimento. Estamos crescendo pouco este ano, mas algum nível de recuperação nós devemos ter já no próximo ano. A queda dos juros e as iniciativas que o governo vem tomando vão propiciar essa retomada da economia. É curioso que o crescimento é pequeno, apesar de haver pleno emprego.

Está esgotado o caminho adotado pelo governo de crescer por meio do incentivo ao consumo?

Foi muito boa essa decisão, que produziu um resultado excelente nos últimos anos. Só que este não pode ser o único modelo. Chega uma hora em que o crédito e o endividamento batem no limite, mas eu não diria que esse modelo se esgotou. Tem espaço para crescer, mas não na velocidade dos últimos anos. Teremos de reciclar as dívidas das famílias. Vai ter um crescimento, tem um enorme deslocamento social importante no Brasil e vai continuar acontecendo, até mesmo pela situação demográfica. Mas o modelo não vai poder se basear, daqui para a frente, só na expansão do consumo. Se a gente não vier com alguma coisa do lado da oferta, com um pouco mais de capacidade na produção, bateremos no limite. Temos limites até de educação, de formação de mão de obra. A gente está vendo a construção civil e outros setores trazendo gente de fora do País para fazer frente à demanda de mão de obra.

Os esforços para retomar a competitividade estão na direção correta?

Esta agenda está na direção certa, mas ainda é tímida. Precisamos fazer muito mais. O Brasil não desenvolveu os setores de ponta da indústria moderna. Os esforços de inovação contemplados na primeira versão do Plano Brasil Maior enfatizavam a inovação, mas ainda precisamos de muito mais investimento em pesquisa, desenvolvimento, tecnologia nas nossas universidades, e de um certo alinhamento com o setor privado. Mas tem uma agenda de competitividade que passa por uma revisão tributária, desoneração do investimento. Precisamos estar na linha de frente dos processos atualizados. Ainda existe espaço para avançarmos.

E a desoneração da folha?

Também está indo na direção correta, e parece que será estendida a todos os setores. Esses encargos são muito pesados no Brasil, e com as mudanças previstas seremos mais competitivos, inclusive em relação a importados, livres desse ônus. Mas precisamos ir mais fundo porque a defasagem de competitividade no Brasil é muito grande. Nós não temos política de comércio exterior forte. O mercado internacional para manufaturados é negativo, nossa balança comercial é fortemente negativa. Já seria uma boa agenda uma tributação mais simples e uma tributação em que toda a cadeia fosse beneficiada com crédito e débito sobre valor adicionado. Temos vários impostos que ficam no meio do caminho.

Há uma sobreposição de impostos federais, estaduais e municipais. Como o senhor vê essa questão da guerra fiscal?

É um assunto complicado, de difícil coordenação política. Mexer na arrecadação estadual, criar um consenso em torno do tema, é complicado. É do governo federal o papel de incentivar para que os estados aperfeiçoem a legislação tributária, pois os estados não vão, por vontade própria, abrir mão de receitas.

A presidente Dilma tem demonstrado mais vontade política de avançar na agenda das reformas pendentes?

Acho que sim. O governo atual tem uma visão muito mais voltada à indústria. Obviamente, tem de aprofundar a agenda. Mas eu diria que a sociedade percebeu que ficar sem indústria e passar direto para serviços, ou seja, a desindustrialização, é oneroso para o País e para a sociedade como um todo. Então a agenda da indústria tem que estar na pauta de governo, com modelo de desenvolvimento.

Desatar alguns nós depende apenas do governo ou também da vontade do empresariado?

Depende da vontade do empresariado, sim. O empresário não pode ficar apartado desse processo, só aguardando sinalizações de governo. Mas nós temos um empresariado que já mostrou que, quando tem as condições, se mobiliza na direção certa. Tem de ser uma agenda conjunta. A própria indústria e alguns setores no Brasil precisam passar por uma renovação, uma atualização. Essa agenda de competitividade não é só um problema de câmbio, é um problema só da equação macro.

A Natura é uma empresa competitiva, inovadora, por decisão da empresa. Por que isso não se disseminou na cabeça do empresariado em geral?

Tem um Brasil novo de pequenas e médias empresas, um novo ciclo de empresários surgindo, inclusive em outras geografias, diferentes daquelas que a gente estava acostumado a ver. Até pouco tempo, eram exceções as empresas que se destacavam porque as condições de juros e ambiente de negócios eram muito dificultadas para um investimento relevante. Mas quando o mercado interno cresceu, muitas empresas acompanharam, investiram e as taxas de investimento foram boas naquele momento para empresas privadas. Então o empresário vai atrás das condições de mercado. Agora, se você vê como está o mercado externo, um mercado que estamos fora hoje, a não ser pelo setor de commodities, o Brasil está abrindo mão de um vetor de crescimento importante.

O que está faltando aí?

No mínimo, um bom diagnóstico de como é que a gente retoma esse crescimento no mercado externo. Não é só câmbio, passa por uma série de fatores. Para ir até o porto é complicado. Se você acertar isso via câmbio, não necessariamente estimula um ganho estrutural de produtividade. Eu sinto que existe mais consenso nessa direção, que chegou a vez de enfrentar os assuntos estruturais, porque essa maré do consumo, da mão de obra, da capacidade, acabou. Nossa economia não crescerá mais da maneira que vinha crescendo. Agora vamos ter que mudar a agenda.

Mas, apesar de tudo isso, o capital estrangeiro está vindo com força em todos os setores. Você acha que isso vai ajudar a mudar a mentalidade do empresário?

Acho que sim. É gente que vem com capacidade de gestão, de investimento, competição, o que é muito bom. Essa atração de investimentos é uma boa notícia. Investimentos não vêm mais como antigamente, só de passagem rápida pelo País. Isso é concreto, está acontecendo, apesar da baixa taxa de crescimento do Brasil. Por isso, vamos crescer um pouco mais ali na frente. E, se o governo ajudar fazendo os investimentos necessários, a gente terá uma boa competitividade, uma boa possibilidade de crescimento.

Em quais setores o País tem vocação e pode melhorar e quais são aqueles que não têm jeito?

Difícil fazer uma projeção desse tipo, mas alguns são mais ou menos evidentes. Todos aqueles que agregam valor em cima das vantagens comparativas que nós temos, acho que podemos trabalhar em cima deles. A cadeia de alimentação, a biodiversidade brasileira, que pode ser importante na área de fármacos. A própria cadeia do petróleo que agora se desenvolve também vai ser um fator importante. Tem vários setores em que o Brasil pode ganhar. Não se imaginava no passado que o País pudesse ser forte na indústria aeronáutica. Então é muito difícil matar setores a priori. Acho que o exemplo da indústria aeronáutica é a boa exceção, mas o que é que foi? Uma boa universidade, uma boa formação de mão de obra, algum estímulo para que isso acontecesse. Começou com estímulo público mesmo e aí virou um setor privado de sucesso, competindo com os grandes do mundo. Eu me preocupo muito de dizer "Aqui nós não vamos ganhar". Dá para estimular alguns que a gente tem mais facilidade de ver como competitivos. Mas não dá para matar setores e dizer que "o Brasil não poderá ser bom na indústria de informática", por exemplo. Até porque hoje já temos uma indústria de software, relevante. A Totvs é uma das principais empresas de sistemas de gestão do mundo. Já temos polos de informática muito sofisticados. Então por que a gente vai abrir mão de biotecnologia, da indústria farmacêutica etc? É difícil matar setores. Acho que temos gente e mercado para enfrentar essas situações.

Vantagem comparativa também se cria?

Sim, a gente constrói. O segredo é saber apostar e fazer bem a coisa. Você só vai saber daqui a 20 anos se apostou bem, mas sabemos dos casos de sucesso, que são a Coreia, a Embraer, a Natura. O Brasil precisa apostar mais. Nesse jogo, quem acertou virou desenvolvido, como a Coreia, o Japão. Isso é P&D, isso é tecnologia, inovação, educação.

Falta espírito animal?

Estatal e animal. A Internet foi criada na sua origem por uma estratégia militar, aí o setor privado pega e leva esse processo para a rua; a Embraer foi assim também. Nesse caso, não precisa separar público e privado. Falta um pouco isso ao Brasil. Qual é a política de comércio exterior existente no Brasil? Por que os empresários dizem "tentamos ir" depois recuam? Você perde espaço no mercado internacional. O mercado internacional você não abre e fecha com muita facilidade, você precisa manter, como esses países vêm mantendo. Coreia, China, Alemanha têm um esforço de comércio exterior muito forte. Acho que aqui falta um pouco do espírito animal também para o governo.

Resultado Deve Ser Melhor que em 2012 – José Roberto Ermírio de Moraes – Conselheiro do IEDI e Presidente da Votorantim Participações (entrevista publicada pelo jornal Valor Econômico em 19/12/2012). A retomada e o aumento da competitividade da indústria de transformação, que enfrenta um déficit de mais de US$ 100 bilhões, é palavra-chave para o Brasil manter-se em condições de crescer, diz o empresário José Roberto Ermírio de Moraes, que comanda a Votorantim, um dos maiores conglomerados industriais do país. Ele considera que o governo da presidente Dilma Rousseff está no caminho certo, atacando questões antigas e cruciais - como os juros elevados, a desoneração da folha salarial até gargalos de infraestrutura. Mas precisa fazer mais. "Tem de acelerar as minirreformas, para criar um ambiente de negócios mais atrativo no Brasil, ampliar a eficiência da gestão pública e elevar a qualidade da educação em nosso país".

Engenheiro metalúrgico, José Roberto trabalha no grupo desde 1980, tendo passado por diversas posições. Desde o ano passado é presidente da Votorantim Participações, holding que controla os dois segmentos de negócios - industrial e financeiro - com vendas de R$ 34 bilhões em 2011. O "coração industrial" da Votorantim, que completa 95 anos em 2013, abrange negócios como cimento, fabricação de aço, alumínio, zinco e níquel, produção de celulose e suco de laranja e geração de energia.

Atualmente, o empresário integra os quadros de duas importantes entidades industriais do país: o Iedi e a Fiesp, na qual também é vice-presidente. Apesar de ver um cenário econômico global difícil pela frente, ele diz que a Votorantim quer continuar investindo de R$ 4 bilhões a R$ 5 bilhões por ano. "Gostaria de fazer mais, mas infelizmente as condições não nos permitem". Eis a íntegra da entrevista.

Valor: Na sua visão, o que vai acontecer na indústria brasileira no próximo ano?

José Roberto Ermírio de Moraes: Na média, terá desempenho melhor do que o de 2012. Tem empresas que terão ritmo de crescimento menor, caso das que obtiveram incentivos fiscais. Como o cenário americano e o europeu nada mostram que será pior que hoje, com uma certa melhora dos EUA, isso traz para o Brasil uma boa perspectiva. Estamos trabalhando com crescimento do PIB de 3%. O governo está falando em 4%. Somos um pouco conservadores em nosso orçamento do plano de negócios. Mas isso varia de setor para setor. Por exemplo, o de cimento, que cresceu 7% neste ano. A resposta para este crescimento ainda forte da construção civil é que continuamos com plano robusto de investimentos. Foram R$ 3 bilhões nos últimos três anos, fizemos sete novas fábricas, aumentamos a oferta em 10 milhões de toneladas, o que significou 43% de aumento. Estou há 30 anos na Votorantim e só vi níveis de crescimento assim, de dois dígitos, na década de 70.

Valor: O setor industrial teve uma forte retração neste ano...

Ermírio de Moraes: No segundo semestre, sentimos uma queda, tanto em consumo de aço quanto de cimento, mas agora já sinaliza uma recuperação de novo. Por isso, na média, trabalhamos com 3% no crescimento da economia do país em 2013. Há oportunidades de investimentos em infraestrutura, Copa do Mundo, Olimpíada... Nesse setor, estamos bem otimistas.

Valor: O senhor vê a necessidade de medidas mais amplas para o setor industrial?

Ermírio de Moraes: Queremos fazer com que o PIB cresça mais e que a indústria contribua. O governo está atuando de maneira muito positiva para melhorar a competitividade da indústria de transformação. O setor está com um déficit enorme em seu balanço de pagamentos. Ou seja, o consumo cresceu e as cadeias de negócios do varejo e serviços obtiveram as vantagens, mas a indústria, infelizmente, não viu sua produção acompanhar o mesmo ritmo da demanda.

Valor: É a desindustrialização? Não exige medidas urgentes?

Ermírio de Moraes: Se perguntar para os setores de varejo, financeiro, de combustíveis, estão muito bem. Mas a indústria de transformação, construída por várias gerações do Brasil, agora merece um carinho especial. O que já foi feito? A desoneração da folha de salários, importante para as empresa de capital intensivo em mão de obra, o Reintegra, muito importante, a redução do custo de energia, assunto em que o governo atuou com muito pragmatismo. A indústria de transformação passou de um superávit de US$ 20 bilhões a US$ 30 bilhões para um déficit de US$ 100 bilhões.

Valor: E a medidas tomadas neste ano, como o senhor avalia?

Ermírio de Moraes: Aqui temos um momento bem particular: é a primeira vez que vejo um alinhamento muito forte de todos na busca da retomada da competitividade da indústria brasileira. Um diagnóstico desse, alinhado entre todas as partes - governo, sociedade e empresários - considero um grande avanço. O governo Dilma fez coisas muitas importantes neste ano. A redução dos juros, taxa de câmbio, lei dos portos, há agora as medidas do ministro Mantega de equalizar o ICMS entre os Estados em 4% para evitar futuras guerras fiscais. Na crise 2008, todo o estímulo foi direcionado à ponta da indústria, incentivando o consumo. Agora, vemos que está voltado para investimento.

Valor: Mas como está o Brasil?

Ermírio de Moraes: Vamos pegar o exemplo de países que fizeram a lição de casa. A Alemanha é um caso. Está no furacão da crise da Europa, mas como fez reformas em aumento da competitividade mostra crescimento diferente da média dos países da União Europeia. Na América Latina, temos o Chile, que já faz isso há um longo tempo e cresce bem acima do Brasil. Recentemente, temos Colômbia e Peru. Esses países promovem uma agenda para melhorar o ambiente de negócios. É um caminho possível, para manter crescimento sustentável, do tamanho do desafio do Brasil: atender 200 milhões de habitantes e gerar 5 milhões de empregos por ano.

Valor: Mas que pontos precisam ser atacados?

Ermírio de Moraes: São questões ainda não bem equacionadas: a flexibilização da lei trabalhista (modelo ainda bastante antigo e não condizente com os dias de hoje), a carga tributária, que o governo está desonerando, mas não dá para fazer tudo de um dia para o outro. Por isso, está parcelando para fazer o que é possível. Temos de unificar a alíquota do ICMS nos Estados, pois essa guerra fiscal, no longo prazo, quem pagará por ela é a sociedade. O governo está com a postura de olhar o país como um todo e não só os interesses particulares.

Valor: E a infraestrutura...?

Ermírio de Moraes: A infraestrutura é outro ponto-chave. Temos uma grande fronteira agrícola, mas enfrentamos dificuldades para escoar a produção, com filas nos portos, custos estupendos de armazenagem e de espera dos navios, o que reduz a competitividade. O governo Dilma se mostrou preocupado com a questão dos portos e trouxe essas mudanças que flexibilizam a legislação e vão visar a qualidade e a redução do custo. Como executar tudo isso? Será preciso capital privado, capital público e deve ser bem endereçado para poder entregar serviços de qualidade a custos compatíveis.

Valor: A redução dos juros já resolve a questão da taxa de investimentos no país, que se retraiu?

Ermírio de Moraes: É uma revolução que está mudando muito a base da sociedade brasileira e os resultados benéficos serão vistos no médio prazo. Muda completamente a forma como as decisões são tomadas. Antes, era muito cômodo ficar atrelado a um tipo de modelo sem correr risco, com juros acima de 12% ou 13%, que desestimulvam investimentos nos meio produtivos e geravam um vício de pensamento que não era nada bom para o país.

Valor: A forma como o governo está forçando os bancos a reduzir juros, para baratear o crédito, usando banco estatais, é correta?

Ermírio de Moraes: Não sou do ramo para dizer nem quero julgar se o setor acha se essa foi a melhor maneira. Mas ela vem funcionando. Se não é tecnicamente a forma correta, temos de admitir que, de forma prática, os resultados vêm ocorrendo. Como fica no longo prazo? A inflação não pode voltar, pois caso isso ocorra os juros terão de subir de novo. É uma pilotagem bem delicada entre juros, inflação, gasto público, política fiscal e monetária... O governo terá de ser um maestro de grande habilidade. Acho que a direção é certa.

Valor: O Brasil vem perdendo atração para investimentos?

Ermírio de Moraes: O Brasil tem de atacar problemas no seu ambiente de negócios. A burocracia, a lentidão do Judiciário, demora na concessão de licenças, longo tempo para se abrir uma empresa... Isso cria um ambiente jurídico de incerteza. Enfim, são as microrreformas, muito importantes no dia a dia da vida empresarial.

Valor: A questão da educação: você tem mencionado sempre...

Ermírio de Moraes: Esse é um ponto que gostaria de ressaltar: a qualidade de educação no país. Os orçamentos feitos nos governos Lula e Dilma têm sido bem generosos, mas o Brasil, nos testes de avaliação internacional, ainda deixa muito a desejar. É esse salto qualitativo que precisamos dar para uma economia moderna, visando fabricar produtos de maior valor agregado. É o passo que a China vem dando há 30 anos: atacou a questão de infraestrutura. Daqui a pouco vai concorrer com os coreanos, os japoneses, alemães com produtos de alta tecnologia, qualidade e custo competitivo. O Brasil tem de caminhar nessa direção. Não podemos continuar um país produtor só de matérias-primas e produtos semimanufaturados. Não vai levar a uma renda per capita de US$ 40 mil em 30 anos. Vai continuar em US$ 15 mil.

Valor: Câmbio: considera que já é suficiente o nível atual para indústria se tornar competitiva?

Ermírio de Moraes: Varia de setor para setor. Podemos dizer que já estamos em um nível satisfatório. Ainda não é o ideal, pois depende da estrutura de custos de cada um, da inflação interna. O governo está pilotando com muita propriedade, por causa da inflação, desvalorizando gradualmente. Há quem diga que o ponto de equilíbrio seria na faixa de R$ 2,40 ou R$ 2,50. Nos setores em que a Votorantim atua, ele tem ajudado, mas não o suficiente para voltar à competitividade de dez anos atrás. O Brasil tinha o menor custo de produção mundial de suco de laranja, aço, celulose. Não tem mais.

Valor: Como vê a política que o governo vem adotando, de escolher alguns setores para receber benefícios fiscais, como automotivo, de bens eletrodomésticos e outros?

Ermírio de Moraes: Estamos saindo da UTI e começando a respirar. Estamos no caminho que pode levar a um nível de investimento maior. Não é isso que precisamos? O governo está pedindo, mas precisa dar condições. E no setor de transformação é maior competitividade, a palavra-chave.

Valor: A política deve continuar?

Ermírio de Moraes: Acho que deve fazer o que é possível. Se ouvir os economistas, vão apontar medidas horizontais, com regras do jogo válidas para todo mundo. Mas é possível uma desoneração completa, de toda a cadeia industrial? Creio que o governo não tem condições de fazer isso de maneira responsável, buscando resolver questões mais urgentes e visando, no tempo, atender a todos elos da indústria. É a responsabilidade da gestão fiscal. Vivemos em uma crise internacional sem precedentes.

Valor: Como vê a gestão pública?

Ermírio de Moraes: O governo tem procurado fazer isso com mais eficiência. Mais nomeações técnicas do que políticas, o que é bastante positivo. Está buscando incorporar as melhores práticas de gestão do setor privado, por meio da Câmera de Gestão, coordenada pelo Jorge Gerdau [dono do grupo siderúrgico Gerdau]. Isso tudo é um avanço para o equilíbrio das contas e para o aumento do superávit fiscal. O nível de investimento do setor público é pouco no Brasil - 2% do PIB. O privado, 17%. O país precisa pelo menos de 23%.

Valor: Como vê a concorrência chinesa no Brasil? Isso afeta os negócios da indústria como um todo e os da Votorantim, especificamente?

Ermírio de Moraes: No caso da Votorantim, menos, porque estamos em uma indústria de commodities, que o Brasil ainda tem uma competitividade boa. Já as indústrias de bens intermediários e manufaturados, nos últimos anos, sofreram uma concorrência de maneira intensa. O resultado é que o PIB industrial não cresceu. Ficou estagnado nesses três anos.

Valor: Nos setores onde o grupo está presente, como cimento e aço, celulose, metais e agronegócio o senhor já vê reação de demanda?

Ermírio de Moraes: Nos mercados para exportação as coisas estão iguais, sem melhora nem piora. Os preços das commodities estão estabilizados num patamar de ciclo de baixa. Vai continuar dessa forma para os próximos três anos. Não há nenhuma expectativa de voltar a 2007 e começo de 2008. Já o consumo interno está indo bem. Nossa fábrica praticamente não exporta mais alumínio. O grupo sempre teve essa felicidade de ter um equilíbrio de negócios entre mercado interno e externo e sempre que algo não está bem em uma conjuntura a outra está mais favorável. Gostaríamos de fazer mais, mas infelizmente o cenário internacional não nos permite.

Valor: Como está a disposição do grupo para investir nesse cenário?

Ermírio de Moraes: Continuamos no mesmo ritmo: de R$ 4 bilhões a R$ 5 bilhões por ano. Essa é a nossa política nos últimos oito a dez anos. Para atender crescimento da demanda e continuar tendo competitividade.

Valor: Há mais espaço para redução da taxa Selic em 2013?

Ermírio de Moraes: Nem o ministro [Guido Mantega] fala, vou eu falar? Se considerar que estamos com um spread de 2% sobre a inflação, acho que está razoável. Não vemos nenhuma inflação de demanda à frente. E a de custo está contida. O governo está atuando, como no caso da tarifa de energia elétrica. A inflação de serviços está mais alta. É o que conta para nós.

Valor: Que avaliação o senhor faz do governo da presidente Dilma nestes dois anos. E quais são as perspectivas para os dois últimos?

Ermírio de Moraes: É muito do que falamos aqui e que é positivo. Foco na competitividade, aumento de investimento, gestão pública, qualidade de ensino. A presidente Dilma tem se mostrado uma grande sábia, atuando em interesses do país em detrimento de interesses particulares. Tem se mostrado uma surpresa como gestora, atacando problemas que vinham se acumulando. No governo FHC, a questão da inflação e ordem econômica; o governo Lula fez um trabalho excepcional no lado social, com a inclusão das classes menos privilegiadas ao consumo; e agora a Dilma, com esse foco na competitividade para aumento do investimento e crescimento do país. A direção é muito positiva e nos deixa bastante otimistas com o futuro do Brasil. Gostaríamos de ter mais. O empresário é eterno insatisfeito e questionador, pois vivemos em um ambiente competitivo diário.

Valor: A renovação das concessões elétricas: o senhor é a favor da forma como o governo fez?

Ermírio de Moraes: Para o país, as medidas são corretas. Vai afetar interesses específicos? Sempre. Mas temos de atuar no custo-Brasil: redução de juros, custos de energia e do gás natural... O governo está atuando de maneira bem pragmática. Vai afetar interesses, mas temos de pensar no Brasil. E se é assim tem de ter nosso apoio. Como pode o país ter a energia mais cara do mundo? É preciso atuar na carga do ICMS, a que mais pesa. Os Estados têm de abrir mão dessa receita. É um segundo round, mais complexo e que terá ser atacado.

Gigante Pela Própria Natureza – Josué Gomes da Silva – Ex-Presidente do IEDI e Presidente da Coteminas (artigo publicado pelo jornal Folha de São Paulo em 29/07/2012). Em contrapartida a certo ceticismo que se observa quanto às perspectivas de o Brasil seguir enfrentando com sucesso a crise internacional, um dos mais reconhecidos economistas mundiais, Dani Rodrik, professor da Universidade Harvard (EUA), salienta nossa capacidade de crescer 5% ao ano, a despeito do cenário de baixa expansão que deverá permear a economia global ainda por longo tempo.

O mestre não ignora as dificuldades advindas da estagnação nos países desenvolvidos e da desaceleração chinesa. Mas demonstra conhecer as virtudes brasileiras para superar adversidades: contas públicas equilibradas, democracia consolidada e mercado interno pujante.

Brasil, Índia e Coreia do Sul, na visão do economista, são os países que têm melhor potencial para enfrentar problemas da economia.

Somam-se a essas condições estruturais, na visão do professor Rodrik, o impacto positivo das medidas anticíclicas adotadas pelo governo, como a redução de tributos para alguns setores e o reequilíbrio de duas variáveis macroeconômicas fundamentais --juros e câmbio, que têm contribuído para manter o nível de atividade em patamares razoáveis.

Também concordo com Dani Rodrik quanto à importância da ação do BNDES. Ele, que palestrou em seminário comemorativo dos 60 anosda instituição, salientou o quanto são significativos os financiamentos de longo prazo disponibilizados pelo banco para o investimento da indústria, do setor de infraestrutura e de outros segmentos de nossa economia.

O diagnóstico feito pelo economista reflete algumas políticas públicas implantadas com eficácia pelo Brasil nas duas últimas décadas.

E ainda temos numerosos pontos positivos não abordados pelo professor. A disponibilidade de água potável, por exemplo, fator fundamental para a vida e um bem humano cada vez mais escasso.

As reservas de água doce do Brasil somam 12% das do planeta, o dobro das chinesas e cerca de duas vezes e meia das americanas. Quando levamos em conta as populações --a chinesa equivalente a 19% da mundial, a dos EUA, cerca de 4%, e a do Brasil, de pouco menos de 3%-, vemos que nossa disponibilidade per capita de água é 12 vezes maior que a chinesa e quase quatro vezes maior que a americana.

Esse e outros fatores altamente favoráveis ao Brasil, e que abordaremos em próximas colunas, dão a dimensão e a força de nosso país.

Se economistas da envergadura de Dani Rodrik expressam sua confiança no Brasil, será que não deveríamos compartilhar tal sentimento, trabalhando com mais força e otimismo para, de fato, continuar crescendo?

Resposta À Fome do Mundo – Josué Gomes da Silva – Ex-Presidente do IEDI e Presidente da Coteminas (artigo publicado pelo jornal Folha de São Paulo em 05/08/2012). Semana passada, ratifiquei a opinião de Dani Rodrik, professor na Universidade Harvard (EUA) e respeitado economista, quanto às boas perspectivas de o Brasil continuar crescendo, do nosso mercado interno, do equilíbrio das contas públicas e da democracia consolidada. Acrescentei à análise o nosso diferencial competitivo referente à imensa reserva hídrica.

Mas, há outros fatores significativos favoráveis ao país, entre eles, a disponibilidade superior a 300 milhões de hectares de terras agriculturáveis.

São mais de 100 milhões de pastagens, dando sustentabilidade à criação de gado de corte e, parte das quais, se necessário, pode ser adequada à cultura de outros alimentos.

São poucas as nações com áreas disponíveis à agropecuária que não impliquem desmatamento. Somos, de longe, os campeões no quesito, em plenas condições de conciliar produção/segurança alimentar com a preservação ambiental.

Temos clima diversificado, chuvas regulares, energia solar abundante e mais de 12% de toda a água doce do planeta: tudo o que a natureza precisa para fertilizar a terra e prover abundância.

O melhor é que sabemos aproveitar esse potencial, agregando tecnologia de ponta ao agronegócio, onde a Embrapa e outros institutos de pesquisas têm sido fundamentais. Nossa produção de alimentos cresceu 120% nos últimos 15 anos.

Tais números e dados brasileiros são a melhor resposta às inquietações da FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação) quanto à necessidade de se aumentar em 70% a produção mundial de comida até o ano 2050, quando a população da Terra superará nove bilhões de pessoas.

Os técnicos do organismo multilateral acreditam que 80% dos alimentos necessários ao atendimento dessa grande demanda virão do aumento da produtividade (temos tecnologia para isso!) e 20%, de novas áreas agricultáveis (temos disponibilidade para isso!).

O Brasil é uma ilha de fertilidade, pois há países nos quais já falta espaço para plantar e criar rebanhos e onde a água, elemento essencial à vida, é extremamente escassa e a pouca que se tem disponível está poluída, portanto imprestável.

E somos potência agrícola, ainda que nos falte logística eficiente e competitiva, o que reduz muito a renda do produtor. Mas há obras de infraestrutura em andamento e, quando prontas, irão contribuir muito.

O Brasil tem, portanto, a faca e o queijo (...o leite, a carne, a soja, o café, os grãos, as frutas...) para se tornar a grande referência e protagonista da segurança alimentar.

Não há dúvida de que esse potencial pode ser cada vez mais convertido em vantagem competitiva, crescimento econômico e desenvolvimento.

"Dilma Não Vai Aumentar a Carga Tributária" – Jorge Gerdau – Conselheiro do IEDI e Presidente do Conselho de Administração do Grupo Gerdau (entrevista publicada pela revista IstoÉ Dinheiro – 01/06/2012). O coordenador da Câmara de Gestão e Planejamento do governo, Jorge Gerdau, diz que os empresários e o Congresso precisam ficar vigilantes para evitar aumento de impostos.

Há um ano, o empresário Jorge Gerdau, presidente do Conselho de Administração do grupo Gerdau, ocupa um gabinete no terceiro andar do Palácio do Planalto, próximo à sala da presidenta Dilma Rousseff, como coordenador da Câmara de Gestão e Planejamento do Governo Federal. Nos últimos dias, seu trabalho começou a aparecer com a proposta defendida por ele de uma reforma tributária fatiada, a começar pela unificação do PIS/Cofins. Sua ideia foi discutida na sexta-feira 25, no gabinete de Dilma, com Nelson Barbosa, secretário-executivo da Fazenda, e Carlos Alberto Freitas Barreto, secretário da Receita Federal. No fim, Dilma deu o sinal verde para se levar à frente a proposta. “A presidenta Dilma definiu como prioridade do governo”, afirmou Gerdau, nesta entrevista exclusiva concedida à DINHEIRO. A proposta já nasce polêmica. Como se trata de um modelo na qual o imposto será creditado nas cadeias produtivas, está previsto um aumento de alíquota do PIS/Cofins. Gerdau diz que não haverá aumento da carga tributária. A própria Dilma teria imposto essa condição. Gerdau reconhece, porém, que é preciso ter cuidado. A tentação do governo em aumentar a arrecadação é grande.

DINHEIRO: Em que consiste a proposta de reforma tributária do sr.?

JORGE GERDAU: Há muito tempo, o setor siderúrgico tem uma preocupação grande com a questão da competitividade, e um dos grandes temas dessa discussão é o problema dos impostos cumulativos. Embora o PIS e o Cofins, assim como o ICMS e o IPI, sejam teoricamente impostos não cumulativos, não é assim que funciona. Isso gera uma burocracia enorme para definir quais os créditos a ser descontados em impostos.

DINHEIRO: Sua proposta é adotar um sistema de cobrança de impostos não cumulativos, a começar pelo PIS/Cofins?

GERDAU: Hoje, isso só existe na teoria. Na prática, é complicadíssimo saber o que deve ser ou não creditado. São discussões intermináveis. O que está se propondo é que se estabeleça no PIS/Cofins essa metodologia de se gerar créditos em cada etapa na cadeia de um determinado produto.

DINHEIRO: O custo das empresas com esse sistema atual é muito grande?

GERDAU: É uma burocracia enorme. Na Gerdau, por exemplo, nós temos 100 pessoas para cuidar dessa papelada, só para saber o que entra ou não como crédito. Na Petrobras, são 900. Em vez de produzir, essas pessoas estão trabalhando na burocracia. Esse é um dos custos Brasil. Dependendo do produto, nós devemos ter um total de 15% de impostos escondidos no custo do produto.

DINHEIRO: Essa estrutura compromete a produtividade das empresas?

GERDAU: Há uma grande diferença entre competitividade e produtividade. O Brasil tem índices de produtividade bastante bons. A produtividade da indústria brasileira é muito boa. Agora, se você tomar os fatores de não competitividade, como essa estrutura tributária, esses impostos e encargos que recaem sobre a energia elétrica, os impostos e encargos sobre o gás, e acrescentar a estrutura de logística, são todos fatores extramuros das empresas. Nós precisamos atacar esses problemas para aumentar a competitividade no País.

DINHEIRO: Como a presidenta Dilma reagiu à proposta apresentada pelo sr.?

GERDAU: Graças a Deus, a presidenta Dilma está começando a trabalhar firmemente sobre esse tema.

DINHEIRO: Mas a proposta prevê um aumento da alíquota do PIS/Cofins.

GERDAU: Ao se creditar os impostos na cadeia, isso vai levar a uma pequena compensação com um aumento da alíquota do PIS Cofins, mas não vai haver diferença no preço final. Isso porque vai ter uma compensação da cobrança do PIS/Cofins em cada etapa na cadeia do produto. O que essa modernização do sistema não pode é aumentar a carga tributária. A soma dos dois impostos, o PIS e o Cofins, é de 9,25%.

DINHEIRO: O PIS/Cofins será unificado?

GERDAU: O mais importante não é a unificação, mas sim aproveitar os créditos das contas anteriores. O importante é a questão da cumulatividade. Hoje, por exemplo, o ICMS que pago para consumir energia na Gerdau não me permite que seja usado como crédito. Se eu puder me creditar desses impostos, eu vou pagar a energia sem o tributo, mas no final a alíquota terá que ser um pouco maior.

DINHEIRO: De quanto seria o aumento do PIS/Cofins?

GERDAU: Eu não tenho esse número. No aço, o aumento deve levar o imposto para 12% a 15% provavelmente, mas eu acabo com toda essa burocracia que existe hoje. O Brasil fica em condições de igualdade para competir contra os importados.

DINHEIRO: Por que a igualdade com o importado?

GERDAU: O produto importado só paga o PIS e o Cofins quando entra no País. Não paga as etapas anteriores. O produto importado só paga 9,25% sobre o preço final. Esses 15% escondidos na minha cadeia, esses caras não pagam. Não pagam o IOF, o ICMS, o ISS. Essa soma toda corresponde a mais ou menos 10% a 15% sobre o custo, dependendo do produto.

DINHEIRO: Essa nova estrutura não vai exigir burocracia também?

GERDAU: Se eu tenho uma estrutura tributária definida, as empresas podem automatizar o processo. Hoje, só uma parte pode ser creditada, outra não. Não há um critério definido. Não tem regularidade. A confusão de critérios é uma loucura total. No novo modelo, haverá um padrão automático.

DINHEIRO: Essa nova estrutura tributária inclui também o ICMS?

GERDAU: Não agora. Essa será a segunda etapa. Vamos começar com o PIS/Cofins, e depois partimos para todos os outros impostos. A novela de acabar com os outros impostos é um segundo capítulo, mas tem que começar. A caminhada é longa e temos que dar o primeiro passo. Na verdade, o primeiro passo já foi dado com a medida de resolução do Senado 72, que acabou com a guerra dos portos. Foi o primeiro passo dessa caminhada.

DINHEIRO: Há quanto tempo vem se discutindo esse novo processo?

GERDAU: Esse tema já vem sendo debatido. A Receita já está trabalhando há mais tempo, mas só agora veio a público.

DINHEIRO: Por que veio a público?

GERDAU: Porque houve um posicionamento formal da presidenta Dilma Rousseff de atacar esse problema, de definir como prioridade do governo. Ela quer resolver essa questão. A presidenta tem uma posição clara de que isso tem que ser corrigido. Quando ela assumiu a Presidência, ela já tinha essa visão, e agora decidiu atacar esse tema.

DINHEIRO: Foi definido um prazo?

GERDAU: Prazo não tem, mas quando a presidenta resolve atacar um problema, as chances são de não demorar muito tempo.

DINHEIRO: O ministro Mantega também tem participado dessas discussões?

GERDAU: Esse tema já vem sendo debatido com o ministro Mantega.

DINHEIRO: Essa proposta é sua?

GERDAU: A ideia não é nova. O empresário já fala nisso há anos. Como havia a perspectiva de uma reforma tributária global, se alimentava essa ideia, mas, agora, chegamos à conclusão de que essa reforma global é impossível. Tem que ser fatiada.

DINHEIRO: Mas o empresário não pode receber mal essa proposta, já que vai haver aumento do PIS/Cofins?

GERDAU: A presidenta Dilma não vai aumentar a carga tributária.

DINHEIRO: O sr. tem falado com os empresários?

GERDAU: Sim, tenho falado sobre isso, e há posicionamentos a favor. O empresariado é ressabiado. Quando o governo mexe em imposto, é sempre forte a tentação de se aumentar a carga tributária. Quando houve a criação da teórica não cumulatividade do PIS/Cofins, me lembro que Armando Monteiro, então presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), calculava que o imposto deveria ser de 7,5%, e saiu 9,25%. A história depois mostrou que houve realmente aumento de carga tributária, não fosse o objetivo. Terá que se fazer um trabalho grande para evitar que haja aumento da carga tributária.

DINHEIRO: O empresário tem de ficar atento?

GERDAU: O empresário, o Congresso e a sociedade precisam ficar vigilantes. A filosofia e a tentação de se aumentar a carga tributária existe historicamente no País. Embora a presidenta tenha uma posição, no sentido contrário, o passado nos mostra que é melhor ter muito cuidado.


Indústria Pode Demorar 10 Anos Para Ganhar Força – Julio Gomes de Almeida – Consultor do IEDI e Professor da Unicamp (entrevista publicada pelo jornal Brasil Econômico em 01/06/2012). Há mais de 30 anos, a indústria deixou de acompanhar o crescimento da economia. Nos anos 80, o setor sofreu com o calote da dívida nacional e a dificuldade de financiamento para expansão do segmento. Na década seguinte, a inflação exorbitante impediu qualquer planejamento financeiro que permitisse a inovação da área industrial. No começo dos anos 2000, a indústria já estava velha e quase perdendo o bonde da terceira revolução industrial, fundamentada principalmente no setor eletroeletrônicos. “Sem tecnologia, a indústria fica parada”, diz Julio Sergio Gomes de Almeida, professor da Unicamp e consultor do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi). Nesta entrevista, ele analisa a situação industrial e fala sobre os reflexos dos juros e do câmbio para a produção industrial.

A atual política econômica que manteve o câmbio valorizado prejudicou a indústria?

O câmbio valorizado é como o lança perfume. Ele causa euforia, as pessoas acham que estão mais poderosas porque podem viajar para o exterior, podem comprar importados, o governo fica feliz porque a população está satisfeita, mas essas sensações são passageiras. O câmbio valorizado é prejudicial à indústria, ele encarece os produtos nacionais no mercado internacional e faz com que os setores fiquem menos competitivos. Desde o começo do ano, a política cambial do governo tomou a direção certa com a desvalorização da moeda frente ao dólar norte-americano. O câmbio é flutuante e deve flutuar pelos fundamentos econômicos e não por alteração no humor dos investidores estrangeiros.

A queda dos juros pode ser um bom sinal para a indústria?

No Brasil, parece que há um pacto entre governo, sociedade e empresários para manter os juros em alta. É a única explicação para que a taxa ainda seja uma das maiores do mundo. Os juros mais altos dificultam o financiamento das empresas para investimentos em inovação e tecnologia. Além disso, fazem com que o consumidor pague muito mais para comprar bens duráveis. De uma maneira simplista, financiar uma geladeira com os juros atuais fará com que o consumidor pague o equivalente a dois refrigeradores até o final do crediário. Em qualquer outro país, a taxa de juros do financiamento equivaleria ao pagamento de 1,2 geladeira.

As recentes medidas anunciadas pelo governo são positivas para o setor?

O governo tem atuado em duas frentes. Primeiro, com medidas paliativas para dar tempo ao setor industrial para se recuperar. Depois, por meio de ações estruturais e de longo prazo. Mas a indústria tem sofrido muito mais com a concorrência dos produtos importados. Nos últimos meses, o comércio varejista de bens cresceu 7% e o desempenho da indústria ficou estagnado. Nossa indústria ficou velha.

O que é uma indústria velha?

É uma indústria que tem baixa produtividade e que disputa um mercado interno que está sendo constantemente assediado pelas empresas estrangeiras. Com a retração da economia mundial, os estrangeiros veem o Brasil como grande mercado consumidor para seus produtos. Muitas vezes, praticam preços muito menores apenas para consolidar os produtos no mercado. A indústria ficou velha porque não tem setores representativos da nova revolução industrial, que são os segmentos ligados a eletroeletrônicos, química fina, farmacêutica.

É possível uma recuperação?

É sim, mas é um processo de longo prazo. A indústria nacional pode começar agora um processo de reindustrialização, mas vai demorar 10 anos até se tornar um setor de médio porte. Nunca seremos como a China ou os Estados Unidos.

"Tem Muita Indústria que Virou Só Revenda" – Marcelo Bahia Odebrecht – Conselheiro do IEDI e Presidente da Odebrecht (entrevista publicada pelo jornal Zero Hora em 13/05/2012). Quando se pergunta quais são as atividades preferidas de Marcelo Bahia Odebrecht, a resposta vem sucinta e rápida, sem qualquer dúvida:

– Nada, ele só trabalha.

Exageros à parte, não é à toa que ele dirige um dos maiores conglomerados empresariais brasileiros – emprega 160 mil pessoas, divididas em 11 companhias que atuam em 20 países em pontos extremos do planeta e faturou R$ 71 bilhões no ano passado. Filho de Salvador, que tem seu Estado em um dos sobrenomes, conta também com uma saudável mistura no sangue. Das raízes alemãs dos Odebrecht, vem outra influência: a luterana do avô Norberto, fundador do grupo, que estipulou uma das principais diretrizes a ser seguida: em vez de ser servido, viver para servir.

Outro ponto relevante que permeia as Organizações Odebrecht, como o conglomerado que atua em uma das maiores obras em andamento no Brasil – a hidrelétrica de Santo Antônio – é conhecido, é a educação pelo trabalho. O papel destacado cabe ao líder. É por meio dele que se adquire conhecimento. É assim que se imprime a filosofia nas companhias do grupo, cuja origem foi no segmento da construção civil.

Low profile e avesso a holofotes, o neto mais velho de Norberto deixa bem claro seu papel quando, nas raras entrevistas que concede, fala de como dirige o grupo desde 2008, em substituição ao pai, Emílio. Aos 44 anos, responde por áreas tão diversas como a construção de estádios para a Copa, energia e bioenergia, infraestrutura, óleo e gás, defesa e tecnologia, saneamento, petroquímica e empreendimentos imobiliários de cerca de R$ 40 bilhões nos próximos três anos. No Estado, tem entre um de seus principais projetos a expansão do trensurb.

Com MBA na Suíça, o engenheiro, casado e pai de três filhas, diz estar confiante no novo momento vivido pelo Brasil, apoia o esforço empreendido pelo governo contra o juro alto e por estimular setores em dificuldades, como a indústria. Nesta conversa com ZH, concedida pouco antes de participar de um debate da ADVB gaúcha na semana passada, na Capital, Marcelo deu alertas, porém, do que precisa ser mudado ainda para que o país alcance o desenvolvimento sustentável. Num característico sotaque baiano e em uma mais ainda indisfarçável expressão dos nordestinos:

– Rapaz, será? (pronunciando rapaz" e forma bem aberta e como se tivesse sequência de is).
Veja os trechos do diagnóstico sobre mazelas e destaques do Brasil de Marcelo que, ao contrário do que se diz, encontra, sim, tempo para outras atividades não relacionadas a extenuantes jornadas. Como natação, que pratica quase todos os dias em São Paulo, onde mora, e partidas de squash. Só não se sabe se ele é tão craque nos esportes como na vida empresarial.

O nó do câmbio

Se o câmbio for a R$ 3, estará uma maravilha para os exportadores. Mas essa cotação mascara a falta de competitividade de outros setores e uma série de questões que deve ser resolvida, como a tributária e a infraestrutura. Se estiver baixo, também prejudica a todos. A questão do câmbio ideal, portanto, não é fácil de se resolver. E choro sempre vai existir, sim. Parece haver constantemente a sensação de que o câmbio está sobrevalorizado. Você pode fazer o que quiser e parece não conseguir compensar. Não existe um câmbio ótimo. Talvez até o ideal possa ser entre R$ 2 e R$ 2,20, mas depende do setor. O governo está consciente em agir sobre a questão para ter uma taxa que não prejudique a exportação. Precisamos é de mais estabilidade, sem tantas idas e vindas.

Cruzada contra juro

Mais do que juro, digo que a questão é o spread (diferença entre o juro para captar recursos e as taxas cobradas dos correntistas). Vale lembrar que as grandes empresas têm acesso ao BNDES e ao mercado externo, onde captam a 6%, 6,5% ao ano. O grande problema é o absurdo que pequenas e médias empresas estão pagando para captar e também para o consumidor final que paga 30%, 40%, 100% ao ano, ninguém tem isso no mundo. Não vou entrar na discussão aqui, mas o grande problema do Brasil hoje é o custo. Mais do que a grande empresa, preocupa o custo para o consumidor que acaba afetando o mercado, pois tem de pagar mais e se endivida. Com isso, consome menos.

Mas a presidente Dilma diz que se deve olhar para o spread, que tem várias causas. A presidente deixa claro isso, ela não está brigando contra o banco, mas contra o spread. A gente só vê os altíssimos lucros dos bancos, mas tem a inadimplência e é preciso resolver a questão do cadastro positivo. Ou seja, há uma série de coisas que devem ser feitas, não só os bancos, não só o governo, mas todo mundo.

Fim das altas taxas

Acho que dá para vislumbrar, sim. Para dar apenas um exemplo, já ouvi que teve banco baixando a taxa de seu cartão de crédito de 100% ao ano para 30% ao ano. Imagine isso aí! O problema do brasileiro é o seguinte, tem capacidade de pagar R$ 100 de juro por mês, por exemplo, que são atingidos rapidinho com uma dívida pequena. Agora não, agora você poderá se endividar mais, você pode investir mais, pagando taxa de juro menor. O dinheiro ainda é muito caro para o brasileiro.

Superendividamento

Não temos esse problema de superendividamento. Se é que existe vantagem no juro alto, uma vantagem relativa, claro, foi o fato de que, como as taxas era muito elevadas, impediu o excesso de endividamento. Você parava de tomar crédito por falta de capacidade de pagamento, não pela dívida. No Brasil, é muito diferente dos EUA, onde o americano da classe média tinha condições de pagar R$ 1 mil por mês de juro, comprometia até 100% da renda. O brasileiro, porém, só conseguia chegar aos 30% para pagar os mesmos R$ 100. Então, não houve superendividamento. A carga de juros muito alta brecou a capacidade de endividamento.

O drama do Brasil...

O problema é o seguinte: vivemos uma situação na qual há alguns setores muito bem e outros em dificuldades. Como a indústria tem sofrido muito, o governo está focando aí uma série de medidas. O setor agrícola e o de commodities minerais vem sofrendo um pouco mais do que um ano atrás, mas está bem. O de serviços vive o pleno emprego.

... e o Brasil no topo

O país é visto como um dos melhores para se investir. É só ver o volume de dólares que vem e ainda virá para cá. E temos maior consciência de como melhorar ainda mais o Brasil. Há 10 anos nem se falava tanto em educação e infraestrutura, mas o nosso desafio ainda é enorme.

Crédito a longo prazo

É um desafio, eu acho que menos para financiar indústria e mais para financiar a infraestrutura que está aí até porque, hoje, só tem o BNDES. O setor privado precisa entrar pesado na questão de financiamento a longo prazo.

Vantagens do Estado

Enquanto o Brasil enfrenta muitas dificuldades por exportar tributos e ter custo de energia muito alto, superior em duas vezes ao dos Estados Unidos, por exemplo, o Rio Grande do Sul tem uma grande vantagem. É o fato de estar dentro do Mercosul. Na Braskem, por exemplo, 30%, 40% das exportações saem do Rio Grande do Sul.

Os equívocos no transporte

Se tirar a Vale e algo de soja do Centro-Oeste que usam ferrovias, tudo é transportado no Brasil via rodoviária. O modelo de transporte precisa mudar, as perdas com fretes chegam a 20%, 30% no Centro-Oeste, por exemplo.

Desindustrialização

Dependendo do setor, você começa a perceber que muitas fábricas hoje no Brasil já viraram espécie de indústria de revenda. Mas é bom ver que, poucas vezes, tivemos um governo tão consciente das dificuldades e agindo para saná-las. Todas as medidas estão sendo adotadas em grande parte para defender a indústria. O diagnóstico do governo é muito bom, está no caminho certo. É claro que a implementação não é fácil, mas as medidas foram feitas no rumo certo.

Chance de reversão

Tem de reverter! Pelo seu tamanho, o Brasil não pode se dar o luxo de perder esta briga contra a desindustrialização.

Crescimento da economia

Olha, eu sou meio suspeito, mas é o seguinte: nos setores em que a gente está, não tem problema de crescimento, como na infraestrutura e área agrícola. As dificuldades que sentimos estão na indústria de transformação. A dificuldade que a gente tem hoje para analisar o Brasil é que contamos com setores de alto desempenho. Na cadeia de óleo e gás, a demanda é absurda. O país tem competitividade imbatível na área de agroindústria e na mineral. Na área de serviços e infraestrutura, você compete com concorrente dentro de casa. Se o chinês quiser vir para cá, ele vai ter os mesmos custos que nós. Mas, na indústria, competimos com gente que tem outros custos, gente que está com a moeda mais desvalorizada lá fora. Precisamos fazer o dever de casa para reduzir as assimetrias, como a carga tributária elevada e resolver a questão da infraestrutura. A desoneração da folha de pagamento é uma medida importante, mas a questão deve ser mais ampla: precisa ajudar na formalização. O que queremos é isonomia com as empresas de fora. Então, esta é a dificuldade hoje no Brasil.

Imposto Escondido – Jorge Gerdau – Conselheiro do IEDI e Presidente do Conselho de Administração do Grupo Gerdau (entrevista publicada pelo jornal O Globo em 30/04/2012). O empresário Jorge Gerdau gosta de números. Se você não tiver como anotar, vai se perder na conversa. No debate sobre se o Brasil está se desindustrializando ou não, ele está com o primeiro grupo. E tem um número para provar: o déficit comercial do setor de manufaturas foi de US$ 92 bilhões no ano passado, cinco anos atrás era de US$ 20 bilhões. Ele não culpa o câmbio, mas o complexo sistema de impostos embutidos.

Gerdau é um dos donos de uma siderúrgica que tem 49 usinas em 14 países e é também da Câmara de Competitividade, que no governo tenta implantar mais eficiência na gestão pública e um modelo de mais competitividade para a economia brasileira.

O setor industrial brasileiro é muito produtivo e tem baixa competitividade — diz.

Parece contraditório, mas o que ele está dizendo é que, no caso que conhece bem, o aço, o Brasil é o terceiro mais produtivo do mundo, em termos de custos e eficiência de produção, mas é o segundo mais caro do mundo quando entra o preço final. E fica mais caro pelos impostos e preço de energia.

No custo da energia, nas várias usinas que a Gerdau tem na América do Norte — Canadá e Estados Unidos — o preço varia do menor nível por volta de US$ 31 e US$ 33 por MWh, em Cambridge e Midlothian, até US$ 76 em Jacksonville. No Brasil, os preços mais baixos são os da Siderúrgica Riograndense, US$ 76. O mais alto é US$ 126, em Divinópolis. As diferenças ficam ainda maiores quando se compara o custo do gás.

O aço brasileiro tem o terceiro menor custo de produção em bobina a quente e o quarto menor em vergalhão. Quando entram na conta os tributos em geral, inclusive impostos sobre investimento, o produto do Brasil fica mais caro do que os de China, Rússia, Turquia, Estados Unidos e Alemanha.

Dos impostos no Brasil, todos reclamam. Na sexta-feira, tomei café da manhã com Gerdau, na quinta-feira, passei seis horas no Morro Dona Marta em debates e entrevistas. O presidente da Associação de Moradores, José Mário Hilário dos Santos, apontou uma moradora que, no mesmo momento que eu, subia de bonde ao alto do morro. Ela carregava uma sacola com arroz e feijão que havia acabado de comprar.

Ela pagou de impostos naquele arroz e feijão o mesmo que você, que é moradora da Gávea. Você acha justo? A sua rua é varrida, as árvores são podadas, você tem todos os serviços — disse.

Os impostos indiretos são injustos por serem exatamente o que José Mário falou: o mesmo para qualquer consumidor independentemente do nível de renda.

O empresário e conselheiro de competitividade do governo brasileiro acha que é injusto o exportador pagar tanto imposto escondido no produto e competir com outros países que desoneram a produção e o investimento. Por isso, encomendou estudo para saber quanto há de imposto num carro estrangeiro que chega ao país e num carro produzido e vendido aqui:

Nós temos que decidir se queremos ter indústria ou não. Para muita gente não é tão visível esse processo, porque o empresário fecha a fábrica, importa, dá uma tropicalizada e vende aqui.

Transparência no que se paga de impostos é tão importante para um empresário quanto para o morador de uma área de periferia. Disse a Gerdau que seria importante ter transparência de todas as isenções que alguns setores industriais recebem e outros não, tarifas diferenciadas de energia, subsídios dos empréstimos do BNDES. Não se tem transparência no Brasil nem no que o Estado nos cobra nem no quanto ele nos dá. Em vez de uma reforma tributária, o governo tem distribuído favores e isenções para setores escolhidos. Isso é que tem criado mais distorção.

Gerdau admite que uma política industrial precisaria olhar para todos os fatores de competitividade:

Educação, por exemplo, é fundamental. O que torna uma empresa ou um país competitivo é a cabeça do seu povo. Vou te dar um exemplo. Sabe quanto tempo os funcionários da Siderúrgica Rio Grandense levam para desligar, descarregar e religar o forno? Oito minutos. Quanto leva a siderúrgica da Colômbia? Vinte minutos. O processo é complexo, mas com método e mão de obra qualificada conseguimos reduzir esse tempo. Não podemos ter uma população educada no nível que o mundo exige hoje com apenas 2,7 horas de aula efetiva por dia. O brasileiro tem que estudar mais porque eu quero competir com a Ásia.

Depois da educação, o segundo fator mais importante de competitividade é, na opinião de Gerdau, a logística. Segundo a conta dele, o custo da logística brasileira é de 14% a 15% do PIB. Nos Estados Unidos, é 6,5%.

A hora em que a gente se perde na conversa com ele é quando começa a desfilar números do impacto de imposto sobre imposto em cada produto, como PIS, Cofins, IOF, ICMS, INSS. Enfim, a lista é grande, os números se acumulam. No caso dos custos trabalhistas, ele lembra que é preciso diferenciar o dinheiro que vai para o trabalhador, como FGTS, do imposto mesmo que incide sobre a folha.

Não faz sentido cobrar imposto sobre intermediação financeira, como há no Brasil. Do spread, 27% é IOF. Pense no imposto embutido no empréstimo para capital de giro. Se contar o tempo que leva da retirada do minério até ficar pronto o produto final são quase seis meses que a empresa leva para ver de volta o dinheiro.

Gerdau acha que tudo isso tem que ficar mais claro para todos os contribuintes. E nisso estamos todos de acordo.