por Ludmilla Amaral
IstoÉ, 17/07/2014
Ex- secretário de Política Econômica do governo Lula, o economista Marcos Lisboa avalia o comportamento da economia do País, desde 2009, como "medíocre". "Quando eu digo medíocre é um baixo crescimento, inclusive em comparação com nossos pares no resto do mundo. As dificuldades dos países desenvolvidos têm contaminado os países emergentes, mas nós temos sofrido mais do que os demais", afirmou Lisboa em entrevista à ISTOÉ concedida na terça-feira 15 na sede do Insper (Instituto de Ensino e Pesquisa) em São Paulo, entidade da qual ele é vice-presidente. O economista atribui esse cenário, que, segundo ele, afeta o setor de serviços e ameaça o mercado de trabalho, à volta ao velho nacional-desenvolvimentismo dos anos 50 e 70, baseado na intervenção na economia.
Para caracterizar esse movimento, ele menciona medidas como o aumento das barreiras protecionistas e da concessão de créditos subsidiados por meio dos bancos públicos, em particular o BNDES, e a reintrodução de políticas públicas discricionárias e intervencionistas em diversos mercados. "Apostava-se que ao proteger a economia e com a concessão pelo governo de subsídios e benefícios, que são pagos com nossos impostos, direcionados para esses setores, se estimularia o crescimento da demanda, do consumo e do investimento e se garantiria a aceleração do crescimento econômico. Má notícia: não funcionou", lamentou.
ISTOÉ - As perspectivas quanto à economia brasileira não são positivas. A inflação está em alta e o crescimento muito aquém das expectativas. Como o sr. analisa esse cenário?
MARCOS LISBOA - A economia brasileira tem tido um comportamento medíocre nos últimos anos. Quando eu digo medíocre é um baixo crescimento, inclusive em comparação com nossos pares no resto do mundo. O Brasil tem crescido menos do que a média do mundo e menos do que os países comparáveis. Apesar da crise nos países desenvolvidos, os emergentes como Chile, Colômbia, Peru e mesmo outros países desenvolvidos, como Austrália e Nova Zelândia, têm conseguido manter taxas mais elevadas de crescimento que a economia brasileira. Em particular, a indústria no Brasil sofreu muito nos últimos anos. Até recentemente, no entanto, o setor de serviços no Brasil ainda apresentava um bom desempenho com crescimento robusto, o que garantia a geração de empregos. A má notícia é que recentemente o setor de serviços também começou a demonstrar sinais de enfraquecimento, ameaçando o mercado de trabalho.
ISTOÉ - A que o sr. atribui isso?
MARCOS LISBOA - As dificuldades dos países desenvolvidos têm contaminado os países emergentes, mas nós temos sofrido mais do que os demais. Então, existem dificuldades que são específicas da economia brasileira. Nós estamos abaixo, inclusive, da média de crescimento da América Latina. E o Brasil é grande na América Latina. Então, nós estamos puxando a média de crescimento para baixo. Quando analisamos os dados, verificamos que o Brasil estava até os anos de 2008/2009 com um crescimento muito maior do que no passado, chegando a pouco mais de 4%, e isso estava associado ao maior crescimento da produtividade. Com os mesmos recursos, a economia brasileira produzia mais do que antes. Infelizmente, a partir de 2008/2009 a produtividade da economia brasileira declinou.
ISTOÉ - Por que a economia brasileira apresentou essa queda?
MARCOS LISBOA - Esse período de 2008/2009 marca uma significativa inflexão da política econômica no Brasil. O País até 1990 era uma economia fechada, com uma série de restrições ao comércio exterior, muito protegida da concorrência internacional, com forte desequilíbrio fiscal. Isso tudo se traduzia na alta inflação. A partir da década de 90, a economia brasileira entrou em uma agenda de profundas transformações: equilíbrio fiscal, ou seja, acertou as contas públicas, cujo grande passo é a Lei de Responsabilidade Fiscal. A abertura da economia permitiu importar bens de consumo, bens de produção e máquinas. E veio a estabilização dos preços.
ISTOÉ - Qual foi a importância do Plano Real nessa mudança?
MARCOS LISBOA - O Plano Real conseguiu depois de tanto tempo garantir um nível de inflação compatível com o dos demais países e, do ponto de vista institucional, uma série de reformas modernizando as relações do Estado com o setor produtivo. Essa agenda passou pelo governo Fernando Henrique e foi até o início do segundo mandato de Lula. A partir de 2007/2008, mas sobretudo de 2009 para cá, houve um retorno ao antigo nacional-desenvolvimentismo.
ISTOÉ - Como o sr. vê esse retorno?
MARCOS LISBOA - Há um aumento das barreiras protecionistas, da concessão de créditos subsidiados por meio dos bancos públicos, em particular o BNDES, e a reintrodução de políticas públicas discricionárias e intervencionistas em diversos mercados. Isso é um pouco a volta ao velho nacional-desenvolvimentismo dos anos 50 e dos anos 70, baseado na intervenção na economia. Há uma crítica frequente de que o governo fez um modelo baseado no consumo. Acho injusta essa crítica ao governo. O governo tem um diagnóstico de que o desenvolvimento parte da proteção, do estímulo e da concessão de benefícios e estímulos da demanda. E o governo destinou uma grande parte de recursos ao investimento. Basta olhar o que aconteceu com os recursos do BNDES nesse período, por exemplo, entre 2007 e o começo de 2011. O problema é que deu errado. O investimento não reagiu na proporção com que os recursos foram concedidos. Agora, essa não foi uma agenda apenas do governo. Essa agenda foi defendida por muitas lideranças do setor privado. Apostava-se que ao proteger a economia e com a concessão pelo governo de subsídios e benefícios, que são pagos com nossos impostos, direcionados para esses setores, se estimularia o crescimento da demanda, do consumo e do investimento e se garantiria a aceleração do crescimento econômico. Má notícia: não funcionou.
ISTOÉ - É possível voltar atrás?
MARCOS LISBOA - Acho que retomar aquela agenda prévia de 2008 é uma parte importante desse processo. Os trabalhos acadêmicos indicam, por exemplo, que quando você inicia um processo cuidadoso de abertura da economia, há aumento na competição e também no acesso a bens de capital e insumos tecnologicamente mais eficientes. Trabalhos acadêmicos mostram também como a produtividade da indústria aumentou na década de 90 pelo acesso a bens de capital. Uma agenda importante é a que estabeleça justiça econômica e simplificação. Também temos que voltar a fortalecer o Estado. Nos últimos anos a gente enfraqueceu o Estado em favor da discricionariedade do governo. É preciso voltar a fortalecer as agências reguladoras.
ISTOÉ – E as políticas públicas? Não acha que é preciso qualificá-las?
MARCOS LISBOA - Sem dúvida. Certamente outra agenda importante é a da qualidade da política pública. A política social brasileira até 88 estava delegada a um plano inferior. Por exemplo, a educação nunca foi prioridade no Brasil até 88, tal como boa parte da política social, ao contrário de outros países. Para se ter uma ideia, em 1960 o Brasil era quase três vezes mais rico que a Coreia e, no entanto, 20 anos depois, a Coreia ficou tão rica quanto o Brasil e hoje apresenta indicadores de educação impressionantemente superiores. Isso não vale só para a Coréia. Se compararmos com nossos vizinhos, o Brasil destoa deles pelos baixos indicadores de educação. E não à toa o Brasil apresenta uma realidade desigual de renda. E isso está associado à desigualdade dos indicadores de escolaridade.
ISTOÉ - Nos últimos 25 anos aumentamos muito o investimento em educação. Mas por que nossos indicadores ainda estão defasados em relação a nações vizinhas e a outros países em desenvolvimento?
MARCOS LISBOA - Felizmente, o Brasil mudou, em parte. A partir de 1988 começou a destinar mais recursos para a área social. Em particular na educação, o Brasil conseguiu massificar o ensino fundamental e isso foi um avanço. Ainda há um desafio no ensino médio, mas resta, sobretudo, um desafio na qualidade da educação. A nossa educação ainda é de baixa qualidade. Com a descentralização da política de educação, ela passou a ser de responsabilidade tanto do governo federal como do estadual e do municipal. E nós sabemos hoje, com alguns dados disponíveis, que alguns governos foram muito bem-sucedidos em melhorar a qualidade da educação. Sobral, por exemplo, no Ceará, conseguiu melhorar seus indicadores de qualidade de educação em menos de uma década e hoje tem indicadores melhores que São Paulo gastando muito menos. Parece que não tem muita magia aqui. O segredo é boa gestão.
ISTOÉ - O que seria uma boa gestão para melhorar a qualidade de educação, na opinião do sr.?
MARCOS LISBOA - Primeiro, avaliação, independentemente de resultado. Não pode o próprio gestor avaliar a qualidade daquilo que ele fez. É preciso ter órgãos independentes avaliando, aplicando provas, para saber quanto o aluno aprendeu, quem está ensinando bem e quem não está. Segundo, boa gestão nas salas de aula. Plano de aula bem definido, com acompanhamento periódico do aluno. Nós sabemos hoje que é preciso aprender na idade certa. O atraso na educação é muito custoso para a formação. O impacto que a educação tem na vida das pessoas depende da qualidade e de quão cedo começou. É preciso também valorizar o bom professor. O problema do Brasil é muito mais de gestão da sala de aula do que de recurso.
ISTOÉ - O desenvolvimento econômico passa pelo investimento na qualidade da educação?
MARCOS LISBOA - O desenvolvimento econômico passa pela melhora do bem institucional, regras homogêneas, princípios gerais e criação de mecanismos de resolução de conflitos. Mas passa também, e nós sabemos do peso disso, pelo impacto da educação sobre a produtividade. Uma maior qualidade da educação melhora a produtividade, gera crescimento econômico e provoca uma melhor distribuição de renda. Nesse processo, foram fundamentais as políticas de transferência de renda que começaram no governo Fernando Henrique com o Bolsa Escola, que é a origem do Bolsa Família. O Bolsa Escola era uma política compensatória que procurava garantir condições mínimas de vida a pessoas com dificuldade no mercado de trabalho por causa da baixa escolaridade. Mas também era uma política estrutural, porque a contrapartida desse auxílio era que o filho tinha de ir para a escola. Então, o Brasil tem hoje uma agenda de produtividade pela frente. E a educação é parte dessa equação. Melhorar a qualidade na educação tem um impacto na produtividade da pessoa, na capacidade de geração da renda pessoal e, portanto, da renda do País. Essa agenda de produtividade passa por melhorar a qualidade da política pública em geral, e a educação é parte fundamental.