O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

segunda-feira, 31 de agosto de 2020

Carmen Lícia Palazzo em Academia.edu - lista de trabalhos

Textos altamente reafirmadores de uma grande vocação para a pesquisa histórica:

BOOKS
Mais Orientes, 2017
CAPÍTULO DO LIVRO: BUENO, André et alii. Mais Orientes. Ebook, Editora Sobre Ontens, 2017. RESUM... more 
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PAPERS
REVISTA INTERAÇÃO , 2019
InterAção-Como avalia a produção brasileira no campo da História Cultural, no que tange ao imagin... more 
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III SEMINÁRIO INTERNACIONAL MUNDOS IBÉRICOS. Goiânia, Goiás., 2018
Resumo do "paper" apresentado no III Seminário Internacional Mundos Ibéricos. Na primeira metade... more 
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revista Mirabilia/Mirabilia Journal, 2015
Resumo: O presente artigo analisa dois dos mais significativos monumentos da Espanha Islâmica, a ... more 
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Resumo: Este artigo analisa aspectos de Al Andalus, ou seja, da Espanha, no período em que ela es... more 
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Muito antes do surgimento do Islã diversas religiões estiveram em contato na Ásia Central, entre ... more 
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Resumo Alexandra David-Néel (1868–1969), escritora e orientalista francesa, passou muitos anos pe... more 
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Neste texto é apresentada uma análise do papel do jesuíta italiano Matteo Ricci (1552-1610) como ... more 
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Resumo: O presente artigo analisa os olhares franceses sobre o Brasil, do século XVI a meados do ... more 
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Abstract The goal of this paper is to present some available sources for the analysis of the inte... more 
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This article was published only in Portuguese in Tuiutí: Ciência e Cultura, n. 48, p. 13-31, Curitiba, 2014.
This article deals with the Jesuits’ role in the communication of informations about the Chinese ... more 
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RESUMO: Em 1898 o Brasil atravessava uma crise financeira grave e estava impossibilitado de paga... more 
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SÆculum - REVISTA DE HISTÓRIA [30] João Pessoa, jan./jun. 2014
The purpose of this article is to present a historical overview of the development of Islam, emph... more 
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Tuiuti: Ciência e Cultura, n. 48, p. 13-31, Curitiba, 2014.
This article focuses on the role of the Jesuits in communicating informations about the Chinese e... more 
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In the 13th century many European travelers went to Asia, over routes that were much later, in th... more 
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Este texto tem como objetivo apresentar uma reflexão que se constitui em parte de uma análise mai... more 
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O artigo analisa as disputas entre sunitas e xiitas no Iraque, enfatizando o recrudescimento do ... more 
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Revista Brasileira de Política Internacional, Jan 1, 1997
Os hebreus, originariamente tribos nômades que, por motivos historicamente não conhecidos, engaja... more 
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Revista Brasileira de Política Internacional, Jan 1, 2000
A nação tibetana, atualmente incorporada à China, possui uma história que deve ser lembrada quand... more 
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Mirabilia 2 Expresar lo Divino: Lenguaje, Arte y …, Jan 1, 2002
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Page 1. tartnen Xícia lOaf 0550 Page 2. Page 3. Entre mItos, utopIas e razão: OS OLHARES FRANCESE... more 
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BOOK REVIEWS
Religare, ISSN: 19826605, v.11, n.1, março de 2014, p.149-157
Resenha do livro Thomas Jefferson's Qu'ran.
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VARIA
Lista de postagens no blog Diplomatizzando Across the Empire 2014 Viagem de Paulo Roberto de Alm... more 
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domingo, 30 de agosto de 2020

A diplomacia brasileira e o comércio internacional - Paulo Roberto de Almeida

A diplomacia brasileira e o comércio internacional


Paulo Roberto de Almeida
[ObjetivoPalestra online para estudantes de economia]
  
Sumário: 
1. O Brasil e o comércio exterior: características básicas em perspectiva histórica
2. As políticas comerciais brasileiras da era bilateral ao Gatt e aos blocos comerciais
3. Mercosul, Rodada Uruguai, Rodada Doha e os impasses atuais
4. O acordo Mercosul-UE e seu provável bloqueio temporário
5. Quais políticas comerciais para o Brasil e para o Mercosul? 

1. O Brasil e o comércio exterior: características básicas em perspectiva histórica
O Brasil sempre foi, continua sendo, atualmente, e provavelmente vai continuar sendo, no futuro previsível, um dos maiores países protecionistas do mundo, comprovadamente. Não só mediante tarifas altas, mas também todo um conjunto de medidas restritivas, introvertidas e dirigistas, ao longo da história. A partir dos anos 1970, depois de certa concentração em alguns poucos parceiros preferenciais, o Brasil diversificou suas exportações para um número expressivo de países, a despeito de ter uma pequena participação no comércio internacional, na faixa de 1% do comércio global. Até a era Lula, o comércio era relativamente bem equilibrado e repartido aos quintos para as grandes regiões do planeta. Neste século, a China avançou na sua participação e desde 2009 se tornou o primeiro, e de longe o principal, parceiro comercial, assim como o principal provedor de saldos comerciais, a despeito de uma assimetria profunda nos fluxos de parte e outra. 
Em 2018 e em 2019, o volume total de comércio com a China (incluindo HK e Macau) foi de 66 bilhões de dólares aproximadamente, ao passo que o comércio com os EUA foi de apenas 28 e 29 bilhões, ou seja, menos da metade, sendo que com os EUA o Brasil ostenta, desde muitos anos um déficit considerável, ao passo que com a China, o saldo favorável ao Brasil é de mais da metade do volume total. Nesses mesmos anos, o volume de comércio total com a União Europeia, foi reduzido de 42 a 35 bilhões de dólares, e o volume de comércio total com o Mercosul reduziu-se igualmente, de 20 para 14 bilhões de dólares, com saldo brasileiro, mas o grosso do volume é com a Argentina, também responsável pela queda. Canadá e México reunidos respondem por cerca de 8 bilhões de dólares de volume total de comércio, um pouco mais do montante dos países da Comunidade Andina de Nações. A Ásia no seu conjunto, excluindo o Oriente Médio, responde por cerca de 100 bilhões de dólares do comércio exterior brasileiro, que nesses dois anos referidos, ascendeu a 240 e a 225 bilhões de dólares. 

2. As políticas comerciais brasileiras da era bilateral ao Gatt e aos blocos comerciais
Descrevi todas as políticas comerciais brasileiras nestes livros: 
Formação da diplomacia econômica no Brasil: as relações econômicas internacionais no Império (3ª edição; Brasília: Funag, 2017; 2 volumes; 964 p.; ISBN: 978-85-7631-675-6); Relações internacionais e política externa do Brasil: a diplomacia brasileira no contexto da globalização (Rio de Janeiro: LTC, 2012, 309 p.; ISBN 978-85-216-2001-3); O Brasil e o multilateralismo econômico (Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, na coleção “Direito e Comércio Internacional”, 1999, 328 p.; ISBN: 85-7348-093-9).

3. Mercosul, Rodada Uruguai, Rodada Doha e os impasses atuais
Tenho diversos ensaios sobre essas questões, assim como nestes livros: 
O Mercosul no contexto regional e internacional (São Paulo: Edições Aduaneiras, 1993, 204 p.; ISBN: 85-7129-098-9); Mercosul: Fundamentos e Perspectivas (São Paulo: Editora LTr, 1998, 160 p.; ISBN: 85-7322-548-3).
Existem muitos outros textos neste link de Academia.edu: 
e mais recentemente neste ensaio: 

4. O acordo Mercosul-UE e seu provável bloqueio temporário
Uma única observação: dificilmente esse acordo vai entrar em vigor durante a presidência Bolsonaro, basicamente em função da obra destruidora no meio ambiente, ataques a líderes estrangeiros, a jornalistas, e desrespeito em matéria de liberdades democráticas e de direitos humanos.

5. Quais políticas comerciais para o Brasil e para o Mercosul? 
Desafio da China, que se tornou o primeiro parceiro comercial da Argentina, como já é de diversos outros países latino-americanos. Ou seja, a Argentina sai, pela primeira vez em mais de 30 anos, da chamada “Brasil dependência” que dominou o cenário comercial no Cone Sul desde o nascimento do Mercosul. Nas condições atuais de falta de diálogo entre as administrações do Brasil e da Argentina parecem existir poucas possibilidade de se discutir seriamente as grandes linhas das reformas no Mercosul – na sua TEC, na agenda regulatória – com o objetivo de enveredar por políticas de abertura econômica e de liberalização comercial dentro do bloco e com todos os demais parceiros. 
Política comercial americana: a exacerbação do protecionismo, do mercantilismo, das ilegalidades unilaterais americanas. Trump cometeu arbitrariedades contra o sistema multilateral de comércio, contra a própria economia americana: denúncia do TPP, abandono de um acordo transatlântico com a UE, denúncia do NAFTA e de outros acordos de livre comércio; aplicação abusiva e ilegal de salvaguardas comercial, contra a China, contra os próprios parceiros do NAFTA, e terceiros países (como o Brasil), não apenas em aço e alumínio, mas em uma série de outros produtos também, a pretexto de “segurança nacional”, o que é uma mentira. Revisão do Nafta e acordos bilaterais com o México e Canadá, e adoção de cláusulas de emprego nos EUA, o que vai redundar em custos maiores para as indústrias e os consumidores americanos.
Relação comercial com os EUA: Subserviência geral aos EUA, fez o Brasil abandonar o status de economia de país em desenvolvimento, com benefícios da cláusula de tratamento preferencial e mais favorável (SGP, etc.); ilusão do apoio americano para o ingresso na OCDE (que foi traído logo em seguida, e apenas revertido por causa das eleições argentinas, que colocaram um peronista novamente no poder); acordos em aço foram traídos, igualmente; a nota do Itamaraty e da Economia de 29/08 aceitando as novas reduções (cotas), é vergonhosa, por apoiar as medidas unilaterais dos EUA, e desejar restabelecimento da economia do aço nos EUA (nota sobre expropriação da Petrobras na Bolívia, em 2006); a postura do Brasil não poderia ser mais servil, mas é uma consequência da aceitação já feita, explicitamente, de sanções unilaterais. 
Quanto ao Mercosul, não parecem existir condições, no momento, sequer para uma retomada das consultas internas com vistas à reforma da TEC, finalização do livre comércio (açúcar e automóveis), acabamento da União Aduaneira, e sobretudo novas iniciativas de acordos comerciais. Não existe sequer perspectiva de entrada em vigor do Acordo entre o Mercosul e a União Europeia, mas isto exclusivamente em virtude das atitudes do presidente com respeito ao meio ambiente. 

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 3743, 28-30 de agosto de 2020

O Boom do Cronista Misterioso - Crônicas do Itamaraty Bolsolavista

Poucas vezes na história deste modesto blog puramente pessoal, dedicado a coisas inteligentes para pessoas inteligentes, assisti um fenômeno de afluxos maciços a postagens relativas a um assunto normalmente marginal: a vida inteligente (sob pressão) no Itamaraty.
O gráfico abaixo reflete o acesso exponencial das postagens que fiz com transcrições de pequenos petardos semanais a respeito do ambiente esquizofrênico (existe algum termo mais apropriado?) existente atualmente no Itamaraty.



Continuo aguardando a remessa de novas crônicas, com a recepção que cada um conseguir: deleite ou depressão.
Transcrevo abaixo os links para cada uma das treze crônicas recebidas entre 20 e 21 de agosto, assim como para a brochura que compus na sequência: 


As "crônicas:  são estas: 

01) O papel do asno na sociedade brasileira (semana 01)
02) Gusmão rendido  (semana 02)
03) Pela restauração! (semana 03)
04) Franjas lunáticas (semana 4)
05) O Anti-Barão (semana 05)
06) Alienáveis alienígenas (semana 06)
07) Nobel (semana 07)
08) Sussurram os Corredores (semana 08)
08bis) Bolo de Laranja Lima (semana 08-bis)
09) Meu caro amigo (semana 09)
10) Aos fatos (semana 10)
11) Kejserens nye Klæder (semana 11) [As Roupas Novas do Rei]
12) A Era do Rádio (semana 12)

Minha postagem geral: 

3737. “Crônicas do Itamaraty bolsolavista”, Brasília, 21 agosto 2020, 17 p. Consolidação das crônicas de um diplomata desconhecido sobre o Itamaraty atual, com minha Introdução geral e as introduções parciais a cada uma das crônicas. Feita postagem resumo no blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2020/08/um-cronista-misterioso-anima.html) e postagem em arquivo pdf na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/43909791/Cronicas_do_Itamaraty_bolsolavista_Cronista_misterioso_2020_). Estatísticas de acesso às postagens nas duas plataformas, postadas (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2020/08/o-cronista-misterioso-do-itamaraty-teve.html).

Postagens:

Aguardem, vem mais por aí...

Cultura e barbárie no Terceiro Reich - José Cabrita Saraiva

Cultura e barbárie no Terceiro Reich

José Cabrita Saraiva
jose.c.saraiva@sol.pt

https://sol.sapo.pt/artigo/706956

Quando o Presidente Paul von Hindenburg apontou Hitler como chanceler, a 30 de janeiro de 1933, de imediato o aparelho nazi pôs em marcha um plano para imprimir os seus preceitos e valores em todas as dimensões da vida alemã. «As revoluções nunca se limitaram à esfera puramente política», defenderia Joseph Goebbels, o infame ministro da Propaganda, em novembro desse ano. «Estendem-se a todas as áreas da existência social humana. A economia e a cultura, a academia e as artes, não estão ao abrigo do seu impacto».
Não por acaso, algumas das primeiras medidas postas em prática visaram aquilo a que os nacional-socialistas chamavam ‘bolchevismo cultural’. Por um lado, porque o novo poder acreditava que estas criações transmitiam valores errados ao povo alemão, e assim inquinavam a pureza da alma germânica; por outro lado, porque era aí que se concentravam, além de judeus ou de bolchevistas propriamente ditos, muitos pacifistas, socialistas e figuras independentes, que jamais se identificariam com o novo regime.
Logo em 1933 foi levada a cabo uma «purga enorme dos artistas judeus, abstratos, semiabstratos e de esquerda, aliás, de quase todos os artistas alemães com fama internacional», escreve Richard J. Evans em O Terceiro Reich no Poder, recentemente editado em Portugal pelas Edições 70. Artistas como Oscar Kokoschka, Vassily Kandinsky ou Paul Klee, com as suas distorções e o seu compromisso com a liberdade, eram encarados como uma influência perniciosa para a sociedade.
Hitler e Goebbels tinham as suas próprias conceções acerca da vida cultural e não iam permitir que um grupo de «charlatães» e «incompetentes» – como o Führer chamava aos artistas que não lhe agradavam – comprometessem os seus objetivos. Com um misto de dura repressão e generosos incentivos, foi promovida uma estratégia concertada que atingiu os jornais, a rádio, o cinema, a música e a literatura, as artes plásticas, os museus e galerias. Na segunda parte – ‘A Mobilização do Espírito’ – deste segundo volume da sua trilogia, hoje considerada a grande obra de referência sobre o nazismo, Evans faz uma síntese magistral da vida cultural e espiritual na Alemanha no tempo de Hitler.
‘Uma guerra de limpeza implacável’
A dimensão estética do movimento nazi foi notória desde o início, com a sua aposta em símbolos impactantes, como a suástica, e os seus impressionantes desfiles noturnos à luz dos archotes. Com a chegada ao poder, esse aspeto acentuou-se e foi afinado. Heinrich Himmler, por exemplo, quando tinha sob a sua alçada toda a Polícia alemã, definiu ao pormenor como deviam ser as fardas dos guardas.
Hitler tinha especiais pretensões a esse nível. Afinal, ele próprio se dedicara à pintura durante a juventude – e há mesmo quem o veja como um artista frustrado, o que não andará longe da verdade. Depois de lhe ser recusado o ingresso na Academia de Belas Artes de Viena, sobreviveu, no limiar da miséria, como pintor de postais e de pequenos quadros de paisagens naturais ou edifícios antigos, que, embora não convençam os críticos, revelam alguém não completamente destituído de dotes.
Não será abusivo supor que o fracasso como artista lhe suscitou um inultrapassável ressentimento contra esta classe. Logo no famoso discurso do Grande Comício de Nuremberga, em setembro de 1933, «Hitler proclama que era chegada a altura de uma nova arte, de uma arte alemã», nota Richard J. Evans. Infelizmente, ao contrário da maioria dos políticos, Hitler cumpriu muitas das suas promessas, e tinha ao seu serviço uma máquina terrivelmente eficaz para as levar a cabo.
A célebre exposição de ‘arte degenerada’ (‘Entartete Kunst’), que abriu portas a 19 de julho de 1937 em Munique, foi o culminar de um processo de perseguição e difamação da arte moderna que conhecera muitos episódios anteriores. Diretores de museus e de galerias afetos ao partido nazi já haviam organizado mostras semelhantes, mas de menor dimensão e mediatismo, com títulos agressivos como ‘Câmara dos Horrores Artísticos’ ou ‘Espelhos da Decadência na Arte’.
Em Munique, as cerca de 650 obras confiscadas para o efeito foram selecionadas por diferentes motivos: umas por serem «borrões» mal executados; outras por terem sido criadas por artistas judeus; outras sob a acusação de serem pornográficas; outras ainda por atentarem contra Deus. Mas, no fundo, talvez o que mais incomodasse os responsáveis nazis fosse a forma como os artistas se estavam nas tintas para a tradição, desrespeitavam as convenções e desafiavam a autoridade. Por outras palavras, jogavam pelas suas próprias regras.
Hitler visitou a exposição antes de esta abrir ao público e emitiu uma opinião muito clara. Num discurso que teve lugar na véspera da inauguração declarou: «Travaremos uma guerra de limpeza implacável contra os últimos elementos de subversão da nossa cultura […]. No que nos diz respeito, estes pré-históricos e antediluvianos da Idade da Pedra e estes gagos da arte podem regressar às suas cavernas ancestrais para lá continuarem com os seus rabiscos».
A publicidade, ainda que negativa, teve efeitos espetaculares. «O aviso de que as crianças e adolescentes não podiam entrar porque as obras eram demasiado chocantes acrescentou um elemento de excitação que atraiu o público», nota Evans. A exposição de arte degenerada saldou-se por um sucesso estrondoso, com mais de dois milhões de visitantes em Munique e perto de três milhões quando a digressão que se seguiu chegou ao fim.
Uns queriam ver a ‘arte proibida’ porque a apreciavam e sabiam que tão cedo não teriam outra oportunidade para ver reunidas obras de mestres como Paul Klee, Henri Matisse ou Pablo Picasso; outros queriam apenas mostrar o seu desprezo pelos subversivos. Alguns chegaram a enviar telegramas para o Ministério da Propaganda a mostrar a sua indignação. Evans transcreve um desses comentários: «Os pintores deviam ter sido amarrados ao lado dos seus quadros para que todos os alemães lhes cuspissem na cara». Qualquer semelhança com a Revolução Cultural chinesa, que ocorreria três décadas depois, não será mera coincidência.
‘Vocês estão todos malucos’
Paralelamente à dos artistas proscritos, foi organizada uma outra exposição, para mostrar aqueles que mereciam ser apreciados. O título dizia tudo – Grande Exposição de Arte Alemã. Com pinturas e esculturas que veiculavam os valores ortodoxos defendidos pelo Estado, era o equivalente do que representava o Salon de Paris na França dos séculos XVII, XVIII e XIX.
Alguns artistas eram generosamente recompensados, como Arno Breker, o escultor favorito de Hitler, autor das duas enormes estátuas que ladeavam a entrada da chancelaria, e de monumentos espalhados por todo o território alemão. Outros viam as suas obras serem confiscadas, ridicularizadas ou mesmo queimadas em grandes piras que faziam lembrar as queimas de livros.
Mas a grande paixão de Hitler, que realmente o arrebatava, era a arquitetura. Talvez mais ainda do que um pintor frustrado, o Führer seria um arquiteto frustrado, como aliás confidenciou a Albert Speer, o arquiteto com quem passava horas e horas a discutir os seus planos megalómanos para Berlim – tão ambiciosos, de resto, que a transformariam numa nova cidade, Germania. «Todas as grandes eras encontram a expressão conclusiva dos seus valores nos seus edifícios», defendia.
«Em Munique, foram lançados os alicerces de uma gigantesca estação de comboios central destinada a ser a maior estrutura de aço do mundo, com uma cúpula mais alta do que os campanários gémeos do marco arquitetónico da cidade, a Frauenkirche», escreve Evans. «Outras cidades também seriam transformadas em enormes afirmações pétreas do poder e da permanência do Terceiro Reich. Hamburgo seria ornamentada com um arranha-céus – a nova sede regional do Partido Nazi – mais alto do que o Empire State Building em Nova York e encimado por uma enorme suástica de néon que serviria de farol para a navegação». A nova chancelaria tinha uma galeria que Hitler dizia com orgulho ter o dobro do comprimento da Sala dos Espelhos, em Versalhes. Por essas e por outras, quando Speer mostrou os novos projetos ao seu pai, este comentou: «Vocês estão todos malucos». Possivelmente não sabia como estava perto da verdade.
‘Algo positivamente inumano’
Para levar a cabo os planos do seu líder – que previa que as obras tivessem mudado a face de Berlim já na década de 50 – a Alemanha precisava de recursos que o seu território não poderia fornecer. Os sonhos megalómanos de Hitler acicataram a sede de conquistas do Terceiro Reich, mergulhando a Europa numa explosão de violência e destruição. A energia libertada pela eleição de Hitler acabaria por revelar-se fatídica a vários níveis.
No final do conflito, em 1945, a Alemanha ver-se-ia reduzida a escombros. Em cidades como Dresden ou Colónia pérolas da arquitetura do passado foram obliteradas pelos bombardeamentos dos Aliados. E os grandes edifícios públicos de Berlim não tiveram melhor sorte. As esculturas colossais de Arno Breker, que deviam transmitir virtudes viris de força, coragem e combatividade, acabaram derrubadas com facilidade. A arquitetura sólida da chancelaria nada poderia contra o poder do Exército Vermelho. Os projetos de Speer para a capital Germania, como a sua torre mais alta que o Empire State Building, não passariam nunca de um devaneio destinado a sobreviver apenas na escala miniatural de maquetes. E, ironia maior, acabariam por ser os soviéticos a ajudar a reconstruir muitos edifícios históricos transformados pelo excesso de ambição de Hitler em ruínas fumegantes.
No final, as políticas nacional-socialistas para a cultura não apenas tinham afunilado e mutilado a vida espiritual da Alemanha, como aquilo que pretendiam ser uma arte mais pura, edificante e elevada se desmoronou com estrondo.
Mas o Terceiro Reich, que tanta importância atribuía à dimensão estética, revelaria uma face ainda mais horrenda: a dos campos de concentração, onde milhões de seres humanos foram progressivamente explorados até se tornarem pouco mais do que almas penadas de pele e osso, e na maior parte dos casos literalmente reduzidos a cinzas nos crematórios.
Ainda hoje é estranho como estas imagens de puro horror não se tornaram insuportáveis para a sensibilidade de Hitler, o arquiteto frustrado que se dedicara à pintura na juventude; de Goering, que gostava de se rodear de belos objetos confiscados no seu pavilhão de caça; de Goebbels, que ficava chocado com a arte degenerada mas não com o sofrimento alheio; e de Heinrich Himmler, o arquiteto da Solução Final, que tivera uma educação esmerada da classe média culta.
William Shirer, um correspondente norte-americano (e autor do clássico The Rise and Fall of the Third Reich) que presenciou o Grande Comício de Nuremberga em 1934, a que assistiram 700 mil apoiantes, ficou «um pouco chocado com os rostos em especial das mulheres olhavam para ele como se fosse um messias, com as caras transformadas em algo positivamente inumano». No fundo, assim haveria de revelar-se o verdadeiro rosto do Terceiro Reich quando lhe caiu a máscara: distorcido, chocante e inumano.