O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

quarta-feira, 20 de abril de 2022

InsperAgroGlobal: cursos, palestras, papers, informes, gráficos, tabelas, tudo sobre o agronegócio brasileiro

 

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Análises, notícias e reportagens sobre o agronegócio.
Esta newsletter é uma iniciativa vinculada ao Centro de Gestão e Políticas Públicas

Edição 5 ● 20 de abril de 2022
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ENERGIA
Os riscos da transição energética global e as oportunidades para o Brasil
O mundo busca uma matriz de energia mais limpa para reduzir as emissões, mas a guerra entre a Rússia e a Ucrânia traz incertezas ao setor. O Brasil se encontra em uma situação mais confortável pelo amplo uso de renováveis. Mas e no futuro?
Instalações da Usina Vertente de processamento da cana-de-açúcar

Com a emergência das ações globais para mitigar as emissões de gases de efeito estufa, o mundo passou a vivenciar um lento processo de transição energética. Como a atividade de geração de energia é responsável por cerca de 76% das emissões mundiais de GEE, grandes incentivos a energias renováveis e eletrificação de frota de veículos vêm sendo verificados e intensificados desde a última década, concomitantemente a um maior controle e restrição no uso de combustíveis fósseis e de outras fontes emissoras.

No entanto, os efeitos do conflito entre a Rússia e a Ucrânia expuseram que o mundo ainda segue altamente dependente da energia fóssil e que os investimentos realizados em renováveis até o momento não foram implementados em velocidade suficiente para suprir a demanda crescente por energia. Além disso, há o problema de essas fontes serem, na sua maioria, intermitentes, pois a disponibilidade de sol, água, vento e biomassa para a produção de energia depende das forças da natureza, não sendo contínua e segura o tempo todo.

Gráfico
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MEIO AMBIENTE
Emissões da agropecuária brasileira: ameaça ou oportunidade?
A necessidade de reduzir as emissões de gases de efeito estufa do setor cria possibilidades de aprimorar os sistemas de produção de carne, o manejo do solo e o uso de resíduos orgânicos
Foto Boi Agro Global

No Brasil, a agropecuária é a segunda maior fonte de emissões de gases de efeito estufa, respondendo por 27% do total — a primeira é a mudança no uso da terra (leia-se desmatamentos), tema já tratado em artigo anterior. As emissões da agropecuária estão relacionadas principalmente ao gás metano (CH4) oriundo do processo digestivo de fermentação entérica dos animais ruminantes e ao óxido nitroso (N₂O) proveniente do incremento de nitrogênio no solo, seja por meio do manejo de dejetos de bovinos no pasto, como adubo, seja pela utilização de fertilizantes sintéticos (solos manejados).

Ainda que haja controvérsia sobre o real tamanho do rebanho bovino brasileiro — diferentes fontes estimam algo entre 190 milhões e 250 milhões de cabeças —, o país certamente figura na primeira ou segunda posição mundial. O grande rebanho emite quantidade significativa de metano, que responde por cerca de 17% das emissões brasileiras.

A redução das emissões brasileiras está, portanto, atrelada ao processo de produção da carne bovina, indo ao encontro da agenda de modernização da pecuária em curso, mas que precisa ser acelerada. Isso significa abandonar o modelo de expansão “horizontal”, baseado na abertura e na rápida degradação de áreas de vegetação nativa, e adotar um modelo de produção apoiado em melhoramento genético dos animais, redução de seu ciclo de vida e manejo intensivo do pasto.

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COMÉRCIO INTERNACIONAL
Diversificar a pauta de exportações fortaleceria o agronegócio brasileiro
Sueme Mori, diretora de relações internacionais da Confederação da Agricultura e Pecuária, aponta caminhos para o setor, em especial para pequenos e médios produtores
Imagem de satélite do estado do Pará captada pela Nasa
Sueme Mori, da CNA

Faz relativamente pouco tempo que o Brasil se tornou uma potência global na exportação de alimentos. Ainda há muito espaço para crescer, contudo. É saudável, e necessário, continuar comercializando grãos, mas a pauta brasileira pode se tornar menos concentrada em soja e na China, com a diversificação das opções e a ampliação do número de produtores envolvidos no esforço exportador.

Essa é análise de Sueme Mori Andrade, diretora de relações internacionais da CNA, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil. A instituição desenvolve uma série de ações para fortalecer o poder exportador do setor, como o programa AgroBrazil, uma iniciativa que leva embaixadores e outros diplomatas para conhecer propriedades rurais brasileiras. Em entrevista, Sueme apresenta sua visão do comércio internacional e aponta caminhos para a expansão do setor.

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VÍDEO
O futuro das pastagens e a revolução da integração lavoura-pecuária-floresta
Reveja o debate sobre o potencial de uso da terra no Brasil sob a perspectiva das pastagens
Floresta com um rebanho

A agricultura, a pecuária e a silvicultura ocupam cerca de 30% do território do Brasil. Desse total, as pastagens representam quase 70% e ao menos metade se encontra em condições de degradação. Esse cenário traz uma oportunidade para o Brasil avançar em duas frentes: na expansão agrícola sustentável, por meio da intensificação produtiva, e na restauração florestal.

Para entender o potencial de uso da terra no Brasil sob a perspectiva das pastagens, reveja o debate O futuro das pastagens e a revolução da integração lavoura-pecuária-floresta, realizado em junho de 2021 pelo Insper Agro Global e pelo Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri). Para ver uma versão condensada de 25 minutos do vídeo, clique aqui. E para assistir a uma versão mais sintética, de 5 minutos, clique aqui.

ESTUDE NO INSPER – INSCRIÇÕES ABERTAS
Gestão e Governança no Agronegócio
Icone data Início das aulas: 9 de maio

O curso online Gestão e Governança no Agronegócio, com 30 horas, é voltado a gestores, empresários e produtores ligados ao agronegócio que buscam maior compreensão sobre conceitos e ferramentas para a gestão de negócios agrícolas.
ACONTECE NO INSPER
Lançamento de Nós do Brasil, livro de Zeina Latif
25 de abril, às 18h

Em Nós do Brasil – Nossa Herança e Nossas Escolhas (Editora Record), a economista Zeina Latif faz uma análise histórica e econômica dos entraves ao desenvolvimento do Brasil. O lançamento do livro acontecerá no auditório do Insper, em um debate com a presença da autora, da cientista política Maria Hermínia Tavares e do economista Samuel Pessôa. O evento terá transmissão online.

Dialogando com Pais Fundadores
26 de abril, às 19h30

O Insper Talks promove o webinar Dialogando com Pais Fundadores, com a apresentação das histórias de três membros de 2ª geração que viveram e vivem a longa caminhada de relacionamento com seus pais. O bate-papo será mediado por Thiago Penido, 3ª geração do Grupo Serveng e sócio da Trail Governança e Sucessão.

CASO VOCÊ TENHA PERDIDO...
O Urso, o Dragão e os desafios brasileiros no agronegócio
A aproximação entre a Rússia e a China pode resultar em grande cooperação no setor — tendência que exige crescente atenção do Brasil
Geopolítica e desafios do agro brasileiro em tempos turbulentos
Insper Agro Global e Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) retomam seu Ciclo de Debates reunindo especialistas e lideranças do mercado
“Precisamos usar a capacidade de planejamento da China e sua visão de longo prazo”
Uma das maiores especialistas nas relações entre o Brasil e a China, Larissa Wachholz fala sobre como o agronegócio pode tirar proveito da parceria entre os dois países
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Russofobia, o outro efeito devastador da Guerra de Putin - Sandra Cohen (G1)

RUSSOFOBIA, O OUTRO EFEITO DEVASTADOR DA GUERRA DE PUTIN

Por Sandra Cohen 

Especializada em temas internacionais, foi repórter, correspondente e editora de Mundo em 'O Globo'

G1, 3/04/2022

Guerra na Ucrânia faz aumentar “russofobia” no mundo


As forças russas comandadas por Vladimir Putin avançam na Ucrânia na mesma proporção em que cresce a russofobia contra a diáspora espalhada pelo Ocidente, num fenômeno semelhante ao que vivenciou a comunidade muçulmana após os atentados de 11 de Setembro.

Atos hostis aos expatriados chegam ao extremo do contrassenso. Estudantes enfrentaram boicotes e foram excluídos de palestras em universidades na República Tcheca, onde vivem 50 mil russos. O deputado conservador Tom Tugendhat, que preside o Comitê de Relações Exteriores da Câmara dos Comuns, defendeu a expulsão dos cidadãos russos do Reino Unido.

A onda de cancelamentos tem efeitos devastadores na cultura. Filmes russos foram banidos de festivais; artistas, de exposições que já estavam programadas, disseminando, desta forma, a ideia de que o russo comum é o verdadeiro inimigo.

Nem Dostoiévski, que morreu há 141 anos e foi preso sob acusação de conspirar contra o Czar Nicolau I, escapou da censura: a Universidade Bicocca achou por bem suspender o curso de quatro aulas que o escritor Paolo Nori daria sobre a obra do autor russo.

O objetivo da reitoria era evitar confusão pelo momento tenso, mas a medida atraiu tanta polêmica que a universidade acabou por voltar atrás e manter o curso. O Carnegie Hall e o Metropolitan Opera de Nova York anunciaram que não apresentarão mais artistas que apoiaram Putin.

 “Um novo macarthismo está perseguindo a América: o cancelamento,  ou ameaça de cancelamento, de artistas, músicos e atletas russos”, atestou o economista Tyler  Cowen, colunista da Bloomberg, ao referir-se à perseguição de simpatizantes do comunismo que foram banidos da cena cultural dos EUA na década de 1950. “Há alguma evidência clara de que boicotar artistas russos fora da Rússia vai ajudar a Ucrânia?” questionou.

Para os muçulmanos esta relação com o Ocidente é familiar e teve no 11 de Setembro de 2001 um divisor de águas. A chamada Guerra ao Terror e atentados terroristas em capitais europeias desencadearam sentimentos de desconfiança e medo do Islã e, por consequência, atos violentos e discriminatórios contra a comunidade, que se intensificaram nas duas últimas décadas e se enraizaram nos discursos políticos.

O sentimento antirrusso se misturou com estereótipos e aversão ao comunismo disseminados durante a Guerra Fria. Pouco mudou em relação ao momento atual. Uma pesquisa realizada para a ABC News e o Washington Post após a invasão da Ucrânia revelou que 80% dos americanos veem a Rússia como hostil ou inimiga dos EUA, o maior índice registrado em 40 anos.

O “frenesi russofóbico” relatado na semana passada pelo chanceler Sergei Lavrov, durante a Conferência sobre o Desarmamento da ONU, juntava no mesmo contexto, e de forma intencional, as ações do Ocidente para deter a Rússia e o ódio aos cidadãos russos. 

A generalização é tóxica, mas interessa a Putin: mistura os interesses do Kremlin e os da população russa, que não teve a mínima ingerência na invasão da Ucrânia, criando, assim, uma realidade paralela à guerra que se desenrola há duas semanas.


Entre o passado e o futuro: práticas republicanas e desafios da diplomacia brasileira - Gabriela Lotta, Izabela Moreira Correa, Mariana Costa Silveira

Entre o passado e o futuro: práticas republicanas e desafios da diplomacia brasileira

O Estado de S. Paulo, 20 de abril de 2022

Gabriela Lotta, Professora de Administração Pública da Fundação Getulio Vargas (FGV-EAESP) e Coordenadora do Núcleo de Estudos da Burocracia (NEB-FGV)

Izabela Moreira Correa, Doutora em Governo pela London School of Economics (LSE)

Mariana Costa Silveira, Doutoranda em Administração Pública e Governo na Fundação Getulio Vargas (FGV-EAESP) e pesquisadora do Núcleo de Estudos da Burocracia (NEB-FGV)

 Em todos os lugares, levo a memória da Pátria. Ubique Patriae Memor. A frase é do Barão do Rio Branco, patrono da diplomacia brasileira, cuja data de nascimento marca a comemoração do Dia do Diplomata, 20 de abril.

Mas, mostrar para o mundo o que é o Brasil nunca foi tão difícil para as diplomatas e os diplomatas brasileiros como tem sido recentemente. Em pouco mais de três anos, o país alterou profundamente várias de suas posições diplomáticas históricas. Exemplos abundam. O alinhamento sem precedentes da política externa brasileira à do presidente americano Donald Trump, o ataque internacional aos direitos humanos, o afastamento da posição de equilíbrio em relação a Israel e Palestina, as duras críticas à China, o descaso com compromissos internacionais sobre meio ambiente, o afastamento de nossos vizinhos, e, o desmonte dos mecanismos de integração regional.

O Brasil, que sempre foi reconhecido por ter uma postura mediadora e negociadora, se transformou num pária internacional, isolado em várias posições ao lado de governos autoritários. ‘Nos últimos dois anos, avolumaram-se exemplos de condutas incompatíveis com os princípios constitucionais e até mesmo os códigos mais elementares da prática diplomática’, constava da carta apócrifa de diplomatas brasileiros divulgada no final de março de 2021, dois dias antes da demissão de Ernesto Araújo.

Por que apócrifa? Por que, com raras exceções, em vez de encontrarmos uma resistência frontal dos diplomatas, temos visto atos de resistência tímidos ou silenciosos?

Para responder a esta pergunta, entrevistamos dezenas de diplomatas, lotados em vários países, em distintos setores, e que fazem parte de diferentes gerações do Itamaraty. Estas entrevistas fazem parte de pesquisa que estamos conduzindo para compreender a relação entre opressão governamental e reação burocrática. Para tanto, temos olhado para a administração pública buscando avaliar o funcionamento dos órgãos governamentais e de suas burocracias.

O Itamaraty é um dos órgãos federais mais longevos. Reconhecido por seu posicionamento histórico de equilíbrio e moderação, possui corpo funcional estável e altamente qualificado que, até recentemente, se orgulhava de sua independência técnica ao se assumir como “funcionários de Estado”, elemento aprendido em seu processo de formação e socialização no Instituto Rio Branco. Essas características são, em geral, associadas a organizações públicas autônomas, que conseguem se proteger de desmandos políticos e manter, com bastante efetividade, certa estabilidade na sua agenda. Por todas essas características, enquanto estudiosas da administração pública, fomos surpreendidas com a mudança radical sofrida pelo Itamaraty e pela política externa durante o Governo Bolsonaro.

Embora críticos dos rumos seguidos pela política externa do Governo Bolsonaro, as diplomatas e os diplomatas que entrevistamos foram enfáticos em reconhecer sua limitação em impor resistências ao governo. Na raiz dessa impotência mora o medo da retaliação, pelos pares ou pelo governo, agora ou no futuro.

Medo de retaliação não é peculiar aos servidores do Itamaraty. Em outras organizações também encontramos servidores com receio de sofrer processos administrativos, perseguições, assédio moral e mudança de área. No Itamaraty, entretanto, as represálias parecem ser de outra ordem e ter consequências que ultrapassam um único governo. O trabalho do corpo diplomático envolve, necessariamente, remoções ao longo da vida funcional para serviço em outros países, promoções funcionais e acesso a cargos de direção.

A escolha de para onde o diplomata vai (ou não) afeta não só seu futuro profissional, mas também o de sua própria família. A barganha e uso político do instrumento – por exemplo, punindo servidores que divergem do governo com possível remoção para países indesejados – é uma forma poderosa de manter os diplomatas na linha de obediência.

O segundo mecanismo, a promoção, pode ser usado para o mesmo propósito. Diferentemente de outras carreiras nas quais a promoção acontece a partir de critérios objetivos – tempo de serviço e capacitação, por exemplo – no caso das diplomatas e dos diplomatas, a partir de certo estágio da carreira, a ascensão funcional é feita com base na “promoção por merecimento”, que envolve elementos subjetivos e cuja decisão final depende de apoios formais de colegas na alta direção do ministério, do ministro das Relações Exteriores e, legalmente, do presidente da República. Para além das críticas à influência de fatores como parentesco e relacionamentos pessoais, nossa pesquisa aponta que, sem critérios formais, a promoção também pode ser instrumentalizada para manter a subordinação ou o silêncio daqueles que, ainda que muito desconfortáveis com o retrocesso da política externa, temem que a defesa aberta da democracia, de princípios constitucionais ou de posicionamentos diplomáticos tradicionais os levem ao ostracismo no futuro.

Por fim, os resultados da pesquisa sugerem que o Palácio do Planalto, com a conivência de Ernesto Araújo, num primeiro momento, e agora de Carlos França, tem vetado número expressivo de diplomatas indicados para posições no ministério. A “caça às bruxas”, como tem sido descrita (não apenas no Itamaraty, aliás), afeta inclusive cargos de comissão de médio escalão, algo jamais vivenciado pelo Itamaraty, segundo relatos dos entrevistados. Há casos também de diplomatas que passam meses sem lotação ou atribuições definidas, num limbo funcional jocosamente conhecido como “Departamento de Escadas e Corredores”. Isso tudo sem que os servidores jamais conheçam as motivações para tanto. Os relatos indicam perseguições políticas motivadas, por exemplo, por posicionamentos pessoais de servidores em redes sociais, posições ocupadas em governos anteriores, ou proximidade com pessoas vistas com desconfiança.

Estes instrumentos, junto com outros que encontramos no restante da esplanada (como processos administrativos, assédio institucional e interferência política por meio de nomeações de atores externos, incluindo de militares, para cargos de chefia sem conhecimento técnico) explicam em grande medida como e por que o presidente foi capaz de impor uma mudança tão brusca nos rumos de uma organização que se vangloriava por suas tradições.

Último ano do governo. Hora de olharmos para tudo o que vivemos, aprender e tirar uma agenda de futuro que melhore nossa administração pública e fortaleça nossa democracia. O caso do Itamaraty nos mostra a importância de investir em organizações públicas fortes, capacitadas, e que tenham instrumentos transparentes, isonômicos e impessoais de gestão e carreira. E nos lembra que, para que a tradição da política externa brasileira seja preservada e o Brasil consiga retomar posições de equilíbrio e destaque internacional, é necessário avançar em prol de práticas internas mais republicanas. Talvez assim, as diplomatas e os diplomatas brasileiros não tenham que conviver mais com a dificuldade de em todos os lugares levar a memória da pátria.

https://politica.estadao.com.br/blogs/gestao-politica-e-sociedade/entre-o-passado-e-o-futuro-praticas-republicanas-e-desafios-da-diplomacia-brasileira/

Radar Econômico, do Brasil e do mundo - Brasil Prev

Recebo, regularmente, análises econômicas sobre possibilidades de investimento do Brasil Prev, o sistema de previdência complementar do Banco do Brasil, ao qual estou associado desde muitos anos. Achei este último particularmente útil e por isso o transcrevo aqui: 

Dia do Diplomata: algo a ser comemorado? - Paulo Roberto de Almeida


Dia do Diplomata: algo a ser comemorado?

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

  

Hoje, 20 de abril, é dia do Diplomata, assim estabelecido pois essa data corresponde ao dia do nascimento de José Maria da Silva Paranhos Jr., em 1845. Cem anos depois, por decreto da ditadura do Estado Novo, era criado o Instituto Rio Branco, encarregado de realizar o concurso de admissão à carreira diplomática, a única forma de ingressar no serviço exterior brasileiro desde então. Os exames de ingresso mantêm o mesmo alto padrão de exigências, com requerimentos praticamente impossíveis de serem alcançados facilmente por qualquer candidato que se apresente, daí o elevado conceito de grande qualidade do seu capital intelectual de que sempre gozou a diplomacia do Brasil, na comparação com serviços diplomáticos de outros países, até alguns desenvolvidos.

Mas a diplomacia, como todos sabemos, é apenas uma ferramenta técnica, um instrumento de trabalho, a ser moldado e orientado pelo chefe de Estado e de governo, no caso republicano o presidente. Sou parlamentarista, e preferia ver na chefia dos negócios da nação alguém que pudesse ser mais facilmente demitido do que um presidente, que requer um sempre traumático processo de impeachment. Digo isto por que um mau presidente, aliás, bem mais do que mau, péssimo, como é o caso atualmente, é capaz de contaminar, deformar, emporcalhar a política externa e a diplomacia, como infelizmente ocorre com as nossas relações exteriores e o seu instrumento de trabalho, o Itamaraty. 

Já fiz muitos balanços sobre a demolição da política externa e a miséria de nossa diplomacia, que aliás correspondem aos títulos de dois livros meus cobrindo, infelizmente, este mau momento da nossa imagem internacional, devido inteiramente ao inepto que nos desgoverna. Teríamos muito a comemorar, efetivamente, se nossa credibilidade externa fosse a mesma de alguns anos atrás, em que pesem todas as turbulências – corrupção e destruição econômica – da era do lulopetismo, que conduziu uma política externa razoável, a despeito de suas derivações partidárias extremamente medíocres (aliança com ditaduras execráveis, para mencionar apenas um aspecto).

Mas, já fomos mais respeitados no mundo, e voltaremos a sê-lo, mas isso vai exigir muito trabalho, a partir do momento em que conseguirmos nos desvencilhar do estrupício que infelicita a nação e constrange os diplomatas, com sua ignorância e desvio de caráter. Haverá um imenso trabalho a ser feito a partir de um governo mais ou menos normal (nunca se pode desejar perfeição no caso brasileiro, com o estamento político patrimonialista que temos), quando então teremos de reconstruir uma política externa decente e restaurar uma diplomacia profissional baseada na excelência do seu capital humano, deixando de lado as deformações ideológicas que atingiram tanto o lulopetismo diplomático, quando o horrível bolsonarismo lunático.

Aguardando chegar esse dia, desejo um bom dia do diplomata a todos os meus colegas, prometendo e confirmando que sempre estarei na linha de defesa de nossos valores e princípios hoje tão depreciados.

Adelante, pessoal. Temos muito a fazer, desde já, planejando nosso renascimento intelectual e nossa recuperação orgânica.

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4133: 20 abril 2022, 2 p.


A guerra da Ucrânia e as sanções econômicas multilaterais - Paulo Roberto de Almeida

 Um paper para subsidiar uma palestra-debate, no dia 21/04/2022, 16hs

 
“A guerra da Ucrânia e as sanções econômicas multilaterais”, com sumário, anexo e bibliografia. Divulgado preliminarmente na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/77013457/A_guerra_da_Ucrânia_e_as_sanções_econômicas_multilaterais_2022_).

Palestra no Instagram: Transmissão via Instagram (21/04/2022; 16:00-17:06; link:

A guerra da Ucrânia e as sanções econômicas multilaterais 

 

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

Notas para palestra-debate, em 21/04/2022, com membros do Instituto Direito e Inovação, dirigido pelo Prof. Vladimir Aras (www.idinstituto.com.br), via Instagram.  

 

Sumário: 

1. Introdução: dos motivos das guerras e suas consequências

2. O custo econômico das guerras e as sanções materiais que delas decorrem

3. A agressão da Rússia contra a Ucrânia e a postura do Brasil a esse respeito

4. O paradoxo das sanções econômicas contra a Rússia

Anexo: Tabela cronológica das sanções econômicas multilaterais: Liga das Nações e Conselho de Segurança das Nações Unidas

Bibliografia de referência 

 

1. Introdução: dos motivos das guerras e suas consequências

Como diria um filósofo brasileiro, mais para a via do humorismo sarcástico, o Barão de Itararé, “as consequências sempre vêm depois”. No caso da guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia, elas vieram quase simultaneamente, e praticamente no mesmo ritmo da invasão das tropas agressoras, ordenadas pelo déspota neoczarista Vladimir Putin. Não foi por falta de aviso: tanto o presidente Joe Biden, dos EUA, quanto diferentes líderes da União Europeia haviam alertado, por diferentes meios, diversas vezes e de maneira insistente, que se Putin concretizasse aquilo que ela anunciava que NÃO iria fazer, mas que já estava transparente em seu planejamento pré-invasão, os países ocidentais responderiam com fortes sanções ao agressor. Putin preferiu apostar na relativa inação das sanções anunciadas, ou viu nesses anúncios uma repetição das reações moderadas adotadas quando da invasão-surpresa da península da Crimeia, em 2014, e insistiu nessa postura mesmo quando o presidente americano praticamente anunciou a invasão algumas semanas antes que ela efetivamente ocorresse. Pois então, as consequências chegaram, e elas são relevantes.

Sanções econômicas e, de forma geral, os custos econômicos das guerras, em suas diversas formas, são especialmente significativos, para quaisquer economias envolvidas, pequenas, médias ou grandes. Tais questões devem, ou deveriam, fazer parte do cálculo econômico – em homens, em materiais, em recursos financeiros – dos dirigentes de um país, ao decidir empreender uma aventura militar, não importando muito o cálculo econômico para a parte agressora, uma vez que a intenção é a de, em primeiro lugar, vencer a capacidade de resistência do alvo visado, destruir sua vontade de se defender, em segundo lugar, e lograr, em terceiro lugar, os objetivos estabelecidos no planejamento iniciais. Independentemente, porém, de tais cálculos, o fato é que o custo econômico de qualquer guerra dever ser sempre confrontado à obtenção dos mesmos objetivos estratégicos por outras vias, se disponíveis. É por isso que os mais importantes estrategistas e teóricos da Arte da Guerra – de Sun Tzu a Clausewitz, sempre consideraram a guerra a continuidade da política por outros meios. 

As guerras são travadas por diferentes motivos, inclusive econômicos, visando conquista e dominação de novos territórios e seus recursos econômicos, vingança por algum diferendo político do passado, por motivos defensivos ou preventivos, ou por mais prosaicos motivos pessoais, de interesse restrito às lideranças, ou ao líder exclusivo, da potência agressora. Talvez se possa enquadrar neste último caso a famosa guerra de Troia, embora não seja nada provável que os gregos tenham cercado a fortaleza de seus vizinhos gregos, na Ásia Menor, durante dez anos contínuos, apenas devido ao rapto de Helena, a mulher do rei Menelau, da Lacedemônia (Esparta), por Paris. O mais provável é que a Helena não tenha tido nada a ver com o longo conflito, e que motivos mais propriamente econômicos tenham impulsionado Menelau e seus compatriotas gregos a se vingar de um antigo entreposto grego, fruto da expansão colonial dos desbravadores marítimos da península que projetou bases bem além do Helesponto e na direção das colunas de Hércules, criando com isso novos competidores no dinâmico comércio mediterrâneo, já explorado por fenícios e outros povos. O fato é que os gregos cercaram a cidade-fortaleza de Troia durante dez anos, sem sucesso, até que a astúcia de Ulisses permitiu romper as portas da cidade-murada, que foi então totalmente saqueada pelos ardilosos combatentes. 

Um dos primeiros exemplos históricos de sanções econômicas está relatado na história da guerra do Peloponeso, por Tucídides: ele se refere ao banimento de mercadores da cidade-porto de Megara de comerciar com Atenas, em 432 AC, o que foi um dos vários exemplos de iniciativas infelizes da grande cidade-Estado democrática que lhe acarretaram reveses diplomáticos que contribuíram para a vitória final de Esparta naquela longa guerra. Aliás, independentemente da especulação despropositada que fazem, atualmente, alguns acadêmicos americanos afetados pela paranoia dos generais do Pentágono, como Graham Allison, proclamando uma nova guerra do Peloponeso, desta vez entre a Esparta-China e a Atenas-EUA, o fato é que erros diplomáticos e sanções econômicas podem, realmente, produzir resultados catastróficos para partes em conflito. Em qualquer hipótese, considero esse livro, Destined for War: Can America and China Escape Thucydides’s Trap? (2015), um dos maiores desserviços à causa da globalização contemporânea (ver a versão brasileira: Allison, 2020). Pretendo dedicar uma resenha-artigo para discutir o tremendo equívoco conceitual e histórico desse acadêmico – mais conhecido pela sua análise da crise dos mísseis soviéticos em Cuba em 1962, The Essence of Decision(1971) – na avaliação das relações atuais entre os dois gigantes econômicos da contemporaneidade, que ele imagina que pode levar a uma nova guerra entre impérios.

 

2. O custo econômico das guerras e as sanções materiais que delas decorrem

Todas as guerras possuem, acarretam, exigem custos econômicos, para todas as partes em conflito, as agressoras e as agredidas. Esses custos podem ser identificados em três conjuntos de encargos ou perdas: pela mobilização inicial em função da estratégia militar, ou seja, o desvio de recursos orçamentários e outros para fins unicamente destrutivos, o que implica a retirada de capital humano das tarefas produtivas para as finalidades destrutivas; o “consumo” de meios militares para o ataque ou a defesa de bens, equipamentos, população e patrimônio social ou natural, ou seja, no curso das atividades militares; o “resultado” final ou intermediário dessas operações, em termos de destruição, eliminação ou impedimento parcial ou temporário dos recursos materiais e humanos, bens materiais destruídos, vidas perdidas ou levadas a tratamento hospitalar e possível incapacitação temporária ou permanente. 

(...)


Ler a íntegra neste link: 

https://www.academia.edu/77013457/A_guerra_da_Ucrânia_e_as_sanções_econômicas_multilaterais_2022_


terça-feira, 19 de abril de 2022

20 de abril: dia do diplomata, dia de reflexões sobre a diplomacia brasileira - Paulo Roberto de Almeida

Amanhã, 20 de abril, é dia do diplomata, quando se comemora a data do nascimento de nosso patrono, o Barão do Rio Branco. 


  Em 2005, logo depois de adquirir este livro, em viagem pela França, eu decidi propor ao Itamaraty a realização de um empreendimento similar, ou seja, uma obra coletiva tratando de nossa diplomacia.

O livro deveria estar pronto em 2008, quando supostamente comemoraríamos 200 anos de relações exteriores a partir do Brasil,. que não era tanto uma diplomacia brasileira, mas um relato das relações internacionais do Brasil português, a partir do Rio de Janeiro.


Eis a ficha do trabalho então proposto: 

1450. “Uma história da diplomacia brasileira”, Metz-Bordeaux, 20-21 jul. 2005, 2 p. Esquema de livro coletivo para ser apresentado como proposta ao IPRI e elaborado como parte das comemorações de 200 anos da chegada da família real ao Brasil. 

Creio que cheguei a oferecer o projeto ao próprio SG do Itamaraty, mas não houve nenhum seguimento dessa proposta, com o que permaneci na Biblioteca do Itamaraty durante largos anos, todo o restante do regime lulopetista, para ser resgatado apenas ao final da gloriosa diplomacia do Sul Global (uma fantasmagoria só identificada pela diplomacia lulopetista).

Posso agora revelar esse meu projeto, que provavelmente não será conduzido no horizonte previsível. Talvez eu mesmo decida empreendê-lo.

Uma foto de minhas frequentes estadas na Biblioteca do Itamaraty.

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 19 de abril de 2022



Uma história da diplomacia brasileira

 

Paulo Roberto de Almeida

Metz-Bordeaux, 20-21 julho 2005

Preparado para servir de base a projeto de obra coletiva

 

Esquema preliminar:

00. Prefácio (Ministro de Estado das Relações Exteriores)

01. Introdução (Organizador: Paulo Roberto de Almeida)

 

Parte I – A Construção do Instrumento Diplomático

02. Formação de uma diplomacia nacional, 1808-1822

03. Construção da diplomacia brasileira, 1822-1844

04. A nacionalização da diplomacia, 1844-1865

05. Desafios à soberania do Império, 1865-1889

 

Parte II – Consolidação do Instrumento Diplomático

06. Hesitações ao início da República, 1889-1901

07. Esplendor e glória: a era do Barão: 1902-1912

08. Depois do paradigma, a normalidade, 1912-1917

09. Um exercício de internacionalização frustrada, 1918-1930

 

Parte III – Transição para o Estado Nacional

10. Administrando crises, 1931-1934

11. Os primeiros instrumentos de planejamento e o setor externo, 1934-1939

12. Na tormenta dos conflitos mundiais, 1939-1945

 

Parte IV – A Consciência do Atraso

13. A ilusão da relação especial, 1945-1951

14. Preparando uma diplomacia alternativa, 1951-1959

15. Política externa independente: estabelecendo as bases, 1959-1964

 

Parte V – O Intervalo Interdependente

16. Um alinhamento de circunstância, 1964-1965

17. Retomando o projeto desenvolvimentista, 1966-1968

 

Parte VI – A Diplomacia Blindada dos Generais

18. Independência ou sorte?: o Brasil grande potência, 1969-1974

19. O triunfo do desenvolvimentismo, 1975-1979

20. Administrando crises e reafirmando o terceiro-mundismo, 1979-1985

 

Parte VII – A Reconciliação Democrática

21. Confirmando as bases do projeto desenvolvimentista, 1985-1989

22. O último do primeiro mundo, 1990-1992

23. Hesitações e dúvidas num novo entorno regional, 1993-1994

24. Administrando a globalização, 1995-2002

 

Parte VIII – A Reinvenção Diplomática

25. Uma política externa ativa, 2003-2006

26. Bases institucionais e políticas da diplomacia brasileira

 

Apêndices:

27. Cronologia da diplomacia brasileira, 1808-2008

28. Ministros das relações exteriores em cada chefia de Estado, 1822-2008

29. Fontes primárias e documentos fundacionais da diplomacia brasileira

30. Bibliografia geral sobre as relações internacionais do Brasil

 

Metz-Bordeaux, 20-21 julho 2005

 

Macron extingue corpo diplomático francês (AFP)

Vou ter de acrescentar um capítulo final, conclusivo, a este livro:  

Macron extingue corpo diplomático em reforma administrativa às vésperas do segundo turno

A medida foi criticada por diplomatas e a oposição, especialmente por Marine Le Pen, que disputa no domingo o segundo turno da eleição contra o presidente

AFP, 19/04/2022


PARIS - O governo da França publicou na segunda-feira, 19, um decreto no Diário Oficial que extingue o corpo diplomático do país, como parte de uma reforma administrativa planejada pelo presidente Emmanuel Macron desde o ano passado.

A medida foi criticada por diplomatas e a oposição, especialmente por Marine Le Pen, que disputa no domingo o segundo turno da eleição contra Macron, e Jean-Luc Mélenchon, terceiro colocado na disputa do começo do mês.

Le Pen acusou Macron de usar a reforma para partidarizar o serviço diplomático. “Ele quer trocar servidores imparciais por seus camaradas”, disse a candidata de extrema direita. Já Mélenchon lamentou a destruição de um corpo diplomático com séculos de experiência.

Com a medida, cargos no Ministério de Relações Exteriores deixam de ser exclusivos a diplomatas de carreira e podem ser preenchidos por pessoas oriundas de outras partes do serviço público e privado.

Além disso, esses servidores estarão vinculados a uma autarquia interministerial que centralizará essas contratações. A reforma tem como pano de fundo a insatisfação de parte dos franceses com o status atingido por trabalhadores de elite do serviço público, evidenciada com a série de protestos dos coletes amarelos, desde 2019. Um dos alvos da insatisfação era a Escola Nacional de Administração, criada pelo general Charles De Gaulle após a 2ª Guerra com o intuito de treinar os servidores franceses para o serviço público. O instituto mudou de nome e passará por uma reforma.

A partir de 2023, os diplomatas estarão trabalhando lado a lado com chefes de polícia, inspetores financeiros e outros servidores públicos de alto nível sob a bandeira “corpo administrativo do estado”. O governo defendeu sua reforma, dizendo que tornaria o serviço público mais “emprego” do que “status” e, portanto, mais operacional. / AFP


segunda-feira, 18 de abril de 2022

Fertilizantes: uma deficiência brasileira a caminho de reduzir a dependência externa - João Pedro Malardo (CNN Brasil)

 Alta de fertilizantes prejudica setor no Brasil, mas é oportunidade de expansão


Produção nacional corresponde a 15% do total consumido, e três empresas controlam mais de 70% do setor

João Pedro Malardo CNN Brasil Business
em São Paulo, 18/04/2022

A guerra entre Ucrânia e Rússia afetou os preços de uma série de produtos, entre eles os fertilizantes, com um impacto ainda maior para países que importam a maior parte do que consomem, caso do Brasil. Essa alta acaba refletindo nos alimentos, piorando o quadro inflacionário.

Atualmente, cerca de 85% dos fertilizantes usados no país são importados, e dados da consultoria Globalfert apontam que 23% desse total vem da Rússia. A Ucrânia também é um fornecedor relevante, assim como Belarus, que também está envolvido no conflito, piorando o cenário.

Especialistas ouvidos pelo CNN Brasil Business apontam, porém, que por mais que o setor de fertilizantes brasileiro deva enfrentar dificuldades no curto prazo, a guerra gerou uma oportunidade de crescimento ao deixar à tona uma vulnerabilidade do país.

Cenário brasileiro
Diretor-executivo do Sindicato Nacional das Indústrias de Matérias-Primas para Fertilizantes (Sinprifert), Bernardo Silva, afirma que o setor de fertilizantes no Brasil possui hoje uma capacidade instalada de 13,95 milhões de toneladas por ano, mas produz efetivamente cerca de 6 milhões.

Segundo ele, existem alguns fatores que explicam essa diferença, mas o principal é a falta de competitividade dos projetos nacionais em relação ao exterior.

“Enquanto temos no país um ambiente institucional competitivo que privilegia e subsidia importação, as empresas alocam seus recursos seguindo esse cenário de competitividade e rentabilidade”, diz.

As grandes produtoras de fertilizantes são multinacionais e, portanto, alocam recursos para produção em determinados países de acordo com o grau de rentabilidade. Se compensar mais produzir fertilizantes em um país e então exportar para o Brasil, esse é o caminho seguido.

Silva também cita outras questões, como custos de produção e de maquinário elevados com problemas de logística, preço alto de energia elétrica —essencial na produção de fertilizantes— e um “olhar de curtíssimo prazo” que privilegiou e incentivou a importação por ser mais barata.

Juliana Lemos, analista-chefe do Globalfert, afirma que existem dois tipos de empresas no setor de fertilizantes. As produtoras, que se encarregam das matérias-primas, geralmente nutrientes como nitrogênio, potássio e fósforo, usadas em fertilizantes. E as montadoras, que compram esses nutrientes prontos e “montam” os fertilizantes. É comum também que existam empresas que realizem as duas atividades.

Em 2021, o total de importação de fertilizantes, prontos ou para serem misturados, foi de 34,7 milhões de toneladas, cerca de 85% do total negociado, o que indica a força das montadoras no país.

“O Brasil é uma potência agrícola, então usamos a maioria dos tipos de fertilizantes que existem”, diz. O tipo depende principalmente das características do solo e da cultura que será plantada.

Lemos diz que o Brasil produz principalmente potássio, usado em uma série de fertilizantes, mas que mesmo assim não é o suficiente para atender à grande demanda do agronegócio.

Um estudo do Globalfert aponta que, em 2021, pouco mais de 70% do mercado de fertilizantes NPK (que contém nitrogênio, fósforo e potássio) do Brasil era controlado por três empresas.

A maior, com 28%, é a Mosaic, originária dos Estados Unidos. Em seguida vem a Yara, empresa de origem europeia, com 23%, e a Fertipar, com 22%, uma das poucas grandes empresas do setor que ainda é nacional, fundada no Paraná.

O peso de empresas estrangeiras vai além das duas maiores do setor. A suíça Eurochem, por exemplo, adquiriu entre 2020 e 2021 duas grandes companhias nacionais, a Fertilizantes Tocantins (13%) e a Heringer (4%). Ainda há a Cibra, com 5% de participação, e que faz parte do grupo norte-americano Omimex.

Segundo Lemos, as aquisições recentes da Eurochem tornaram o mercado ainda mais concentrado, o que é uma característica comum em todo o mundo devido ao alto investimento que a obtenção de matérias-primas demanda.

Das três maiores empresas, a Mosaic e a Yara atuam como misturadoras e produtoras, enquanto a Fertipar é apenas misturadora. Ao todo, são 513 unidades de mistura espalhadas pelo Brasil.

Para Juliana Lemos, a dependência de importações do Brasil é um “problema antigo”. “Teve influência do baixo investimento em indústria ao longo de muitos anos, falta de incentivo, não ter direcionamento claro até por parte de governos sobre a importância no Brasil”.

“Temos produção agrícola há muito tempo, mas o crescimento exponencial foi rápido e recente, não estávamos preparados para toda essa demanda”, acrescenta.

Efeitos da guerra
Para o diretor do Sinprifert, a guerra na Ucrânia atingiu um setor já pressionado no Brasil, com margens “apertadíssimas”. Ele avalia que o aumento de preços dos fertilizantes não deve se traduzir em um lucro maior porque os custos também aumentaram, em especial de energia e transporte devido às altas do petróleo e do gás natural.

Ele aponta, porém, uma possibilidade de aumento de mercado, ou seja, aumentar a produção e se aproximar mais dos 13 milhões de toneladas potenciais, já que o cenário deve gerar uma redução nas importações, abrindo janelas de oportunidades.

A combinação de todos esses fatores deve levar a um “aumento de participação, mas não de receita”.

Juliana Lemos avalia que a demanda do agronegócio por fertilizantes está bastante favorável no Brasil, o que é positivo, mas também gera um “desafio monstruoso” de manter o fornecimento de matérias-primas para atender ao setor.

Isso exigirá a criação de novos contratos, rotas de transporte e também novos fornecedores, mas atualmente são poucos países com capacidade para expandir a produção e atender mais mercados.

“A expectativa é de mais vendas, mas é um grande desafio. Vai demandar estratégias certeiras para garantir o fornecimento”, diz.

Ao mesmo tempo, ela acredita que a guerra deve fortalecer uma tendência de diversificação de fontes de fertilizantes, com aumento de alternativas como orgânicos e organo-minerais, mas não a ponto de suprir toda a demanda do agronegócio brasileiro.

Bernardo Silva afirma que o cenário atual de elevação de preço dos fertilizantes, que na verdade começou na pandemia com o descompasso entre oferta e demanda, não é problema real do setor, mas ajudou a escancará-lo.

O setor ficou no olho do furacão, mas há décadas já falávamos sobre isso. A resolução do curtíssimo prazo é algo que um setor como o nosso não olha porque não é o problema real. Só vai ter um equilíbrio saudável se começar a no curtíssimo prazo implementar medidas de longo prazo

Bernardo Silva, diretor-executivo do Sinprifert
“Se quiser resolver só essa questão pontual, é só perpetuar, só irá atrás de outros fornecedores e diluir esse risco [de quedas no fornecimento]”, diz.

Nesse sentido, ele vê o lançamento do Plano Nacional de Fertilizantes pelo governo federal como um “passo realista” em direção a uma mudança verdadeira para o setor.

Potencial
A analista-chefe do Globalfert afirma que ainda é difícil entender qual é o potencial real do setor de fertilizantes no Brasil pensando na expansão de uma produção nacional, já que faltam estudos e um mapeamento detalhado de reservas minerais.

Ela avalia que o plano divulgado pelo governo “é para daqui a 30 anos, e não deve dar independência total, mas pode levar a uma mobilização maior”.

Segundo Bernardo Silva, o plano trouxe um diagnóstico aprofundado da situação atual do setor, com metas para o médio e longo prazo. O objetivo é reduzir a dependência brasileira de importações para cerca de 45% ou 50% do total até 2050.

Ele diz que cada um dos três macronutrientes acabou tendo uma projeção diferente de alta de produção, que leva em conta as disponibilidades de obter as matérias-primas no Brasil. No caso dos nitrogenados, por exemplo, a importação poderia ser reduzida de 93% para 51%, e no caso dos fosfatados, de 78% para 5%.

Para atingir isso, ele considera que o principal é “termos um ambiente de isonomia, um campo de jogo nivelado entre importação e produção nacional. Hoje não tem porque há subsídios, incentivos e desoneração à importação”.

Como exemplo, ele cita a cobrança de ICMS sobre fertilizantes, que é praticamente isenta para importados e de cerca de 8,4% para a produção nacional. Também defende medidas como linhas de financiamento específicas para o setor, com taxas mais competitivas, e a implementação de medidas como o Marco do Gás para reduzir o preço da commodity.

“É uma questão de resolver infraestrutura e logística, assim como acesso e disponibilidade de matérias-primas. Dar mais agilidade nos processos de licenciamento ambiental, projetos hoje parados nessa etapa, e não é diminuir exigências, é melhorar a burocracia”.

“Um olhar de curtíssimo prazo permeou as políticas públicas nos últimos 25 anos, sempre olhou pelo caminho mais curto e fácil, de importar, e agora vemos que isso não trouxe os resultados esperados”, afirma.

https://www.cnnbrasil.com.br/business/alta-de-fertilizantes-prejudica-setor-no-brasil-mas-e-oportunidade-de-expansao/