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sábado, 7 de outubro de 2023

Se tem algo abundante na América do Sul é a retórica; ações não é o caso, mas o palavreado é garantido!

 


Nota 434 – Implementação Do Ponto 7 Do Consenso De Brasília - Mapa Do Caminho Para A Integração Da América Do Sul

Ministério das Relações Exteriores

Assessoria Especial de Comunicação Social

 

Nota nº 434

6 de outubro de 2023

 

Implementação do Ponto 7 do Consenso de Brasília - Mapa do Caminho para a Integração da América do Sul

 

1.    Dando seguimento à Reunião de Presidentes da América do Sul de 30 de maio de 2023, os países sul-americanos adotaram, em 5 de outubro de 2023, um Mapa do Caminho para a Integração da América do Sul, com o objetivo de retomar o diálogo regular para impulsionar a integração regional, promover a cooperação e projetar a voz da América do Sul no mundo. 

2.    Considerando os desafios enfrentados pela América do Sul, o Mapa do Caminho destaca a importância de priorizar iniciativas concretas, com impacto positivo nas condições de vida das populações e que não dupliquem esforços já em curso em outros mecanismos de cooperação.

3.    Levando em consideração o interesse em seguir fortalecendo o diálogo em áreas específicas, o Mapa do Caminho inclui um calendário preliminar de reuniões setoriais e indica espaços que poderiam ser aproveitados para seguir fortalecendo o diálogo sul-americano e o processo de implementação do Consenso de Brasília à margem de eventos regionais e extrarregionais.

4.    Observando o Ponto 7 do Consenso de Brasília, o Mapa do Caminho para a Integração da América do Sul baseia-se em uma extensa avaliação das experiências dos mecanismos de integração sul-americanos nos 17 temas identificados como foco de atenção inicial pelos Presidentes da região, a saber: Combate ao Crime Organizado Transnacional, Comércio e Investimento, Conectividade Digital, Cooperação Transfronteiriça, Defesa, Desenvolvimento Social, Educação e Cultura, Energia, Financiamento ao Desenvolvimento, Gênero, Gestão de Riscos de Desastres, Infraestrutura e Transporte, Integração Produtiva, Migração, Mudanças Climáticas, Saúde e Segurança Alimentar. Avança, também, iniciativas concretas de seguimento que poderão ser exploradas para aprofundar a cooperação e a integração na América do Sul.

5.    Para permitir o seguimento adequado das várias iniciativas, acordou-se que o diálogo regular incluirá, de agora em diante, encontros estratégicos anuais entre os Presidentes da América do Sul; reuniões de Ministros das Relações Exteriores pelo menos duas vezes por ano; encontros frequentes entre coordenadores nacionais; a criação de redes de contato setoriais para promover o intercâmbio e a cooperação em tópicos específicos de interesse comum; e diálogos com parceiros extrarregionais.

6 de outubro de 2023 

Mapa do Caminho para a Integração da América do Sul

 

[Nota publicada em: https://www.gov.br/mre/pt-br/canais_atendimento/imprensa/notas-a-imprensa/implementacao-do-ponto-7-do-consenso-de-brasilia-mapa-do-caminho-para-a-integracao-da-america-do-sul]

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Relações Brasil- Asean: visita do chanceler brasileiro

 Ministério das Relações Exteriores

Assessoria Especial de Comunicação Social

 

Nota nº 437

6 de outubro de 2023

 

Visita oficial do Ministro Mauro Vieira a países-membros da ASEAN – 9 a 13 de outubro de 2023
 

O Ministro das Relações Exteriores, Embaixador Mauro Vieira, realizará, entre 9 e 13 de outubro, visita oficial à Indonésia, ao Camboja e às Filipinas. Os três países integram a Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN).

Em Jacarta, em 9 de outubro, o Ministro manterá reunião com a Ministra das Relações Exteriores da Indonésia, Retno Marsudi, para tratar de temas relativos à parceria estratégica entre Brasil e Indonésia, estabelecida em 2008.

Juntamente com a Ministra Marsudi e o Secretário-Geral da ASEAN, Dr. Kao Kim Hourn, o Ministro Mauro Vieira participará da 1ª Reunião Trilateral Brasil-ASEAN, quando será lançada a implementação da Parceria de Diálogo Setorial do Brasil com a ASEAN.

Ainda em Jacarta, o Ministro abrirá o seminário Ethanol Talks, evento organizado pelo setor privado, com o apoio do Itamaraty, destinado a aproximar Brasil, Indonésia e demais países da ASEAN em torno da pauta dos biocombustíveis como alternativa viável para a transição energética.

Em 11 de outubro, realizará visita ao Camboja, a primeira de um chanceler brasileiro àquele país. O Ministro será recebido pelo Primeiro-Ministro Hun Manet e manterá reunião de trabalho com o Vice-Primeiro Ministro e Ministro dos Assuntos Exteriores e Cooperação Internacional Sok Chenda Sophea. O Camboja abriu recentemente uma embaixada em Brasília, a primeira na América do Sul.

Em 13 de outubro, o ministro Mauro Vieira será recebido pelo Secretário de Negócios Estrangeiros das Filipinas, Enrique Manalo. Trata-se da primeira visita de um chanceler brasileiro às Filipinas, desde o estabelecimento das relações diplomáticas entre os dois países em 1946.

Em conjunto, os dez países-membros da ASEAN representam a quinta maior economia global. Segundo projeção do FMI, os países da ASEAN contribuirão com 10% do crescimento do PIB global em 2023, o que representa mais do que o dobro do seu peso na economia mundial. Com uma população de aproximadamente 670 milhões de habitantes, a ASEAN é hoje, em seu conjunto, o terceiro maior parceiro comercial do Brasil. Nos últimos 12 meses, o comércio do Brasil com os países da ASEAN foi de USD 33,7 bilhões.

[Nota publicada em: https://www.gov.br/mre/pt-br/canais_atendimento/imprensa/notas-a-imprensa/visita-oficial-do-ministro-mauro-vieira-a-paises-membros-da-asean-2013-9-a-13-de-outubro-de-2023]


sexta-feira, 6 de outubro de 2023

Como Putin usa mentiras e mercenários para destruir democracias - Estadão

 Como Putin usa mentiras e mercenários para destruir democracias 


Pouco antes de morrer em agosto, em um acidente aéreo em circunstâncias suspeitas, o líder do Grupo Wagner, Ievgeni Prigozhin disse em suas redes sociais que estava na África “para tornar o continente mais livre. Era no continente, principalmente na região do Sahel, onde seus mercenários mantinham grande parte de sua operação. 

E é também nessa parte da África subsaariana onde estão alguns dos países mais voláteis politicamente do Sul Global. Países como Mali, Niger, Burkina Faso e Chade passaram recentemente por golpes de Estado, campanhas de desinformação e tráfico de armas, em ações patrocinadas pela Rússia de Vladimir Putin. Para aumentar a sua influência na região, o Kremlin atua em duas frentes. Uma é oficial, com a doação de até 50 mil toneladas de grãos e o o acordo de cooperação militar com 40 países anunciados por Putin durante a Cúpula Rússia-África. 

A outra, avança sem ser anunciada, com campanhas de desinformação e forte presença dos mercenários do grupo Wagner Um monitoramento recente da ONG Freedom House, que acompanha os direitos políticos e liberdades civis no mundo há cinco décadas, mostra um recuo do volume de países considerados “livres” no continente africano. 

Gana, Namíbia, Botsuana, Lesoto e África do Sul são cada vez mais exceções que regras, num continente marcado pela pobreza e a instabilidade política, onde sete Países enfrentaram golpes de Estado no últimos dois anos. E a Rússia tem atuado pra isso. O Centro de Estudos Estratégicos da África mostrou que há uma relação direta entre essa última, a ação desestabilizadora russa, e a perda de pontos na escala de países livres. 

Gana, que não tem registro de interferência, aparece com 80 pontos na escala que vai de zero a 100 — melhor avaliado que o Brasil (72). Enquanto os países onde a estratégia de Moscou é mais presente tem uma média de 19 pontos, o mesmo que a ditadura da Nicarágua. Em contrapartida, aponta o estudo, autocracias sem instituições sólidas e sem controles internos são mais permissivas à influência russa. O continente sofre com golpes de Estado em série, manobras de governantes que não querem deixar o poder para estender mandatos e eleições sob suspeita. 

Uma instabilidade crescente, depois da ascensão democrática que parecia ter encerrado a tendência de militarização observada entre as décadas de 1970 e 1980. Essas democracias fragilizadas, se encontram no meio de uma disputa por influência entre polos cada vez mais antagônicos. O professor de relações internacionais do IBMEC Christopher Mendonça alerta que uma das formas de rivalizar com os Estados Unidos e com o Ocidente de modo geral é justamente apresentar para os Países onde disputam influência os valores russos: “a democracia não está entre esses valores. A Rússia está muito mais voltada para o nacionalismo”. 

 Os interesses de Vladimir Putin Moscou tem um objetivo claro: substituir as potências ocidentais e aumentar a influência no continente que é o número dois no mundo em área e população. São 30 milhões de quilômetros quadrados divididos entre 54 países onde vivem 1,2 bilhão de habitantes. E esse interesse não é de hoje, explica Angelo Segrillo, historiador especializado em história russa.

 A antiga União Soviética já disputava com a China e as potências Ocidentais a influência sobre os Países africanos que conquistavam independência. A Rússia até herdou essa relação com o fim da URSS, mas enfraqueceu os laços com o continente no final da década de 1990, enquanto enfrentava um problema dentro de casa, a crise econômica, que levou o país a dar um calota na dívida externa.

 Na era Vladimir Putin, já com as contas acertadas, Moscou passou a buscar essas antigas relações. O movimento se acentuou a partir de 2014, quando a Rússia foi alvo das primeiras sanções por anexar a Crimeia e ganhou força no ano passado, a partir da invasão da Ucrânia, que azedou de vez a relação com o Ocidente. “Com o aprofundamento das sanções, a Rússia tenta aumentar os seus laços e influência tanto na Ásia quanto na África, almejando criar um verdadeiro bloco antiocidental”, aponta Segrillo. 

 Além de contornar os embargos econômicos, a Rússia de Vladimir Putin busca reduzir o seu isolamento, como foi observado no aniversário de um ano da guerra, quando a Assembleia-Geral da ONU aprovou uma resolução contra a invasão da Ucrânia. O texto foi facilmente aprovado com 141 votos a favor, mas dois países africanos votaram contra junto com a própria Rússia e seus aliados mais próximos, como Belarus. Dos 32 países que se abstiveram, metade fica na África. Sob sanções internacionais, é crucial para Rússia desenvolver esses fluxos alternativos de receita. Ao mesmo tempo, desenvolver parcerias com esses regimes possibilita um tipo de proteção contra condenação internacional pela invasão na Ucrânia. É uma forma de jogar a geopolítica”, nota o pesquisador do Centro de Estudos Estratégicos da África Daniel Eizenga ao Estadão. 

 Embora o apoio ou posição de neutralidade entre os países africanos nem de longe tenha sido suficiente para barrar a resolução, os números mostram como o continente está dividido em relação à guerra, contrariando o Ocidente, que adota uma posição firme contra o Kremlin e esperam o mesmo de outros Países. A consequência, conclui Cristopher Mendonça é que “se aproximar desses Países melhora as condições da Rússia na ONU”, especialmente em votações da Assembleia-Geral. “A Rússia não é um país que questiona a ONU porque é um membro efetivo [do Conselho de Segurança], estava na criação desses sistema. 

E a África tem um número de votos que é superior ao de outras regiões”, justifica. Em contrapartida, Moscou tem usado o poder de veto como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU parar barrar resoluções contra os governos que apoia na África. Assim, tem livrado autocratas de sanções financeiras e da condenação internacional. Ressentimento com colonialismo abre espaço pra Rússia Enquanto Moscou busca espaço no continente, a relação com Paris se mostra cada dia mais desgastada a exemplo do que acontece no Mali. 

Seis décadas depois da conquista da independência da França, a nova Constituição, aprovada sob o governo militar, demoveu o francês da lista de idiomas oficiais do País. Um gesto considerado simbólico já que a própria carta magna foi escrita em francês, mas que evidencia o ressentimento com o passado colonizador e com as intervenções mais recentes, às vezes, desastrosas. No ano passado, antes de rebaixar o idioma, o Mali celebrou com uma multidão nas ruas a expulsão do embaixador e assistiu a retirada de tropas da França. 

Um dia recebidos como heróis contra o extremismo islâmico, os soldados deixaram o países acusados de neocolonialismo dez anos depois, no momento em que os grupos jihadistas ganham força. Logo depois, a vizinha Burkina Faso, também ex-colônia e também sob um regime militar, que mandou os soldados franceses embora. Mais recentemente, foi a vez do Níger, onde os militares tomaram o poder em julho. Quando apoiadores da junta militar foram às ruas manifestar apoio ao golpe, alguns queimaram a bandeira francesa enquanto outros exibiram a russa. 

Uma imagem que simboliza como Moscou avança para ocupar esse vácuo de influência deixado por Paris. Depois do golpe, o Níger também expulsou o embaixador da França e, em meio à tensão crescente, Emmanuel Macron já anunciou a retirada das tropas no País, que era tido como último ponto de apoio do Ocidente nas ações contra o terrorismo no Sahel. O problema é que os Países ocidentais também deram sustentação para autocratas e apoio militar para suas forças de segurança, fechando os olhos para violações de direitos humanos sob a justificativa de combate as grupos insurgentes, afirma diretora do programa africano da Freedom House Tiseke Kasambala ao Estadão. “Infelizmente, as intervenções ocidentais, incluindo aquelas promovidas por potências coloniais, como a França, nem sempre foram positivas levando a um ressentimento generalizado na população”, afirma. 

 Democracia, um sistema em crise Com exceção do Sudão, as ex-colônias francesas correspondem a seis dos sete países africanos que sofreram com golpes de Estado nos últimos dois anos. Além dos já citados, Mali, Burkina Faso e Níger, a lista inclui ainda Chade, Guiné e, mais recentemente o Gabão. Este último, mostra como o cenário é complexo já que mesmo antes do golpe, não é como se o País experienciasse uma democracia plena com alternância de poder. Ali Bongo, o presidente deposto há cerca de um mês pelo golpe, havia acabado de ganhar um terceiro mandato de sete anos.

 O antecessor, o seu pai Omar Bongo, comandou o Gabão por mais de 40 anos até morrer em 2009. A perpetuação dos Bongo no poder repetia uma tendência verificada também em outros Países africanos. Em Ruanda, Paul Kagame, é presidente desde os anos 2000 e, graças às reformas políticas aprovadas durante o governo, pode seguir no poder pelo menos até 2034. Quando confirmou, este mês, que será candidato novamente, ele se antecipou às possíveis críticas. “O que é democracia? O Ocidente ditar o que os outros devem fazer? Mas se eles violam os próprios princípios, como ouvimos a eles?”, questionou Kagame. 

E completou: “Procurar transferir a democracia para os outros já é uma violação da democracia em si. As pessoas deveriam ser independentes e ter o direito de ser organizar da forma que quiserem”. A Freedom House aponta ainda outras estratégias que limitam a democracia no continente, como leis de segurança digital que violam privacidade e liberdade de expressão ou políticas abrangentes, que deveriam combater o terrorismo, mas restringem o direito de livre associação. Exemplos disso, aponta a ONG, são an Uganda e o Zimbábue, onde opositores acabam de ser detidos, depois que o presidente Gift Siziba foi reeleito em uma disputa contestada, marcada por denúncias de irregularidades. 

 Apesar dos diferentes indícios de corrosão, a democracia é a forma de governo preferida por 66% da população em 36 países do continente, mostrou o Afrobarômetro, organização não governamental que há 20 anos conduz pesquisas na África. A grande maioria (cerca de 80%) rejeita governos de um homem só ou de partido único. Na mesma linha, quase 70% se dizem contra governos militares. Entretanto, só 38% expressaram satisfação com a forma como a democracia tem funcionado dentro dos seus Países. “Infelizmente, as aspirações políticas não se alinham com a realidade e os cidadãos descobriram que a oferta de democracia é extremamente deficiente”, conclui Tiseke Kasambala. 

Ela lembra que, nos Países onde o processo democrático foi interrompido, instituições frágeis falharam em atender as demandas sociais e oferecer serviços básicos. Ao mesmo tempo, a falta de pluralidade na política, favorece pequenas elites e aprofunda a desigualdade no continente onde mais de 540 milhões de pessoas vivem na pobreza, segundo dados da ONU. À media em que as pessoas exigem mudanças, seja nos rumos da política ou da economia, a resposta dos governantes tem sido endurecer as regras e não atender as demandas sociais. “Os governos violaram liberdades, dificultaram o trabalho da sociedade civil com leis repressivas, respostas violentas a protestos pacíficos e prisões de defensores dos direitos humanos, ativistas e jornalistas”, aponta Kasambala. 

 O grupo Wagner e o futuro indefinido Foi nesse cenário complexo, de instituições enfraquecidas, e busca por aliados sem relação com os antigos colonizadores, que a Rússia se apresentou como um parceiro atrativo e aumentou a presença do grupo Wagner na África. A relação de Moscou com os mercenários, no entanto, ficou estremecida pelo motim que ameaçou Vladimir Putin na Rússia. Depois da rebelião, o Kremlin afastou os paramilitares da Ucrânia, mas manteve as operações no continente africano.

 Foi lá, inclusive, que o chefe Ievgeni Prigozhin apareceu em vídeo pela primeira e última vez desde que liderou o avanço em direção à Moscou. Dias depois da aparição, o avião em que Prigozhin e o seu braço de direito viajavam caiu perto da capital russa. A morte do antigo aliado de Putin, chamado de “traidor” por organizar o motim, abriu um vácuo de poder dentro da organização e aumentou ainda mais a incerteza que paira sobre o futuro do grupo Wagner. Depois da morte de Prigozhin, Moscou indicou que deve manter os mercenários, mas sob seu controle. O sinal veio na semana passada, quando o militar reformado que atuava como um dos líderes do grupo Wagner, Andrei Troshev, recebeu a missão de recrutar combatentes para guerra na Ucrânia. Conhecido pelo apelido de “Sedoi” (grisalho, em russo), o comandante já havia sido apontado como o favorito de Vladimir Putin para comandar os mercenários e vai seguir ordens do Ministério da Defesa. 

A nomeação pareceu refletir o plano do Kremlin para colocar o grupo Wagner de volta à linha de combate ucraniana. Enquanto o mundo observa que papel os mercenários devem ter a partir de agora na guerra, o historiador Angelo Segrillo destaca que uma das saídas para o dilema que o grupo Wagner impôs ao Kremlin poderia ser justamente reforçar ação da milícia, já domada, longe do País. “Normalmente, o grupo teria sido desfeito depois do motim, mas sua presença na África é profunda e foi muito importante para a Rússia ao realizar — informalmente ou clandestinamente — as tarefas que Moscou não poderia executar oficialmente”, lembra o pesquisador.  

A volta de um personagem notório do exército russo pode ser um indicativo dessa estratégia, depois do susto que o grupo Wagner deu em Vladimir Putin. O general Sergei Surovikin, afastado por supostos vínculos com o motim, reapareceu na Argélia, importante comprador de armas russas, depois de semanas sem ser visto em público. “Surovikin é um general duro e que foi muito importante em vários cenários bélicos, principalmente na Síria, e também na própria Ucrânia, onde organizou as linhas de resistência nas províncias incorporadas por Moscou”, contextualizou Segrillo afirmando que o afastamento da Rússia e possível transferência do general poderia confirmar a possibilidade do grupo Wagner ter a energia mais focada em cenários distantes de Moscou, em especial, a África. 

 Seja qual for a estratégia, analistas concordam que o interesse da Rússia não vem de hoje e não vai acabar, independente de qual for destino do grupo Wagner.  


Quatro líderes e um mundo virado ao revés Israel , EUA, Rússia e China - Thomas L. Friedman (NYT, Estadão)

 Quatro líderes e um mundo virado ao revés

Israel EUA, Rússia e China

Thomas L. Friedman
The New York Times É colunista e ganhador de três prêmios Pulitzer
O Estado de S. Paulo, 6/10/2023

Desde o dia em que aprendí que, em 1947, Walter Lippmann popularizou o termo Guerra Fria para definir o conflito que emergia entre EUA e União Soviética, achei que seria legal poder batizar um período histórico. Agora que o pós-Guerra Fria acabou, o pós-pós-Guerra em que entramos tem de ganhar um nome. Então, aqui vai: é a era do "Isso não estava nos planos".

Eu sei, não é uma expressão fácil de articular - e não espero que cole. Mas ela é certeira. Eu tropecei nela na minha viagem recente à Ucrânia. Estava conversando com uma mãe ucraniana que me contava que sua vida social tinha se reduzido a jantares ocasionais com amigos, festas de aniversário "e funerais".

Depois de digitar a citação na minha coluna, acrescentei meu próprio comentário: "Isso não estava nos planos". Antes do ano passado, jovens ucranianos vinham desfrutando de acesso facilitado à União Européia, entrando em startups de tecnologia, pensando sobre fazer faculdade e decidindo se passavam férias na Itália ou na Espanha. Então, como um meteoro, a invasão russa virou as vidas deles de ponta cabeça da noite para o dia.

Aquela ucraniana não está só. Muitos planos de muita gente - e de muitos países - saíram completamente dos trilhos. Entramos na era do pós-pós-Guerra Fria, que tem pouco a prometer em comparação à prosperidade, à previsibilidade e às novas possibilidades do período pós-Guerra Fria, que abrangeu os 30 anos desde a queda do Muro de Berlim.

Há muitas razões para isso, mas nenhuma é mais importante do que o trabalho de quatro líderes cruciais com uma coisa em comum: acreditam que sua liderança é indispensável e estão dispostos a adotar medidas extremas para se manter no poder o máximo que puderem.

PODER. Estou falando de Vladimir Putin, Xi Jinping, Donald Trump e Binyamin Netanyahu. Esses quatro - cada um à sua maneira - criaram perturbações dentro e fora de seus países com base em seu interesse particular, em vez dos interesses de seus povos, e dificultaram a capacidade de suas nações funcionarem normalmente no presente e se planejarem sabiamente para o futuro.

Veja Putin. Ele começou a carreira como um tipo de reformador que estabilizou a Rússia pós-Yeltsin e coordenou um boom econômico graças aos preços do petróleo em elevação. Mas a renda com o petróleo começou a cair e, conforme descreve o acadêmico russo Leon Aron em seu próximo livro, Ridingthe Tiger: Vladimir Putirís Rússia and the Uses ofWar, Putin deu uma grande virada no começo de seu terceiro mandato como presidente, em 2012, após os maiores protestos contra seu governo irromperem em 100 cidades russas e sua economia empacar.

A solução de Putin? "Mudar a fundação da legitimidade de seu regime do progresso econômico para o patriotismo militarizado", disse Aron, colocando a culpa de todas as dificuldades no Ocidente e na expansão da Otan. No processo, o presidente russo transformou seu país em um forte sitiado, que, em sua mentalidade e propaganda, somente Putin é capaz de defender. Ele ter invadido a Ucrânia para restaurar a mítica Mãe-Pátria russa foi inevitável.

Os acontecimentos na China também têm se desdobrado de maneira bastante inesperada. Depois de se abrir e afrouxar controles internos constantemente desde 1978, tornando-se mais previsível, estável e próspera que em qualquer outro momento da história moderna, a China experimentou uma virada de quase 180 graus sob o presidente Xi: ele suprimiu o limite de mandatos - respeitado por seus antecessores para evitar a ascensão de um novo Mao Tsé-tung - e fez-se presidente indefinidamente.

Xi, aparentemente, acreditou que o Partido Comunista estava perdendo o controle e, portanto, reafirmou seu poder em todos os níveis sociais e empresariais ao mesmo tempo, o que eliminou qualquer rival.

Isso tomou a China um país mais fechado do que em qualquer momento desde os dias de Mao e desencadeou comentários de que o mundo pode já ter visto o auge da China em relação a potencial econômico, o que equivalería a um terremoto na economia global.

Certamente não estava nos meus planos acabar escrevendo, depois de quase uma vida inteira acompanhando conflitos de Israel com inimigos externos, que a maior ameaça à democracia judaica hoje é um inimigo interno - um golpe no Judiciário liderado por Netanyahu que está fragmentando a sociedade e as Forças Armadas de Israel.

O ex-diretor-geral do ministério israelense da Defesa Dan Harel afirmou, em um comício pró-democracia em Tel-Aviv, na semana passada: "Eu nunca vi nossa segurança nacional num estado tão ruim" e houve "dano às unidades da reserva de formações essenciais das Forças Armadas, o que reduziu prontidão e capacidade operacional".

E este problema não é pequeno para os EUA. Ao longo dos últimos 50 anos, o Estado de Israel tem sido tanto um aliado crucial quanto, de fato, uma base avançada na região em que Washington projetou poder sem usar tropas americanas.

Israel destruiu tentativas incipientes de Iraque e Síria se tornarem potências nucleares e é o maior contrapeso atualmente à expansão do poder do Irã sobre toda a região. Mas, se tivermos mais três anos desse governo extremista de Netanyahu, com sua pretensão de anexar a Cisjordânia e governar os palestinos que habitam o território com um sistema à la apartheid, o Estado judaico poderá se tornar uma grande fonte de instabilidade, não de estabilidade.

E por quê? Em um recente perfil de Bibi no Times, Ruth Margalit citou Ze'ev Elkin, um ex-ministro do gabinete de Netanyahu, do Likud, descrevendo o primeiro-ministro da seguinte forma: "Ele começou com uma visão de mundo que dizia: 'Eu sou o melhor líder para Israel neste momento', que gradualmente se transformou numa visão de mundo que diz: 'A pior coisa que pode acontecer para Israel é eu parar de liderar o país, e portanto minha sobrevivência justifica qualquer coisa'."

PILAR. Nem é preciso dizer, depois de testemunhar o esforço de Trump para reverter a eleição de 2020 inspirando uma turba a invadir o Capitólio e ver esse mesmo homem se tomar o principal pré-candidato republicano à presidência em 2024, que a nossa próxima eleição será uma das mais importantes de todos os tempos - para que não seja a última. Isso não estava nos planos.

O denominador comum que une esses quatro líderes é que todos eles quebraram as regras do jogo em seus países por uma razão bastante familiar: permanecer no poder. Putin também iniciou uma guerra no exterior com o mesmo objetivo. E seus sistemas locais - a elite russa, o Partido Comunista Chinês, o eleitorado israelense e o Partido Republicano - não foram capazes de refreá-los.

Mas também existem diferenças importantes entre eles. Netanyahu e Trump enfrentam resistência em suas democracias, onde os eleitores ainda podem expulsar ou impedir ambos - e nenhum deles começou uma guerra.

Xi é um autocrata, mas tem uma agenda para melhorar a vida de seu povo e planeja dominar grandes indústrias do século 21, da biotecnologia à inteligência artificial. Mas seu governo, cada vez mais linha-dura, poderá ser exatamente o que impedirá a China de chegar lá, principalmente porque esse punho de ferro ocasiona fuga de cérebros.

Putin não passa de um chefão mafioso disfarçado de presidente. Ele será lembrado por transformar a Rússia da potência científica, que colocou o primeiro satélite em órbita, em 1957, em um país incapaz de fabricar um carro, um relógio ou uma torradeira que qualquer pessoa fora do país compraria. Putin teve de recorrer à Coréia do Norte para mendigar ajuda para seu Exército arrasado na Ucrânia.

Trump, em última instância, é o mais perigoso - e por uma simples razão: quando o mundo fica tão caótico assim e países tão importantes contrariam os planos, o restante depende dos EUA para assumir a liderança, conter os problemas e opor-se aos causadores de problemas. Mas Trump prefere ignorar problemas e louvar os criadores de problemas. É isso que torna a perspectiva de outra presidência sua tão assustadora, insensata e inconcebível.

Porque os EUA ainda são o pilar do mundo. Nem sempre fazem isso sabiamente, mas se parar completamente de fazê-lo, cuidado. Dado o que já está acontecendo nesses três outros importantes países, se os EUA vacilarem, nascerá um mundo no qual ninguém será capaz de fazer nenhum plano. Haverá um nome fácil para esse período: "Era da Desordem".

TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Se os EUA vacilarem, nascerá um mundo incapaz de fazer planos. Será a 'Era da desordem'

A tragédia dos refugiados afegãos no Paquistão (FSP)

 Paquistão anuncia expulsão de 1,7 milhão de afegãos, e migrantes buscam o Brasil Redefinição da política de acolhida brasileira trava solicitações de vistos humanitários na capital Islamabad 


 SÃO PAULO 
Segundo país que mais recebe afegãos que fogem do regime do Talibã e do colapso econômico, o Paquistão anunciou uma nova política migratória, descrita como uma "repatriação gradual", que pode expulsar cerca de 1,7 milhão de afegãos de seu território. 

 A medida aumentou a preocupação de migrantes no país, muitos dos quais já relatavam ser alvos de abusos e coação por policiais. E reflete também no Brasil. ONGs relatam que estão recebendo ainda mais pedidos de ajuda de afegãos que, vivendo no Paquistão, tentam emigrar para o Brasil com o visto de acolhida humanitária. Aqueles que desejam solicitar o visto brasileiro, no entanto, estão impossibilitados. A embaixada de Islamabad —uma das duas únicas, além da de Teerã, que acolhe pedidos— não está recebendo solicitações.

 A representação consular aguarda o governo brasileiro publicar edital com as novas regras para concessão de vistos humanitários para voltar a operar. Nesse meio-tempo, afegãos que estão no Paquistão relatam se sentir ainda mais inseguros. A política foi alterada pelo governo Lula no final do mês passado, e sua falta de detalhamento levou a uma ampla desinformação. O principal ponto de dúvida está no trecho que diz que a concessão de vistos estará sujeita à existência de vagas para abrigo por organizações. 

A informação deu margem para a interpretação de que, para vir, o migrante deve ser "convidado" por alguma ONG ou receber algum tipo de "carta de patrocínio", o que não é o caso, segundo o Itamaraty. A pasta disse à Folha que todos os pedidos realizados na embaixada de Islamabad até 1º de outubro passado seguem sendo processados normalmente. O posto concedeu 4.041 vistos a afegãos desde a implementação de sua política de acolhimento para migrantes da nacionalidade, em setembro de 2021. Hamid Liyaqat, 35, é um dos que tentam deixar os arredores de Islamabad e emigrar para o Brasil. No país com a esposa, os três filhos —de 7, 4 e 2 anos—, a mãe e três irmãs, ele diz que não se sente seguro e não vê oportunidades. 

Os filhos e suas irmãs mais novas, de 13 e 16 anos, não conseguem frequentar o ensino público de educação. O afegão deixou a província de Bamyan, onde vivia, logo após o Talibã retomar o poder, em outubro de 2021, rumo ao Paquistão. O restante da família se juntou a ele pouco depois, mas não sem antes sentir o impacto da repressão do regime fundamentalista —ele relata que oficiais invadiram sua casa e agrediram sua mãe. Hamid trabalhava como vice-diretor da polícia civil de Bamyan junto a um projeto do Pnud, o programa da ONU para o desenvolvimento. Mas a rixa do Talibã com sua família vem de antes. Seu pai, relata, era membro da polícia nacional e foi assassinado por talibãs em 2013. 

 O próprio Hamid chegou a ser sequestrado pelo grupo em 2020, quando fazia o percurso com destino à capital Cabul junto com a mulher, então grávida de seis meses, segundo documentos oficiais do governo da época que o afegão compartilhou com a reportagem. Hamid diz que já solicitou o visto mais de uma vez e aguarda resposta. A imigração é não só uma tentativa de buscar mais oportunidades, como de proteger a família dos abusos policiais que ela enfrenta. "Temos muito medo. Ficamos quase 24 horas por dia em casa. Se saímos, policiais nos param e exigem dinheiro. Se não damos, nos ameaçam até com a expulsão. Estão nos humilhando." Ahmad (nome fictício) relata situação semelhante. O afegão cruzou a fronteira com o Paquistão em novembro de 2021 e diz que corria riscos por ser cristão —o Talibã lidera um regime fundamentalista islâmico. 

Ele afirma que há dois anos solicitou o visto brasileiro, mas que ainda não teve resposta. O desespero bateu à porta de fato nesta semana, após o governo local anunciar as deportações. Ele, que mora na cidade de Rawalpindi e prefere não revelar a identidade por questões de segurança, diz que, se for pego pela polícia, será entregue ao Talibã e morto. Procurada, a embaixada do Paquistão no Brasil disse que as acusações sobre a ação de seus policiais são "totalmente sem fundamento e fora de contexto". Nesta terça-feira (3), o Paquistão anunciou que todos os migrantes em situação ilegal no país devem sair de forma voluntária até o final de outubro se quiserem evitar prisão e deportação forçada. Autoridades afirmaram que uma linha telefônica seria criada para que pessoas possam denunciar esses migrantes em troca de recompensa. A política foi anunciada após uma série de ataques no Paquistão a poucos meses das eleições de janeiro. 

Os atentados são orquestrados por militantes islâmicos e se tornaram mais frequentes desde 2022, quando foi rompido um cessar-fogo entre o governo e o Tehreek-e-Taliban Pakistan (TTP), o talibã paquistanês. Os extremistas tentam pressionar as autoridades a implementarem um regime com base na sharia, a lei islâmica, espécie de marco moral com base no Alcorão. Na semana passada, dois atentados suicidas mataram mais de 60 pessoas durante uma celebração religiosa do aniversário do profeta Maomé. Na ação mais letal, em janeiro, mais de cem foram mortos em um atentado a uma mesquita em Peshawar —o local sagrado ficava em um complexo que abriga prédios oficiais. 

 O governo afirma que hoje 4,4 milhões de afegãos vivem no Paquistão, sendo 1,7 milhão sem documentação. Dados do Acnur, a agência de refugiados da ONU, por sua vez, indicam que há 3,7 milhões de afegãos. O regime talibã chamou de "inaceitável" a ação paquistanesa. À Folha a embaixada do Paquistão no Brasil disse que a política de repatriação vale para todos os migrantes em situação irregular, não apenas os afegãos, e que essa ação é válida perante "as leis soberanas do país". Grande parte dos afegãos que buscam o Brasil sai do Paquistão, país que compartilha uma fronteira de mais de 2.600 quilômetros com o Afeganistão. Segundo dados públicos da OIM, braço da ONU para migrações que apoiou a vinda de ao menos 439 afegãos para o Brasil, 80% deles saíram do Paquistão antes de desembarcar no país —outros 17% saíram do Irã, país com maior diáspora afegã (4,5 milhões). 


O Haiti, uma vez mais: crises recorrentes devem servir de alerta - Ricardo Seitenfus (Brasil de Fato)

O Haiti é um Estado falido, em todos os planos. Acontece...

O Haiti, uma vez mais: crises recorrentes devem servir de alerta

O espoucar de foguetes à notícia da adoção da Resolução deve ser temperado pois o mais difícil está por vir

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
  

Após meses de tergiversações o Conselho de Segurança das Nações Unidas aprovou, por treze votos favoráveis e duas abstenções (China e Rússia), no início desta semana, uma Resolução autorizando o envio de uma missão multinacional de apoio à segurança no Haiti.

Apesar do ruído da grande imprensa internacional, dos políticos e dos diplomatas, a decisão não constitui novidade alguma pois o Haiti se tornou, para sua infelicidade, desde o início dos anos 1990, um dos principais clientes do Conselho de Segurança. Desde então nada menos de dez « Missões » da ONU foram enviadas ao país. Com distintos propósitos e instrumentos de ação.

A existência de um « rosário missioneiro » como no caso haitiano, indica e tende a comprovar que o aporte destas missões foi nulo. Mal pensadas e conduzidas, seus reiterados fracassos levam à necessidade de retornar periodicamente ao Caribe. Exatamente o que estáo correndo atualmente.

O teor da Resolução indica que a missão reunirá componentes policial e militar de países voluntários. Seu financiamento idem. Se trata de uma original e pouco comum missão « não-onusiana ». Embora autorizada pelo Conselho de Segurança, a responsabilidade será de um grupo de países, ainda indefinidos, capitaneados pelo Quênia.

Paralelamente há indicação sobre a necessidade de um acerto político entre os haitianos. Para tanto o Conselho de Segurança confia nos esforços diplomáticos e de mediação da Comunidade do Caribe  (Caricom), da qual o Haiti é membro.

Sempre é aconselhável observar e analisar o conteúdo, o contexto e a semântica das Resoluções do Conselho de Segurança. Todavia um texto é o que ele diz e também o que ele cala. Neste sentido há silêncios que falam por si. O mais importante deles é a subjacente crítica à ação da Missão das Nações Unidas para Estabilização no Haiti (Minustah) (2004-2017) cujo braço armado foi permanentemente comandado por generais brasileiros.os sucessivos governos brasileiros, o fato é que sob nosso comando, militares à serviço da Minustah e sob a bandeira das Nações Unidas, levaram ao Haiti, pela primeira vez em outubro de 2010, o vírus da cólera que infectou 800 mil pessoas e vitimou 30 mil, sobretudo camponeses da região rizícola de Artibonite, na região central do Haiti. Ainda hoje, a epidemia provoca mortes.

A máquina política, diplomática, burocrática, militar e jurídica das Nações Unidas tentou acobertar o escândalo. A presente Resolução do Conselho de Segurança ao aprovar uma missão « nao-onusiana » condena a todos, inclusive o poderoso Departamento de Operações de Paz.

Um segundo silêncio diz respeito à Organização dos Estados Americanos. Sequer mencionada, a OEA paga tributo à atuação pífia de seu Secretário Geral e aos equívocos decorrentes de seu alinhamento automático à posições equivocadas e frontalmente contrárias ao seu protagonismo em crises anteriores.

O espoucar de foguetes à notícia da adoção da Resolução deve ser temperado pois o mais difícil está por vir : fazer transitar seus propósitos para o terreno dos fatos. As recorrentes crises haitianas devem servir de alerta. Não é por acaso que o país recebeu a alcunha de « cemitério de projetos ». Considero que a antiga « Pérola das Antilhas » como o país das ilusões e inocências perdidas. Aconselho à todos cautela, prudência e caldo de galinha.

Ricardo Seitenfus foi Representante da OEA no Haiti (2009-2011) e autor de Haiti: dilemas e fracassos
internacionais
 e A ONU e epidemia de cólera no Haiti.

A arte de se ocupar das pequenas coisas - Paulo Roberto de Almeida

 L’être et le néant 

(mas não tem nada a ver com Jean-Paul Sartre, e sim com Raymond Aron):

O tal de Sul Global aparece como o objeto mais diáfano de estudos e discussões acadêmicas desde a famosa controvérsia sobre o sexo dos anjos em plena Idade Média. 

Se construiu uma suposta identidade de interesses num ajuntamento heteróclito de estados e nações como se fossem personagens reais, a partir de suposições jamais empiricamente confirmadas!

Os anjos de antigamente também juntavam cérebros respeitáveis em torno de absolutamente nada, sobre seres aparentemente similares. Só faltava definir o sexo: se fossem do sexo feminino talvez não tivessem almas. 

Mas tem gente que fala pomposamente desse Sul Global como se fosse uma manada a ser graciosamente tangida em direção de uma fabulosa “nova ordem global”, um generoso cenário de relações “não assimétricas”. 

Não é o Ser e o Nada?

Paulo Roberto de Almeida

Brasília , 6/10/2023

O estágio sombrio da diplomacia brasileira na guerra da Ucrânia - Paulo Roberto de Almeida

 Meu protesto solitário em face da atual situação de indignidade demonstrada pela diplomacia abjeta a que foi conduzido o Itamaraty:

Putin confirma seus piores instintos criminosos, dedicando-se simplesmente a matar tantos ucranianos civis quanto possível, já que falhou completamente em seus objetivos de conquistar o país:

“No [novo] ataque russo de hoje [6/10] contra a cidade ucraniana de Kharkiv, uma criança de 10 anos morreu e mais de 20 civis ficaram feridos, alguns com gravidade. O míssil russo visou um bairro residencial próximo do centro da cidade, um ataque realizado apenas 1 dia após a Rússia ter lançado um míssil contra uma aldeia, matando 51 pessoas e ferindo outras 150.”

Hoje no Mundo Militar, 6/10/2023

(PRA): E a diplomacia brasileira chega a um dos pontos mais baixos de sua história ao se mostrar totalmente indiferente, por completa submissão a ordens superiores, em relação aos atos mais bárbaros cometidos por um parceiro de um bloco indigno de fazer parte de nossas relações de aliança política. 

Não me lembro, na história do sistema internacional onusiano e da diplomacia brasileira nesse contexto, de termos descido tão baixo na escala da covardia humana, ao não reagir sequer por meio de uma simples demonstração de horror em face da crueldade em estado bruto, por razões da mais baixa política externa que se concebeu na diplomacia partidária do lulopetismo abjeto.

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 6/10/2023 

quinta-feira, 5 de outubro de 2023

Itamaraty afirma que declaração de guerra é ato diplomático legítimo - Curso CACD

 Não deixa de ser surpreendente: a formulação da questão deve ter sido feita em meados deste ano, quando Lula defendia, como Amorim, as "legítimas preocupações de segurança da Rússia", de certa forma coonestando os argumentos de russos e aliados quanto à guerra de agressão à Ucrânia.

Deveremos ainda dois surpreender mais ainda com o Itamaraty aliado de China e Rússia na construção de uma "nova ordem global"?  É possível... (PRA)

Itamaraty afirma que declaração de guerra é ato diplomático legítimo 


Em meio à guerra da Ucrânia, concurso de admissão à carreira diplomática exige que candidatos afirmem que a guerra é meio diplomático tão legítimo quanto a resolução pacífica de controvérsias. Afirmação viola Constituição Federal, Carta da ONU e tradição diplomática brasileira. 

Divulgação do padrão de respostas da segunda fase do concorrido concurso de admissão à carreira diplomática (CACD) causou polêmica entre candidatos e repercutiu mal no próprio Itamaraty. Segundo o documento publicado na noite dessa segunda-feira, 4 de outubro, no site da banca organizadora do concurso, os candidatos deveriam afirmar na redação da prova de inglês que “a declaração de guerra é um ato diplomático tão “legítimo” quanto a mediação nas negociações de conflitos de forma pacífica” (confira íntegra do documento nesse link e ao final da matéria). 

“Estamos chocados. É contra tudo que aprendemos, contra tudo que o Brasil defende”, disse candidato que não quis se identificar por medo de retaliação. 

O padrão de respostas é o gabarito que os examinadores usam para a correção das provas. Isso significa que candidatos que defenderam a ilegitimidade do recurso a meios não pacíficos, como a guerra, foram penalizados. “É como se o Itamaraty quisesse soldados e não diplomatas ”, comentou outra candidata indignada, que também preferiu o anonimato. Ela ainda afirmou que a guerra do Iraque foi usada como exemplo da legitimidade da guerra. “O Brasil sempre criticou a invasão do Iraque. O Lula visitou o papa João Paulo II para pressionar diplomaticamente os EUA contra a invasão, e, agora, temos que dizer o contrário? Rasgaram os livros, queimaram a constituição”, disse esperançosa. 

 

Gabarito contra a Constituição e contra o Direito Internacional  

A Constituição brasileira, em seu artigo 4º, afirma que a defesa da paz e a solução pacífica de controvérsias são princípios que regem as relações internacionais do Brasil. A solução pacífica das controvérsias é uma das linhas-mestras da política externa brasileira. Exemplos históricos e presentes são inúmeros. Em termos históricos, pode-se recordar a resolução das controvérsias de limites com seus vizinhos em princípios do século XX, privilegiando a arbitragem internacional.

O gabarito não é apenas contra a Constituição, mas contra a Carta da ONU, que traz, em seu artigo 2:

3. Todos os Membros deverão resolver suas controvérsias internacionais por meios pacíficos, de modo que não sejam ameaçadas a paz, a segurança e a justiça internacionais. 

4. Todos os Membros deverão evitar em suas relações internacionais a ameaça ou o uso da força contra a integridade territorial ou a dependência política de qualquer Estado, ou qualquer outra ação incompatível com os Propósitos das Nações Unidas.

“O parágrafo 4 do artigo 2 da Carta das Nações Unidas anula completamente o gabarito. O examinador foi incauto, foi contra a tradição do Itamaraty e contra o direito internacional. Nenhum diplomata brasileiro diria que a declaração de guerra é um meio legítimo. Como eles vão pedir que o candidato diga isso, ainda mais em meio à guerra na Ucrânia? ’’, comentou um professor que dá aula aos candidatos e também optou pelo anonimato. 

 

Candidatos temem terceira fase ainda mais arbitrária

Outra professora de inglês destacou que o próprio padrão de respostas da prova de inglês não responde ao comando da redação. Segundo ela, “a prova pedia que o candidato escrevesse uma redação que compatibilizasse duas citações. Uma definia a diplomacia como busca da solução pacífica de controvérsias, enquanto a outra dizia que não havia garantias que os estados não usariam a força, mas o gabarito de 7 linhas não disse como compatibilizar, só disse que eram iguais. Ora, dizer que são iguais não é explicar como“. 

O padrão de resposta da redação de inglês pode ser um sinal do crescente nível de subjetividade da prova. Candidatos relatam que, apesar da implementação de padrões de resposta, as correções ainda dependem do corretor. “Em 2022, cada matéria tinha 8, às vezes até 10 corretores, então a nota dependia de quem corrigia a sua prova. Nas provas de francês, eles não penalizaram quem deixava parte da prova em branco”, relatou outra candidata. “Não sabemos o que nos aguarda na terceira fase, mas um padrão desses dá medo”, concluiu.

 Chamou a atenção dessa reportagem o pequeno número de linhas do padrão de reposta de um concurso tão concorrido, apenas 7, e, ainda mais, que todos os candidatos preferiram manter o anonimato por medo de retaliação ao longo da carreira. Alguns comentaram que existe uma entrevista para candidatos negros e pardos aprovados e que a divulgação do nome na matéria poderia influenciar nessa avaliação. 

 

Confira a íntegra do padrão de respostas (https://www.iades.com.br/inscricao/ProcessoSeletivo.aspx?id=4a392209)

PADRÃO DE RESPOSTA DA PROVA DISCURSIVA (Divulgado em 04/10/2023) 

LÍNGUA INGLESA 

COMPOSITION

O candidato deve discorrer a respeito da capacidade que a diplomacia tem de se utilizar de meios pacíficos para atingir objetivos pacíficos, mas também de recorrer, a depender das circunstâncias, ao uso da força.

A declaração de guerra é um ato diplomático tão “legítimo” quanto a mediação nas negociações de conflitos de forma pacífica.

 Na história de grandes conflitos mundiais, há inúmeros exemplos de declaração de guerra feita pelas diplomacias europeia e americana. O exemplo mais recente foi a invasão do Iraque por potências ocidentais lideradas pelos Estados Unidos da América.