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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

segunda-feira, 20 de maio de 2013

Mudanca de calendario: da era de Cesar para a de Cristo - Guardamoria

Meu bom amigo Paulo Werneck, sempre desenterrando coisas impossíveis e pouco sabidas, nos informa sobre a mudança do calendário em Portugal medieval, para o nosso sistema atual. Os demais países europeus devem também ter adotado o novo calendário em torno do mesmo período, se, por acaso, fossem especialmente devotados às instruções papais como era o Reino de Portugal.
Paulo Roberto de Almeida

Gudamoria, 19 May 2013 06:57 AM PDT
Paulo Werneck

Portugal usou duas datações diferentes, inicialmente a Era de César, ou Era Hispãnica, e depois a Era Cristã. A Era de Cesar começava a contar em 1º de janeiro de 38 antes de Cristo, de modo que a conversão entre uma e outra é muito simples: basta subtrair ou somar 38:
Era de Cesar = Era Cristã + 38
Era Cristã = Era de Cesar - 38

A passagem de uma para outra deu-se em 1460 da Era de Cesar, ou 1422 da Era Cristã, por determinação do Rei Dom João I, como registrado na Synopsis Chronologica:

ANNO de 1422
Lei, ou Determinação Regia do Senhor Rei D. João I, de 22 de Agoſto de 1422, para que todos os Taballiaens, e Eſcrivaẽs ponhão em todos os Contractos, e Eſcripturas, que fizerem: Anno do Naſcimento de Noſſo Senhor Jeſus Chriſto, aſſim como antes coſtumavão pôr: Era de Ceſar, ſob pena de perdimento dos Officios.

Ordenaçoẽs antigas dos Senhores Reis, D. Affonso V. liv. 4. tit. 65. ſegundo o Exemplar da Torre do Tombo, ou 64. ſegundo o da Camara do Porto; e D. Manoel liv. 4. tit. 51. 
Souſa, Tom. 1 das Provas do liv. 3. da Hiſtor. Geneal. da Caſa Real Portug. n. 5. pag. 363.
Se a lei houvesse sido publicada no Bolletim Ellecthronico da Chancellaria, e todos tiveſſem della tomado conhecimento immediatamente, nesse exato dia os documentos passariam a ser datados com 38 anos a menos, ou seja, o dia seguinte ao 22 de agosto de 1422 (da Era de Cesar) teria sido o 23 de agosto de 1384 (da Era Cristã) em todo o Reino de Portugal.

Isso, por óbvio, não aconteceu. A lei era assinada por quem de direito, depois tiravam-se algumas cópias manuscritas, as cópias eram enviadas por mensageiros a cavalo para alguns lugares, por barco para outros, novamente copiadas, novamente distribuidas, até que algum tempo depois, sabe-se lá quanto, todo o Reino estivesse informado.

Outrossim, mesmo que existisse internet naquela época, tudo acabaria por depender do escrivão ou tabelião efetivamente escrever no texto a expressão Era de Cesar ou a expressão Ano do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo. Nem todos o faziam.

Para piorar o problema, nossos benfeitores, aqueles que pesquisaram arquivos e regidiram as coleções de leis que servem de base para os historiadores atuais, em razão da perda dos documentos originais, nem sempre atentaram para a questão da mudança da datação.

Assim temos que ter especial atenção com as datas anteriores a 1422, ou 1430, colocando-se uma margem de segurança, para termos certeza se o ano em questão refere-se à uma ou à outra datação.

Esse problema não é novo, como podemos comprovar com o raciocínio exposto no Repertorio chronologico: 
ANNO DE 1360
Concordia do Senhor Rei D. Pedro I, de ... de ...... de 1360 com os Prelados do Reino. Eſsta Era de 1360 he a de Chriſto; porque a conſiderar-ſe ſer a de Ceſar, e diminuindo-ſe 38 annos, para ſe ſaber que a de Chriſto, que lhe correſponde, he de 1322, e tendo-ſe por certo, que o dito Monarca foi coroado em 1357 da Era de Chriſto, poſteriormente ao anno de 1322, em o qual naõ podia já ter feito a dita Concordia, porque ainda naõ governava; vem-ſe a ſeguir, que fazendo-a no anno de 1360, he eſta data a Era de Chriſto, e naõ de Ceſar; cujo Senhor Rei D. Pedro morreo no anno de 1367.

Pereira de Manu Regia no fim da part. I. Concordia do dito Rei, n. 142 até 175. 
Monomachia ſobre as Concordias, cap. 8. p. mihi 138.
Na dúvida há que se procurar relacionar o documento em questão com os demais fatos conhecidos, para podermos sanar a questão.

Fontes:
FIGUEIREDO, José Anastásio de. Synopsis Chronologica de Subsidios ainda os mais raros para a Historia e Estudi Critico da Legislação Portuguesa. Tomo I. Pags. 19 e 20. Lisboa: Academia Real das Sciencias de Lisboa, 1790.
PORTUGAL. Repertorio chronologico das leis, pragmaticas, alvarás,... / extrahido de muitas collecções, e diversos authores por J. P. D. R. X. D. S. - Pags. 6 a 7. Lisboa : Francisco Luiz Ameno, 1783.

Brasil: politica externa imovel (ao que parece) - Marcos Degaut


Diplomacia do Imobilismo, por Marcos Degaut

 
 
 
 
 
 
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Boletim Mundorama
De forma geral, a projeção externa do Brasil cresceu nos últimos quinze anos, apesar de os resultados dessa ampliação da agenda internacional serem duvidosos, quando não francamente negativos. De fato, nos últimos anos, o Brasil não foi bem sucedido na condução das três linhas mestras de sua política externa. A Rodada Doha, no âmbito da OMC resultou em fracasso, assim como a tentativa brasileira de liderar um bloco de países unidos por supostos interesses comuns; As discussões relativas à reforma do Conselho de Segurança da ONU empacaram, com a consequente retirada do tema da ordem do dia. A integração econômica na América do Sul não só avançou, como regrediu.
Apesar dos parcos resultados, para os quais certamente contribuíram a ideologização das decisões e a politização das negociações comerciais,  pelos menos era possível identificar as diretrizes principais da política externa, o que não parece ser o caso agora. A diplomacia brasileira, que deveria traduzir nossos interesses na arena internacional, está completamente sem rumo e sem bússola. Mas, quais seriam esses interesses? Quais são as prioridades de nossa política externa?
Para além da retórica oficial de reforma da governança global de alteração da geografia econômica do globo, a análise da atual política externa indica não haver identificação clara de nossos principais objetivos econômicos e políticos, tampouco a formulação de uma agenda internacional consistente e integrada.
O tripé mencionado, no qual o Brasil apostava suas fichas, é coisa do passado. O Mercosul, sob qualquer ponto de vista, está estagnado e sem perspectivas. Não avança e impede que o Brasil se desenvolva e firme acordos bilaterais com outras nações, como têm feito Colômbia, México, Chile e Peru, países que mais têm crescido na América Latina. Não possuímos políticas específicas para Estados Unidos, China e Argentina, nossos parceiros estratégicos e comerciais mais importantes. Poucas vezes, a relação Brasil-EUA foi tão fria e distante; para a China, praticamente nos limitamos a exportar commodities; com a Argentina, que sistematicamente descumpre as normas do Mercosul, exercemos suprema tolerância, mas sem qualquer visão maior de longo prazo. A Cúpula América do Sul-Países Árabes (ASPA) foi esquecida e caiu na irrelevância. A ênfase conferida ao BRICS não condiz com a realidade do bloco, uma frágil comunidade de interesses na qual o potencial para divergências é maior do que o espaço para cooperação.
O Itamaraty tem sido incapaz de detectar sua arena de atuação, que descortine ao Brasil oportunidades para ampliar sua visibilidade e capacidade de diálogo nos grandes temas de interesse regional e mundial. Isso pode ser consequência de uma interpretação equivocada e ideológica da realidade internacional, da dualidade de interlocução externa, causada pela forte influência exercida pelo Assessor de Assuntos Internacionais da Presidência, pela inapetência e desconhecimento da Presidente Dilma por assuntos de política externa ou mesmo pelo obsoleto modelo de formação de nossos futuros diplomatas.
O fato é que perdemos pragmatismo e visão de longo prazo. Atualmente, possuímos uma diplomacia parnasiana, com muita forma e pouco conteúdo, a qual manifesta acentuado empirismo e penosa carência de paradigmas. Adotamos apenas medidas tópicas e descoordenadas, sem atentarmos que um conjunto de ações dispersas não configura uma estratégia coerente. A própria eleição do embaixador Roberto Azevedo para a Direção-Geral da OMC não deve ser creditada a algum planejamento estratégico do Itamaraty ou ao governo brasileiro. Azevedo conseguiu viabilizar sua candidatura ao construir incansavelmente, ao longo dos últimos quinze anos, sólida reputação de técnico equilibrado e profundo conhecedor das regras multilaterais de comércio. Sua respeitabilidade e credenciais impecáveis o levaram a superar resistências externas e internas e a fazer com que o MRE e o Governo Dilma acabassem por embarcar em sua candidatura.
Política externa não se faz no vácuo. Um país com o peso econômico do Brasil não pode se contentar com uma diplomacia reativa e conformista sempre a reboque dos acontecimentos, que pouco influencia as relações internacionais, mas sofre em demasia os efeitos das políticas dos Global Players.
A fim de assegurar a defesa do interesse nacional e auxiliar na missão de retomada do crescimento, é fundamental a definição das prioridades de política externa, com a necessária elaboração de uma agenda internacional pró-ativa e de uma estratégia de atuação por meio da qual possamos nos antecipar a novas circunstâncias e desafios. A persistir o estado atual, continuaremos exercendo o papel de coadjuvante de luxo, aplaudindo as iniciativas de países mais arrojados, mas exercendo pouca ou nenhuma influência na elaboração das políticas globais.
Marcos Degaut é mestre em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília, doutorando em Ciência Política pela University of Central Florida, Especialista em Inteligência e em Economia Política Internacional (mdegaut@hotmail.com).

Brazil and the US, a special report by Financial Times (May 16, 2013)


see link: http://www.ft.com/intl/cms/d6a32ef0-bc43-11e2-a4b4-00144feab7de.pdf

Dear Henry, dear Antonio: a correspondencia Kissinger-Silveira (ePublica)

14/05/2013 11:00:52


No dia 22 de agosto de 1975, o ministro de Relações Exteriores do Brasil, Antônio Azeredo da Silveira, escreveu mais uma longa carta para seu colega Henry Kissinger, que havia meia década ditava a política externa americana. As dezenas de cartas trocadas entre os dois são carregadas de um afeto pouco comum em correspondências diplomáticas, e Silveira sempre as iniciava com um “Meu querido Henry”. Nessa carta, porém, o embaixador brasileiro deixa clara sua admiração.
Apesar de não podermos nos dar ao luxo de prazeres puramente intelectuais, eu quero te dizer, candidamente, que a franca e honesta troca de cartas tem sido, entre os problemas desconcertantes que nos afligem, uma fonte de satisfação no meu trabalho como ministro brasileiro das relações exteriores. 
Saudações afetuosas, Antônio
A carta marcava o fim de uma longa e próxima aliança entre os governos dos EUA e do Brasil – selada pela relação pessoal entre Kissinger e Silveira – que incluir articulações em diversos temas. Pouco depois de se conhecerem, em 1974, os dois se uniram refrear a volta de Cuba à OEA (de onde for a expulsa em 1962) como queriam países como México, Venezuela e Colômbia. O Brasil servia, na visão do secretário americano, como linha de apoio à sua política em relação a Cuba. Conseguiram, assim, moderar os países mais ansiosos por comercializar com a ilha comunista, protelando por um ano o fim do embargo na OEA, que impunha a proibição a qualquer país-membro de manter relações com Cuba.
Nas dezenas de documentos constantes da Biblioteca de Documentos Diplomáticos dos EUA, ou PlusD, do WikiLeaks, sobre o assunto, o governo brasileiro se mostra ainda mais radical do que os EUA, em relação à questão cubana; teve de ser convencido pelo próprio Kissinger a ter uma postura mais maleável nas negociações. A correspondência de 1975, Silveira defende medidas mais duras contra Cuba, chegando a repreender o amigo pelo fim das restrições de comércio entre subsidiárias de empresas americanas com Cuba.
A medida era vista pelo governo brasileiro como uma mudança de postura dos Estados Unidos – dentro da política de deténte, de amenização das tensões da guerra fria – que seria prejudicial à América do Sul. “Para nós, as questões fundamentais são, nesta ordem: 1) Se Cuba não constitui mais uma ameaça para a segurança dos outros membros do Tratado [do Rio, que estabelece a defesa recíproca dos membros da OEA], deixando de intervir diretamente ou indiretamente nos seus assuntos internos 2) Se Cuba está disposta a cooperar com outros países do sistema internamericano, adotando firmes compromissos nesse sentido”.
Desde o início de 1974, países latinoamericanos crescentemente descontentes com o embargo imposto dentro da OEA ameaçavam retomar relações comerciais, e com isso enfraquecer o Tratado do Rio. Em julho, Washington recebeu a notícia de que Colômbia e Venezuela estavam discutindo a adoção de uma medida unilateral em relação à Cuba. Em resposta, o chanceler da Costa Rica, Gonzalo Facio, iniciou uma empreitada em prol de uma reunião da OEA para levantar o embargo. Estava em jogo o esvaziamento do tratado do Rio, e portanto da própria OEA.
E os russos estavam cansados de Cuba
Por trás da iniciativa venezuelana estava, segundo contou seu próprio presidente, Carlos Andres Perez, a mão da União Soviética, que queria “se livrar do peso” de suprir petróleo a Cuba. “O que a URSS quer é parar de enviar o seu petróleo para Cuba e fazer com que a Venezuela se torne o principal fornecedor”, disse Perez em uma conversa privada com o embaixador dos EUA, Robert McClintock.
Segundo ele, os russos haviam traçado três possibilidades para essa estratégia. “Uma delas é engajar o governo espanhol, que mantém relações econômicas lucrativas com Cuba, sugerindo que o petróleo da Venezuela seja transferido para Cuba via Espanha, e os soviéticos completem a quantidade enviando o seu petróleo diretamente para a Espanha”. Outra opção seria estabelecer uma refinaria com petróleo venezuelano na antiga Ioguslávia, que seria exportado refinado para Cuba. “No entanto, a manobra mais fascinante dos soviéticos descrita pelo presidente Perez é a crescente pressão sobre Castro para que ele se reintegre ao sistema interamericano (…) suspendendo o bloqueio economico”, relatou o embaixador McClintock no dia 22 de julho.
É nesse momento que Kissinger se volta para o Brasil. No dia seguinte, pediu a seu embaixador em Brasília, Hugh Crimmins, que marcasse “uma reunião urgente” com Silveira. “Fatos recentes nos levam a esperar um desafio iminente e sério à manutenção das sanções na OEA”, escreveu Kissinger. “Conforme nosso acordo de ficar em contato com o governo brasileiros sobre esse assunto, queremos compartilhar nossas avaliações sobre a situação e consultá-los sobre novos passos”. Reiterando que a posição dos EUA “não havia mudado”, escreve: “Nossos objetivos imediatos são dois: A) Suspender qualquer defecção unilateral das sanções e B) Evitar qualquer reunião formal multilateral para tratar do assunto neste momento. Se necessário, podemos indicar que não vamos nos opor a uma reunião do conselho permanente da OEA para debater a questão das sanções a Cuba no final do ano – no fim de novembro ou dezembro”.
O americano apostava, com razão, que o governo Geisel não engoliria uma vitória diplomática de Fidel Castro. Não errou. O próprio Silveira explicaria que o pesadelo dos militares brasileiros era a volta de Cuba à OEA – o Brasil não queria de forma alguma restabelecer laços com o país. Silveira achava que “a real grande questão – readmissão ao sistema, com todos os seus problemas e implicações, não está recebendo atenção”, relatava o embaixador Hugh Crimmins em 30 de outubro. Ele mesmo já havia explicado em outro desapacho que, para os militares brasileiros, a discussão sobre o fim do embargo estava andando “com demasiada rapidez”. O assunto havia sido discutido no Conselho de Segurança Nacional em agosto, revitalizando, segundo Crimmins, “a linha mais dura, ou pelo menos mais cautelosa, do Ministério de Relações Exteriores sobre Cuba”.
A estratégia de Kissinger de não confrontar publicamente a empreitada agindo contra ela sorrateiramente e aproveitando-se do sentimento brasileiro foi bem-sucedida. No final do ano, como queriam os americanos, a questão foi levantada na reunião da OEA em Quito (de 8 a 12 de novembro) e os pró-Cuba foram derrotados na votação. Durante os meses que precederam a reunião, Kissinger manteve estreito contato com Silveira, através de cartas, encontros pessoais e da visita de um enviado especial a Brasília, o subsecretário para temas interamericanos Harry Shlaudeman.
Inteligência intuitiva”
Segundo o historiador Mathias Spektor, autor do livro “Kissinger e o Brasil”, Kissinger costumava brincar com seu colega brasileiro: “Você temuma inteligência intuitiva de primeira classe. Eu tenho uma inteligência analítica de primeira classe e uma inteligência intuitiva de terceira”.
Os dois se conheceram em 16 de abril de 1974, pouco depois de Silveira assumir o Itamaraty a convite do general Geisel, que assumia a pesidência do Brasil. No primeiro encontro, o americano soltou uma provocação, sua marca registrada: “Eu tive dificuldades com seu predecessor porque ele sempre falava de Cuba comigo. Qual é a sua opinião?”. “O senhor vai ter uma surpresa”, respondeu Silveira. “Cuba (…) é um problema de segurança do Estados Unidos. É uma ponta de lança contra vocês (…) Nunca mais vou falar de Cuba com o senhor, é o senhor quem vai querer falar de Cuba comigo’”. Segundo Mathias Spektor, trinta anos depois, Kissinger ainda repetiria que Silveira fora “incrivelmente brilhante” naquele dia.
Pouco depois, enviaria a primeira carta pessoal.
Caro Antônio,
Quero dizer-lhe quanto apreciei encontrá-lo e as nossas valiosas conversas… Tenho firme convicção de que devemos manter estreito contato em toda gama de assuntos de relevância para nós dois. Valorizo, mais do que sou capaz de demonstrar, a fraqueza com a qual você discutiu vários problemas comigo, incluindo a questão cubana, e você pode contar com igual fraqueza da minha parte… Escreverei para você novamente, de tempos em tempos, e anseio por dar continuidade à nossa estreita relação pessoal, que teve início tão auspiciosamente na semana passada, em cooperação.
Saudações afetuosas, Henry.
Nascia um vínculo pessoal que teria enorme importância para as relações Brasil-Estados Unidos. Para Mathias Spektor, Kissinger reafirmava o “desejo do governo americano de manter relações ‘especialmente próximas’ com o Brasil”, mas “insistia num arranjo, de facto, sem publicidade e sem manifestações públicas de alto perfil”. A chave era a amizade com Silveira.
No final de setembro de 1974, a relação entre os dois estaria mais estreita do que nunca. Em meio aos conchavos para impedir o fim do embargo a Cuba na OEA, Silveira viajou para os EUA, onde foi recebido pelo presidente Ford e se reuniu com Kissinger duas vezes – no Departamento de Estado, para um almoço oficial, e em Nova York, para um encontro informal.
Sra Kissinger e Sra Silveira se conhecem
Siliveira se referiu ao encontro em uma carta de 16 de outubro.
Meu querido Henry, desta vez você não estará em posição de me culpar por não responder as suas cartas. Eu recebi a sua mensagem (…) e estou muito grato. Aprecio muito a sua atenção em escrever para mim em meio ao trabalho preparatório para sua viagem ao Oriente Médio. Meus parabéns pelo sucesso alcançado, o que para mim jamais é uma surpresa”, escreveu, acrescentando: “Quero agradecer pela sua generosidade em me receber em Nova York no dia 23 de setembro. Minha esposa apreciou profundamente conhecer a Sra Kissinger, charmosa como sempre. Eu, da mesma maneira, considero como altamente recompensadora a troca de visões que tivemos naquela ocasião, e a franca e abrangente conversa que tivemos no almoço no Departamento de Estado, no dia 28 de setembro, foi particularmente útil.
Em resposta, Kissinger escreveu: “Querido Antônio: Muito obrigada pela sua resposta à minha carta. Você foi, como sempre, gracioso e direto. Nosso encontro de 23 de setembro em Nova York foi realmente muito agradável. Nancy e eu gostamos muito de conhecer a Sra Silveira. Nós dois esperamos ansiosamente retomarmos nossos contatos no próximo ano”.
Naquele almoço, ficou decidido que as consultas sobre a questão cubana deveriam ser mais frequentes e diretas. Kissinger explicou que, se era inevitável uma mudança na OEA, “seria mais fácil que os EUA seguissem uma maioria” em vez de mudar de posição. Manteriam, assim, silêncio sepulcral. Ele reforçou ainda que queria acompanhar o Brasil no assunto. “Nós não iremos além de nos abster”, disse Kissinger. “Os EUA querem seguir a liderança brasileira nessa questão”. Silveira respondeu que o Brasil também se absteria, mas reiterou o tema era “de importância doméstica no Brasil, obnde há grupos opostos ao reconhecimento de Cuba”. Horas depois, Kissinger prepararia o presidente Ford para se encontrar com Silveira da seguinte maneira: “Os brasileiros são bem-comportados. Eles estão mostrando suas garras um pouco, mas são bons amigos. Diga-lhe que o Brasil é um país-chave e que vamos coordenar nossa política com eles”.
Tramando juntos
Manobrando com o Brasil nos bastidores, Kissinger conseguiu esvaziar a proposta de queda das sanções na OEA. Na reunião em Quito, entre 8 e 12 de novembro, Uruguai, Paraguai e Chile votaram contra o fim do embargo, seis (inclusive EUA e o Brasil) se abstiveram, e doze votaram a favor – dois a menos do que os 2/3 necessários. A manobra americana foi questionada com uma intervenção emocionada do chanceler colombiano, Enrique Gaviria, segundo um documento diplomático sobre uma reunião a portas fechadas.
Gaviria, de maneira bastante emocional, questionou o silêncio da delegação americana”, descreve cinicamente o assessor direto de Kissinger, o subsecretário de Estado Robert Ingersoll. “Eu respondi que ficamos em silêncio em público porque não queríamos passar a impressão de tentar influenciar outras posições”, relata, no documento diplomático. “E reforcei que os EUA foram criticados no passado por influenciar outras delegações em reuniões similares e, por essa razão, adotaram essa posição. Então disse que os EUA iriam se abster em qualquer proposta, e acrescentei que achava que a nossa posição era conhecida por todos”.
No dia seguinte, logo depois depois da votação final, Silveira encontrou-se com Ingersoll durante 20 minutos no hall de conferência. Ambos comemoravam. “Silveira expressou sua satisfação com os resultados, embora tenha dito que não falaria isso em público. A conferência foi mal preparada pelos que a convocaram”. Kissinger, que falara com Ingersoll naquela manhã, concordava. “A reunião veio antes do tempo”. Silveira comentou ainda que todos os ministros apreciaram a “nova” postura americana de deixar os governos latinoamericanos “expressar suas visões” e tomar posições”. “O importante, ele disse, era forçar Castro a negociar em vez de lhe dar o que ele quer em uma bandeja de prata”.
Levaria ainda oito meses para que as sanções a Cuba na OEA fossem suspensas, em julho de 1975, permitindo a qualquer país do continente comercializar com a ilha – e 35 anos antes que Cuba fosse convidada a se reintegrar à OEA, com a revogação oficial do ato de expulsão. Quando finalmente, em 3 de junho de 2009, a OEA decidiu convidar Cuba a se reintegrar à organização, o governo de Raul Castro rejeitou a proposta. “Cuba não pediu nem quer retornar à OEA, cheia de uma história tenebrosa e entreguista”, escreveu o governo cubano em um comunicado.
Leia mais: Desfecho de caso Elbrick irrita Kissinger           

domingo, 19 de maio de 2013

A Anistia e os ressentidos vingativos - Percival Puggina


Percival Puggina
18/05/2013

            Muitas vezes me perguntam como desconstituir as falácias que a esquerda militante difunde em relação aos fatos e à história do país. Minha resposta é esta: não há como. O trabalho de manipulação é feito com insuperável determinação. A sempre acesa fogueira das mentiras queimou o sentido de certas palavras e forjou outras com persistência e eficácia que tornam inútil qualquer tentativa de lhes recuperar o significado. Há meia dúzia de anos, por exemplo, a palavra auto-anistia começou a ingressar no vocabulário político nacional para designar o disposto pela Lei de Anistia. Quantas vezes, leitor, você leu ou ouviu algum desmentido a esse respeito?

          A simples palavra - auto-anistia - usada em substituição a Anistia, basta para sugerir que os congressistas de 1979 e de 1985 empenharam-se em aprovar preceitos que livrassem do acerto com a Justiça os agentes do regime que vigeu no país entre 1964 e 1985. A substituição de uma palavra pela outra tem o poder de substituir uma história por outra, bem diferente, ao gosto de quem consegue tirá-la da cartola e introduzi-la na cachola do distinto público. Feito isso, está pronto o serviço. A Anistia deixa de ser um instrumento jurídico de reconciliação nacional para se transformar em gesto canalha de quem, valendo-se do poder que detinha, legislou em causa própria para livrar a cara. Como são poucos os que conhecem história, a explicação do vocábulo se contenta com afirmar seu significado: a Anistia foi uma auto-anistia dos militares. Feito! Não há a menor necessidade de apresentar provas, ou indícios consistentes ou depoimentos testemunhais que convalidem aquilo que é afirmado.

          Quem conhece a história, no entanto, sabe que não foi assim que as coisas andaram. A partir de 1966 surgiram os primeiros movimentos em favor da Anistia. Quem participava dessa mobilização? Entre outros, Associação Brasileira de Imprensa, Ordem dos Advogados do Brasil, sindicatos, entidades estudantis, advogados de presos políticos, familiares de brasileiros no exílio e o MDB, partido político oposicionista. Como se pode perceber, ninguém pró-anistia falava pelas Forças Armadas. Seria um completo disparate imaginar isso. A campanha era conduzida pelos que estavam do outro lado. Passaram-se muitos anos até que em 1979 fosse votada a Lei de Anistia em tumultuada sessão do Congresso Nacional. O projeto do governo Figueiredo não anistiava quem tivesse participado de "terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal". Para estes, as duras penas da lei. Mas havia uma emenda do deputado Djalma Marinho que anistiava a todos, ampla, geral e irrestritamente. Essa emenda, levada a votação, foi rejeitada por 206 votos a 201. Derrotada a emenda, o projeto do governo foi aprovado pelos votos das lideranças do governo e da oposição. Essa primeira Anistia, parcial, permitiu a volta ao Brasil da maior parte dos exilados, entre eles Leonel Brizola e Miguel Arraes.

          A campanha pela Anistia ampla, geral e irrestrita continuou, então, por mais seis anos. Empenharam-se nela as mesmas instituições e grupos políticos de antes, insatisfeitos com o fato de que os praticantes de crimes ditos de sangue tivessem ficado fora da lei de 1979. Foi apenas através da Emenda Constitucional Nº 26, que convocou a Constituinte, em 27/11/1985, que o Congresso Nacional, eleito em plena legitimidade democrática, inseriu o preceito que conferiu à Anistia o caráter amplo, geral e irrestrito pelo qual clamavam as oposições. Não há, ao longo dessa longa história que se estende por 19 anos, o menor traço ou gesto que possa ser lido como um anseio dos governos militares por se protegerem. A Anistia que tivemos foi aquela pela qual clamavam os opositores do regime. Ninguém se mobilizou por uma anistia ampla, geral e irrestrita, menos ampla, menos geral e menos irrestrita, que excluísse os agentes do Estado. Portanto, essa história de que houve uma auto-anistia é mais uma das tantas mentiras sacadas da cartola para ser inserida nas cacholas menos esclarecidas. Ou seja, para enganar quase todos. A Anistia foi concedida pelo Parlamento, portanto, não pode ser "auto" coisa alguma.

          Apesar de as coisas terem transcorrido desse modo, a mentira muito repetida, insiste, agora, em que a desejada e pleiteada Anistia, além de autoconcedida, foi uma injustiça. Também acho injusto que terroristas, guerrilheiros, assassinos e assaltantes, responsáveis por mais de uma centena de mortes, andem soltos e recebendo gordas indenizações. Digo outro tanto de quem abusou do poder, torturou e seviciou. Tais impunidades não são justas! Mas a Anistia não foi concebida para servir à Justiça. Ela serviu ao perdão, ao esquecimento, à pacificação nacional e à boa Política. Infelizmente há quem só saiba operar politicamente num ambiente crispado por ódios e ressentimentos.

O esquizofrenico sistema tributario brasileiro - Folha de S.Paulo


PESADELO FISCAL
Gargalo tributário
Série mostrará, a cada 15 dias, os entraves tributários do país; veja hoje como o governo leva R$ 45 de cada R$ 100 pagos por um vinho gaúcho
RICARDO MIOTO, DE SÃO PAULO
Folha de S. Paulo, 1905/2013
Alguns países se orgulham da sofisticação das suas cadeias produtivas. Não é, com frequência, o caso brasileiro. Aqui, complexa é a cadeia tributária, tão cheia de detalhes e siglas que, em uma representação gráfica, como a desta página, quase oculta a ação do setor produtivo.
Em 2012, a carga tributária do país chegou a inéditos 36,27% do PIB, minando a competitividade. Aqui, uma garrafa de vinho paga 45% de impostos. Na concorrente Argentina, apenas 26%.
Além da carga alta, duas questões tornam a tributação um tema momentoso.
Uma é que em junho se torna obrigatório incluir a carga tributária na nota fiscal. Para os entusiastas, a população criará uma consciência inédita, passando a cobrar (e votar pela) redução de impostos.
A outra questão é que o governo federal tem levantado a bandeira da desoneração tributária. Não é renúncia fiscal pura, mas troca: em alguns setores, deixa-se de arrecadar 20% da folha de pagamento das empresas para cobrar de 1% a 2% do faturamento.
As empresas fizeram as contas. Alguns setores, como TI, intensivo em mão de obra, comemoram. Outros viram que seria uma fria. Mesmo as vinícolas, ainda não contempladas, não querem o "benefício".
"Não vale a pena. O vinho usa muita mão de obra no campo, mas a folha de pagamento da indústria em si não é grande", diz Kelly Bruch, pesquisadora em direito e agronegócio na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
A noção de que as "desonerações" propagandeadas pelo governo nem sempre significam de fato redução da carga tributária traz uma pergunta maior: será possível em algum momento reduzir para valer os impostos no país?
A resposta passa pela Constituição de 1988. Ela foi generosa em expressões como "é direito de todos e dever do Estado". Assim, criou aqui, em tese, um sistema de proteção social de país rico europeu.
Mas o texto pouco tratou de financiamento. Roberto Campos, provavelmente o mais famoso constituinte crítico a isso, viveu até 2001 reclamando que ninguém se perguntou quem pagaria a conta.
Alguns direitos, até pelo exagero, não pegaram. O lazer é um exemplo: difícil imaginar alguém processando o Estado por estar entediado. A moradia também é utopia.
Direitos mais objetivos, porém, acarretaram mudanças bem concretas na sociedade --e custos para o governo.
Exemplos são o SUS e a expansão dos benefícios previdenciários. Outro direito social, a educação, foi em alguma medida levado a sério, e nos anos 1990 o país teve sucesso em universalizar a educação básica. Processos contra o Estado por ele não estar provendo tratamentos ou pensões se tornaram comuns.
Como nossa renda segue pequena (PIB per capita de US$ 12 mil ao ano, ante US$ 50 mil dos EUA), a conta ficou difícil de pagar. Foi preciso aumentar muito os impostos --e nem assim eles são suficientes para financiar serviços públicos que prestem. No começo dos anos 90, a carga tributária era de 24% do PIB.
Houve ainda certa moralização das contas públicas. O Brasil sempre financiou gastos públicos com dívidas ou expandindo sua base monetária --na prática e traduzindo do economês, isso significa imprimir dinheiro.
As duas opções nada mais são do que jeitos de jogar o custo para as gerações futuras, que terão respectivamente de pagar a dívida ou lidar com maior inflação (pense que mais dinheiro circulando significa que ele vai ficando menos valioso).
Mudanças na gestão econômica (no fim dos anos 80, o Banco Central parou de imprimir dinheiro para bancar empréstimos irresponsáveis do Banco do Brasil; nos anos 1990, foram criadas metas de gasto público, via superavit primário) e na legislação (em 2000, a Lei de Responsabilidade Fiscal) tornaram mais difícil elevar gastos públicos sem aumentar impostos. Resultado: eles aumentaram.
Para reduzir tal mordida, quantificada na relação entre impostos e PIB, é possível:
1) Cortar impostos. Mas vamos desistir do Estado de bem-estar social de 1988?
2) Aumentar o PIB. Mas o números mostram que estamos tendo dificuldade nisso.
Assim, o cenário não é de otimismo. Se não for possível cortar a carga tributária, é razoável fazê-la ao menos deixar de ser o Frankenstein atual.
O Brasil tem mais de 80 tributos. Surgem mais 30 normas por dia. Nas palavras do economista Clóvis Panzarini, "a cada edição do Diário Oficial', o sistema tributário brasileiro fica pior".

Gastos publicos e dilemas das politicas publicas no Brasil - Mansueto Almeida


O problema da carga tributária no Brasil

Recomendo a leitura de duas matérias interessantes neste domingo dia 19 de maio de 2013. Uma das matérias é do jornal O Globo é tem como foco o custeio do governo federal (clique aqui). A outra matéria é do jornal Folha de São Paulo e, a partir da análise da carga tributária de um litro de vinho, analisa porque a carga tributária é tão elevada no Brasil (clique aqui).
As duas matérias estão boas (parabéns as jornalistas Luiza Damé e Catarina Alencastro do Globo, e ao jornalista Ricardo Mioto da Folha), mas passam mensagens diferentes. Na matéria do Globo, a manchete fala de “inchaço de ministérios no governo Dilma” e mostra que: “Manter a estrutura e os funcionários das atuais 39 pastas do governo Dilma Rousseff, instaladas na Esplanada dos Ministérios e em outros prédios espalhados pela capital, custa pelo menos R$ 58,4 bilhões por ano aos cofres públicos. Esta verba, que está prevista no Orçamento Geral da União de 2013 para o custeio da máquina em Brasília, é mais que o dobro da que foi destinada ao maior programa social do governo, o Bolsa Família, que custará R$ 24,9 bilhões este ano”.
Os números estão corretos, mas é preciso ter cuidado com a interpretação que se tira da matéria. Explico. Esses R$ 58,4 bilhões representam algo como 1,2% do PIB. Pelos meus cálculos, esse número como percentual do PIB não sofreu grandes oscilações desde 2002. Assim, como o gasto público não financeiro do governo federal foi, em 2012, 18,2% do PIB; o custeio é algo como 7% da despesa primária do governo federal.
O que exatamente isso significa? Duas coisas. Primeiro, é claro que devemos criticar o governo federal pelo número excessivo de ministérios e, em um país como o Brasil com carga tributária de país desenvolvido, qualquer economia é importante. Segundo, não devemos, no entanto, achar que um controle do custeio seria suficiente para controlar a expansão do gasto público. Infelizmente não é. Não há como controlar a expansão de gasto público no Brasil sem modificar a dinâmica do crescimento dos gastos sociais.
Um programa de choque de gestão é importante para melhorar o resultado –eficácia das políticas- e pode até gerar uma grande economia na casa de bilhões de reais. Mas o melhor gestor do mundo não conseguirá compensar com medidas administrativas o crescimento dos gastos sociais, o impacto da regra da reajuste do salário mínimo nas contas públicas e o efeito demográfico nas contas da previdência (sobre esse último ponto leiam a coluna do jornalista Ribamar Oliveira do Valor da ultima sexta-feira- clique aqui).
Apenas para lembrar, reproduzo abaixo a divisão de despesa primária do governo federal de 2012. O custeio (não inclui gasto com pessoal nem investimento) eu divido em quatro grupos: (i) custeio dos programas de saúde e educação; (ii) custeio dos programas sociais (bolsa-família, seguro desemprego, abono salarial e LOAS); (iii)  gastos do INSS; e (iv) custeio administrativo – custos com aluguel, conta de luz, xerox, pasagens de avião, material de escritório, etc.
Gráfico 1 – Para onde vai a despesa primária do Governo Federal? – 2012
repartição despesa
Fonte: SIAFI. Elaboração: Mansueto Almeida
Infelizmente, o custeio administrativo é por volta de 7% da despesa não financeira do governo federal. Digo infelizmente porque seria mais fácil controlar o gasto público aqui e no resto do mundo se a dinâmica dos gastos fosse determinada por gastos de custeio (administrativo). Como se observa no gráfico acima, 63% das despesa não financeira paga pelo  governo federal, em 2012, foi para três tipos de gasto: INSS (39,3%), gastos sociais (11,3%), e custeio de saúde e educação (12,1%).
No caso da matéria do jornal Folha de São Paulo, a análise do repórter está perfeita ao mostrar o dilema de  controlar a carga tributária. A evolução da carga tributária, no Brasil, pode ser resumida resumida em 3 períodos: (i) 1947-1965 quando a carga tributária era inferior a 20% do PIB; (ii) 1966-1993, quando após a reforma financeira de Campos e Bulhões a carga tributária cresce para 25% do PIB e permanece em torno desse valor até 1993; e (iii) 1993-2012, quando a carga tributária passa de 25% para 36% do PIB, puxada pela necessidade de cobrir o Estado de Bem Estar Social estabelecido na nossa Constituição de 1988 e pela necessidade de economia do governo federal (superávit primário). 
Gráfico 2 – Carga Tributária do Brasil – 1947-2012 – % do PIB
carga tributária
Fonte: IBGE: 1947-2009 e IBPT: 2010-2012
A matéria da Folha de São Paulo fala corretamente que: “Para reduzir tal mordida, quantificada na relação entre impostos e PIB, é possível: 1) Cortar impostos. Mas vamos desistir do Estado de bem-estar social de 1988? 2) Aumentar o PIB. Mas o números mostram que estamos tendo dificuldade nisso. Assim, o cenário não é de otimismo. Se não for possível cortar a carga tributária, é razoável fazê-la ao menos deixar de ser o Frankenstein atual.”
Esse é exatamente o nosso grande dilema. Eu não quero passar a impressão que sou contra choque de gestão. Sou a favor, mas isso não vai controlar o crescimento do gasto público no Brasil. Enquanto essa questão não ficar clara para o eleitor, vamos continuar sendo um país de carga tributária elevada.

Virada Cultural se transforma em Turbulencia Mortal - O Globo

A que ponto chegamos, no Brasil. Certas coisas nos fazem sentir vergonha do nosso país...
Paulo Roberto de Almeida


Virada Cultural de São Paulo tem duas mortes e arrastões

Uma das vítimas levou um tiro após reagir a um assalto
O Globo, 19/05/2013
Duas pessoas morreram, uma baleada e outra de overdose de cocaína, durante a Virada Cultural, em São Paulo. O evento teve ainda brigas, assaltos, furtos e arrastões. Um adolescente foi detido com uma arma.
Segundo a polícia, um rapaz de 19 anos levou um tiro na cabeça ao reagir a um assalto, na região do Largo do Arouche. O primo dele, Celso Santana, contou que Elias Martins Moraes correu atrás do criminoso para tentar recuperar o seu celular e levou um tiro na nuca. O jovem trabalhava numa padaria e foi direto do trabalho para a Virada Cultural.
Um outro homem, de 21 anos, morreu na Santa Casa, vítima de uma parada cardíaca após ter sofrido uma overdose de cocaína. Segundo a polícia, Jonatan Santos Nascimento foi encontrado caído na região de Santa Ifigênia, também no centro.
Outras cinco pessoas foram baleadas e uma esfaqueada durante a noite. De acordo com relatos de policiais, bandos de até 40 pessoas atacavam quem ia assistir aos shows e depois se dispersavam na multidão.
Algumas carteiras e celulares roubados foram recuperados pela polícia.

Panico do fim do Bolsa-Miseria revela miseria mental do Brasil: o estado a que chegamos

Esse é o resultado do estado lamentável a que chegamos no Brasil, no qual milhares de não-miseráveis -- eles já saíram da miséria, certo?; pelo menos na propaganda do governo assistencialista -- se desesperam com o boato da possível interrupção de uma esmola oficial, aliás, um curral eleitoral.
Quando um terço da população é levada à condição de órfãos da assistência pública, quando a dependência criada por políticas demagógicas do governo se converte numa poderosa ferramenta política, que reduz milhões de pessoas a meros recipiendários de algumas migalhas oficiais, então chegamos num estado calamitoso da psicologia coletiva, no qual se cria uma situação de catatonismo coletivo, vergonhoso para dizer o mínimo.
O jornalista Ricardo Noblat apenas comenta um aspecto técnico do problema, como o boato foi possível se instalar, mas não comenta como isso é revelador da mentalidade predominante no Brasil de hoje, um país condenado ao atraso permanente no plano da psicologia coletiva.
O lulo-petismo criou uma nação de assistidos no Brasil, e isso vai perdurar por muitos anos.
Se alguém acha normal que um terço da população seja convertida num exército de assistidos é porque já deixou de distinguir entre um país normal e um país anormal.
Paulo Roberto de Almeida 


Boato do fim do Bolsa Família atingiu 12 Estados

Felipe Néri, G1, 19/05/2013 (Blog do Ricardo Noblat) 
O boato sobre a suspensão dos pagamentos do Bolsa Família chegou a pelo menos 12 estados, segundo informou neste domingo (19) o Ministério do Desenvolvimento Social, responsável pelo programa.
A falsa informação, já desmentida pelo governo, se espalhou em várias regiões do país e gerou tumulto, com beneficiários correndo às agências da Caixa para sacar dinheiro do programa.
Até por volta de 14h50 deste domingo, a pasta havia contabilizado problemas em ao menos 113 agências da Caixa, sendo o Ceará o estado mais afetado. Houve registro de tumulto em 9 agências em Alagoas, 15 na Bahia, 14 em Pernambuco, 18 na Paraíba, 34 no Ceará, 8 no Piauí e 13 no Maranhão.
Também foram afetadas agências de Sergipe e Rio Grande do Norte, mas o número ainda não foi fechado. Apesar de ter confirmado incialmente casos no Amazonas, Pará e Rio de Janeiro, até a última atualização desta reportagem o ministério não tinha o número de locais por onde o boato se espalhou nesses estados.
Em entrevista à imprensa, a ministra da Desenvolvimento Social, Tereza Campello, reiterou neste domingo (19) que "não existe qualquer possibilidade" de suspensão do programa Bolsa Família. “Não existe qualquer possibilidade de suspensão ou de alteração do Bolsa Família. O bolsa família está sendo e continuará sendo pago em dia, segundo o calendário”, declarou a ministra.
Também neste domingo, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, solicitou à Polícia Federal a abertura de inquérito para investigar a origem do falso boato. Em nota, o Ministério da Justiça disse que a PF já está investigando os fatos, que poderiam envolver "diferentes crimes". "A determinação foi para que a apuração seja rigorosa a fim de que se possa tomar com rapidez as medidas criminais cabíveis contra todos os envolvidos na origem e na divulgação destes boatos", diz o comunicado.
De acordo com a ministra Tereza Campelo, ainda não existe suspeita de onde o boato tenha surgido. “Solicitamos ao ministério [da Justiça] que apurasse a origem desses boatos. O ministro determinou abertura de inquérito policial. Não existe qualquer motivação, seja operacional, seja política, para que a gente pudesse gerar esse tipo de intranquilidade para a população”, declarou.
Segundo a ministra, apesar dos saques feitos neste sábado fora do previsto no calendário mensal por beneficiário do Bolsa Família, não haverá prejuízo para o orçamento do programa. Anualmente, o ministério divulga a data para cada inscrito no programa realizar o saque, com o objetivo de evitar que todos beneficiários recorram às agências bancárias e lotéricas no mesmo dia.
“Queremos tranquilizar a população, as mães, para fazerem o saque na data certa”, afirmou.
Segundo a assessoria do Palácio do Planalto, a presidente Dilma Rousseff ficou "muito preocupada" com o episódio e determinou imediata apuração sobre a origem e a disseminação do boato. O programa social de transferência de renda beneficia 13,8 milhões de famílias em todo o país.
Ainda neste sábado, o MDS e a Caixa emitiram notas oficiais reiterando que o programa não vai acabar e de que os pagamentos não serão interrompidos.
"O Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, MDS, informa que não há qualquer veracidade nos boatos relativos à suspensão ou interrupção dos pagamentos do Programa Bolsa Família. O MDS reafirma a continuidade do Bolsa Família, assegura que o calendário de pagamentos divulgado anteriormente está mantido e que não há qualquer possibilidade de alteração nas regras do programa", diz a nota do ministério.
"A Caixa Econômica Federal informa que o pagamento do programa Bolsa Família ocorre normalmente de acordo com calendário estipulado pelo governo federal. A Caixa esclarece ainda que não procede a informação de que hoje [sábado] seria o último dia para o pagamento do Bolsa Família", informou o comunicado da Caixa.
(Comentário meu: Como um boato sem pé nem cabeça, como esse do fim do programa Bolsa Família, é capaz de provocar tumulto em 12 Estados - ou mais? O q o governo por ora não diz: alguém sacou a grana fora do dia marcado para fazê-lo - o que em tese não seria possível. A notícia se espalhou. Nesse caso, a falha teria sido do sistema de pagamento da Caixa Econômica. Dois gerentes estaduais da Caixa admitem que isso pode ter ocorrido,sim. Mas ainda não é certo que ocorreu.)

Brasil: um governo indeciso, sem estrategia e... incompetente... - Mary Zaidan


POLÍTICA
O Globo, 18/05/2013

Há tempos Dilma Rousseff não tinha uma semana de tantas boas novas. Colheu o sucesso da 11ª rodada de licitação de petróleo e gás, a primeira realizada em cinco anos, e aprovou a MP dos portos, ainda que a penas duríssimas, impondo ao Congresso humilhação e vexame.
Duas vitórias de peso. Duas questões que viraram urgentes, emergenciais, mas que até pouco tempo eram neoliberalismo puro, abominado pela presidente e seu partido.
Em artigo no dia 15, a jornalista Míriam Leitão chamou atenção para o fato de a licitação de petróleo e gás ter sido feita no modelo antigo que o governo considerava impróprio “por razões de interesse nacional”, conforme disse o ministro da Energia Edison Lobão, no calor da comemoração. “Como este leilão foi feito no modelo antigo, ele fere o interesse nacional? Ou o interesse nacional foi prejudicado antes, quando o governo decidiu suspender os leilões?”, questiona a colunista de O Globo.
Perderam-se cinco anos.
Nos portos viu-se algo semelhante. A lei dos portos do presidente Itamar Franco, regulamentada durante o primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso, foi rechaçada pelo PT à época. No governo Lula, o único feito no setor foi criar e conferir status de ministério à Secretaria Especial dos Portos, pasta de necessidade duvidosa, a não ser para matar a fome de aliados vorazes. Nada, nem uma emenda à lei existente, para conferir maior agilidade aos portos.
Perdeu-se mais de uma década.
E as novas regras não têm o poder mágico de modernizá-los.
Aprovada a toque de caixa como se não houvesse amanhã, em meio a acusações que levantaram suspeitas sobre os reais interesses que sustentam a matéria, a MP ainda deve enfrentar batalhas judiciais. Uma delas já anunciada: garantir a isonomia entre empresas privadas que hoje estão instaladas em áreas portuárias públicas e que só podem movimentar cargas próprias, e os novos investidores, autorizados a embarcar também cargas de terceiros. Muito pano para manga.
Nada que não pudesse ser corrigido - ou pelo menos escarafunchado, no caso das denúncias - com o aprofundamento do debate.
Mas o que salta aos olhos é o autoritarismo da presidente. A ela só os resultados interessam, ainda que para obtê-los tenha de negar aquilo em que dizia crer, como no caso dos leilões do petróleo e gás.
Pior: por soberba, o resultado tem de reproduzir o seu desejo, a sua ordem.
Um modelo em estágio de saturação até na sua própria base, que, como se viu, deu-lhe a vitória, mas de pirro. Dilma poderia tirar boas lições do episódio, mas, como diz o ditado “é impossível uma pessoa aprender aquilo que ela acha que já sabe”.

Mary Zaidan é jornalista. Trabalhou nos jornais O Globo e O Estado de S. Paulo, em Brasília. Foi assessora de imprensa do governador Mario Covas em duas campanhas e ao longo de todo o seu período no Palácio dos Bandeirantes. Há cinco anos coordena o atendimento da área pública da agência 'Lu Fernandes Comunicação e Imprensa'. Escreve aqui aos domingos. @maryzaidan

Brasil: um governo balofo, gastador e ainda assim incompetente - O Globo


A conta do inchaço de ministérios no governo Dilma
Custo para manter o número recorde de 39 ministérios é de R$ 58 bilhões
LUIZA DAMÉ
O Globo, 18/05/13

BRASÍLIA - Manter a estrutura e os funcionários das atuais 39 pastas do governo Dilma Rousseff, instaladas na Esplanada dos Ministérios e em outros prédios espalhados pela capital, custa pelo menos R$ 58,4 bilhões por ano aos cofres públicos. Esta verba, que está prevista no Orçamento Geral da União de 2013 para o custeio da máquina em Brasília, é mais que o dobro da que foi destinada ao maior programa social do governo, o Bolsa Família, que custará R$ 24,9 bilhões este ano.
No total, o orçamento para custeio de toda a engrenagem federal chega a R$ 377,6 bilhões, quando são incluídos, por exemplo, órgãos técnicos, empresas públicas, universidades, escolas e institutos técnicos federais. Este valor representa mais do que o PIB (a soma de todos os bens e serviços) de países como Peru, Nova Zelândia ou Marrocos.
A maior despesa nesse bolo é justamente com os salários dos funcionários, tanto os de Brasília quanto os espalhados país afora: o Executivo federal fechou a folha de pagamentos de 2012 em R$ 156,8 bilhões. O número de ministérios passou de 24, em 2002, para 39 este ano. A quantidade de servidores ativos e aposentados também cresceu: passou de 809.975 em 2002, para 984.330 no fim de 2011, segundo dados do próprio governo.
A título de comparação, a verba total destinada a investimentos do governo federal, prevista no Orçamento Geral da União deste ano, é de R$ 110,6 bilhões. Para o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), menina dos olhos da presidente, estão previstos R$ 75 bilhões em 2013.
O ministério que mais gastará para manter sua estrutura este ano é o da Saúde: R$ 18,2 bilhões. Os dados foram extraídos de um levantamento feito pelo DEM a pedido do GLOBO, com base no Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi), do governo federal. Os gastos incluem despesas com custeio, ou seja, pagamento a funcionários civis e militares, compra de material de consumo dos ministérios, e contratação de serviços como água, luz, aluguel, transporte e hospedagem.
O número de pastas, que nem sequer cabe na Esplanada dos Ministérios, é alvo de críticas de políticos aliados, da oposição e de especialistas no setor público.
O empresário Jorge Gerdau Johanpeter, presidente da Câmara de Políticas de Gestão, Desempenho e Competitividade — criada pela presidente justamente para propor modos de aperfeiçoar os serviços públicos, com redução de gastos —, é um dos maiores críticos da estrutura gigante do governo federal. Em recente entrevista ao portal UOL, Gerdau chamou de “burrice e irresponsabilidade” a criação de novos ministérios. Para ele, o governo funcionaria a contento com “meia dúzia” de pastas.
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso deixou 24 pastas no fim de seu mandato, em 2002. Luiz Inácio Lula da Silva inchou a máquina e deixou 37 pastas, incluindo secretarias que até então eram vinculadas a outros ministérios, como Direitos Humanos, Portos e Pesca, e que, sob a gestão petista, ganharam estrutura própria. Lula também deu ao presidente do Banco Central o status de ministro. A presidente Dilma Rousseff criou, então, as secretarias de Aviação Civil e de Micro e Pequena Empresa, atingindo a marca recorde de 39 ministérios.
só este ano, R$ 21,5 milhões com aluguéis
Na Esplanada dos Ministérios desenhada por Oscar Niemeyer e Lúcio Costa há 19 edifícios. Muitos deles abrigam mais de uma pasta, mas, ainda assim, falta espaço e o governo aluga mais prédios. O Ministério do Meio Ambiente, por exemplo, divide um edifício na Esplanada com o da Cultura, mas teve de alugar salas em outro local em Brasília, onde instalou secretarias.
O Ministério da Cultura também aluga salas e gasta R$ 1,3 milhão ao mês com locação de imóveis. No total, a pasta desembolsa R$ 141,7 milhões somente com o custeio de sua máquina. Segundo o Portal da Transparência, este ano o governo federal já pagou R$ 21,5 milhões para o aluguel de prédios em todo o país.
Procurado, o Ministério do Planejamento afirmou que as despesas da União com a criação de novas estruturas e com a manutenção das já existentes têm como objetivo “responder às necessidades de investimentos no país; melhorar a qualidade dos serviços prestados à população; atender à expansão de políticas públicas no território nacional e atender demandas da população por novas políticas públicas”.
No entanto, para o cientista político Valdir Alexandre Pucci, professor do Centro Universitário do Distrito Federal, o aumento da máquina pública é decorrência da maneira como se faz política no país, em que os aliados são atraídos por cargos no governo. Ele afirmou que esse processo foi ampliado depois do escândalo do mensalão, em 2005, porque Lula foi obrigado a ampliar sua base de apoio no Congresso.
— Esse inchaço não começa com a presidente Dilma. Vem da forma como se faz política no Brasil: as pessoas são chamadas para compor o governo. É claro que, com o mensalão, houve uma necessidade de ampliar a base no Congresso, provocando um inchaço ainda maior — argumentou Pucci.
Na posse de seu último ministro, Guilherme Afif Domingos, da Micro e Pequena Empresa, Dilma justificou a criação de mais um ministério afirmando que antes é preciso expandir, “para depois abrir um processo de redução”. Segundo a presidente, determinadas áreas necessitam de estrutura política própria para se desenvolver. No governo Dilma, chegou-se a analisar, inclusive, a criação do Ministério da Irrigação.
— Isso faria sentido se os ministérios de fato funcionassem, mas gasta-se muito, e muito mal. Por exemplo, na discussão da medida provisória dos portos, alguém ouviu falar do ministro de Portos (Leônidas Cristino)? Se o ministro de Portos não aparece no debate da principal medida do governo na área, fica evidente que (a criação da pasta) foi uma acomodação política — criticou Pucci.
O cientista político diz ainda que são poucos os resultados das pastas criadas nos últimos tempos, e que algumas funções acabaram se sobrepondo. Segundo ele, a recém-criada Secretaria da Micro e Pequena Empresa — que terá de ocupar salas cedidas pelo Exército, no anexo do prédio principal —, tem funções combinadas com os Ministérios da Fazenda e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio.
— São incipientes as conquistas para justificar esse crescimento da máquina. O número de ministérios é exagerado ao extremo, e sem necessidade. A necessidade é melhorar a eficiência da máquina pública.
O grande número de ministérios e ministros no primeiro escalão do governo federal provoca, além das contumazes críticas, muito desgaste para o governo. O projeto de lei de criação da Secretaria de Micro e Pequena Empresa, por exemplo, ficou por mais de dois anos em tramitação no Congresso, não só por má vontade dos parlamentares, mas também por indefinição do Palácio do Planalto, que chegou a pensar em abortar a ideia.
PT tem o maior número de ministros: 18
Dilma vive uma situação irônica com seu time de primeiro escalão. Tida como técnica, gestora e pouco dada a uma relação muito próxima com a classe política, ela tem um Ministério eminentemente político: dos atuais 39 ministros, 31 são políticos ou indicados por partidos da coligação governista que a elegeu em 2010. O primeiro Ministério de Lula tinha 26 ministros, sendo 21 da cota dos políticos.
O PT, partido da presidente, lidera o ranking de ministros: são 18, considerando, inclusive os da Fazenda, Guido Mantega, e do Planejamento, Miriam Belchior. O segundo maior partido da coalizão governista, o PMDB, tem o comando de cinco ministérios. Na primeira equipe de Lula, em 2003, dos 26 ministros, apenas seis não eram do PT.
A formação de uma equipe que representa os partidos vitoriosos nas urnas junto com o presidente é comum, e sempre aconteceu em todos os governos. Não foi diferente nos dois mandatos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), que também enfrentou disputas entre aliados por cargos na Esplanda.
Mas essa predominância é maior nos governos petistas, especialmente porque tanto o governo Lula como o de Dilma criaram pastas para agregar partidos à base aliada — caso da Micro e Pequena Empresa, destinado ao PSD do ex-prefeito Gilberto Kassab.

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France: let's teach now in English, or in Franglais! Oh, quelle horreur!

Como sempre, uma batalha entre os pragmáticos e os retrógrados, que vão apenas conseguir que a França se atrase um pouco mais, até que ninguém mais vai prestar atenção neles, e a coisa vai se impor naturalmente.
Os chauvinistas já perderam a batalha, apenas não querem reconhecer...
Paulo Roberto de Almeida


In France, some suffer malaise as universities offer English-language courses

PARIS — There was a time, not so long ago, when anyone with a proper education spoke French. Diplomacy and business were conducted in French. Knowledge was spread in French. Travelers made their way in French, and, of course, lovers traded sweet nothings in French.
Viewed from France, the trouble with modern times is that many of those activities are now conducted in English, even by the French. In a country that cares so much about its language it maintains a whole ministry to promote it, that alone is enough to stir passionate debate in Paris — in French, naturally.
But there is more.
Higher Education Minister Genevieve Fioraso this past week introduced a bill that would allow French universities to teach more courses in English, even when English is not the subject. The goal, she explained, is to attract more students from countries such as Brazil, China and India where English is widely taught but French is reserved largely for literature lovers.
“Ten years ago, we were third in welcoming foreign students, but today we are fifth,” she said in a Q&A in the magazine Nouvel Observateur. “Why have we lost so much attraction? Because Germany has put in place an English program that has passed us by. We must make up the gap.”
The idea proposed by Fioraso, herself a former English and economics teacher, sounds patriotic enough. Yet it has sparked cultural and nationalist outrage — not only from Paris intellectuals but also from several dozen members of Parliament, opposition as well as Socialist, who insist that learning French should be part of any foreign student’s experience in France.
The controversy flows from the same wellspring as France’s effort to maintain anti-foreign barriers and cultural subsidies despite the U.S.-European free-trade negotiationsgetting underway. Without government help in limiting imports and financing local artists, it is feared, French culture will soon be swamped by a tsunami of American products.
Culture Minister Aurelie Filippetti persuaded 13 of her European Union counterparts to join her last week in an appeal for cultural protections to be excluded from the talks, preserving what the French call the “cultural exception.”
Member states “would be compromised” if the subsidies and quotas were not assured, they warned.
One intellectual heavyweight who jumped into the ­English-language teaching polemic was Jacques Attali, an adviser to late president François Mitterrand and a prolific author of books warning of economic doomsday or offering sweeping solutions to the world’s problems.
“Not only would such a reform be contrary to the Constitution (which provides in its Article 2 ‘the language of the Republic is French’), but you cannot imagine an idea that is stupider, more counterproductive, more dangerous and more contrary to the interest of France,” he intoned in a blog.
Besides, he added, foreign students already account for 13 percent of the total 2.3 million enrolled in institutions of higher learning, a bigger proportion than in Germany.

O Brasil no contexto regional e global - Celso Lafer


O Brasil na América do Sul

O Estado de S. Paulo, 19 de maio de 2013
CELSO LAFER *
A análise dos atuais desafios relacionados à presença do Brasil na América do Sul, e mais amplamente na América Latina, beneficia-se de considerações históricas que esclarecem o pano de fundo da singularidade brasileira na região. Nosso processo de independência fez do Brasil um Império em meio a Repúblicas, o diferente na região em matéria de regimes políticos.
O diferente era também o de um Estado com grande massa territorial e uma população de língua portuguesa que permaneceu unida num só Estado. Em contraste, o mundo hispânico, de fala castelhana, fragmentou-se em vários países nos processos da independência.
A manutenção da unidade nacional foi o grande e bem-sucedido objetivo do Brasil Império e o seu legado para o País. A construção desse legado fez, no século 19, da política interna e da política externa as duas faces de uma mesma moeda: a da consolidação do Estado brasileiro numa região instável e centrífuga.
A República preservou a herança do Império e, graças à obra de Rio Branco, foram dirimidos, pelo Direito e pela diplomacia, os temas pendentes de fronteiras. Equacionou-se assim o primeiro item da agenda da política externa de um Estado independente, o da clareza quanto ao que é "interno" ao País e o que a ele é "externo". O Brasil é raro caso de país com abrangente vizinhança sem contenciosos territoriais.
Desses elementos defluem desdobramentos que podem ser considerados "forças profundas" da visão brasileira sobre sua presença na região e no mundo. Primeiro, um nacionalismo voltado para dentro, não para fora, preocupado e dedicado ao desenvolvimento do grande espaço nacional. Segundo, um interesse específico em contribuir para a paz e o progresso na América Latina, com ênfase na América do Sul. Terceiro, a aspiração, com o lastro de um país consolidado e de escala continental, de ter presença na definição das regras de funcionamento do sistema internacional.
Essa leitura, com ajustes e mudanças em função das transformações internas e externas, explica a importância atribuída pelo Brasil ao entendimento com os vizinhos e à cooperação latino-americana, que teve novo impulso com os processos de redemocratização no Cone Sul no contexto do fim da guerra fria. Isso trouxe significativa aproximação entre Argentina e Brasil, levou ao Mercosul, induziu a uma tentativa de integração energética de gás com a Bolívia e chegou, por iniciativa do presidente Fernando Henrique Cardoso, à inédita reunião em 2000 de todos os países da América do Sul, que propiciou o IRSA, conjunto de projetos de integração logística, energética e de infraestrutura para fazer a melhor economia da nossa geografia comum.
Isso tudo mudou nestes últimos dez anos - os dez anos do governo do PT -, de maneira que os caminhos anteriores não dão resposta aos problemas do presente. De certo modo, creio que se configura, em novos moldes, a singularidade do Brasil na região e no mundo.
O Brasil é hoje, mais do que antes, um ator global, com um patamar no mundo distinto de outros países da nossa região. O eixo regional tornou-se mais assimétrico. São maiores as expectativas dos vizinhos quanto ao papel do País na sustentabilidade de cooperação. Também são maiores os desafios relacionados às ambições do Brasil num mundo multipolar fragmentado, com tendências centrífugas e muitas tensões de hegemonia.
A fragmentação alcança nossa região, que se tornou mais heterogênea nas suas visões da economia e da política. Nas instâncias de concertação política e nos processos de integração não ocorrem apenas os naturais conflitos de interesses, mas múltiplos conflitos de concepção, até sobre o valor da democracia e dos direitos humanos. Esses conflitos de concepção explicam a perda do impulso original do Mercosul, que se "aladifica", ou seja, torna-se um mecanismo de cooperação que deixou de ter o foco de uma dimensão transformadora, voltada para lidar com um mundo globalizado. A visão dos países com tendências economicamente liberalizantes que integram a Aliança do Pacífico (Chile, Peru, Colômbia, México) contrasta com a dos bolivarianos, de discutíveis credenciais democráticas e orientação estatizante nacionalista (Venezuela, Equador, Bolívia). Ora, o Brasil não se enquadra em nenhuma dessas concepções: não é liberalizante à moda da Aliança do Pacífico nem é bolivariano; e a Argentina, com seus problemas internos, imobiliza, no Mercosul, a nossa ação externa comercial.
Essa singularidade não nos está favorecendo. Os acordos comerciais inter e extrazona estão minando nossas preferências comerciais na região e comprometendo nossas exportações de manufaturados, que enfrentam a concorrência da China. O IRSA está em compasso de espera diante da dificuldade de elaboração de um marco regulatório comum. O papel do País na formulação das regras de funcionamento do comércio internacional reduz-se, seja pela longa paralisia das negociações da Rodada Doha, seja porque novas normas se elaboram em dois mega-acordos comerciais, a Parceria Trans-Pacífico e a Parceria de Comércio e Investimento Transatlântica, de que não participamos. Corremos o risco de ser, como notou Vera Thorstensen nesta página em 6/5, rule takers, seguidores da irradiação de normas impostas por outros, não rule makers, papel que, na nossa singularidade, buscamos tradicionalmente exercer.
Um grafite recente num país latino-americano dizia: "Cuando teníamos las respuestas nos cambiaran las preguntas". Mudaram as perguntas relacionadas ao como melhor conduzir de forma cooperativa nossa inserção na América do Sul. Falta ao governo brasileiro não só uma nova e necessária visão estratégica apta a lidar com a nossa singularidade, agravada por um processo decisório fragmentário que, à deriva, reitera respostas inadequadas e tópicas para uma realidade que mudou.
* PROFESSOR EMÉRITO DO INSTITUTO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA USP, FOI MINISTRO DAS RELAÇÕES EXTERIORES (GOVERNO FHC)