domingo, 23 de maio de 2010

Destinos pos-eleitorais: o mundo espera febrilmente...

Creio que, com tanta habilidade, a FAO seja pouco, o Banco Mundial é muito, vejamos, tecnocrático, e mesmo a ONU, bem a ONU não é lá essas coisas: uma coisa muito grande, burocrática, cheia de regras, sei lá. Talvez algo novo, mais livre, leve e solto...

Lula articula seu futuro na ONU ou no Banco Mundial
KENNEDY ALENCAR - DE BRASÍLIA
Folha de S.Paulo, Domingo, 23 de maio de 2010

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva iniciou articulações com líderes mundiais para definir seu futuro após deixar o governo. Lula gostaria de se tornar secretário-geral de uma nova Organização das Nações Unidas ou presidir o Banco Mundial, informa Kennedy Alencar.
A Folha apurou que Lula já tratou dos dois temas com outros presidentes e primeiros-ministros.
Lula negocia para assumir a ONU ou o Banco Mundial
Líderes de França, Espanha e Portugal apoiam indicação do brasileiro
Tanto o petista como o chanceler Celso Amorim já tocaram no tema com outros líderes mundiais e diplomatas próximos

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva iniciou articulações com outros líderes mundiais para definir seu futuro após deixar o cargo. Gostaria de virar secretário-geral de uma renovada Organização das Nações Unidas ou de presidir o Banco Mundial.

A Folha apurou que Lula já tratou dos dois temas com outros presidentes e primeiros-ministros. O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, também fala com diplomatas estrangeiros.

A avaliação de Lula, Amorim e alguns líderes mundiais é que o brasileiro conquistou cacife político que o credencia a assumir um posto internacional de relevo.

Não interessaria a Lula virar secretário-geral da ONU no atual formato, muito dependente dos EUA e dos outros vencedores da Segunda Guerra Mundial -Reino Unido, França, Rússia e China.

Mas, se for aprovada uma reforma da ONU, a começar pelo Conselho de Segurança, Lula trabalhará para disputar a secretaria-geral.

O Brasil, hoje membro rotativo do CS, quer uma cadeira permanente. O obstáculo é que essa mudança dificultaria o poder deliberativo do órgão, pois seria preciso buscar consenso entre mais países.

Lula defende ainda mais poder para a FAO (Organização da ONU para a Agricultura e Alimentação), que considera pouco aparelhada para combater a miséria na África.

Na Europa, três líderes endossam a postulação de Lula para secretário-geral: o presidente de governo da Espanha, José Luis Rodríguez Zapatero, o premiê de Portugal, José Sócrates, e o presidente da França, Nicolas Sarkozy.

"Lula tem capital político tão importante no mundo que seria um grande desperdício não aproveitá-lo", disse o premiê de Portugal. Das potências emergentes, ele conta com a simpatia do premiê Manmohan Singh (Índia).

Diversos presidentes da América do Sul já sugeriram a Lula seguir esse caminho, de Hugo Chávez (Venezuela) a Cristina Kirchner (Argentina). Chávez disse à Folha que, se Lula quiser ser candidato a secretário-geral, terá o seu "apoio entusiasmado".

Há atritos na relação entre o Brasil e os EUA, mas, na opinião do governo brasileiro, eles poderiam ser superados para o petista ir para a ONU ou o Banco Mundial.

"Se a ONU continuar assim, vamos ter problemas sérios", disse Lula na quarta sobre a articulação dos EUA para aprovar sanções contra o Irã: "É preciso mudar, mas quem já está sentado na cadeira não quer mudar".

O Itamaraty acha que o presidente Barack Obama teria, no mínimo, disposição de conversar sobre o tema.

Existem óbices, no entanto, para que Lula ocupe essas posições. O atual secretário-geral da ONU, Ban Ki Moon, tem mandato até o final de 2011 e pode ser reconduzido.

Do ponto de vista de Lula, a presidência do Banco Mundial permitiria o financiamento de projetos nos países pobres. Ele já disse que montará um instituto no Brasil, a exemplo de seu antecessor. Empresários brasileiros procuram um prédio na zona sul de São Paulo para ser a sede.

Lancamento de livro sobre o Brasil e os Brics

Estou recebendo um convite ao qual não poderei atender: o lançamento de um livro que conta com um artigo meu, como abaixo:

Renato Baumann (org.):
O Brasil e os demais BRICs: Comércio e Política
(Brasília: CEPAL-Escritório no Brasil/IPEA, 2010, 180 p.)

Sumário
Introdução, 5
1. As Relações Comerciais do Brasil com os demais BRICs, 9
Renato Baumann, Raquel Araujo e Jhonatan Ferreira
2. A competitividade do Brasil e da China no mercado norte-americano: 2000-2008, 47
Marina Filgueiras e Honorio Kume
3. Abertura comercial e Inserção internacional: os casos do Brasil, China e Índia, 61
José Tavares de Araujo Jr. e Katarina Pereira da Costa
4. A inserção no comércio internacional do Brasil, da Índia e da China (BIC): notas acerca do comércio exterior e política commercial, 79
Ivan Tiago Machado Oliveira, Rodrigo Pimentel Ferreira Leão e Emílio Chernavsky
5. China na América Latina: uma análise da perspectiva dos investimentos diretos estrangeiros, 109
Márcio Holland e Fernando Barbi
6. O Bric e a substituição de hegemonias: um exercício analítico (perspectiva histórico-diplomática sobre a emergência de um novo cenário global), 131
Paulo Roberto de Almeida
7. Brasil e polos emergentes do poder mundial: Rússia, Índia, China e África do Sul, 155
Maria Regina Soares de Lima e IUPERJ

O livro será lançado no dia 28 de maio, das 9h30 as 13hs, no Auditorio do Ipea em Brasília, Edifício-Sede do BNDES, Setor Bancário Sul, subsolo, com a presença do organizador, de autores e de jornalistas, que debaterão os capítulos. Acredito que o meu será criticado pelo representante do MRE, que certamente não concordará com meus argumentos, e vai dizer que o Bric é um elemento importantíssimo da estratégia brasileira de inserção internacional. Mantenho meus argumentos.

Rezando para Sao Bolivar fazer chover, e poluindo a atmosfera...

De fato, os venezuelanos, os chavistas em particular, devem ter rezado um bocado para São Bolívar, para que ele fizesse chover e terminassem os horríveis racionamentos a que estiveram submetidos os venezuelanos por semanas e meses seguidos.
Não sei se deu certo, mas voltou a chover um pouco.
Enquanto isso, para desgosto dos ecologistas e de todos os que rezam pela cartilha da redução de emissões poluentes, os venezuelanos foram acumulando centrais térmicas que passarão a usar o diesel como combustível, altamente poluente, e tóxico, portanto.
Ironias da história: rezando por uma chuvinha, e poluindo a atmosfera...
Paulo Roberto de Almeida

El embalse del Guri subió 9 centímetros
Venezuela pasó la barrera de los 5 mil megavatios térmicos

Prensa Bolivariana, 22.05.2010

Presidente Chávez: Próximamente se eliminarán los racionamientos eléctricos los fines de semana y los días feriados. Posteriormente se anunciará la suspensión del racionamiento eléctrico en todo el país, en la medida en que se recuperen los embalses y se amplíe el parque termoeléctrico
Venezuela ha pasado la barrera de los 5 mil megavatios térmicos, una cifra que nunca antes había experimentando el país en materia de generación de energía eléctrica, informó el presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez.
“Ayer batimos récord en generación termoeléctrica. Nunca en Venezuela habíamos pasado de 5 mil megavatios de generación térmica, porque siempre hemos dependido del Guri, de la generación hidroeléctrica. Ayer pasamos la barrera de 5 mil megavatios térmicos. Vamos a ir equilibrando lo hidroeléctrico con lo termoeléctrico”.
Para consolidar la generación termoeléctrica China y Venezuela construirán varias plantas generadoras de electricidad empleando el coque petrolero generado en la Faja Petrolífera del Orinoco. Además, se instalarán otras termoeléctricas solamente para las empresas de Guayana, y se inaugurarán Las Picuras, en Vargas, y La Raiza, en los Valles del Tuy.
El jefe de Estado anunció que próximamente se eliminarán los racionamientos eléctricos los fines de semana y los días feriados. Posteriormente se informará la suspensión del racionamiento eléctrico en todo el país, en la medida en que se recuperen los embalses y se amplíe el parque termoeléctrico.
Las fechas serán acordadas en la reunión que sostendrá el Presidente con los integrantes del Estado Mayor Eléctrico, al término del acto de inauguración de la industria electrónica Orinoquia.
El mandatario nacional dijo que la represa del Guri subió 9 centímetros más, cifra que contribuye al alejamiento del colapso eléctrico, al tiempo de hacer referencia al aumento del nivel del agua, en 18 centímetros, del embalse Uribante-Caparo.
“Ya no hay riesgo de colapso eléctrico, gracias a Dios, a la Revolución y a los trabajadores eléctricos y al pueblo. Salimos del riesgo del colapso”.

Prensa Presidencial / 22 de mayo de 2010

sábado, 22 de maio de 2010

Gradacoes da democracia - um exercicio de classificacao

Da democracia à ditadura: uma gradação cheia de rupturas
Paulo Roberto de Almeida

Democracias, ma non troppo
O mundo, obviamente, ainda não se ajustou ao “fim da História”, no sentido da convergência da maioria dos países para regimes políticos e para sistemas econômicos próximos das democracias de mercado (capitalistas), como sugeria, tentativamente, Francis Fukuyama. Ele o fará, gradualmente, já que o núcleo central da tese de Fukuyama é basicamente correto – retirando-se a metáfora hegeliana do “fim da História”, resta que o desenvolvimento socioeconômico e a consolidação da prosperidade social, permitidos justamente por uma economia de mercado dinâmica, trazem naturalmente um regime político mais conforme à atomização dos poderes e dos mercados capitalistas (baseados, institucionalmente, em mecanismos de representação, de negociação e de conciliação).
Já tratei dessas questões em outro trabalho e não vou voltar a elas neste momento (ver: Paulo Roberto de Almeida, “O Fim da História, de Fukuyama, vinte anos depois: o que ficou?”, Meridiano 47, n. 114, janeiro 2010, p. 8-17; link: http://sites.google.com/a/mundorama.net/mundorama/biblioteca/meridiano-47/sumariodaedicaono114%E2%80%93janeiro2010/Meridiano_114.pdf?attredirects=0&d=1). Essa transição quase natural para a democracia política é, no entanto, um mundo ideal, para o qual caminharemos muito gradualmente. Ele está baseado em uma adequada educação política dos cidadãos, o que, sabemos, é uma mercadoria ainda relativamente rara nas comunidades existentes neste planeta persistentemente pobre; de fato, as possibilidades de desenvolvimento econômico inclusivo não encontram grandes obstáculos técnicos à sua consecução, mas os políticos e sociais são formidáveis. No mundo real, ainda convivemos com um número lamentavelmente grande de regimes autoritários ou de ditaduras abertas.

Uma evolução positiva
Cabe, entretanto, reconhecer uma evolução positiva, que não deixa de ser um fato histórico: numa linha contínua, que levaria, de um lado, do despotismo mais exacerbado, da tirania mais execrável, até, na outra ponta, a uma democracia perfeita, podemos constatar que o mundo avançou de modo razoável no último meio século. O número, ínfimo, de democracias estáveis no período anterior à Segunda Guerra Mundial, cresceu regularmente desde então, especialmente depois da implosão e virtual desaparecimento do último sistema “escravocrata” da era contemporânea: o socialismo real. Este existiu em diversas modalidades, sendo seu modo mais tirânico o representado pelos totalitarismos stalinista e maoísta, mas também teve Estados policiais perfeitamente “weberianos” – como a ex-Alemanha oriental – e socialismos burocráticos que evoluíram ao longo do tempo (como o modelo “gulash” na Hungria e o nacionalismo estatizante da ex-Iugoslávia).
A evolução nesses países outrora dominados por um partido único – comunista, obviamente – não deixa de ser um fato auspicioso na história da humanidade, embora dois pequenos bastiões do totalitarismo comunista resistam ainda na sua irrelevância anacrônica, ao lado de várias outras tentativas de implantar, senão ditaduras abertas, pelo menos regimes politicamente fechados, caracterizados pelo cerceamento de liberdades elementares em regimes plenamente democráticos. Estes se caracterizam pela liberdade de organização, de expressão e de manifestação, pela representação livre de todos os interesses sociais presentes na sociedade, inclusive a defesa dos direitos das minorias (sociais, étnicas, religiosas, políticas), que é o que distingue verdadeiramente uma democracia plena.

Tentações totalitárias
Regimes e situações não democráticos não desapareceram, como é óbvio para quem observa o mundo como ele é. Alguns países, que tinham conhecido uma saudável evolução democrática – na América Latina, na África e na Ásia, sobretudo – voltaram experimentar desenvolvimentos autoritários. Países de democracia frágil, não consolidada, ou submetidos a conjunturas mais ou menos traumáticas de instabilidade, no seguimento de crises econômicas e sociais, ou de rupturas políticas fora da normalidade – sim, porque existem rupturas políticas dentro da normalidade, como aquela conhecida no Brasil em 2002 – podem reverter o relógio da história e recair em tentações totalitárias (não pela vontade de seus cidadãos, por certo, mas pela manipulação que fazem de massas não educadas líderes tendencialmente autoritários).
O que são esses regimes? São ditaduras “eleitas” – sim existe, como vimos ainda bem perto do Brasil –, populismos personalistas baseados na manipulação propagandística e na “compra” (literalmente) dos mais humildes e despolitizados, cesarismos plebiscitários, enfim, uma variedade sempre criativa de regimes que, no fundo, representam um decréscimo de qualidade da democracia formal – em vários casos apresentando inúmeras deficiências substantivas –, mesmo coexistindo com a manutenção do voto universal (que pode ser, como frequentemente é, manipulado). De resto, apenas o voto não caracteriza um regime democrático, como os exemplos da Albânia nos tempos de Enver Hodja, da URSS nos tempos de Stalin, ou ainda hoje na Cuba dos irmãos Castro, podem amplamente confirmar...

Um exercício de classificação dos regimes
Com base nas considerações anteriores, posso tentar agora oferecer um quadro declinante – sim, reconheço meu viés valorativo – dos regimes políticos, indo dos mais democráticos aos mais autoritários. Não vou tentar explicitar todas as razões de porque coloquei alguns países em uma “janela” e não em outra, inclusive porque este exercício não é exatamente “científico”, correspondendo mais bem às minhas percepções pessoais de como vejo o mundo e a qualidade de seus regimes políticos.

(A) Democracias plenas
Não tem adjetivos, e não tem ameaças aparentes ao seu funcionamento e à sua estabilidade. Países nórdicos, Reino Unido, Canadá, Holanda, Suíça, boa parte dos países europeus, mas não todos.

(B) Democracias com disfuncionalidades leves
São países grandes ou com deformações no modo de funcionamento de seus sistemas políticos, ou imigrações “selvagem” e certo grau de corrupção e de atos delinqüentes, ou ação agressiva de lobbies e grupos de interesse manipuladores. Eu colocaria nessa situação os Estados Unidos, possivelmente o país mais livre do mundo, e um dos mais democráticos, pelo fato de que se trata de um pais enorme, com muitas desigualdades internas e algumas disfunções derivadas de seu excessivo conservadorismo político (ou anacronismo religioso, por exemplo, o que pode levar a absurdos na educação científica e histórica, com fortes pressões criacionistas, para citar apenas um caso). A Itália, uma democracia de baixa qualidade, pela mediocridade de seus políticos e a corrupção disseminada, também entra nessa categoria, assim como diversos outros países europeus, geralmente da franja meridional ou oriental. O Japão é possivelmente um candidato pleno na categoria.

(C) Democracias de baixa qualidade
Corrupção extensiva, manipulações políticas, concentração de poder, baixo grau de representatividade, mau funcionamento das instituições de controle, e uma miríade de outros problemas derivados do baixo grau de educação política da maior parte da população. Estão nesse caso Índia e Brasil, amiúde citados como “duas grandes democracias em países em desenvolvimento”, o que deve ser tomado com certa caução. A Argentina e o México também entram nessa categoria, assim como grande parte dos países latino-americanos e vários asiáticos e a África do Sul.

(D) Regimes autoritários abertos
Uma gama imensa de situações, respondendo aos mais diversos fatores de concentração de poder, em alguns casos por falta de tradição democrática – seria o caso da Rússia, por exemplo –, em outros por regressão populista momentânea (como vem ocorrendo em alguns países da América Latina). Esses países podem tanto evoluir para uma democracia de baixa qualidade, quanto descambar para situações ditatoriais mais ou menos fechadas. É o caso, por exemplo, do Irã, país dotado de uma sociedade civil muito ativa, mas atualmente dominado por uma teocracia regressista que pode colocá-lo, conjunturalmente, na categoria seguinte, uma quase ditadura.

(E) Ditaduras disfarçadas
Conservam certa aparência de democracia, mas consolidaram grupos ou personalidades no poder que manipulam os processos políticos, perseguem os opositores, concentram todo o poder e literalmente desmantelam as instituições em seu benefício exclusivo. O exemplo mais notório é, obviamente, a Venezuela, que muitos confundem com um regime progressista de esquerda, mas que nada mais é senão um triste exemplo do velho fascismo por demais conhecido nos anos 1930. O caudilho destrói todas as instituições, ou as coloca a seu serviço exclusivo.

(F) Regimes autoritários fechados
Sistemas infensos ao voto popular ou com monopólio político de um grupo ou partido no poder: Birmânia (ou Miamar), Síria, Egito, China, grande parte dos países africanos e alguns poucos asiáticos, como alguns saídos do casulo soviético (mas mantidos com os mesmos aparatchiks do velho sistema comunista). Alguns já foram totalitários, mas se tornaram menos “carnívoros”; outros eram democracias de fachada que não resistiram ao líder providencial e candidato a insubstituível.

(G) Países totalitários
Nem é preciso explicar por que: Cuba, Coréia do Norte se enquadram perfeitamente no modelo mais lamentável que o socialismo bolchevique deixou como herança do início do século 20. Devem desaparecer, mas o sofrimento em que incorrem ou incorreram (como a China nos tempos de Mao) seus povos é indizível.

Nessas diferentes categorias, não parece haver problemas classificatórios nos escalões A, B e G, mas os estratos intermediários sempre colocam problemas, já que as dinâmicas políticas, em países não totalmente estruturados politicamente, podem tanto aproximá-los formalmente de modelos passavelmente democráticos (ainda que de baixíssima qualidade), ou, no outro sentido, fazê-los cair nas malhas das ditaduras mais ou menos abertas ou disfarçadas. Outra ainda é a situação de Estados falidos – vários africanos, ou o Haiti, no hemisfério ocidental – que sequer possuem instituições normais de um Estado em funcionamento mínimo, para atender serviços básicos de sua população, retrocedendo para a guerra civil ou vivendo de assistência pública internacional, numa espécie de tutela dos organismos internacionais (com esmolas adicionais introduzidas pelas ONGs).

Por fim, ainda que isto ofenda os “brios democráticos” de muitos brasileiros – sobretudo aqueles que vivem circulando em torno do parlamento ou que vivem de empregos ou favores do governo –, não tenho nenhuma hesitação em classificar o Brasil como uma democracia de baixa qualidade, ainda que seja uma categoria relativamente esdrúxula nos anais da ciência política: o Brasil tem todas as características dessa categoria, e atende todos os requisitos de uma democracia de baixa qualidade, inclusive porque tem muita gente ativíssima na arte de construir um regime fechado ou autoritário à solta por aí; então não há porque promovê-lo, por enquanto, para o grupo das democracias com algumas disfuncionalidades, categoria a que pertencem países que são em geral considerados perfeitamente democráticos.
Sorry, folks, mas minhas exigências democráticas são muito altas, e eu não me contento com pouco...

P.S.: Quem quiser criticar minha abordagem, é obviamente livre de fazê-lo, mas eu apreciaria receber argumentos mais consistentes do que gritos indignados. Ou seja, aceitam-se reclamações justificadas, inclusive dos pequenos déspotas que circulam por aí, fazendo a infelicidade de seus povos...

Paulo Roberto de Almeida
Shanghai, 2145: 22-23 maio 2010, 4 p.

Deveres do Professor - Escola Sem Partido

Apoio inteiramente, integralmente, se me permitem a redundância, a campanha da ONG Escola Sem Partido. Sei como "funcionam" as escolas brasileiras, sei o que "pensam" os professores -- sorry, mas as aspas são inevitáveis, sem qualque ironia -- e sei o que seria preciso ser feito (e que, infelizmente, não será).
Por isso transcrevo aqui este post do Escola Sem Partido.

Deveres do Professor
Escola Sem Partido - Educação sem Doutrinação

22.05.2010

Ao lado da liberdade de ensinar, está a liberdade de aprender, ambas asseguradas pelo art. 206 da Constituição Federal.

A doutrinação político-ideológica em sala de aula constitui claro abuso da liberdade de ensinar; abuso que implica o cerceamento da correspondente liberdade de aprender, já que, numa de suas vertentes, essa liberdade compreende o direito do estudante de não ser doutrinado.

Ora, só um estudante consciente dos seus direitos poderá defendê-los contra a ação abusiva de professores militantes. Por isso, o EscolasemPartido.org elaborou a relação (obviamente não exaustiva) de Deveres do Professor que se vê abaixo.

Peça à sua escola ou à escola de seu filho que mande imprimir e afixar cartazes contendo essa relação de deveres em locais onde possam ser vistos por alunos e professores. Se a escola se recusar, você saberá do lado de quem ela está.

______________________

DEVERES DO PROFESSOR

1. O professor não abusará da inexperiência, da falta de conhecimento ou da imaturidade dos alunos, com o objetivo de cooptá-los para esta ou aquela corrente político-ideológica, nem adotará livros didáticos que tenham esse objetivo.

2. O professor não favorecerá nem prejudicará os alunos em razão de suas convicções políticas, ideológicas, religiosas, ou da falta delas.

3. O professor não fará propaganda político-partidária em sala de aula nem incitará seus alunos a participar de manifestações, atos públicos e passeatas.

4. Ao tratar de questões políticas, sócio-culturais e econômicas, o professor apresentará aos alunos, de forma justa – isto é, com a mesma profundidade e seriedade –, as principais versões, teorias, opiniões e perspectivas concorrentes a respeito.

5. O professor não criará em sala de aula uma atmosfera de intimidação, ostensiva ou sutil, capaz de desencorajar a manifestação de pontos de vista discordantes dos seus, nem permitirá que tal atmosfera seja criada pela ação de alunos sectários ou de outros professores.

Brasil nuclear: um tema "debatível"

Primeiro transcrevo o post de Reinaldo Azevedo, em seu blog arqui-conhecido:

HÁ QUEM QUEIRA A BOMBA BRASILEIRA. E ESSE DEBATE TEM DE SAIR DO ARMÁRIO
Reinaldo Azevedo, 21.05.2010

É claro que há antiamericanos delirantes no governo Lula, em especial no Itamaraty, que não estão nem aí para o Irã e seu programa nuclear. Querem é torrar a paciência dos Estados Unidos; criar o tal novo eixo de poder; enfrentar o imperialismo — essas boçalidades, vocês sabem. O que essa questão esconde, no entanto, é muito mais interessante. O Brasil é signatário do Tratado de Não- Proliferação Nuclear (TNP).

E o descontentamento com esse fato une muitos esquerdistas e antiesquerdistas; petistas e antipetistas; lulistas e antilulistas; civis e militares. O Brasil se atrapalhou todo na questão iraniana; meteu os pés pela mãos; foi surpreendido, em plena decolagem do tal acordo, pela declaração do governo iraniano de que o país continuaria a enriquecer urânio etc. Tudo isso é verdade. Mas o que leva o governo a esse comportamento é, quando menos, uma tentativa de método.

O Brasil está menos discutindo o programa nuclear iraniano — no fim das contas, sabe que, se o caldo entornar, ele não decide a resposta militar nem participa dela — do que, simbolicamente, o próprio programa. Notem como a argumentação das autoridades brasileiras termina sempre na “soberania”. A convicção de que o Brasil jamais será respeitado no mundo como merece se não tiver a bomba mais reúne do que divide ideologias e ideólogos.

À boca pequena, em áreas do governo e das Forças Armadas, o exemplo da Índia é sempre lembrado. O país não é signatário do tratado, fez seu primeiro teste nuclear em 1974 e anunciou a bomba em 1998. Não obstante, celebrou um acordo de cooperação nuclear com os EUA naquele mesmo ano. E continuou perfeitamente integrado à chamada ordem mundial. É claro que a Índia não é o Irã — a não ser para o Paquistão, que também tem a bomba… Digamos que as ambições bélicas — ou escatológicas — dos indianos têm aspirações mais modestas…

Ainda que pareça improvável — impossível mesmo —, a possibilidade de o Brasil denunciar o tratado surge aqui e ali. A ação de Lula e do Itamaraty em defesa do Irã acabou saindo dos trilhos. Na sua intenção original, o que se pretendia era debater a questão nuclear no âmbito da soberania, o que o Brasil, em boa medida, já faz. O acesso da Agência Internacional de Energia Atômica às instalações brasileiras é restrito, em nome do “segredo industrial”. E o país já disse que não assina um protocolo adicional do TNP, o que é cobrado pelos Estados Unidos.

Em dezembro de 2008, o governo lançou a Estratégia Nacional de Defesa, em que a energia nuclear ocupa papel central (íntegra aqui). Transcrevo um trecho em que se nota o inconformismo com o TNP e seu caráter limitante, a crítica às potências nucleares — o que parece um tanto descabido num documento como esse — e, entendo, uma certa sugestão de que a defesa do país está acima de tratados. Leiam:

O setor nuclear tem valor estratégico. Transcende, por sua natureza, a divisão entre desenvolvimento e defesa. Por imperativo constitucional e por tratado internacional, privou-se o Brasil da faculdade de empregar a energia nuclear para qualquer fim que não seja pacífico. Fê-lo sob várias premissas, das quais a mais importante foi o progressivo desarmamento nuclear das potências nucleares.

Nenhum país é mais atuante do que o Brasil na causa do desarmamento nuclear. Entretanto o Brasil, ao proibir a si mesmo o acesso ao armamento nuclear, não se deve despojar da tecnologia nuclear.
(…)
Aumentar a capacidade de usar a energia nuclear em amplo espectro de atividades. O Brasil zelará por manter abertas as vias de acesso ao desenvolvimento de suas tecnologias de energia nuclear. Não aderirá a acréscimos ao Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares destinados a ampliar as restrições do Tratado sem que as potências nucleares tenham avançado na premissa central do Tratado: seu próprio desarmamento nuclear.


Quem investir neste filão da apuração jornalística não vai se arrepender. Há muita gente dentro e fora do governo que acredita que o TNP não pode ser um entrave para um país como o Brasil. A questão, como quase todas, é, se me permitem a palavra, “debatível”.

Mas é preciso tirar o debate do armário — ou das instalações e intenções secretas.

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Agora, remeto a um artigo que escrevi, pouco divulgado, até aqui, e que também menciona essa questão:

2066. “A Arte de NÃO Fazer a Guerra: novos comentários à Estratégia Nacional de Defesa
Lisboa-Paris, 25.09.2009; transcrição: Salon-de-Provence, 28.09.2009; redação preliminar: Brasília, vôo Rio-Paris, 28.11.2009, 17 p.
Análise da END do ponto de vista conceitual e puramente estratégico, complementando análise preliminar, de caráter econômico, elaborada em fevereiro (n. 1984).
Divulgado no site de estudos estratégicos da Federal de Juiz de Fora, seção Defesa (20.01.2010; link: http://www.ecsbdefesa.com.br/defesa/fts/ANFG.pdf).

A democracia e o fim da Historia: aguardem

Estou escrevendo um pequeno trabalho sobre as democracias atuais (nem todas são o que parecem), que começa por remeter ao famoso trabalho de Fukuyama. Mas não pretendo discuti-lo agora, tanto porque já o fiz, e remeto aqui ao texto em questão:

O Fim da História, de Fukuyama, vinte anos depois: o que ficou?
Meridiano 47 (n. 114, janeiro 2010, p. 8-17; ISSN: 1518-1219).
Mundorama (21.01.2010).
Relação de Originais n. 2101.
Relaçnao de Publicados n. 949.

O trabalho apenas tenta classificar os tipos de regimes políticos existentes no mundo contemporâneo.

Postagem em destaque

Livro Marxismo e Socialismo finalmente disponível - Paulo Roberto de Almeida

Meu mais recente livro – que não tem nada a ver com o governo atual ou com sua diplomacia esquizofrênica, já vou logo avisando – ficou final...