quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Brasil: congresso aumenta a irracionalidade orcamentaria, contas publicas se deterioram

São dessas pequenas brigas, ou chantagens recíprocas entre executivo e legislativo -- aqui num caso absolutamente paroquial, deputados-vereadores querendo assegurar verbas para seus gastos eleitoreiros -- que provocam consequências danosas não só para as contas públicas (cuja racionalidade é altamente questionável), como também para o chamado "risco-Brasil".
Não tenho nenhuma dúvida de que as agências de risco vão rebaixar a classificação do Brasil, em face de notícias como as que vão abaixo.
Paulo Roberto de Almeida

Base contraria Dilma e aprova Orçamento impositivo

O Estado de S. Paulo, 7/08/2013 

Base aliada ignora trégua e desafia Dilma

Com empenho pessoal do presidente da Câmara, comissão especial aprova texto que obriga governo a pagar todas as emendas parlamentares

Eduardo Bresciani e Tânia Monteiro, Brasília

A base aliada ignorou o pedido de trégua de Dilma Rousseff e confrontou a presidente um dia depois de líderes de bancadas visitarem o Planalto. Comissão Especial da Câmara aprovou ontem proposta de emenda constitucional que obriga o Executivo a pagar todas as emendas parlamentares previstas no ano. Trata-se do Orçamento impositivo, que poderá garantir a cada um dos deputados R$ 10 milhões para obras em seus redutos no ano eleitoral de 2014. O governo é contra a medida.
Agora, o texto da PEC está pronto para ser submetido ao plenário. Depois de votação em dois turnos, terá de ser encaminhado para o Senado, algo que os deputados querem fazer até amanhã.
O presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), empenhou-se pessoalmente para fazer o tema tramitar. Ontem, foi duas vezes até à comissão que debatia o projeto para cobrar a aprovação. Para ele, a medida é o fim do "toma lá, dá cá" entre Legislativo e Executivo. Normalmente, as emendas parlamentares são usadas como moeda de troca: o governo libera a verba e o parlamentar aprova os temas de interesse do Executivo e não cria embaraços para o Planalto.
"A matéria está inteiramente amadurecida", disse Alves sobre a emenda constitucional.
Pedidos. Alguns líderes chegaram a sugerir ao presidente da Câmara um adiamento da votação, mas ele disse não ver motivo justificado para postergar. Foi além: procurou o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), para pedir tratamento prioritário à matéria, para que possa entrar em vigor em 2014. A emenda não precisa de sanção presidencial para passar a valer.
O texto prevê a execução financeira, de forma isonômica, das emendas parlamentares com um limite de 1% da receita corrente líquida do ano anterior.
Termos. Em 2014, a estimativa é que o montante das liberações supere R$ 6 bilhões no total.
O texto traz um dispositivo que os parlamentares dizem poder facilitar a vida do governo: nos dois primeiros anos de vigência, será possível usar emendas de anos anteriores para se chegar ao mínimo estabelecido.
Os parlamentares colocaram ainda um gatilho para que caso haja necessidade de contingenciamento a fim de cumprir metas fiscais: as emendas poderão sofrer corte no mesmo porcentual do aplicado pelo governo em seu próprios gastos.
Isolado, o PT tentou ainda apresentar propostas alternativas para reduzir à metade o porcentual ou obrigar também estados e municípios a seguir a exigência. Não obteve sucesso.
Parlamentares argumentam que o anúncio feito na semana passada de liberação de R$ 6 bilhões até o fim do ano para acalmar a base mostram como as emendas tem sido usadas para "chantagem". Reconhecem também que frequentemente propostas de interesse do Planalto acabam paradas pelo mesmo motivo, a barganha por emendas.
A aceleração da proposta do Orçamento impositivo ocorre também de olho no calendário eleitoral. Se conseguirem transformar a proposta em regra constitucional, os parlamentares terão garantidos recursos para suas bases justamente no ano da eleição. Além de auxiliá-los na conquista de um novo mandato, a medida pode ainda dará mais forças a seus partidos, que com garantia de recursos podem se sentir mais liberados na negociação de alianças. Esse tipo de confronto é explicitado pelo fato de que PT e PMDB, por exemplo, dificilmente estarão juntos nos principais colégios eleitorais, como São Paulo, Rio, Pernambuco, Ceará e Rio Grande do Sul.
Vetos. A movimentação do Congresso novamente em direção ao confronto já levou o governo a pautar seu discurso sobre outro tema que o preocupa: a votação de vetos presidenciais. A ministra das Relações Institucionais, Ideli Salvatti, já antecipou que irá recorrer ao Supremo Tribunal Federal caso o governo seja derrotado. "Todas as matérias que acabam indo para o Judiciário acabam ficando um tempo para ter a decisão. O exemplo mais concreto disso, na distribuição dos royalties, está no Supremo e estamos perto de um ano aguardando. O melhor é evitar (a judicialização). Se não tiver possibilidade de evitar, o judiciário é o recurso legal, constitucional que o Executivo teria para recorrer", afirmou a ministra, após reunião da presidente com líderes no Senado. / Colaborou Rafael Moraes Moura

Lei em debate no Congresso não elimina 'faz de conta' 

 AnáliseGUSTAVO PATU, DE BRASÍLIA

Folha de S.Paulo, 7/08/2013

Texto aumenta poder de parlamentares e mantém truque de 'criar' arrecadação

O texto discutido na Câmara dos Deputados eleva os poderes dos congressistas sobre o Orçamento, mas, retórica à parte, mantém o Legislativo brasileiro livre de novas preocupações com a qualidade dos gastos e a solidez das contas públicas.

No atual faz de conta da elaboração da lei orçamentária, deputados e senadores recorrem a um truque para criar novas despesas sem desagradar a ninguém: inventam arrecadação.
A estimativa de receita para 2013, por exemplo, subiu de um já otimista R$ 1,230 trilhão, no projeto do Executivo, para R$ 1,253 trilhão --o bastante para incluir emendas de R$ 22,7 bilhões.
Encerrado o primeiro semestre, a receita esperada pela equipe econômica já caiu para R$ 1,185 trilhão. E, assim como a arrecadação fictícia, as obras prometidas pelos congressistas a seus redutos eleitorais evaporaram.
O relatório que acompanha a proposta de execução obrigatória das emendas reconhece, em meio a eufemismos, a necessidade de uma nova prática. A solução encontrada foi incluir mais uma declaração de boas intenções na Constituição.
"A previsão de receita e a fixação da despesa no projeto e na lei orçamentária devem refletir com fidedignidade a conjuntura econômica e a política fiscal", dirá o 10º parágrafo do artigo 165, caso a proposta avance.

REGRA IGNORADA
O texto constitucional em vigor já estabelece, no artigo seguinte, uma regra para as emendas sistematicamente ignorada: as despesas criadas pelos congressistas devem ser compensadas com a anulação de despesas propostas pelo Executivo.
Se aplicado, tal modelo submeteria deputados e senadores ao constrangimento político de cortar investimentos em infraestrutura, já escassos, para acomodar uma miríade de despesas miúdas, típicas de prefeituras.
Algo como remanejar verbas da conservação de rodovias --porque a maior parte do Orçamento é tomada por despesas obrigatórias como o pagamento de salários e aposentadorias-- para o calçamento de ruas ou festas folclóricas no interior do país.
Na proposta votada pelos deputados, esse ônus ficará, na prática, com o governo. De concreto, a única salvaguarda oferecida pelo Congresso Nacional é a dimensão relativamente reduzida de suas pretensões.
Os parlamentares contentam-se com pouco mais de R$ 6 bilhões, metade de um centésimo do Orçamento. Ainda assim, é o triplo do dinheiro disponível neste ano para o transporte ferroviário --ou o dobro do reservado à educação infantil.

Impositivo demais

Editorial Folha de S. Paulo, 7/08/2013

Deputados fariam melhor se pusessem freio nos gastos obrigatórios do Orçamento, em vez de tentar fixar cota individual de emendas
Está prevista para hoje na Câmara dos Deputados a votação da proposta de emenda constitucional que instituiria o "Orçamento impositivo" no Brasil. O conceito, inspirado em democracias maduras, predica que todo gasto pactuado na confecção da lei orçamentária anual deve ser de realização obrigatória ao longo do período.
A programação de despesas pode ser alterada apenas diante de imprevistos, como catástrofes ou quebra na receita de impostos. Mesmo nessas hipóteses, o desvio do script está sujeito a limites e à mediação do Legislativo.
A PEC em tramitação na Casa dos deputados, entretanto, tem objetivos mais provincianos. Tenta instituir uma cota anual de emendas por parlamentar, R$ 10 milhões por cabeça, cuja execução pelo Planalto seria obrigatória. Está mais para "bolsa emenda" do que para Orçamento impositivo.
O governo veria diminuído o seu poder de barganha, pois se vale da liberação discriminada de emendas para assegurar apoio em momentos decisivos no Congresso. Ficaria um pouco mais difícil, por outro lado, para o Executivo ajustar a dura realidade da arrecadação aos desejos fiscalmente irresponsáveis de congressistas, impressos na peça de ficção que uma vez por ano entregam ao governo.
A conta da "bolsa emenda" não parece tão salgada. Seriam R$ 6,2 bilhões ao longo de 12 meses, cerca de 0,5% do desembolso da União, que passa de R$ 1 trilhão.
Mas seria um meio ruim, pulverizado e de difícil fiscalização, de aplicar dinheiro dos impostos. O ideal seria privilegiar as emendas coletivas, pactuadas entre os congressistas de cada Estado e mais coerentemente inseridas em planos de desenvolvimento regional.
Emendas tratam sobretudo da despesa na infraestrutura, a rubrica mais sacrificada nos orçamentos, embora decisiva para o crescimento econômico. Quando se fixa uma cota para as emendas paroquiais, obriga-se o governo a sacrificar outros investimentos.
O Orçamento já é bastante impositivo. Despesas obrigatórias com manutenção da máquina, pessoal, juros e seguridade consomem mais de R$ 80 de cada R$ 100 gastos pela União. O quadro reflete escolhas sedimentadas da democracia brasileira ao longo de três décadas. Optou-se pela constituição de um colchão social extenso, mas incapaz de oferecer serviços de boa qualidade --limitado pela renda apenas média do Brasil.

Se os congressistas desejam transformar o Orçamento numa peça importante para o desenvolvimento do país, deveriam começar pela revisão das despesas obrigatórias. De sua diminuição relativa nos próximos anos depende a retomada de um ritmo confortável de aumento na renda nacional.

Cuba: a generosidade brasileira, e como: US$ 176 milhoes

Brasil dará crédito de U$176 milhões a Cuba para modernizar aeroportos

AFP - Agence France-Presse, 07/05/2013


Brasil e Cuba deram outro passo de aproximação com a assinatura domemorando de entendimento em que o Brasil concede um crédito de 176 milhões de dólares para modernizar cinco aeroportos cubanos, durante a visita de um ministro brasileiro à ilha, fontes de ambos os países informaram nesta terça-feira.

O ministro brasileiro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Fernando Pimentel, assinou na segunda-feira em Havana um "memorando de entendimento que estabelece os critérios para a concessão de um crédito de 176 milhões de dólares para a modernização de cinco aeroportos cubanos", disseram fontes brasileiras.

"Esses recursos vão financiar a exportação de bens e serviços brasileiros para a ampliação e modernização dos aeroportos de Havana, Santa Clara (centro), Holguín (oriente), Cayo Coco (na costa norte) e Cayo Largo (costa sul)", acrescentaram as fontes.

Pimentel, que também se reuniu na segunda-feira com o presidente cubano Raúl Castro, assinou o memorando com o ministro cubano de Comércio Exterior e Investimento Externo, Rodrigo Malmierca, segundo as fontes.

Raúl Castro e Pimentel conversaram "sobre o excelente estado das relações bilaterais e ratificaram a vontade de continuar fortalecendo-as", disse o jornal oficial Granma, que não informou nada sobre o crédito.

Os cinco aeroportos estão relacionados com o turismo, segunda fonte de receitas da economia cubana, que aporta cerca de 2,5 bilhões de dólares anuais.

A visita de Pimentel a Cuba coincide com a visita ao Brasil do chanceler cubano Bruno Rodríguez, que na segunda-feira se encontrou com a presidente Dilma Rousseff e seu homólogo Antonio Patriota, segundo a imprensa.

Rodríguez e Patriota analisaram a possível contratação de cerca de 6.000 médicos cubanos para trabalhar em áreas que carecem de profissionais de saúde no Brasil, em um acordo que envolve a Organização Panamericana da Saúde.

A exportação de serviços médicos é a primeira fonte de renda da economia cubana. Cerca de 40.000 médicos trabalham na Venezuela e outros países, e seus serviços rendem 6 bilhões de dólares anuais à ilha.

Brasil é o sexto sócio comercial de Cuba, seu principal fornecedor de alimentos e um importante comprador de medicamentos e vacinas cubanas. O comércio bilateral alcançou um recorde de 662 milhões de dólares em 2012.

O investimento brasileiro está em ascensão em Cuba. O gigante da infraestrutura Odebrecht amplia e moderniza o porto de Mariel, 50 km a oeste de Havana, um projeto de cerca de 1 bilhão de dólares, dos quais 600 milhões vêm de um crédito de Brasília.

A frase de sempre: Theodor Adorno

Para um homem que já não possui uma pátria, a escrita converte-se num lugar onde viver

Sanguinetti sobre o Brasil; enfim um outro Brasil...

"O Brasil pretende assumir um papel mais universal, mas fracassa no Mercosul, fracassa na Unasul e, não obstante sua relevância, não tem uma liderança de fato. Seus ciúmes do México tem apequenado o País. Digo tudo isso com pesar, porque a região necessita de um Brasil vigoroso e compreensivo. (...)
Paraguaios e uruguaios, somos "brasileirólogos" ontológicos, ou seja, o Brasil é parte da nossa razão de ser. Um Brasil grande e respeitoso, um Brasil a la Barão de Rio Branco é importante para todos nós. Infelizmente, hoje o País não vem agindo assim e nossos governos teriam de encontrar uni modo de superar esta situação. O Brasil é fundamental, mas arrastado pela retórica venezuelana e isolado do México, não age à altura do seu peso específico e da qualidade dos seus governantes. Tomara que possamos fazer com que ele entenda isso, para toda a região se inserir num mundo globalizado."

Julio Maria Sanguinetti, ex-presidente (duas vezes) do Uruguai
05/08/2013

A frase da semana: Albert Hirschman sobre governos e gangsters

Comparando, com um interlocutor americano,  no outono de 1940, o submundo de Marselha, onde ele tentava escapar dos nazistas que tinham derrotado a França pouco antes, com os gangsters de Chicago, o jovem Albert O. Hirschman, alias Albert Hermant na ocasião, estendeu a comparação à sua Alemanha natal, inteiramente dominada, então, pelos gangsters nazistas:

"Na Alemanha, os gangsters e o governo são uma coisa só!"

(In Germany, the gangsters and the government are the same people.)

Soa familiar, pois não?

[ from: Jeremy Adelman, Worldly Philosopher: The Odissey of Albert O. Hirschman. Princeton University Press, 2013, p. 178 ]

Brasil: capital Caracas - Julio Maria Sanguinetti

"Brasil está subordinado à Venezuela"
Entrevista: Julio Maria Sanguinetti, ex-presidente do Uruguai
Senador que governou o Uruguai duas vezes critica o Brasil, a quem acusa de ter ciúme do México e não ser um líder de fato
ABC Color, Assunción, 5/08/2013

O ex-presidente uruguaio e senador Julio Maria Sanguinetti (1985-1990 e 1995-2000), entrevistado pelo jornal paraguaio ABC Color, afirmou na quinta-feira que o Paraguai deve retornar ao Mercosul, mas antes disso o órgão deve voltar às suas origens como rampa de lançamento para o mundo e não um "espartilho que nos amarra".
O político uruguaio criticou o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, e a presidente do Brasil, Dilma Rousseff. Sobre a líder brasileira, disse que o governo dela está "subordinado aos ímpetos da Venezuela". Os principais trechos da entrevista:
* Dentro de alguns dias deve assumir o novo governo eleito do Paraguai. Qual a sua avaliação do processo político paraguaio?
O Paraguai está no bom caminho. A crise envolvendo o presidente Fernando Lugo foi administrada dentro das normas constitucionais e esse foi um sintoma de amadurecimento político. Infelizmente isso não foi compreendido dentro do Mercosul, que agiu à margem do direito, como afirmou o próprio presidente José Mujica. Ele reconheceu expressamente isso ao afirmar que, em Mendoza, "o político superou amplamente o jurídico".
Agora há um retorno do Partido Colorado, que obteve um triunfo cabal. O mais importante é o presidente (Horacio) Cartes consolidar uma maioria e, desta maneira, preservar uma estabilidade que permitirá ao Paraguai dar um salto qualitativo. Há uma expectativa positiva na região e mais além. Virão investimentos e com eles a modernização do país e mais trabalho. O essencial é que a política não prejudique a economia.
* Por que o senhor acha que surgiu um Hugo Chávez na Venezuela o bolivarianismo se propagou para alguns países da região?
Nossa região viveu a partir de 2003 uma fase de bonança única, com preços internacionais que do ponto de vista fiscal enriqueceram os Estados. Os períodos de prosperidades às vezes têm esse filho espúrio, o populismo, que nasce com essa bonança. Ele se alimenta da nostalgia dos tempos em que todos desfrutavam. Assim nasceu o peronismo e assim nascerão todos os populismos.
* O senhor vê algo positivo no Socialismo do Século 21?
Não é uma doutrina. Apenas um discurso autoritário de um antiamericanismo anacrônico que divide as sociedades, as inflama e abre caminho para o autoritarismo.
* Quais são os aspectos mais negativos?
A restrição da liberdade de imprensa e a violação do princípio da separação dos poderes. Essas são as bases da democracia que os populismos atacam em primeiro lugar.
* O senhor acha que o processo bolivariano está consolidado e vai perdurar sem Hugo Chávez?
A última eleição na Venezuela mostrou uma oposição vigorosa apoiando Henrique Capriles, Hoje nada se assemelha aos tempos de Chávez, e assim como Chávez não foi Lula nem Dilma, Nicolás Maduro tampouco é Chávez. O desastre econômico da Venezuela, por outro lado, também abrirá muitos olhos.
* Qual deveria ser a atitude de Horacio Cartes diante da violação do direito e o menosprezo pela dignidade paraguaia por parte de seus parceiros do Mercosul em Mendoza?
O presidente Cartes tem agido, até hoje, com dignidade. Não foi ao Brasil, mesmo com seu desejo de encontrar-se com o papa Francisco. Anunciou que não terá nenhuma atuação no Mercosul sob a presidência da Venezuela, o que é mais lógico. Se foi arrogante e ilícito suspender o Paraguai, não é menos (arrogante) ratificar a presidência da Venezuela, justamente com um presidente que, como ministro do Exterior, esteve no Paraguai incentivando um golpe militar. O que ocorreria se esse mesmo comportamento fosse adotado por um secretário de Estado americano ou, ainda, um ministro do Exterior argentino? Confio e desejo que o Paraguai volte a ser um parceiro ativo no Mercosul, para defender um pacto que não continue traindo os valores estabeleci; dos quando da sua fundação.
* O senhor acredita que a crise do Mercosul é temporária? O Mercosul poderia desaparecer?
O Mercosul sobrevive, como sobrevivem todas as instituições internacionais que, depois de criadas, criam mecanismos para se sustentar. Mas hoje o Mercosul já não é o que construímos. Não existe uma liberdade comercial efetiva, não há uma coordenação macroeconômica, nem as sentenças emitidas pelo Judiciário são aceitas. Sua crise é muito profunda, mas a ideia continua válida. É incrível que estejamos marginalizando o Paraguai e aceitando o Suriname e a Guiana como parceiros. O mesmo ocorre com a Unasul, que abriga países alheios à nossa cultura e, por outro lado, deixa de fora o México, uma potência que se compara ao Brasil.
* Um país como o Paraguai podaria avançar à margem do Mercosul?
Pessoalmente acho que o Paraguai, dentro das simples normas comerciais da Organização Mundial do Comércio (OMC), poderia continuar crescendo como ocorre hoje, e até buscar melhores horizontes para se expandir. Acho que o Uruguai está nesta mesma situação. Mas na minha opinião tem sentido continuar no Mercosul se conseguirmos condições de flexibilidade para manter acordos comerciais fora dele, como fez o Uruguai com o México, por exemplo. Essa seria uma orientação política fundamental. O Mercosul deve ser uma rampa de lançamento para o mundo e não um espartilho que nos amarra.
* Se o senhor fosse presidente do Uruguai, o que faria em favor do Paraguai neste momento e nestas circunstâncias?
Não me coloco nessa posição, mas digo que os outros três países do Mercosul, incluindo o nosso, demonstram amplamente solidariedade com o Paraguai no seu processo de democratização, desde que iniciado pelo general Andrés Rodriguez, em cuja palavra acreditamos na época, felizmente, o que abriu um caminho valioso. Deveríamos hoje retomar essa; orientação e respeitar o Paraguai. Não é possível que o Brasil acabe sempre subordinado aos ímpetos da Venezuela. Infelizmente é o que ocorre.
* O que o Uruguai fez bem na última década que seria recomendável ao Paraguai?
O Uruguai retrocedeu na educação, segurança pública e na integração social. Mas conservou a mesma linha econômica, respeitando a economia de mercado e os equilíbrios ma! croeconômicos. Meu país e mesmo alguns setores da esquerda aprenderam essa lição: não há preço para a estabilidade política e a continuidade econômica, que dão segurança ao investidor, estrangeiro ou nacional. E uma economia forte é o único caminho para lutar seriamente contra a pobreza, a partir de uma educação popular que consiga inserir a nova geração no mundo global da sociedade do conhecimento, para o qual a maioria hoje não está preparada.
* O senhor não acha que há uma competição entre Estados Unidos e o Brasil pela liderança na América Latina e o Caribe?
Hoje, de maneira nenhuma. Os Estados Unidos não estão numa disputa dessa natureza. O Brasil pretende assumir um papel mais universal, mas fracassa no Mercosul, fracassa na Unasul e, não obstante sua relevância, não tem uma liderança de fato. Seus ciúmes do México tem apequenado o País. Digo tudo isso com pesar, porque a região necessita de um Brasil vigoroso e compreensivo.
* Socialismo do século 21, o Mercosul, Aliança do Pacífico, Brasil, Argentina, México, Estados Unidos, Europa, China, qual a sua visão geopolítica da região e do mundo nos próximos anos?
Hoje estamos fora do jogo. Os países do Pacífico avançam entre si e avançam para a Ásia. Os Estados Unidos estão em recuperação e continuam a potência de sempre, já não dominante, mas participando na frente asiática e aproximando-se também de uma Europa em crise, que, mesmo debilitada, continua economicamente um bloco maior. Permanecendo na periferia não vamos nos fortalecer. Estamos aqui, fechados, olhando como os grandes blocos se associam e nós, mergulhados em batalhas de pequenas aldeias. O Mercosul está em crise e isso, é admitido até pelos líderes do governo uruguaio atual.
* O senhor parece muito critico do Brasil. Por quê?
Paraguaios e uruguaios, somos "brasileirólogos" ontológicos, ou seja, o Brasil é parte da nossa razão de ser. Um Brasil grande e respeitoso, um Brasil a la Barão de Rio Branco é importante para todos nós. Infelizmente, hoje o País não vem agindo assim e nossos governos teriam de encontrar uni modo de superar esta situação. O Brasil é fundamental, mas arrastado pela retórica venezuelana e isolado do México, não age à altura do seu peso específico e da qualidade dos seus governantes. Tomara que possamos fazer com que ele entenda isso, para toda a região se inserir num mundo globalizado. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

Brasileiros no mundo: resta saber em qual ! - Rui Martins

Golpe do Itamaraty nos emigrantes

Direto da Redação, 6/8/2013 18:21
Falta criatividade ? Os Conselhos de Cidadania de emigrantes, agora ressuscitados, foram criados no governo FHC.
Falta criatividade ? Os Conselhos de Cidadania de emigrantes, agora ressuscitados, foram criados no governo FHC.
Prometo que não vou continuar batendo na mesma tecla, pois pelo jeito nada vai mudar. Ou a presidenta Dilma não quer ouvir ou os reclamos dos emigrantes não chegam a transpor as paredes de sua torre de marfim.
Porém, antes de aceitar a evidência dos limites da democracia e do meu fracasso em sensibilizar alguém do governo, gostaria de propor uma rápida questão sobre o significado dos emigrantes.
Vejamos – existem milhares e mesmo milhões de brasileiros dispersos pelo mundo. A maioria nos EUA, seguindo-se o Paraguai, os países europeus e o Japão.
Esse pessoal, geralmente com a mania de vestir camisetas verde-amarelas, faz parte da população brasileira ou já foram excluídos e conservam o passaporte como um simples documento de viagem ?
Se já não fazem parte da população brasileira, entendo terem sido entregues aos consulados e seus diplomatas, para poderem renovar o passaporte, registrarem o casamento, os filhos, se divorciarem e enviarem atestados de óbitos ou participarem da partilha de heranças deixadas pela família no Brasil.
Entendo haver um Conselho de Cidadania para esses emigrantes com meia-nacionalidade irem discutir com os diplomatas locais a festa do 7 de setembro (neste ano, a festa será no 9 de setembro por ter caído num sábado, dia de descanso sagrado nos consulados), a cor disto, a data daquilo, mas nunca o total da subvenção distribuída pelo Consulado a esta ou aquela iniciativa proposta por uma associação filantrópica, religiosa ou de comunicação.
Existe uma prestação de contas mensal ou anual dos Consulados, transparente, publicada no Portal de cada região? Para se saber quanto se gastou nisto ou naquilo, se houve concorrência pública, ou essas informações são enviadas apenas para o Itamaraty ?
O chamado Conselho de Cidadãos tem acesso a essas informações ? Pode influir na escolha do pianista ou violonista convidado para uma soirée musical e saber qual foi o caché pago ? Pode saber qual o orçamento previsto para as atividades locais do Consulado especificando as verbas de representação deste ou daquele membro do pessoal ?
Se pode, está na hora de se tornar tudo isso público, se não for em editais publicados na mídia emigrante pelo menos no Portal local e no Quadro de Avisos afixado na sala de espera para os emigrantes.
Se isso não é da competência ou da alçada do Conselho de Cidadãos, seria bom se perguntar qual a utilidade de um conselho de limitadas opções e alternativas, incapaz de tomar decisões, tal como o conselho maior, o CRBE, entidade sem verba para funcionar, sem autonomia e totalmente sujeita ao bem querer do Itamaraty. Um Conselho de Representantes que representa, não se sabe bem quem, pois seus membros foram eleitos com menos de 0,02% da população emigrante.
Qual a finalidade desse Conselho ? Depois da ineficácia do CRBE nos últimos dois anos, justamente por falta de verba e por não poder tomar decisões, a conclusão não pode ser outra – o CRBE tem a finalidade de fazer parte do mundo do faz de conta, porque com ou sem CRBE, nada muda, o Itamaraty aplica a política por ele julgada necessária aos emigrantes.
Cabe ao Itamaraty cuidar do Portal Consular, inscrever ou não as informações de associações emigrantes existentes pelo mundo, nenhuma delas tem a senha para inserir a menor notícia ou informação. O mesmo se aplicando aos portais consulares locais. Ou seja, os membros dos Conselhos de Cidadania participam de uma ópera-bufa, cuja música e cujo libreto são compostos, segundo a criatividade dos diplomatas locais.
Mas voltemos à pergunta inicial – os emigrantes fazem parte da população brasileira ? Se fazem, porque não são considerados como cidadãos emancipados com direito a decidirem eles próprios e a terem representantes parlamentares, como os menores Estados brasileiros ?
Por que o Brasil não segue o exemplo de outros países, experientes em questão de emigração, que reconhecem seus emigrantes como parte integrante da população e lhes dão possibilidades de decisão e de representação no Parlamento ?
É uma lástima, e pior ainda perceber o contentamento de tantos membros de Conselhos de Cidadania por poderem tomar café com os diplomatas e não serem mais tratados como desconhecidos nos guichês dos Consulados. Esaú se vendeu também por um prato de lentilhas.
(Publicado originalmente no site Direto da Redação)
Rui Martins, jornalista, escritor, correspondente em Genebra.

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Meu mais recente livro – que não tem nada a ver com o governo atual ou com sua diplomacia esquizofrênica, já vou logo avisando – ficou final...