domingo, 20 de outubro de 2013

Bolsa Familia (vulgo curral eleitoral): debate sobre uma prioridade do governo...

...e um atraso para o país, eu diria, ao converter praticamente um quarto da população em uma nação de assistidos. As deformações que vem sendo criadas no plano psicológico, as distorções que isso cria nos mercados de trabalho, a mentalidade patrimonialista que vem sendo reforçada, todos os elementos negativos de um país que não está preparado para crescer, apenas para vegetar.
Os economistas e sociólogos podem até achar que se trata de uma política positiva, que diminui a pobreza, que permite melhor alimentação, mas eu não acho. O que se está fazendo é simplesmente retirando dinheiro de um lado e colocando em outro, da maneira menos eficiente possível, ou seja, pelo Estado, que fica com uma parte e alimenta uma rede assistencialista com objetivos essencialmente políticos.
Ela está inviabilizando o desenvolvimento do Brasil.
Paulo Roberto de Almeida

Em dez anos de Bolsa Família, gastos federais em assistência triplicam
Folha de S.Paulo, 20/10/203

Para descobrir quais são as reais prioridades dos governos, é mais instrutivo prestar atenção no destino dos gastos do que nas palavras dos políticos. Em dez anos completados hoje do programa Bolsa Família, a maior transformação no Orçamento da União se deu na assistência social.
De área tida como secundária, até mal vista por setores à esquerda e à direita, a assistência se tornou a quarta maior modalidade de despesa federal, atrás apenas da imbatível previdência, da educação e da saúde (que ficou estagnada no período).

Como proporção das receitas do governo, a assistência _que compreende benefícios destinados à população de baixa renda sem a contrapartida de contribuições sociais_ deixou para trás, na última década, setores tradicionais como a Defesa, o amparo ao trabalhador e todo o Poder Judiciário.
Ao longo da administração petista, os gastos assistenciais, compostos pelo Bolsa Família e pelos benefícios destinados a idosos e deficientes, saltaram do equivalente a 3,2% para 9,2% da receita corrente líquida do governo (a receita permanente, descontados os repasses para Estados e municípios e outras fontes de recursos).
Em valores, é melhor comparar os R$ 13,9 bilhões de 2004 (R$ 21,6 bilhões em valores atuais), quando todas as despesas do programa passaram a ser classificadas como assistenciais, com os R$ 68,1 bilhões programados para 2014.
O montante triplicou não apenas por causa do Bolsa Família, que, no período, saltou de R$ 7,5 bilhões para 24,7 bilhões. Mas foi o programa que elevou essa modalidade de despesa ao patamar de prioridade federal.
De lá para cá, a assistência deixou de ser encarada como mera dádiva temporária a famílias carentes. Ganhou um ministério, formuladores, estatísticas (um tanto contaminadas pela leitura eleitoral) e protagonismo no debate político. 

Permanecem acusações de paternalismo ou de abandono das pretensões de transformação social, mas nenhuma força política relevante no país se anima a propor o desmonte do atual aparato assistencialista. Mesmo antigos pleitos por uma “porta de saída” do Bolsa Família parecem esquecidos.
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ANÁLISE
Bolsa Família diminuiu a pobreza, mas avanços na qualificação são pequenos
ANDRÉ PORTELA SOUZA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Programas nos moldes do Bolsa Família nasceram com duplo objetivo. De um lado, combater a pobreza no curto prazo via transferências de renda às famílias pobres e, de outro, reduzir a pobreza no longo prazo via condicionalidades que incentivam a acumulação do capital humano de suas futuras gerações.
Visto por muitos como uma política inovadora, esperava-se que com esse esforço fosse possível eliminar a pobreza em algumas poucas gerações. Com mais de uma década de experiências, podemos tirar algumas lições baseadas em evidências empíricas.
Os estudos podem divergir quanto às magnitudes, mas já existem evidências acumuladas de que o Bolsa Família ajudou a reduzir a pobreza no país --pelo número de famílias beneficiadas e por estar predominantemente focalizado nos mais pobres.
Já as evidências positivas de impactos sobre a acumulação do capital humano nas novas gerações são muito tênues ou de pouca magnitude. Os impactos sobre a educação das crianças e jovens beneficiadas são positivos, mas pequenos. Observam-se pequenas melhorias na frequência à escola e na progressão escolar. Não se encontram diferenças favoráveis em proficiência e não se encontram efeitos favoráveis em indicadores de saúde como nutrição e vacinação.
Conclui-se que o programa tem sido efetivo em focalizar as transferências de renda para as famílias mais pobres, mas não tão efetivo em estimular de maneira significativa a acumulação de capital humano das novas gerações.
Talvez o maior mérito do programa até agora tenha sido fazer com que as políticas sociais de transferências cheguem aos mais pobres. Criou-se no Brasil uma tecnologia de políticas públicas. O desafio está em aproveitar a tecnologia para aumentar a eficácia das políticas sociais para eliminar a pobreza no Brasil.
ANDRÉ PORTELA SOUZA é professor da Escola de Economia de São Paulo da FGV

Voce percebe que ja vive num pais fascista quando... - Carlos Alberto Sardenberg

O título não é do Sardenberg, mas meu, embora ele permite visualizar claramente o que significa viver num país fascista. O fascismo é quando o Estado manda em você, certo? Simples assim.
Não vem com aquela conversa de milícias armadas, partido único, ditador de opereta fazendo discursos ridículos num balcão (mas podemos ter discursos ridículos pela TV igualmente).
Em sua essência, o fascismo é aquilo que disse Mussolini: tudo no Estado, tudo com o Estado, nada fora e nada contra o Estado.
O Brasil por acaso é diferente disso?
Se acharem, leiam o artigo abaixo, do Sardenberg.
Para mim, isso já é fascismo...
Não sei como os empresários aguentam, enquanto classe, corporação, serem mandados por um bando de políticos corruptos e de dirigentes incompetentes. Eles têm o poder de parar com isso.
Por isso volto ao tema da Fronda Empresarial.
Mas acho que a maioria é muito covarde para pensar numa revolta contra o Estado.
Paulo Roberto de Almeida

Maior desânimo

O GLobo, 18 de outubro de 2013 
Carlos Alberto Sardenberg
  
Carlos Alberto Sardenberg
A queixa se iguala: “Estamos trabalhando para os caras”. Mesmo quando não é corrupta, a burocracia tende a se tornar um fim em si mesma
Começou com um ouvinte do programa CBN Brasil, que se apresentou como pequeno empresário da indústria e fez uma espécie de consulta: que tal se ele vendesse a fábrica, o que lhe daria uns R$ 3 milhões, e passasse a viver de aplicações financeiras, hoje em fundos imobiliários?
Por que faria isso se, como ele mesmo disse, a fábrica ia bem e dava dinheiro?
Por cansaço e desânimo, respondeu. Contou então que, como pequeno empresário, precisa estar em cima de tudo, da produção à contabilidade, das vendas aos fornecedores. E que ele não aguentava mais a trabalheira, não na produção de suas peças, mas na burocracia em volta, na dificuldade da gestão.
Colocamos a história no ar, na última terça-feira, Mara Luquet comentou, e imediatamente começamos a receber e-mails com casos parecidos. Alguns deles reclamavam da queda de atividade em seus setores — como um rapaz produtor de parafusos e outras peças para portas de vidro, com vendas em queda por causa do declínio da construção civil.
Mas mesmo esse dizia que ainda estava no lucro. Na verdade, como os demais, também estava mais cansado da trabalheira, digamos, institucional: lidar com as leis e regulamentos, suas autoridades, os tribunais, os fiscais, o pessoal do Fisco. É o maior desânimo, explicava um fabricante de roupas, também jovem, empreendedor: “Parece que a gente não trabalha no negócio, trabalha para os outros que ficam ali… atrapallhando”.
Parecia a esses empreendedores, da economia real, que a vida de investidor financeiro, rentista, era mais fácil e mais segura.
Estava com isso na pauta quando escuto, pela tevê, o comentário de um dos chefes do crime em São Paulo, grampeado numa conversa com um colega: “Tô no maior desânimo, irmão, só trabalho para os caras; neste ano, já paguei uns 700 contos pra eles”.
Sim, são situações bem diferentes. Não estamos nem de longe comparando empreendedores honestos com empresários do crime. Mas reparem: nos dois casos tem uma falha do Estado e das instituições. No primeiro, a burocracia (no sentido amplo) atrapalha uma atividade legal e produtiva, que deveria ser facilitada; no segundo, atrapalha uma atividade ilegal que deveria ser coibida, mas é preservada exatamente para dar lucro a agentes do Estado.
A queixa se iguala: “Estamos trabalhando poara os caras”. Mesmo quando não é corrupta, a burocracia tende a se tornar um fim em si mesma. Quando se chega a esse ponto, ela não existe mais para regular e controlar a atividade legal ou coibir a ilegal, mas a atividade privada, qualquer que seja, só existe para dar sentido (e vantagens) à burocracia e seus agentes.
A que ponto chegamos: o fabricante de parafusos e o distribuidor de cocaína no maior desânimo…

A frase da decadencia garantida: Peron continua vivo na Argentina

Depois dessa, creio que a Argentina realmente não tem futuro: só tem passado, e este é cada vez pior.

- Queremos resgatar o melhor Perón!

Sergio Massa, candidato provável à presidência argentina, em ato em comemoração do Dia da Lealdade Peronista.

A frase do dia: censura na China

Apenas postando, e registrando que mesmo a vida do homem que levou a China de volta ao capitalismo tem aspectos incômodos aos comunistas-capitalistas que atualmente mandam na China.
Eles até podem ser capitalistas, pelo menos em intenção, mas continuam autoritários, se não totalitários...

QUOTATION OF THE DAY

"To me the choice was easy. I thought it was better to have 90 percent of the book available here than zero."
EZRA F. VOGEL, a professor emeritus at Harvard, on allowing Chinese censors to remove material from his book on Deng Xiaoping so that it could be published in China.
The New York Times, 20/10/201203

Agora a matéria completa:

Authors Accept Censors’ Rules to Sell in China

BEIJING — Chinese readers of Ezra F. Vogel’s sprawling biography of China’s reformist leader Deng Xiaoping may have missed a few details that appeared in the original English edition.
The Chinese version did not mention that Chinese newspapers had been ordered to ignore the Communist implosion across Eastern Europe in the late 1980s. Nor that General Secretary Zhao Ziyang, purged during the Tiananmen Square crackdown, wept when he was placed under house arrest. Gone was the tense state dinner with the Soviet leader Mikhail S. Gorbachev when Deng, preoccupied by the throngs of students then occupying the square, let a dumpling tumble from his chopsticks.
The dumpling sentence has been removed from the Chinese version.
The dumpling sentence has been removed from the Chinese version.
Mr. Vogel, a professor emeritus at Harvard, said the decision to allow Chinese censors to tinker with his work was an unpleasant but necessary bargain, one that allowed the book to reach the kind of enormous readership many Western authors can only dream of. His book, “Deng Xiaoping and the Transformation of China,” sold 30,000 copies in the United States and 650,000 in China.
“To me the choice was easy,” he said during a book tour of China that drew appreciative throngs in nearly a dozen cities. “I thought it was better to have 90 percent of the book available here than zero.”
Such compromises, almost unheard of just five years ago, are becoming increasingly common as American authors and their publishers are drawn to the Chinese market. With a highly literate population hungry for the works of foreign writers, China is an increasing source of revenue for American publishing houses; last year e-book earnings for American publishers from China grew by 56 percent, according to the Association of American Publishers. Chinese publishing companies bought more than 16,000 titles from abroad in 2012, up from 1,664 in 1995.
This month, Chinese book agents and publishers flocked to the Frankfurt book fair, aggressively bidding on the works of Western writers and offering handsome advances, especially for titles by best-selling authors. China can also be a gold mine for royalties. Last year J.K. Rowling took in $2.4 million here, and Walter Isaacson, the author of thebiography “Steve Jobs,” earned $804,000, according to the Huaxi Metropolitan Daily in Chengdu, which publishes an annual list.
But while best-selling mysteries like “The Da Vinci Code,” by Dan Brown, or classics like Gabriel García Márquez’s “One Hundred Years of Solitude” are often faithfully translated, the authors of sexually explicit works or those that touch on Chinese politics and history can find themselves in an Orwellian embrace with a censorship apparatus that has little patience for the niceties of literary or academic integrity.
Some books, like “Fifty Shades of Grey,” the erotic blockbuster by E.L. James that has been published in more than three dozen countries, may be beyond salvaging. A Chinese publisher who reportedly paid handsomely for the rights last year has so far been thwarted from bringing it to press, according to industry executives.
Qiu Xiaolong has refused to allow his fourth novel, “A Case of Two Cities,” to be printed in China.
Dilip Vishwanat for The New York Times
Qiu Xiaolong has refused to allow his fourth novel, “A Case of Two Cities,” to be printed in China.
Foreign writers who agree to submit their books to China’s fickle censorship regime say the experience can be frustrating. Qiu Xiaolong, a St. Louis-based novelist whose mystery thrillers are set in Shanghai, said Chinese publishers who bought the first three books in his Inspector Chen series altered the identity of pivotal characters and rewrote plot lines they deemed unflattering to the Communist Party. Most egregiously, he said, publishers insisted on removing any references to Shanghai, replacing it with an imaginary Chinese metropolis called H city because they thought an association with violent crime, albeit fictional, might tarnish the city’s image.
Mr. Qiu, who writes in English but was born and raised in China, said that he had reluctantly agreed to some of the alterations, and only after heated discussion, but that others had been made after he approved what he thought were final translations. “Some of the changes are so ridiculous they made the book incoherent,” he said in a phone interview. Having been burned three times, he said he has refused to allow his fourth novel, “A Case of Two Cities,” to be printed in China.
The title of "When Red is Black" was changed to "A Farewell Song to Shikumen" in China. According to the author, Qiu Xiaolong, the words "red" and "black" were considered too politically sensitive.
The title of "When Red is Black" was changed to "A Farewell Song to Shikumen" in China. According to the author, Qiu Xiaolong, the words "red" and "black" were considered too politically sensitive.
Other authors have resisted, too. In 2003, Hillary Rodham Clinton ordered her memoir “Living History” pulled from Chinese shelves after she discovered that large sections of the book had been excised without permission. More recently, a Chinese version of Alan Greenspan’s “Age of Turbulence” was shelved after he refused to approve significant changes to the book.
James Kynge, a columnist for The Financial Times and the author of “China Shakes the World: A Titan’s Rise and Troubled Future — and the Challenge for America,” walked away from a potentially lucrative deal last year after one publisher demanded that an entire chapter be cut. “As a journalist committed to accuracy,” he said, “I felt it would be terrifically hypocritical to waive that principle just to gain access to the Chinese marketplace.”
But such stands, it seems, are becoming increasingly rare. Many writers say they are torn by their desire to protect their work and the need to make a living in an era of shrinking advances. For others, it is simply about cultivating an audience in the world’s most populous country, a rising superpower that cannot be summarily ignored.

O que eu faria se fosse presidente por um dia? Boa pergunta... - Estudantes pela Liberdade

Recentemente deparei-me na internet com o anúncio deste encontro promovido pelos Estudantes pela Liberdade, um movimento que marcha contra a corrente atual no Brasil, que considero ser a da construção do fascismo, com o apoio ativo dos movimentos "sociais" em geral, e da União Nacional dos Estudantes em particular (todos eles na folha de pagamento do lulo-petismo, justamente o poder que está construindo o fascismo no Brasil):

O cartaz do evento, já realizado, encontra-se neste link:
http://epl.org.br/files/2013/10/1371371_668276043183990_800365458_n.jpg

Conheço os palestrantes, mas desconheço o que eles disseram. Procurei na página do epl.org.br, mas não encontrei nada sobre o encontro.

Mas, no meu caso, o que eu poderia dizer?

Bem, começaria dizendo que um dia é pouco para realizar o imenso rol de tarefas para consertar o Brasil, uma tarefa gigantesca não só em virtude dos impedimentos, barreiras e obstáculos constitucionais, mas também em função da mentalidade atualmente em curso no Brasil, um verdadeiro complô generalizado, em todas as classes, em favor de mais Estado, de mais políticas públicas, de mais favores governamentais, enfim, de mais dirigismo, o que eu reputo totalmente contrário ao que seria preciso fazer para começar a consertar o Brasil.
Tarefa difícil, portanto, inclusive porque o presidente pode muito mas não pode tudo, e depende do Congresso para aprovar inclusive mudanças no âmbito do próprio poder executivo, o que parece normal (menos normal é o fato de o Congresso e o Judiciário administrarem seus orçamentos em total independência, impondo gastos crescentes ao país e ao próprio poder executivo).

Acredito que eu começaria reduzindo a máquina pública, ou seja, de uma penada reduziria os ministérios à metade, voltando ao padrão normal dos anos 1970, e extinguiria dezenas, senão centenas de entidades estatais criadas nos últimos anos pelo poder lulo-petista. Demitiria sumariamente dezenas, centenas, milhares de contratados sob cargos de confiança, pois eles podem ser tudo, menos de confiança, justamente, e são absolutamente desnecessário. Eles estão ali para recolher dinheiro para o partido totalitário que tenta controlar a sociedade, e ainda não conseguiu seu intento (mas já se apossou da máquina do Estado).

Não daria para fazer mais, em um dia, mas tentaria encaminhar ao Congresso algumas dezenas de novas emendas constitucionais redutoras, ou seja, extinguindo metade dos absurdos e esquizofrenias ali constantes, e remetendo tudo à legislação ordinária (quando houvesse estrita necessidade, pois muitos dispositivos poderiam ser extintos, deixando a própria sociedade resolver questões de bens e serviços pela via do mercado).
Não creio que haveria aprovação congressual, mas pelo menos suscitaria debate em torno da questão principal, que é o fato de o Brasil possuir uma Constituição que simplesmente impede o crescimento do Brasil.
Formulei algumas dessas críticas num artigo recente, que vou disponibilizar neste espaço:


A Constituição brasileira aos 25 anos: um caso especial de esquizofrenia econômica”, Digesto Econômico (vol. 68, n. 474, Julho-Agosto 2013, p. 64-74; ISSN: 0101-4218). Relação de Originais n. 2505b; Relação de Publicado n. 1105. 

Paulo Roberto de Almeida

Derrocada institucional do Itamaraty - Revista Consultor Jurídico


DERROCADA INSTITUCIONAL DO ITAMARATY AFETA ATÉ O JUDICIÁRIO BRASILEIRO

Revista Consultor Jurídico

 
O episódio envolvendo a operação que trouxe clandestinamente ao Brasil o senador boliviano Roger Pinto Molina, articulada pelo ex-encarregado de negócios da missão brasileira na Bolívia, Eduardo Saboia, não foi um incidente isolado e tampouco o fruto de um rompante de insubordinação de um diplomata. Justamente em sentido contrário, tratou-se de “um episódio altamente simbólico”que ilustra um processo complexo de “derrocada institucional” do Itamaraty, agravado ainda pelo contexto de um Executivo sem agenda para a política externa e refratário à experiência e competência técnica de suas missões no exterior.  Este é o pensamento de fontes do Ministério das Relações Exteriores, em Brasília, ouvidas ao longo dos meses de agosto e setembro pela revistaConsultor Jurídico.
Esse fenômeno de “opacidade institucional” pode elucidar as questões por trás da atitude de Saboia, garantem diplomatas. O vácuo de liderança e estratégia que levou o ex-encarregado de negócios a uma atitude severa tem origens profundas e envolvem uma gama distinta de fatores. O primeiro aspecto dessa crise está relacionado ao próprio Itamaraty, instituição que encontra dificuldades de se inserir na estrutura administrativa de Estado desde a promulgação da Constituição de 1988. “A instituição não se atualizou”, como foi dito à ConJur.
O outro fator diz respeito à posição da Bolívia no quadro da política externa brasileira. O país reflete, em particular, a falta de consistência da estratégia diplomática do Brasil para toda a América Latina. Trata-se, na visão de especialistas, de uma nação profundamente dividida culturalmente, com dificuldades de consolidação de uma identidade nacional. Como agravante, o comportamento imprevisível do governo do presidente Evo Morales e a tolerância do Executivo brasileiro com o governo boliviano por questões referentes meramente à conveniência política têm deixado o Itamaraty no vácuo provocado pela ausência de autonomia e autoridade. Sem espaço para tomar decisões, a diplomacia brasileira tem dificuldade de exercer seu papel em situações como a que envolvem, por exemplo, as empresas do Brasil na Bolívia.
O caso das empresas brasileiras naquele país é elucidativo. Independente de questões próprias à esfera da disputa comercial e dos erros que as companhias brasileiras possam vir a cometer, o fato é que as empresas do Brasil com presença na Bolívia têm sido constrangidas, postas à prova e, não raro, se encontram em situação de completa vulnerabilidade frente aos desmandos das autoridades bolivianas e à instabilidade institucional do país vizinho. O quadro parece não sensibilizar o Planalto. Alheio à realidade daquele país, o ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, sob o pretexto de sugerir que o Brasil deveria repensar seu modelo de desenvolvimento nacional, chegou a afirmar que as empresas transnacionais brasileiras têm um “comportamento subimperialista”.
A despeito das evidências, prevalecem os “desígnios imprevisíveis do Planalto”, como foi qualificado à ConJur. “É a burocracia de Estado tentando preservar as aparências”, disse.
A exemplo de cada vez mais setores da vida pública e privada no Brasil, o cerne dessa crise, tudo indica, deverá ser atraído para o Judiciário. É o que sugere, de um lado, a impetração de pedido de Habeas Corpus em favor do senador Roger Pinto Molina no Supremo Tribunal Federal. De outro lado, talvez caiba à Justiça manifestar-se sobre um conflito interno da política externa brasileira. “Não é só perda de credibilidade, mas do direito de estabelecer sua própria agenda. Em outros tempos, seria absurdo conceber que um diplomata tivesse que ir à Justiça para resolver uma questão que é de foro da estratégia da política diplomática”, foi dito à reportagem da ConJur em Brasília.
Centralismo
O centralismo no planejamento da política externa, com decisões desenhadas essencialmente com um fundo político e frequentemente alheias às preocupações de Estado, compromete a atuação da diplomacia como um todo, mas, no caso de vizinhos “complicados”, o prejuízo é patente. “A Bolívia não perdoa a indiferença”, diz uma fonte, sobre a lacuna de consistência e o descaso do governo brasileiro em relação ao intricado contexto do país vizinho.
Some-se também a prevalência de posturas ideologizadas e mesmo de uma visão romântica da Bolívia por políticos e autoridades do alto escalão, apesar do apelo do corpo diplomático brasileiro naquele país para que o Executivo estabeleça uma política clara e estrategicamente coerente para lidar com um vizinho tão complexo. A situação repete-se não só com as nações de fronteira, mas com toda a América Latina.
Posturas ideologizadas não se traduzem necessariamente em liderança, como se viu na chamada guerra das papeleiras, o conflito diplomático entre Argentina e Uruguai em virtude da instalação de duas fábricas de papel e celulose de origem finlandesa na margem oriental do Rio Uruguai. A Argentina acabou por rejeitar a intermediação do Brasil, proposta pelo então presidente Lula, sob a justificativa de que aquele era uma questão bilateral e também pela ausência de diretrizes estabelecidas pelo Mercosul para lidar com conflitos do tipo. O caso é considerado por alguns diplomatas e especialistas como uma das razões para a “implosão” do bloco regional.
Paralelo à frouxidão da política externa com a própria vizinhança, o Brasil, nos últimos anos, ensaiou movimentos ousados entre os chamados “grandes interlocutores globais”, como nos casos da negociação por um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU e a estratégia brasileira de se aproximar do Irã ainda no segundo mandato do governo Lula. Para fontes consultadas pela ConJur, enquanto que, na superfície, o que se tinha era uma política externa voltada para o “terceiro mundo”, que não se pautava pelos grandes agentes globais, no fundo, prevaleciam critérios arbitrários em prejuízo da tradição diplomática brasileira que sempre se impôs pelo preparo de seus diplomatas e o cunho estratégico. Ou seja, perdia-se, cada vez mais, a perspectiva de uma política externa que tinha como base se projetar, primeiramente, da relação estratégica com os vizinhos para, então, junto aos “grandes interlocutores globais”. No caso da Bolívia, em que a política externa precisa definir a estratégia para administrar os "interesses conflitantes" entre ambos os países, o quadro tornou-se insustentável frente a irresponsabilidade do governo na condução do episódio.
Direitos humanos
Ao passo em que as bandeiras do governo de Evo Morales iam “caindo uma a uma” — o indigenismo, o ambientalismo e, por fim, os direitos humanos — a diplomacia brasileira na Bolívia passou a lidar com o diálogo surdo entre ambos os chefes de Estado, com promessas vagas e evasivas desconsideradas de lado a lado, tão logo se encerravam as visitas oficiais. Nesse limbo, é que ocorriam involuções como o caso do senador de oposição boliviano Roger Pinto Molina, que, desde 8 de junho de 2012, vivia, em condição de asilado e em estado de cerco, na embaixada brasileira em La Paz.
O governo boliviano alega que o parlamentar pediu asilo para não ter que responder na Justiça do seu país por crimes financeiros calculados em pelo menos US$ 1,7 milhões. Apesar das condições de alojamento precárias, problemas de saúde do deputado e provocações de autoridades policiais bolivianas, Brasília não quis interferir, mesmo com a resistência do governo boliviano em proceder com o salvo-conduto, com fins de avançar com o asilo territorial.
Outro ponto que ilustra as contradições e a debilidade da relação Brasil-Bolívia foi a resposta do governo brasileiro ao ser informado da entrada de Molina no Brasil. Sucederam às ameaças informais de suspensão de asilo e extradição, a transferência do chanceler Antonio Patriota, a remoção do embaixador Marcel Biato e de Eduardo Saboia e a abertura de uma sindicância para avaliar o caso.
Porém, em paralelo, ocorriam falhas no nível burocrático mais elementar, como, por exemplo, o governo não se manifestar oficialmente sobre a presença do senador boliviano em território nacional. Além de colocar em dúvida o próprio cumprimento da decisão do asilo, o governo brasileiro não fez qualquer declaração oficial sobre a chegada e a presença Molina no país. Coube ao próprio político ter de ir ao cartório, há algumas semanas, para, enfim, fazer uma declaração juramentada, com a finalidade de obter alguma  garantia, uma documentação sobre sua condição de asilado.
O documento será usado, assim, como elemento da defesa de Saboia no processo administrativo. O diplomata é representando pelos advogados Pedro Paulo de Medeiros e Ophir Cavalcante Júnior. O constitucionalista Ives Gandra e o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Carlos Velloso chegaram a se oferecer para representar Eduardo Saboia, por simpatia pela causa do diplomata.
O mito do Rio Branco
Quanto ao referido quadro de desgaste institucional do Itamaraty, o período correspondente a promulgação da Carta de 1988 é apontado como a época em que o Ministério das Relações Exteriores começou a enfrentar as dificuldades de se inserir no modelo de padronização do Poder Público brasileiro pós-1970. A instituição não fez, nas palavras de uma das fontes consultadas, a "transição" para o novo modelo de Estado, pautado pela transparência e a diálogo com uma opinião pública cada vez mais atenta à agenda internacional e seu impacto doméstico.
Como "não houve decisões" do próprio órgão em relação a esse novo contexto institucional, uma série de questões sobre a natureza da carreira não foi enfrentada. O resultado, apontam, vai além do despreparo do Itamaraty para lidar com a opinião pública, mas envolve a própria transformação do perfil do diplomata brasileiro. Se antes se orgulhavam  de ser "generalistas" preparados com excelência, uma referência para a diplomacia de outros países, a complexidade da agenda externa de uma potência emergente como é o Brasil hoje, exige conhecimentos especializados e, sobretudo, descentralização e celeridade dos processos decisórios.
Trata-se de uma mudança mais profunda no próprio perfil da carreira, que vai de encontro ao chamado mito do Rio Branco, do diplomata que saí em missão como sacerdotes faziam, "como um estratega e intérprete da  vontade do Estado".  A carreira mudou. Não são só mais diplomatas, são também diplomatas que permanecem mais tempo na carreira e uma geração com uma formação distinta, já que mudou até mesmo o perfil de treinamento do Instituto Rio Branco.
Nas palavras de uma fonte consultada pela ConJur, o Itamaraty corre o risco de se tornar um "funcionalismo de 2° escalão", onde são raros os casos de diplomatas que ascendem aos cargos de direção e projeção política na carreira. "A expressão acabada disso é que abdicamos pouco a pouco de nossa tarefa mais nobre e fundamental, a de intérprete", avaliou.
Conjur / Portal do Holanda

Uma resenha do livro mais recente de Francis Fukuyama - Antonio Paim

Recomendo a leitura desta resenha do último livro de Fukuyama, que comprei na edição original americana, tal como feita pelo filósofo Antonio Paim, a partir da edição brasileira:

PAIM, Antonio. “A ORIGEM DA ORDEM POLÍTICA SEGUNDO FRANCIS FUKUYAMA”. Ibérica – Revista Interdisciplinar de Estudos Ibéricos e Ibero-Americanos (ISSN 1980-5837) Vol. VII, Nº 20, Juiz de Fora, ago./nov/2012: pp. 84-102. 

http://www.sophiaweb.net/repositorio/iberica/iberica20/ordem-fukuyama-paim.pdf

See more at: 
http://www.estudosibericos.com/article/a-origem-da-ordem-politica-segundo-francis-fukuyama#sthash.esicIRho.dpf

Postagem em destaque

Livro Marxismo e Socialismo finalmente disponível - Paulo Roberto de Almeida

Meu mais recente livro – que não tem nada a ver com o governo atual ou com sua diplomacia esquizofrênica, já vou logo avisando – ficou final...