Até aqui não tinha sido colocado na geladeira nenhum diretor da Odebrecht. Era de espantar, em se tratando simplesmente da maior companhia de construção do Brasil, com o maior número de obras e o maior volume de dinheiro.
Como é que eles estariam de fora da boquinha? Agora parece que a coisa vai entortar para o lado deles, e endireitar do nosso. Mas, capitalistas na cadeia já está se tornando uma coisa normal.
Queremos ver é políticos na cadeia...
Companhias de construção são inerentemente corruptas, geneticamente corruptas, forçosamente corruptas, inclusive porque elas precisam negociar com a maior fonte de dinheiro para grandes obras, que é o governo.
E não venham me dizer que elas forçam o governo a se corromper, pois a coisa é perfeitamente combinada, mas se o governo se recusasse a lesar o dinheiro público - que é nosso -- não haveria oportunidade para tais "transações", uma vez que não haveria o que ser lesado, não é mesmo?
Uma coisa porém é certa: isto que está sendo revelado agora é apenas uma pontinha mínima do imenso iceberg de corrupção mantido pelo partido totalitário...
Paulo Roberto de Almeida
A trilha do dinheiro
Merval Pereira
O Globo, 2/04/2015
Começa a ser desvendado o mistério envolvendo a participação da empreiteira Odebrecht no esquema de corrupção que a Operação Lava Jato está desvelando, para espanto não apenas de brasileiros, pelo volume de dinheiro que envolveu e o estrago que fez na maior empresa brasileira, a estatal Petrobras, com reflexos em toda a economia nacional.
A explicação extra-oficial que corria no mercado financeiro é que seria muito difícil pegar a Odebrecht em algum desvio, por que ela utilizava empresas no exterior para fazer o dinheiro sujo chegar aos políticos e executivos da Petrobras envolvidos no esquema, sem se utilizar de doleiros nacionais.
Pois ontem o doleiro Alberto Yousseff revelou que a Odebrecht e a Brasken – empresa petroquímica que a empreiteira tem em parceria com a Petrobras – utilizaram seus serviços “duas ou três vezes”. Ele denunciou a Construtora Internacional Del Sur, offshore usada para remessas ao exterior pelas duas empresas, como a distribuidora da propina no exterior ou, algumas vezes, para internalizar o dinheiro através de Yousseff.
A citação da Construtora Internacional Del Sur foi o suficiente para fechar o cerco em torno da Odebrecht, pois em outra delação premiada anterior, o ex-gerente Pedro Barusco havia revelado que a offshore panamenha foi usada pela Odebrecht para o repasse de valores para uma conta sua no Credit Corp Bank AS, de Genebra.
Entre maio e setembro de 2009, a Odebrecht teria transferido US$ 916.697,00 para a conta da Constructora Internacional del Sur, e de lá para uma offshore de Barusco também do Panamá. Cruzando-se os depósitos e recebimentos das contas de Barusco com as do ex-diretor da Petrobras Renato Duque, seu superior imediato indicado pelo PT, verifica-se que foram feitos dois depósitos pela Constructora Internacional Del Sur S.A., de US$ 290 mil, no dia 17 de novembro, e outro de US$ 584,7 mil, dez dias depois, na conta de Duque em Mônaco, que hoje está bloqueada pela justiça daquele principado.
A conta da Constructora Internacional Del Sur era no Credicorp Bank, em Genebra, o mesmo em que Barusco tinha conta. É provável que este tenha sido o elo final para circunscrever as relações da empreiteira Odebrecht com o escândalo da Petrobras. A partir daí, é previsível que as relações da empreiteira com o PT, e em especial com o ex-presidente Lula, a quem a Odebrecht levou para várias viagens na África como garoto-propaganda da construtora brasileira, façam parte das investigações da Operação Lava-Jato.
A boa relação da Odebrecht com os governos petistas vem desde o início do primeiro mandato de Lula. Em 2003, quando Dilma era a ministra das Minas e Energia, em dificuldades para pagar dívidas em torno de U$ 2 bilhões, a empreiteira teve a concessão especial de ampliação no prazo, de 90 para, em alguns casos, até 210 dias, para o pagamento de insumos da Petrobras pela Brasken, a empresa petroquímica do grupo.
A atuação da Odebrecht em outras áreas, como a construção de hidrelétricas aqui e em países da América Latina e da África também já estão sendo investigadas a partir de delações premiadas de Dalton Avancini, presidente da Camargo Corrêa, e Eduardo Leite, vice-presidente, que admitiram que a empresa se comprometeu a pagar cerca de R$ 20 milhões em propina na usina de Belo Monte.
No acerto do cartel, as empresas do consórcio teriam que contribuir com a mesma quantia para um fundo comum que financiaria a propina. O próprio juiz Sérgio Moro já demonstrou estar surpreso com a amplitude do esquema, para além da Petrobras.
Segundo comentários de Moro, as investigações não chegaram nem mesmo à metade do caminho, pois a cada dia aparecem mais informações que levam a novas descobertas. Tudo percorrendo a trilha do dinheiro.
Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas. Ver também minha página: www.pralmeida.net (em construção).
quinta-feira, 2 de abril de 2015
Boletim Mundorama, n. 91, 2015 - dois artigos PRA, uma resenha de livro
Artigos
- On failed strategy and adjustment: Setbacks in the EU’s use of economic sanctions for deterring the Russian aggression on Eastern Ukraine, by Darlí Magioni Junior
- Alma mater diplomática: a formação acadêmica dos diplomatas brasileiros (1985-2010), por Rogério de Souza Farias & Géssica Carmo
- Desafios da economia brasileira na interdependência global, por Paulo Roberto de Almeida
- A “Doutrina Caiado” e a Política Externa Brasileira: dois pólos inconciliáveis, por Daniel de Oliveira Vasconcelos
- MERCOSUL: entre o sucesso e o fracasso total, por Charles Pennaforte e Ricardo Luigi
- Os desafios da Cooperação Internacional em Saúde para o governo de Dilma Rousseff, por Maíra S. Fedatto
- Hipocrisia e Política Internacional, por Bruno Jubran, Ricardo Leães e Robson Valdez
- A globalização e os recursos naturais: a maldição, a bênção e a isenção, por Elia Elisa Cia Alves e Andrea Quirino Steiner
- A crise na Venezuela e a atuação dos EUA, por Ricardo Luigi
- Um Caleidoscópio Europeu, por Luiz Fernando Horta
- BRICS, Segurança Internacional e a Governança Global: Breve Análise das Declarações de Cúpula, Por Mikelli Marzzini L. A. Ribeiro
- De Lima a Paris – entraves e desafios da reforma de um regime complexo, por Mariana Balau Silveira e Matilde de Souza
- A globalização e desigualdade de renda, por Elia Elisa Cia Alves
- Os diálogos de paz na Colômbia e o direito das vítimas, por Diogo Monteiro Dario
- Os articulistas do Boletim Mundorama
- Petróleo, shale e energias de baixo carbono: inter-relações e incertezas, por Larissa Basso
- Um congresso de Viena para o século 21?, por Paulo Roberto de Almeida
- O MERCOSUL e a construção da cidadania sul-americana, por Ayrton Ribeiro de Souza
- Filhos da democracia: a descarioquização da diplomacia brasileira, por Rogério de Souza Farias e Géssica Carmo
- O Brasil e a Internacionalização de Empresas: visão geral, por Carlos Nogueira da Costa Júnior
- Os benefícios do porto de Rocha para a integração regional na América do Sul, por Ricardo Luigi e Gustavo Borges Ansani
- O bicentenário da elevação do Brasil ao Reino Unido a Portugal e Algarves, por Daniel Rei Coronato
- Exteriores Próximos Sobrepostos: A atual disputa russo-europeia sob a velha ótica geopolítica, por Bruna Bosi Moreira e Graciela De Conti Pagliari
- A policy for the continent—reinterpreting the Monroe Doctrine – an interview wih Carlos Gustavo Poggio Teixeira
Resenhas
- Review of “Reforming the World Monetary System” of Carol M. Connell, by Paulo Roberto de Almeida
- Resenha de “A Europa Alemã: A crise do euro e as novas perspectivas de poder”, de Ulrich Beck, por Jéssica Luciano Gomes
Eventos
- Evento – FUNAG lança revista “Cadernos de Política Exterior”
- Evento – Lançamento do No. 27-28 da Revista Conjuntura Austral – UFRGS
- Evento – UFRGS lança nova edição da Revista Austral
- Evento – XXII Fórum Brasil Europa – Fundação Konrad Adenauer
Chamada de artigos
- Chamada de Artigos – Revista Tempo do Mundo – IPEA
- Chamada de trabalhos – Simpósio Temático “História e Teoria das Relações Internacionais: novos desafios” – ANPUH
Acesse aqui todos os artigos.
De poste em poste, o chefao vai apagando o Brasil - Augusto Nunes
30/03/2015 às 15:55 \ Direto ao Ponto
O poste é inseparável do fabricante: Dilma será para Lula o que Pitta foi para Maluf
Augusto Nunes

Como um punguista de antigamente depois de afanada a carteira da vítima, Lula tenta afastar-se de Dilma Rousseff com cara de paisagem, assoviando um sambinha enquanto caminha nem tão depressa que pareça medo nem tão devagar que pareça provocação. A malandragem deu certo no escândalo do mensalão. O chefão caiu fora da cena do crime e a patente de comandante do bando acabou enfeitando os ombros do subchefe José Dirceu.
Mas não se terceiriza o pessoal e intransferível. A segunda-dama Rose Noronha, o prefeito Fernando Haddad e a instalação de uma usina de maracutaias nas catacumbas da Petrobras, por exemplo, são coisa de Lula. Dilma Rousseff também. Lula logo aprenderá que um poste é inseparável de quem o inventou — e um produto de péssima qualidade pode levar seu fabricante à falência política. Dilma Rousseff será para Lula o que Celso Pitta foi para Paulo Maluf.
Ambos deslumbrados com os altos índices de aprovação reiterados pelas usinas de pesquisas, o prefeito Maluf em 1995 e o presidente Lula em 2007 resolveram mostrar que conseguiriam transformar qualquer nulidade em ocupante provisório do trono. Para que os escolhidos cumprissem sem resmungos a missão de guardar o lugar até que o chefe voltasse, constatou um post de 2010, o marajá de São Paulo e o reizinho do Brasil decidiram-se, sem consultar ninguém, por figuras sem autonomia de voo nem luz própria.
O primeiro pinçou na Secretaria de Finanças do município um negro economista. O segundo pinçou na Casa Civil uma mulher economista. Ao apresentar o sucessor, o prefeito repetiu que foi Maluf quem fez São Paulo.Mas quem arranjou o dinheiro, revelou, foi aquele gênio da raça chamado Celso Pitta. Ao apresentar a sucessora, o presidente reterou que foi Lula o parteiro do Brasil Maravilha. Mas quem amamentou o colosso, ressalvou, foi aquela sumidade político-administrativa por ele promovida a Mãe do PAC.
Obediente a Maluf e monitorado pelo marqueteiro Duda Mendonça, Pitta atravessou a campanha driblando debates e entrevistas, declamando obviedades e louvando o criador de meia em meia hora. Como herdaria uma cidade sem problemas, sua missão seria torná-la mais que perfeita com espantos de matar de inveja a rainha da Inglaterra. Grávido de orgulho, o padrinho ordenou aos eleitores que nunca mais votassem em Paulo Maluf se o afilhado fracassasse.
Obediente a Lula e tutelada pelo marqueteiro João Santana, Dilma percorreu o atallho para o Planalto desconversando em debates e entrevistas, gaguejando platitudes e bajulando o criador a cada 15 minutos. Como lhe cairia no colo um país pronto, caberia à herdeira tocar em frente o pouco que faltava para torná-lo uma espécie de Noruega com praia, mulher bonita e carnaval. Grávido de confiança, o padrinho comunicou ao eleitorado que ele e ela eram a mesma coisa. Votar em Dilma seria a mesma coisa que votar no maior dos governantes desde o Descobrimento.
São Paulo demorou três anos para entender que estava nas mãos do pior prefeito de todos os tempos. Descoberta a tapeação, milhões de iludidos escorraçaram Pitta do emprego e atenderam à vontade do seu inventor: nunca mais Paulo Maluf foi eleito para qualquer cargo executivo. O Brasil demorou quatro anos para compreender que, ao conferir um segundo mandato a Dilma Rousseff, ratificara a mais desastrosa opção presidencial de todos os tempos.
Pena que as multidões não tenham acordado algumas semanas mais cedo. Mas enfim despertaram — e despertaram de vez, berram as manifestações de rua e o sumiço do único “líder de massas” do mundo que só discursa para plateias amestradas. Antes do fiasco de Alexandre Padilha nas urnas de outubro, Lula caprichou na ironia presunçosa: “De poste em poste estou iluminando o Brasil”, repetia.
O terceiro poste afundou a muitas léguas do Palácio dos Bandeirantes. O segundo, Fernando Haddad, pedala no mundaréu de ciclovias para fugir do naufrágio inevitável. O poste inaugural vai sendo tragada pelo mar de corrupção e incompetência. Dilma Rousseff debate-se furiosamente milímetros acima da superfície. Lula quer que afunde sozinha. Mas não escapará do abraço de afogado.
O poste é inseparável do fabricante: Dilma será para Lula o que Pitta foi para Maluf
Augusto Nunes
Como um punguista de antigamente depois de afanada a carteira da vítima, Lula tenta afastar-se de Dilma Rousseff com cara de paisagem, assoviando um sambinha enquanto caminha nem tão depressa que pareça medo nem tão devagar que pareça provocação. A malandragem deu certo no escândalo do mensalão. O chefão caiu fora da cena do crime e a patente de comandante do bando acabou enfeitando os ombros do subchefe José Dirceu.
Mas não se terceiriza o pessoal e intransferível. A segunda-dama Rose Noronha, o prefeito Fernando Haddad e a instalação de uma usina de maracutaias nas catacumbas da Petrobras, por exemplo, são coisa de Lula. Dilma Rousseff também. Lula logo aprenderá que um poste é inseparável de quem o inventou — e um produto de péssima qualidade pode levar seu fabricante à falência política. Dilma Rousseff será para Lula o que Celso Pitta foi para Paulo Maluf.
Ambos deslumbrados com os altos índices de aprovação reiterados pelas usinas de pesquisas, o prefeito Maluf em 1995 e o presidente Lula em 2007 resolveram mostrar que conseguiriam transformar qualquer nulidade em ocupante provisório do trono. Para que os escolhidos cumprissem sem resmungos a missão de guardar o lugar até que o chefe voltasse, constatou um post de 2010, o marajá de São Paulo e o reizinho do Brasil decidiram-se, sem consultar ninguém, por figuras sem autonomia de voo nem luz própria.
O primeiro pinçou na Secretaria de Finanças do município um negro economista. O segundo pinçou na Casa Civil uma mulher economista. Ao apresentar o sucessor, o prefeito repetiu que foi Maluf quem fez São Paulo.Mas quem arranjou o dinheiro, revelou, foi aquele gênio da raça chamado Celso Pitta. Ao apresentar a sucessora, o presidente reterou que foi Lula o parteiro do Brasil Maravilha. Mas quem amamentou o colosso, ressalvou, foi aquela sumidade político-administrativa por ele promovida a Mãe do PAC.
Obediente a Maluf e monitorado pelo marqueteiro Duda Mendonça, Pitta atravessou a campanha driblando debates e entrevistas, declamando obviedades e louvando o criador de meia em meia hora. Como herdaria uma cidade sem problemas, sua missão seria torná-la mais que perfeita com espantos de matar de inveja a rainha da Inglaterra. Grávido de orgulho, o padrinho ordenou aos eleitores que nunca mais votassem em Paulo Maluf se o afilhado fracassasse.
Obediente a Lula e tutelada pelo marqueteiro João Santana, Dilma percorreu o atallho para o Planalto desconversando em debates e entrevistas, gaguejando platitudes e bajulando o criador a cada 15 minutos. Como lhe cairia no colo um país pronto, caberia à herdeira tocar em frente o pouco que faltava para torná-lo uma espécie de Noruega com praia, mulher bonita e carnaval. Grávido de confiança, o padrinho comunicou ao eleitorado que ele e ela eram a mesma coisa. Votar em Dilma seria a mesma coisa que votar no maior dos governantes desde o Descobrimento.
São Paulo demorou três anos para entender que estava nas mãos do pior prefeito de todos os tempos. Descoberta a tapeação, milhões de iludidos escorraçaram Pitta do emprego e atenderam à vontade do seu inventor: nunca mais Paulo Maluf foi eleito para qualquer cargo executivo. O Brasil demorou quatro anos para compreender que, ao conferir um segundo mandato a Dilma Rousseff, ratificara a mais desastrosa opção presidencial de todos os tempos.
Pena que as multidões não tenham acordado algumas semanas mais cedo. Mas enfim despertaram — e despertaram de vez, berram as manifestações de rua e o sumiço do único “líder de massas” do mundo que só discursa para plateias amestradas. Antes do fiasco de Alexandre Padilha nas urnas de outubro, Lula caprichou na ironia presunçosa: “De poste em poste estou iluminando o Brasil”, repetia.
O terceiro poste afundou a muitas léguas do Palácio dos Bandeirantes. O segundo, Fernando Haddad, pedala no mundaréu de ciclovias para fugir do naufrágio inevitável. O poste inaugural vai sendo tragada pelo mar de corrupção e incompetência. Dilma Rousseff debate-se furiosamente milímetros acima da superfície. Lula quer que afunde sozinha. Mas não escapará do abraço de afogado.
Resenha de livro: O Homem que Amava os Cachorros, de Leonardo Padura - Olavo de Carvalho
Mensagem do passado
Olavo de Carvalho
Diário do Comércio, 31/03/2015
A Editora Boitempo publicou em tradução o romance de Leonardo Padura, “El Hombre que Amaba a los Perros”, com o título de “O Homem que Amava os Cachorros”. Eu teria preferido “Cães”, porque, ao lidar com uma língua irmã da sua própria, o tradutor deve ter o bom gosto e bom senso de escolher, seja palavras de igual raiz com significado idêntico nas duas línguas, seja palavras que inexistem no idioma original, jamais palavras idênticas com significado diverso. “Cachorro”, em espanhol, é “filhote”. Talvez o tradutor achasse que “cão” é termo do vocabulário “burguês”.
Mas o problema maior não é esse. Dedicada eminentemente à promoção de idéias e autores comunistas, a equipe da Boitempo mostrou que é capaz de traduzir e divulgar um dos grandes romances do século, ganhando algum dinheiro com ele, sem se deixar afetar pelo seu conteúdo no mais mínimo que seja. É um caso de insensibilidade literária que raia a psicastenia. Pois raramente, no mundo, o comunismo, não nos detalhes do imensurável horror físico que produziu, mas nas profundezas da deformidade psicopática que o inspira, foi descrito em termos tão cruamente realistas como nesse livro: é uma imagem do inferno ou, para usar as palavras do autor, algo que se parece “antes a um castigo divino do que a uma obra de homens”.
Com base em farta documentação, só complementando-a com a especulação imaginativa nos pontos onde isso é indispensável, o livro conta a história dos últimos anos de vida de Leon Trotski e do seu assassino, Ramon Mercader, paralelamente à do narrador, um escritor cubano reduzido à impotência criadora pelas imposições da burocracia castrista empenhada em tudo rebaixar e mediocrizar. Os três são homens que apostaram tudo no socialismo e aos quais só resta, no fim da história, a consciência amarga da “vida inteira que poderia ter sido e que não foi”.
Embora a maior parte do enredo se passe no tempo de Stalin, o romancista não apela ao expediente costumeiro de trocar “comunismo” por “stalinismo”, usado para branquear a imagem do regime nas épocas subseqüentes, mas mostra com muita clareza que, de um modo ou de outro, a mistura de violência assassina e mendacidade alucinante que caracterizou o stalinismo se conservou em ação em todos os países comunistas muitas décadas depois da morte do ditador. Padura, que nasceu e ainda mora em Cuba, publicando seus livros no México, viveu tudo isso de perto e colocou no personagem do narrador de “El Hombre que Amaba a los Perros” muito da sua experiência pessoal.
Hoje os brasileiros se espantam ante um governo que lhes rouba bilhões de reais enquanto, com a maior cara dura, continua posando de paladino da moralidade, e, rejeitado por noventa por cento da população, ainda se faz de porta-voz do “povo” contra a “elite”. Se conhecessem algo da história do comunismo, como a trama urdida por Stalin para dar cabo de Trotski, entenderiam que a mendacidade psicopática, em proporções tão vastas que raiam o diabolismo puro e simples, não é uma invenção do PT: é inerente à mentalidade comunista em todas as épocas e lugares.
Os capítulos finais deste livro mostram o próprio assassino de Trotski, Ramon Mercader, consciente de haver jogado sua vida fora numa farsa demoníaca, concebida para fazer de Trotski, então um exilado sem dinheiro e quase sem seguidores, chutado de cá para lá por todos os governos do mundo, o todo-poderoso líder de uma conspiração global para derrubar o governo soviético com a ajuda simultânea – porca miséria! -- dos nazistas e dos americanos. Durante décadas, Mercader foi adestrado para odiar Trotski com todas as suas forças, só para descobrir, depois, que na realidade nada sabia contra ele além de balelas e invencionices absurdas e antinaturais, injetadas em sua cabeça com violência comparável à do golpe de picareta no crânio com que ele deu fim à existência da sua vítima.
Após ter ido parar na cadeia num dos muitos expurgos que eram rotina na política soviética, o próprio agente secreto que treinou e disciplinou a mão assassina de Mercader tem, na velhice, a mesma consciência de ter servido apenas aos caprichos insensatos de um ditador enlouquecido pelo medo, que não se acalmaria antes de haver eliminado da face da Terra todos os seus inimigos reais, hipotéticos, virtuais ou totalmente imaginários.
Especialmente significativa é uma personagem secundária, a mãe de Mercader, Caridad. Mulher frígida que o marido burguês corrompe para ver se desperta nela o desejo sexual, ela se entrega então a uma vida devassa e ao consumo de drogas, chegando a uma tentativa de suicídio. Só emerge da depressão quando encontra uma saída existencial no comunismo e reestrutura sua personalidade com base nos valores da militância, tornando-se uma combatente fanática, odiando o marido e o capitalismo como se fossem uma só entidade e contribuindo decisivamente para fazer do filho um assassino a soldo de Stalin. Eu não poderia ter encontrado melhor ilustração para o conceito do outsider como militante, que descrevi em artigo recente neste mesmo jornal (http://www.dcomercio.com.br/categoria/opiniao/os_desajustados).
No fim, o desencanto de Caridad é o mesmo de Ramón e de seu instrutor, com a diferença de que ela não tem nem mesmo a força deles para meditar sobre a insensatez do seu passado.
O vazio, a secura, a tristeza vã e desesperançada que são tudo o que resta a esses homens quando compreendem a pantomima tola e sangrenta da qual se fizeram servidores e agentes, são a mensagem derradeira legada pelo século XX à presente geração, aí incluídos os editores brasileiros incapazes de ouvi-la.
Não é preciso dizer que perseguições em massa, cruéis e insensatas, no mais puro modelo stalinista, aconteceram também na China comunista, em Cuba, no Vietnã, no Camboja, em todos os países-satélites da URSS e por toda parte onde a opinião comunista tenha saído do subsolo psicopático que lhe é natural e conquistado um lugar de respeito na sociedade. O modelo universalizou-se. A única coisa que varia é a dosagem respectiva da violência e da mendacidade que a fórmula da loucura comunista assume em distintos lugares do mundo. Nos países onde não tem força bastante para tomar o poder pelas armas, o comunismo apela à estratégia gramsciana do engodo geral e, por isso mesmo, como aconteceu no Brasil, rouba mais do que mata, pelo menos até que o produto do roubo, crescendo até dimensões oceânicas, lhe assegure a posse dos meios de matar.
Olavo de Carvalho
Diário do Comércio, 31/03/2015
A Editora Boitempo publicou em tradução o romance de Leonardo Padura, “El Hombre que Amaba a los Perros”, com o título de “O Homem que Amava os Cachorros”. Eu teria preferido “Cães”, porque, ao lidar com uma língua irmã da sua própria, o tradutor deve ter o bom gosto e bom senso de escolher, seja palavras de igual raiz com significado idêntico nas duas línguas, seja palavras que inexistem no idioma original, jamais palavras idênticas com significado diverso. “Cachorro”, em espanhol, é “filhote”. Talvez o tradutor achasse que “cão” é termo do vocabulário “burguês”.
Mas o problema maior não é esse. Dedicada eminentemente à promoção de idéias e autores comunistas, a equipe da Boitempo mostrou que é capaz de traduzir e divulgar um dos grandes romances do século, ganhando algum dinheiro com ele, sem se deixar afetar pelo seu conteúdo no mais mínimo que seja. É um caso de insensibilidade literária que raia a psicastenia. Pois raramente, no mundo, o comunismo, não nos detalhes do imensurável horror físico que produziu, mas nas profundezas da deformidade psicopática que o inspira, foi descrito em termos tão cruamente realistas como nesse livro: é uma imagem do inferno ou, para usar as palavras do autor, algo que se parece “antes a um castigo divino do que a uma obra de homens”.
Com base em farta documentação, só complementando-a com a especulação imaginativa nos pontos onde isso é indispensável, o livro conta a história dos últimos anos de vida de Leon Trotski e do seu assassino, Ramon Mercader, paralelamente à do narrador, um escritor cubano reduzido à impotência criadora pelas imposições da burocracia castrista empenhada em tudo rebaixar e mediocrizar. Os três são homens que apostaram tudo no socialismo e aos quais só resta, no fim da história, a consciência amarga da “vida inteira que poderia ter sido e que não foi”.
Embora a maior parte do enredo se passe no tempo de Stalin, o romancista não apela ao expediente costumeiro de trocar “comunismo” por “stalinismo”, usado para branquear a imagem do regime nas épocas subseqüentes, mas mostra com muita clareza que, de um modo ou de outro, a mistura de violência assassina e mendacidade alucinante que caracterizou o stalinismo se conservou em ação em todos os países comunistas muitas décadas depois da morte do ditador. Padura, que nasceu e ainda mora em Cuba, publicando seus livros no México, viveu tudo isso de perto e colocou no personagem do narrador de “El Hombre que Amaba a los Perros” muito da sua experiência pessoal.
Hoje os brasileiros se espantam ante um governo que lhes rouba bilhões de reais enquanto, com a maior cara dura, continua posando de paladino da moralidade, e, rejeitado por noventa por cento da população, ainda se faz de porta-voz do “povo” contra a “elite”. Se conhecessem algo da história do comunismo, como a trama urdida por Stalin para dar cabo de Trotski, entenderiam que a mendacidade psicopática, em proporções tão vastas que raiam o diabolismo puro e simples, não é uma invenção do PT: é inerente à mentalidade comunista em todas as épocas e lugares.
Os capítulos finais deste livro mostram o próprio assassino de Trotski, Ramon Mercader, consciente de haver jogado sua vida fora numa farsa demoníaca, concebida para fazer de Trotski, então um exilado sem dinheiro e quase sem seguidores, chutado de cá para lá por todos os governos do mundo, o todo-poderoso líder de uma conspiração global para derrubar o governo soviético com a ajuda simultânea – porca miséria! -- dos nazistas e dos americanos. Durante décadas, Mercader foi adestrado para odiar Trotski com todas as suas forças, só para descobrir, depois, que na realidade nada sabia contra ele além de balelas e invencionices absurdas e antinaturais, injetadas em sua cabeça com violência comparável à do golpe de picareta no crânio com que ele deu fim à existência da sua vítima.
Após ter ido parar na cadeia num dos muitos expurgos que eram rotina na política soviética, o próprio agente secreto que treinou e disciplinou a mão assassina de Mercader tem, na velhice, a mesma consciência de ter servido apenas aos caprichos insensatos de um ditador enlouquecido pelo medo, que não se acalmaria antes de haver eliminado da face da Terra todos os seus inimigos reais, hipotéticos, virtuais ou totalmente imaginários.
Especialmente significativa é uma personagem secundária, a mãe de Mercader, Caridad. Mulher frígida que o marido burguês corrompe para ver se desperta nela o desejo sexual, ela se entrega então a uma vida devassa e ao consumo de drogas, chegando a uma tentativa de suicídio. Só emerge da depressão quando encontra uma saída existencial no comunismo e reestrutura sua personalidade com base nos valores da militância, tornando-se uma combatente fanática, odiando o marido e o capitalismo como se fossem uma só entidade e contribuindo decisivamente para fazer do filho um assassino a soldo de Stalin. Eu não poderia ter encontrado melhor ilustração para o conceito do outsider como militante, que descrevi em artigo recente neste mesmo jornal (http://www.dcomercio.com.br/categoria/opiniao/os_desajustados).
No fim, o desencanto de Caridad é o mesmo de Ramón e de seu instrutor, com a diferença de que ela não tem nem mesmo a força deles para meditar sobre a insensatez do seu passado.
O vazio, a secura, a tristeza vã e desesperançada que são tudo o que resta a esses homens quando compreendem a pantomima tola e sangrenta da qual se fizeram servidores e agentes, são a mensagem derradeira legada pelo século XX à presente geração, aí incluídos os editores brasileiros incapazes de ouvi-la.
Não é preciso dizer que perseguições em massa, cruéis e insensatas, no mais puro modelo stalinista, aconteceram também na China comunista, em Cuba, no Vietnã, no Camboja, em todos os países-satélites da URSS e por toda parte onde a opinião comunista tenha saído do subsolo psicopático que lhe é natural e conquistado um lugar de respeito na sociedade. O modelo universalizou-se. A única coisa que varia é a dosagem respectiva da violência e da mendacidade que a fórmula da loucura comunista assume em distintos lugares do mundo. Nos países onde não tem força bastante para tomar o poder pelas armas, o comunismo apela à estratégia gramsciana do engodo geral e, por isso mesmo, como aconteceu no Brasil, rouba mais do que mata, pelo menos até que o produto do roubo, crescendo até dimensões oceânicas, lhe assegure a posse dos meios de matar.
Diplomacia brasileira: bolivarianizando-se? - Veja
Parece brincadeira de criança, mas os companheiros levam a sério essas bobagens que eles fazem. Tudo faz parte do Foro de São Paulo.
Paulo Roberto de Almeida
Bolivarianismo diplomático
Veja.com, 1/04/2015
No governo petista, a diplomacia brasileira perdeu a sua relevância na defesa dos interesses nacionais e se transformou em uma peça de defesa da ideologia do partido que está no poder. Ano após ano, o Brasil foi ampliando o seu alinhamento com o chamado "bolivarianismo", o populismo de esquerda inaugurado pelo falecido presidente da Venezuela, Hugo Chávez, e imitado em maior ou menor grau na Argentina, na Bolívia, no Equador e na Nicarágua. Esse alinhamento exige o gradual afastamento dos Estados Unidos, país que no discurso bolivariano é apontado como a causa de todos os males da região.
No ano passado, o Brasil deu um passo drástico no esfriamento das relações com os Estados Unidos, ao se recusar a pagar a sua contribuição obrigatória à Organização dos Estados Americanos (OEA), entidade que reúne as nações das Américas do Sul, Central e do Norte. Dos 8,1 milhões de dólares esperados, o Brasil depositou apenas 1 dólar, conforme revelou o jornal Folha de S.Paulo em janeiro passado. Para este ano, são previstas contribuições de 10 milhões de dólares, mas até o momento o Brasil não realizou nenhum repasse para organização.
Acreditava-se que o calote era resultado de um contingenciamento do orçamento do Itamaraty. No entanto, a reportagem de VEJA fez uma análise das transferências internacionais realizadas nos últimos anos e descobriu um curiosa coincidência: no ano passado, o Brasil transferiu para União das Nações Latino Americanas (Unasul) 16,24 milhões de reais - o equivalente a mais de 6 milhões de dólares, considerando a cotação nas datas dos pagamentos. O repasse para a Unasul foi mais que o dobro do previsto no Orçamento da União aprovado pelo Congresso: 7,2 milhões de reais. Em 2013, a contribuição brasileira para a Unasul, entidade multilateral criada por Hugo Chávez, foi de apenas 344.000 reais. O calote na OEA, portanto, é intencional. Não faltou dinheiro. Simplesmente, a diplomacia petista optou por privilegiar a Unasul e negligenciar a OEA.
Esse processo começou em 2011, quando a Unasul foi criada com o intuito de excluir os Estados Unidos, o Canadá e o México das discussões regionais. Em abril daquele ano, a presidente Dilma Rousseff determinou que Ruy Casaes, embaixador brasileiro na OEA, fosse chamado de volta a Brasília em protesto contra a manifestação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) pedindo asuspensão das obras da Usina Hidrelétrica de Belo Monte. Desde então, o Brasil tem apenas um representante interino na organização, Breno Dias Costa. Para o ex-embaixador do Panamá na OEA, Guillermo Cochez, a entidade é vítima de um processo de esvaziamento liderado pela Venezuela e do qual o Brasil faz parte. "É triste ver uma potência regional como o Brasil deixar-se guiar por uma política externa contrária aos valores democráticos", diz Cochez.
No ano passado, quando a então deputada Maria Corina Machado tentou levar para o âmbito da OEA o debate sobre a violência contra manifestantes que invadiram as ruas da Venezuela contra o regime chavista, o representante brasileiro se uniu ao coro dos chavistas para desqualificar o depoimento da venezuelana e para impedir que ele acontecesse em reunião aberta. Breno Dias da Costa disse, na ocasião: "O objetivo desta reunião não é transformá-la em um circo para o público externo, como alguns representantes mostraram que querem fazer." O episódio demonstrou que o governo brasileiro não apenas não aceita ser criticado em questões de direitos humanos, como toma as dores quando o mesmo acontece com a Venezuela.
Para governos que não gostam de críticas, a Unasul é o clube perfeito. Toda vez que é chamada para "mediar" a crise política na Venezuela, a organização dedica-se basicamente a endossar as acusações feitas pelo presidente Nicolás Maduro à oposição e silencia sobre o fato de que há presos políticos no país. (Veja.com).
quarta-feira, 1 de abril de 2015
Africanos "aceitaram" perder a liberdade? - Paulo Roberto de Almeida
Africanos Aceitaram Perder a Liberdade de
Conduzir a sua História?
Minhas observações
Paulo
Roberto de Almeida
Hoje, 1o de Abril (mas não por isso), recebi uma
mensagem, dessas que são disparadas a número indeterminado de receptores, todos
eles, provavelmente, estudantes de “coisas” brasileiras, da parte de alguém que
se dispõe a subsidiar o conhecimento desses estudantes com elementos de
informação ou com material de estudo sobre o tema em pauta, que se resume, segundo
a linha do assunto da mensagem, nesta pergunta:
Não tenho certeza de que isso ocorreu, se ocorreu, alguma vez na
História – com H maiúsculo – mas tenho problemas com a questão, e com as
questões subsidiárias que se seguem, que transcrevo imediatamente
aqui:
On Apr 1, 2015, at
06:00, [Nome] <email@mail.com> wrote:
Bom dia, Paulo!
1) Você já parou
para pensar como foi o processo que conduziu os africanos Aceitarem o Jugo
Colonialista dos países europeus?
2) Você sabe que
até a primeira metade do século XIX os africanos apresentaram aos europeus
apenas a "Casca" do seu continente?
3) Você já refletiu
sobre os motivos que levam nós Brasileiros a negar a África que Existe em cada
um nós?
Tenho não apenas problemas, mas objeções aos termos, aos conceitos e
aos enunciados dessas questões, objeto de meus comentários, enviados a
expedidor, e que transcrevo aqui.
Minhas observações sobre as questões:
Meu
caro [Nome],
1) Tenho
um problema com essa expressão: “Você já parou para pensar como foi o processo
que conduziu os africanos Aceitarem o Jugo Colonialista dos países europeus?”
Creio
que existe um problema maior nesta mensagem e no tipo de alegação que é feita
nela.
África,
simplesmente não existe para os “africanos”, uma multitude de povos diferentes
com culturas, línguas e histórias muito diferentes entre si.
Falar
de “processo que conduziu os africanos Aceitarem o Jugo Colonialista dos países
europeus” equivaleria a dizer que ocorreu um “processo que levou os europeus a
se tornarem colonialistas, exploradores, imperialistas, invasores de outros
povos e outros continentes, e instalarem a supremacia dos europeus sobre o
mundo”.
Existiu
tal coisa? É evidente que não.
Alguns
empreendimentos, de alguns soberanos ou aventureiros europeus, deram início ao
processo de descobertas de outras terras alcançadas pelos mares (Oceano
Atlântico, depois Índico), num episódio histórico que ficou identificado com as
grandes navegações, começando pelos portugueses, ainda no início do século 15 e
que se estende até o século 17, mais ou menos, quando todos os continentes
estavam mais ou menos mapeados, com base em empreendimentos “estatais” (ou de
soberanos), de aventureiros, comerciantes, etc., aqui incluindo espanhóis,
franceses, ingleses, e alguns outros.
Foi
um processo coordenado em escala europeia? É evidente que não. Cada um foi
tentar a sua sorte, geralmente com o objetivo de alcançar riquezas (ouro,
produtos raros e preciosos, conquista de novos territórios, propagação da fé
cristã, busca de prestígio, etc.).
Falar
de um “processo que conduziu os africanos Aceitarem o Jugo Colonialista dos
países europeus” equivaleria igualmente a dizer que ocorreu um “ processo que
levou povos nativos do Novo Mundo Aceitarem o Jugo Colonialista dos países
europeus”, o que tampouco é verdade.
Existiam
povos muito diferentes no hemisfério ocidental, que foram conquistados,
submetidos, eliminados, escravizados em épocas diferentes, por métodos
diferentes, por empreendedores, conquistadores, aventureiros, guerreiros muito
diferentes, atuando com motivações muito diversas.
Simplesmente
não havia povos africanos, nem povos do Novo Mundo, num conceito unificado,
pois isto não faz nenhum sentido, nem histórico, nem cultural, nem étnico,
nada.
Quanto
aos “povos europeus”, talvez o único elemento a identificá-los seria o
cristianismo, que se disseminou lentamente, paulatinamente, progressivamente, a
partir do final do Império Romano, quando a religião cristã se torna oficial no
Império. Mas foi um processo muito lento, que levou séculos. Alguns povos,
mesmo bárbaros, pós Império Romano, tiveram suas línguas latinizadas, ou
emergiram a partir de remanescentes linguísticos e literários do latim (que era
a língua franca e dos documentos escritos durante os séculos de completa
anarquia política nesse minúsculo território que é a Europa ocidental), e que
por isso mesmo acabaram se remetendo a uma fonte comum de autoridade política
que durante anos foi uma espécie de "ONU" da Idade Média: o poder
papal, e sua capacidade de emitir bulas sagrando tal e qual soberano como o
legítimo detentor da autoridade política sobre um determinado território. Foi
assim que nasceu o Portugal moderno, um dos primeiros Estados cristãos a
receber a bula confirmatória do chefe da Igreja em Roma.
Nada
disso existia na “África” – um conceito genérico, sem real significação política
ou mesmo cultural – ou nos territórios do hemisfério ocidental. No máximo,
alguns povos, no norte da África e no Sahel, penetrando em alguns pontos da
África subsaárica, ou negra, foram islamizados, à força, pelos invasores vindos
da península arábica ou de territórios já conquistados no norte da África, e se
tornaram "povos islâmicos", mas mesmo esse conceito é enganoso, pois
compreende uma grande diversidade de situações. Não podemos esquecer que tanto
no norte da África quanto no Oriente Médio, existiam tanto povos quanto chefes
de Igreja se reclamando da fé cristã, que foram conquistados pelos árabes
muçulmanos, depois reconquistados em algumas cruzadas, mas que depois vieram a
cair novamente sob o julgo muçulmano, e mais exatamente otomano, quando foi o
caso.
Ou
seja, falar de povos africanos não faz nenhum sentido, como não faz sentido o
politicamente correto de alguns beócios acusar a “invasão colonizadora” no Novo
Mundo como fonte de exploração e pilhagem, quando em vários continentes, em
várias épocas, esse foi o padrão civilizatório seguido invariavelmente ao longo
dos séculos: invasões de povos guerreiros, escravização ou eliminação, em todo
caso sujeição, dos povos “autóctones”, novas estruturas e novos aportes humanos
criando novas comunidades e sociedades. Tanto incas quanto astecas, por
exemplo, eram povos conquistadores, que se impuseram sobre tribos
pré-existentes em seus “impérios” respectivos. O mesmo ocorreu na África, onde
determinadas etnias submeteram outras etnias, reduzindo-as à escravidão (por
vezes até na própria etnia), e depois inserindo esse processo no tráfico
transatlântico, quando a ocasião se apresentou.
2) Esta
outra expressão, tampouco faz qualquer sentido: “até a primeira metade do
século XIX os africanos apresentaram aos europeus apenas a 'casca' do seu
continente”.
Não
faz sentido porque não foram “africanos” que apresentaram a “europeus” qualquer
coisa. Foram determinados chefes de tribo de determinados pontos da África que
apresentaram a alguns europeus – traficantes portugueses, espanhóis, franceses,
ingleses, americanos ou até brasileiros – escravos que eles “pegavam” no
interior, e traziam até a costa para vende-los aos mercadores escravistas
“europeus”, da mesma forma como mercadores árabes, ou de outros povos do
índico, pegavam nas costas da África oriental (Somália, Zanzibar, ou Tanganica,
no atual Moçambique), sua cota de escravos que iam trabalhar no Oriente Médio.
3) Por fim, também não concordo com esta
terceira expressão: “Você já refletiu sobre os motivos que levam nós
Brasileiros a negar a África que Existe em cada um nós?”
De
que brasileiros se está falando? Os descendentes de imigrantes europeus que
povoaram o Sul e Sudeste, levam alguma África dentro de si? Isso não faz nenhum
sentido. Algumas regiões do Brasil foram mais tocadas do que outras pela
escravidão de “africanos” e ficaram mais marcadas em seus traços culturais que
persistem até hoje. Esses traços não são “africanos”, a não ser numa acepção
extremamente larga, geograficamente, desse termo. Existiam povos bantus, ou
ovambos, ou xossas, ou de quaisquer outras etnias de origem que foram trazidos
de pontos diversos daquele continente para pontos diversos do Brasil:
eventualmente, em alguns lugares ocorreu uma agregação de determinadas etnias,
o que permitiu a sobrevivência de seus traços culturais de origem e até reflexos
disso na sociedade de “acolhimento”, como por exemplo na revolta dos malês da
Bahia, conduzidas por escravos islâmicos, ou islamizados, que não poderia ser
escravizados, segundo as prescrições da sociedade islâmica.
Na
maior parte dos casos, os diferentes povos, mais exatamente grupos de
indivíduos, ou pessoas isoladas foram imersas no novo ambiente e acabaram se
dissolvendo no mainstream cultural que emergiu no Brasil, com certas
“sobrevivências” das culturas de origem por afinidades naturais de origem,
costumes, línguas, etc. (inclusive porque a maior parte dos novos aportes
consistia de adultos dotados de toda uma carga cultural de origem).
Sinto
muito dizer, mas eu sempre gosto de refletir sobre a História, e não me deixo
levar pelo politicamente correto.
Recomendo,
a propósito, ler Jared Diamond: Armas,
Germes e Aço.
-----------------------------------
Paulo Roberto de Almeida
Hartford, 1o
de abril de 2015
A partilha da Africa: excerto de livro - Delanceyplace
Today's selection -- from The Fortunes of Africa: A 5000-Year History of Wealth, Greed, and Endeavor by Martin Meredith. In the scramble for Africa, European powers arbitrarily merged 10,000 different African polities representing highly diverse ethnic and religious groups into just forty colonies, an action that still haunts the countries of Africa today:
"A greedy and devious European monarch, Leopold II of Belgium, set out to amass a personal fortune from ivory, declaring himself 'King-Sovereign' of a million square miles of the Congo Basin. When profits from the ivory trade began to dwindle, Leopold turned to another commodity -- wild rubber -- to make his money. Several million Africans died as a result of the rubber regime that Leopold enforced, but Leopold himself succeeded in becoming one of the richest men in the world.
"In turn, Leopold's ambition to acquire what he called 'a slice of this magnifique gateau africain' was largely responsible for igniting the 'scramble' for African territory among European powers at the end of the nineteenth century. Hitherto, European activity in Africa had been confined mainly to small, isolated enclaves on the coast used for trading purposes. Only along the Mediterranean coast of Algeria and at the foot of southern Africa had European settlement taken root. But now Africa became the target of fierce European competition.
"In the space of twenty years, mainly in the hope of gaining economic benefit and for reasons of national prestige, European powers claimed possession of virtually the entire continent. Europe's occupation precipitated wars of resistance in almost every part of the continent. Scores of African rulers who opposed colonial rule died in battle or were executed or sent into exile after defeat. In the concluding act of partition, Britain, at the height of its imperial power, provoked a war with two Boer republics in southern Africa, determined to get its hands on the richest goldfield ever discovered, leaving a legacy of bitterness and hatred among Afrikaners that lasted for generations.
"By the end of the scramble, European powers had merged some 10,000 African polities into just forty colonies. The new territories were almost all artificial entities, with boundaries that paid scant attention to the myriad of monarchies, chiefdoms and other societies on the ground. Most encompassed scores of diverse groups that shared no common history, culture, language or religion. Some were formed across the great divide between the desert regions of the Sahara and the belt of tropical forests to the south, throwing together Muslim and non-Muslim peoples in latent hostility. But all endured to form the basis of the modern states of Africa. ...
"Colonial rule was expected to last for hundreds of years, but turned out to be only an interlude in Africa's history, lasting for little more than seventy years. Facing a rising tide of anti-colonial protest and insurrection, European governments handed over their African territories to independence movements. The colonial legacy included a framework of schools, medical services and transport infrastructure. Western education and literacy transformed African societies in tropical Africa. But only a few islands of modern economic development emerged, most of them confined to coastal areas or to mining enterprises in areas such as Katanga and the Zambian copper belt. Much of the interior remained undeveloped, remote, cut off from contact with the modern world. Moreover, while European governments departed, European companies retained their hold over business empires built up over half a century. Almost all modern manufacturing, banking, import-export trade, shipping, mining, plantations and timber enterprises remained largely in the hands of foreign corporations. As the end of colonial rule approached, Europeans followed the old adage: 'Give them parliament and keep the banks.' "
"In turn, Leopold's ambition to acquire what he called 'a slice of this magnifique gateau africain' was largely responsible for igniting the 'scramble' for African territory among European powers at the end of the nineteenth century. Hitherto, European activity in Africa had been confined mainly to small, isolated enclaves on the coast used for trading purposes. Only along the Mediterranean coast of Algeria and at the foot of southern Africa had European settlement taken root. But now Africa became the target of fierce European competition.
"By the end of the scramble, European powers had merged some 10,000 African polities into just forty colonies. The new territories were almost all artificial entities, with boundaries that paid scant attention to the myriad of monarchies, chiefdoms and other societies on the ground. Most encompassed scores of diverse groups that shared no common history, culture, language or religion. Some were formed across the great divide between the desert regions of the Sahara and the belt of tropical forests to the south, throwing together Muslim and non-Muslim peoples in latent hostility. But all endured to form the basis of the modern states of Africa. ...
"Colonial rule was expected to last for hundreds of years, but turned out to be only an interlude in Africa's history, lasting for little more than seventy years. Facing a rising tide of anti-colonial protest and insurrection, European governments handed over their African territories to independence movements. The colonial legacy included a framework of schools, medical services and transport infrastructure. Western education and literacy transformed African societies in tropical Africa. But only a few islands of modern economic development emerged, most of them confined to coastal areas or to mining enterprises in areas such as Katanga and the Zambian copper belt. Much of the interior remained undeveloped, remote, cut off from contact with the modern world. Moreover, while European governments departed, European companies retained their hold over business empires built up over half a century. Almost all modern manufacturing, banking, import-export trade, shipping, mining, plantations and timber enterprises remained largely in the hands of foreign corporations. As the end of colonial rule approached, Europeans followed the old adage: 'Give them parliament and keep the banks.' "
The Fortunes of Africa: A 5000-Year History of Wealth, Greed, and Endeavor
If you wish to read further: Buy Now
Author: Martin Meredith
Publisher: PublicAffairs a Member of the Perseus Books Group
Copyright 2014 by Martin Meredith
Pages xv-xvi
If you wish to read further: Buy Now
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