sábado, 28 de março de 2020

Ian Bremmer: Perto de Bolsonaro, Trump parece o Churchill, diz CEO da Eurasia (Veja)

Perto de Bolsonaro, Trump parece o Churchill, diz CEO da Eurasia

Em entrevista a VEJA, Ian Bremmer diz que o 'lockdown' é fundamental 

para salvar a economia e que o mundo sairá da crise mais desglobalizado

Por Eduardo Gonçalves - Atualizado em 27 mar 2020, 18h43 

O presidente da Eurasia, Ian Bremmer Richard Jopson/

Especialista em calcular o risco de crises no mundo, o presidente e fundador da consultoria Eurasia, Ian Bremmer, se tornou, no âmbito internacional, um dos maiores críticos à forma como o presidente Jair Bolsonaro tem lidado com a crise de coronavírus. Em suas análises diárias, ele já disse à população brasileira que pratique o “distanciamento social” de Bolsonaro e que, comparado com o brasileiro, o presidente norte-americano Donald Trump parece um estadista.
Comandada por Bremmer, a consultoria já fazia projeções de que o mundo passaria por um processo de instablidade política e desglobalização antes do surgimento da pandemia do coronavírus, o que agora só tende a se amplificar. Com escritórios ao redor do mundo, incluindo o Brasil, a instituição produz análises a clientes interessados em saber onde há mais oportunidades e menos riscos para aplicar os seus investimentos. Em entrevista a VEJA, Bremmer afirmou que Bolsonaro era a “melhor oportunidade” para a implementação de uma agenda reformista no país, mas que ele vem colocando isso a perder ao priorizar a economia na fase inicial de uma crise de saúde pública.
Como o sr. analisa os pronunciamentos de Bolsonaro e Trump nesta semana de que é mais importante preservar a economia do aplicar um isolamento total para conter o coronavírus? Os dois estão preocupados com os impactos econômicos da crise, e com a sua popularidade também. Mas Trump parece estar focado em medidas de isolamento e alívio financeiro, enquanto Bolsonaro está mais concentrado no lado econômico da equação. Só que a escolha entre a saúde pública e a economia é ainda mais desafiadora para Bolsonaro, dado que o Brasil não tem as mesmas reservas econômicas que os Estados Unidos. Globalmente falando, Bolsonaro está sozinho nesta equação e está apostando perigosamente cedo na preocupação majoritária com a economia em detrimento da saúde das pessoas que movem essa economia. O tempo dirá se eles pagarão um preço político por isso.
Por que o sr. escreveu que Bolsonaro é um “líder ineficaz”? Os governos que têm anunciado medidas mais drásticas estão sendo recompensados com amplo apoio público. Bolsonaro, por outro lado, insiste em subestimar a gravidade e detona os governadores que vêm adotando ações mais fortes. Isso pode lhe custar um preço muito alto do ponto de vista da opinião pública. O único político eleito que rivaliza com Bolsonaro em ineficácia é o presidente do México, Andrés Obrador, que continua percorrendo o país e fazendo campanha. Comparado com os dois, Donald Trump até parece Winston Churchill (o grande líder inglês na II Guerra Mundial). É importante dizer que o lockdown é fundamental para salvar a economia a longo prazo.
Em março de 2016, a Eurasia classificou o impeachment de Dilma Rousseff como “provável”, o que aconteceu meses depois. Bolsonaro também pode cair? Ainda não estamos na categoria do “provável”, mas esse erro de cálculo dele acaba pondo o afastamento no radar. O potencial de ele sofrer uma queda significativa em sua popularidade e um ambiente político desafiador pós-crise criam essa possibilidade. Agora, é claro, dependerá do que ele vai fazer nos próximos meses. Os momentos mais dramáticos ainda estão por vir. Cada vez mais, Bolsonaro demonstra não ter o caráter nem a capacidade de dar uma resposta efetiva. O único lado positivo é que ele tem um time altamente qualificado, como o ministro da Saúde e a equipe econômica.
Globalmente falando, Bolsonaro está sozinho nesta equação e está apostando perigosamente cedo na preocupação majoritária com a economia em detrimento da saúde das pessoas que movem essa economia
Logo após a eleição de 2018, a Eurasia avaliou que Bolsonaro era a “melhor oportunidade” de implementar uma agenda reformista e que as instituições brasileiras “continuavam sólidas”. Ainda concorda com isso? Sim, mas Bolsonaro está perdendo sua janela de oportunidade para fazer um bom governo. Antes dessa crise, víamos um círculo virtuoso, com um Congresso reformista e uma economia em recuperação. Esse círculo agora está quebrado com a crise. O Parlamento deve se concentrar em medidas de alívio de curto prazo, e o erro de cálculo do presidente pode levar a uma queda no seu apoio popular, o que o fará dobrar a aposta na polarização política. Algumas reformas ainda podem avançar, mas, com esses novos fatores em jogo, nossa equipe brasileira rebaixou as trajetórias de curto e de longo prazo do país. É um erro estratégico do presidente priorizar o crescimento econômico na fase inicial da crise.
Nos últimos relatórios, o sr. disse que a pandemia de coronavírus pode paralisar a globalização no mundo e até promover o fenômeno chamado de ‘desglobalização’? Pode explicar melhor. A trajetória da globalização já estava mudando, diante da guerra fria tecnológica entre os Estados Unidos e a China, bem como a importância reduzida do trabalho dos setores da indústria e serviços (também em grande parte por causa da crescimento tecnológico). Agora, com o coronavírus, teremos uma intensificação dramática desse processo. O mundo provavelmente se afastará mais das cadeias de suprimentos “just in time” para as de “just in case”. Também haverá uma escalada na tensão entre EUA e China.
O que o sr. acha do posicionamento de alguns setores da direita americana e brasileira de que as medidas de reação ao coronavírus podem causar mais danos do que a própria doença? Certamente, este é um dilema crítico. Permitir que a economia reinicie dá chances ao surgimento de novos surtos. A ausência de coordenação nacional e global torna esse problema ainda pior.
O erro de cálculo do presidente Jair Bolsonaro pode levar a uma queda no seu apoio popular, o que o fará dobrar a aposta na polarização política
É possível medir o impacto econômico que a pandemia terá no mundo? E no Brasil? Depois da crise, o mundo emergirá muito mais instável politicamente, o que será uma consequência muito diferente da que vivemos no estouro da bolha imobiliária de 2008 e depois do atentado de 11 de setembro de 2001. Nessas duas épocas, nós tivemos uma crise financeira global, mas a arquitetura geral da ordem geopolítica não mudou. O que nós vemos agora é o crescimento da desigualdade, da fragilização das democracias como o sistema de governança mais atraente, e da dificuldade do mundo em responder coletivamente aos desafios globais futuros, como a inteligência artificial e os problemas ambientais. No Brasil, há uma pobreza maior do que em países do hemisfério norte. Portanto, se o surto de coronavírus tiver a mesma dimensão do que nessas nações, a escala de sofrimento humano será muito maior.

A OMS e o Brasil: suas resoluções são compulsórias? - Valerio Mazzuoli

 AS DETERMINAÇÕES DA OMS SÃO VINCULANTES AO BRASIL?

Valerio de Oliveira Mazzuoli
Professor-associado da Faculdade de Direito da UFMT. Pós-Doutor em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade Clássica de Lisboa. Doutor summa cum laude em Direito Internacional pela UFRGS. Mestre em Direito pela UNESP, campus de Franca. Membro efetivo da Sociedade Brasileira de Direito Internacional (SBDI) e da Associação Brasileira de Constitucionalistas Democratas (ABCD)


A pandemia do novo coronavírus (Covid-19) trouxe novamente à tona a questão da obrigatoriedade das decisões e recomendações de organizações internacionais no País. De fato, sabe-se que muitas organizações internacionais – como a Organização Mundial de Saúde (OMS) – expedem decisões ou recomendações aos seus Estados- membros, à luz de seu acordo ou tratado constitutivo. Tal é assim pelo fato de serem formadas por Estados, que consentem, quando da assunção do jogo obrigacional, aos ditames estabelecidos naqueles mesmos instrumentos.
O art. 2o, k, da Constituição da OMS – concluída em Nova York, em 22 de julho de 1946 – destaca que “[p]ara conseguir o seu objetivo, as funções da Organização serão: (...) k) Propor convenções, acordos e regulamentos e fazer recomendações respeitantes a assuntos internacionais de saúde e desempenhar as funções que neles sejam atribuídas à Organização, quando compatíveis com os seus fins”. No art. 23, por sua vez, o mesmo instrumento estabelece que “[a] Assembleia da Saúde terá autoridade para fazer recomendações aos Estados-membros com respeito a qualquer assunto dentro da competência da Organização”. Ademais, o art. 62 do tratado determina que “[c]ada Estado-membro apresentará anualmente um relatório sobre as medidas tomadas em relação às recomendações que lhe tenham sido feitas pela Organização e em relação às convenções, acordos e regulamentos”.
O Brasil é parte da OMS e, portanto, tem o compromisso de cumprir com as suas determinações ou recomendações, notadamente as de base convencional, como as acima referidas, decorrentes do próprio instrumento constitutivo da Organização. Todas as recomendações de higiene (p. ex.: limpeza das mãos com sabão ou álcool em gel 70%) e distanciamento de pessoas (p. ex.: período de isolamento e quarentena em casa) são importantes para evitar maiores contágios da pandemia em curso, sem o que o número de infecções crescerá em progressão geométrica, como têm experimentado países como a China e a Itália.
A Itália, no início da pandemia, não deu valor para a progressão de alastramento do vírus e agora se vê arrependida por não ter tomado medidas de contingenciamento no momento próprio. O prefeito de Milão, por exemplo, admitiu publicamente que a campanha #MilãoNãoPara foi um erro: “Ninguém ainda havia entendido a virulência do vírus” (Correio Braziliense, de 26.03.2020). O Brasil, por sua vez, está a repetir o mesmo equívoco, dadas as reiteradas declarações do Presidente da República de que “devemos, sim, voltar à normalidade”, e de que se deve “abandonar o conceito de terra arrasada, a proibição de transportes, o fechamento de comércio e o confinamento em massa” (pronunciamento em Rede Nacional de Televisão, no dia 24.03.2020).
A manifestação do Chefe de Estado brasileiro vai de encontro às medidas tomadas em todo o mundo e às recomendações da OMS para a contenção do novo coronavírus, especialmente relativas ao isolamento social. Sabe-se que a infecção atinge, em sua maioria, os idosos, e, por essa razão, é importante o isolamento dos que mantêm contatos com pessoas acima dos 60 anos. À vista desse fenômeno pernicioso é que volta à tona a questão da obrigatoriedade de acatamento das recomendações das organizações internacionais competentes, como é o caso da OMS. Além de medida de cooperação internacional, trata-se de obrigação jurídica decorrente da ordem internacional, que visa salvaguardar a saúde humana. Trata-se, em suma, de uma questão mundial de direitos humanos relativa à saúde.
O fato de desrespeitar as recomendações das organizações internacionais põe em xeque, objetivamente, a autoridade dos organismos de monitoramento e controle para a proteção da população mundial de pandemias como a que está em curso, uma vez que o mundo, de há muito, não conhece fronteiras e a propagação de pessoa a pessoa é quase que instantânea. Por isso, não faz qualquer sentido o Estado participar de uma organização internacional – que, por sua vez, cria e põe em marcha determinado mecanismo de monitoramento e controle – se não for para seguir as suas recomendações e deliberações. Além do respeito que os Estados devem ter para com as recomendações e deliberações da OMS, é também importante que não fique a imagem do Estado internacionalmente maculada, como não cumpridor de suas obrigações internacionais relativas a direitos humanos.
Seja como for, certo é que, na prática, os Estados – muitas vezes, sem qualquer justificativa plausível – mais desconsideram as decisões dos organismos internacionais competentes que efetivamente as aplicam. À evidência que a conduta estatal não deveria ser dessa forma, por ser a OMS organismo especializado e conhecedor técnico dos problemas sanitários mundiais. Daí a constatação de que o desrespeito às prescrições estabelecidas pela OMS é um ato falho e danoso, não somente para as relações internacionais do País, senão também para a sanidade de todo o planeta, vez que permite o alastramento de pandemia ainda sem cura em todo o mundo. Trata-se, tout court, de ato de irresponsabilidade executiva que está a merecer desobediência por outros agentes públicos – tais governadores dos Estados e prefeitos dos Municípios – que tenham um mínimo de consciência do que está a experimentar o mundo nestes tempos.
Disso decorre o entendimento de que a conduta do governo federal não desautoriza – ao contrário, impele – que os Estados-federados, o Distrito Federal e os Municípios imponham regras superiores aos padrões mínimos mundiais como medida necessária à contenção da Covid-19, visto que o direito internacional opera sempre como plataforma mínima, é dizer, plataforma básica e inicial – mínimo necessário – sobre determinado tema, incapaz de impedir medidas mais austeras de salvaguarda dos direitos humanos que as internacionalmente estabelecidas. A proibição de retroceder na garantia de direitos sociais é um princípio reconhecido no direito internacional dos direitos humanos, que deve ser levado sempre em consideração, vez que chancelado pelos tribunais regionais competentes, como, em nosso entorno geográfico, a Corte Interamericana de Direitos Humanos. Esta, inclusive, reconheceu, no julgamento do caso Lagos del Campo Vs. Peru, a progressividade e justiciabilidade dos direitos sociais, com um tom protetivo inédito no sistema interamericano de proteção (cf. Corte IDH, sentença de 31.08.2017).
Por sua vez, andou bem a Constituição Federal de 1988 ao prever ser da competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios “cuidar da saúde e assistência pública” (art. 23, II), dizendo, ainda, competir à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre “...proteção e defesa da saúde” (art. 24, XII). Há, portanto, fundamento jurídico-constitucional para que governadores e prefeitos tomem medidas de contenção do vírus em desacordo com o que tem sugerido o governo federal, antes que se chegue à desobediência civil, a qual, por sua vez, também tem reconhecimento constitucional, se decorrente do regime (democrático) e dos princípios (republicanos e humanistas) adotados pela Constituição, nos termos do art. 5o, § 2o: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.
Se chegarmos a tal ponto, fico com a lição de Maria Garcia, para quem a desobediência civil é a “garantia das prerrogativas da cidadania”, pois “[c]orresponde ao status vicitatis e decorre do regime dos direitos fundamentais no qual se insere o próprio mandamento do § 2o do art. 5o” (Desobediência civil: direito fundamental. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Ed. RT, 2004, p. 291 e 297). Ainda mais, é de se relembrar a sempre precisa lição de Celso Lafer, para quem “se o legislador pode reivindicar o direito a ser obedecido, o cidadão pode igualmente reivindicar o direito a ser governado sabiamente e por leis justas” (A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Companhia das Letras, 1988, p. 188).
Os milhares de mortes ocasionadas pela Covid-19 estão patentes em todo o mundo e, por isso, não é o momento de desconfiar da verdade notória, clara, constatável e informada minuto a minuto em todo o globo, bem assim de faltar com o dever de precaução necessário, dadas as incertezas científicas que ainda permeiam esta pandemia. Hoje – exatamente dia 27 de março de 2020, quando escrevo estas linhas – o mundo não sabe como a pandemia se comportará nos próximos dias e meses, mas já se tem o exemplo de vários países, como a Itália, que se arrependeram em não tomar medidas no tempo oportuno.
Certo é que num mundo cada vez mais cooperativo e integrado o Brasil não pode se postar acima de tudo, à custa de uma razão indolente e soberba; não há de fazer tábula rasa de importantes recomendações de organismos internacionais especializados, que buscam conter o avanço de uma pandemia mundial, em tempos de incertezas científicas. Posturas como tais somente intensificam o acirramento das relações internacionais e a propagação de doenças totalmente indesejáveis por todos.
Se Deus está acima de todos, o Brasil não está acima de tudo.


sexta-feira, 27 de março de 2020

Psicopatologia de um narcisista masoquista - Reinaldo Azevedo

Fantasia narcísica: Bolsonaro implora pelo impeachment. Merece ser atendido... 

Reinaldo Azevedo
Colunista do UOL
26/03/2020 08h20
Freud em sua mesa de trabalho. Ele não teve como analisar Jair Bolsonaro, mas deixou uma vasta teoria para entender a alma profunda mesmo de alguém como o nosso presidente
Depois de muitos anos dedicado a seu objeto de estudo, Freud tentou responder: "Mas, afinal, o que querem as mulheres?" Leiam. Não é para iniciantes, hehehe.
Infelizmente, o sujeito da minha indagação é bem mais vulgar: "Mas, afinal, o que quer Bolsonaro?"
BOLSONARO QUER SER DESTRUÍDO
Já que evoquei Freud, teria de dar uma resposta que atine, deixem-me ver, a dois eixos distintos de saber, duas categorias. Começarei por aquela que pode intrigar muitos leitores. E não! Jamais desculpem Bolsonaro por aquilo que há em sua mente e que nem ele pode controlar. Todos temos esses escuros, não é? Quando buscamos desenvolver a empatia e ver o outro com um mínimo de generosidade, mesmo as variáveis que não são do nosso controle acabam, aos olhos alheios, amansadas por nossa bonomia.
Observação rápida para continuar: ocorre que Bolsonaro tem desprezo por isso a que chamamos genericamente "bondade". Ele não está nem aí. Se preciso, para justificar um equívoco, ele é capaz de especular sobre a morte de sua mãe, como fez em conversa com Ratinho. Quem põe a própria mãe no meio de um debate que tem natureza política, referindo-se a ela como eventual cadáver a provar uma tese, expressa um juízo sobre os idosos, lhes antevê um destino, mas também fala muito sobre si mesmo. "Ah, Reinaldo, todos vamos morrer um dia..." É verdade. Mas é preciso ter uma alma muito perturbada e um grave defeito no aparelho psíquico para não sentir compaixão.
Volto ao eixo. Mas o que quer Bolsonaro? Ele quer ser impichado. Sua fantasia narcísica é ser punido, é ser apeado do poder, porque só desse modo ele pode recuperar o território da vítima excluída do sistema, de onde ele tonitruava seus anacolutos incompreensíveis contra inimigos que nem reais chegavam a ser porque, de fato, ninguém lhe dava bola.
O mundo contra o qual se batia era muito maior do que ele poderia compreender. E quem tem um pouco de experiência social consegue perceber a sua absoluta inadequação ao cargo. Tomemos como exemplo dois de seus antecessores, em si antípodas em muitos aspectos, mas absolutamente iguais num quesito ao menos: FHC e Lula. Os dois se sentiam plenamente à vontade no poder. Quem olhasse para um e para outro no cargo via estampada no rosto a satisfação: "Mereci estar aqui".
Com história pessoal e formação tão distintas, a fantasia narcísica de ambos — e todos a temos, que fique claro — era o reconhecimento. E isso é bastante convencional e, parece-me, saudável. Críticos podem objetar que aquilo que pensavam de si mesmos não correspondia à realidade. O ponto não é esse. Para o tema de que trato aqui, importa que o sujeito se olhe no espelho e goste do que vê. Sobre o petista, até brinquei certa feita, no auge de seu poder, que Lula chegava até a sentir um pouco de inveja de... Lula
Sim, este analista amador, um rábula legítimo também da psicanálise, ousa dizer que Bolsonaro se detesta e deseja ardentemente ser punido porque ele não sabe fazer o discurso do vitorioso. Até porque aquele que vence precisa conviver com os derrotados porque é a existência destes que justifica a sua vitória. O presidente que temos, se pudesse, eliminaria seus inimigos porque eles provam todos os dias a sua inadequação ao cargo, a sua incompetência, a sua incapacidade de entender o que está à sua volta e, acima de tudo, a sua indisposição para aprender qualquer coisa.
Bolsonaro quer que o coloquem para fora porque, assim, terá fim a sua angústia. E ele não precisará mais ser testado em salões em que, claramente, sente-se deslocado, com os ombros duros, o sorriso (quando há) plastificado, o olhar perdido. Até o seu anticomunismo é tomado de empréstimo, uma vez que fica evidente que ele nem sabe direito do que está falando. Bolsonaro está implorando para que ponham um fim a seu sofrimento. Esse particularíssimo Narciso quer ser punido.
JÁ SE PERGUNTARAM POR QUÊ?
Vocês já se perguntaram por que Bolsonaro decidiu armar essa quizumba sobre a pandemia? Inexiste uma resposta racional. Sim, está cercado de extremistas de direita de quinta categoria, cuja ignorância foi lixada e envernizada por Olavo de Carvalho, sem, no entanto, esconder a madeira ordinária de que é feita. Eles lhe sopram teorias alopradas aos ouvidos que simplificam brutalmente o mundo -- e, com efeito, não é complexidade o que ele quer.
Isso revela bastante da política, mas nada da psique bolsonariana. E ele tem uma. Afinal, também há alguns sensatos à volta que lhe dizem: "Por aí, não; por aí, você quebra a cara e vai ser alvo da crítica até de alguns aliados".
Ah, meus caros! Mas é tudo o que ele quer! Quando Bolsonaro rompe com um aliado, é a tal fantasia narcísica se exercendo na sua potência quase máxima — ela só atingirá mesmo o auge com o impeachment. Aguardem: é grande a chance de o governador Ronaldo Caiado (DEM), de Goiás, entrar na fila de seus vitupérios. Do que ele acusou, aos berros, João Dória (PSDB), governador de São Paulo? Em síntese, de traição. É o seu prazer.
E Bolsonaro jamais vai se colocar como o corno político à moda Nelson Rodrigues, dizendo a um ex-aliado: "Perdoa-me por me traíres". Porque isso quebraria a tal fantasia narcísica. A culpa está sempre com os outros; a culpa está sempre com aqueles que fizeram um mundo muito mais nuançado e complexo do que ele pode alcançar; a culpa está sempre com aqueles que o levam a sentir-se inferiorizado apenas porque existem.
LÍDER NA CRISE
Poucos governantes tiveram a chance -- dramática, sim! -- que tem Bolsonaro de ser um líder na crise. Obviamente, ele reúne os elementos para que alguém se aposse do clichê "sangue, suor e lágrimas", posto que, por óbvio, culpado pelo coronavírus ele não é.
Foi presenteado com uma barafunda que tem implicações verdadeiramente planetárias, mais grave e mais ampla do que o estouro da bolha imobiliária de 2008, que colheu Lula do poder e ameaçou transformá-lo numa lenda. O petista arrumou uns culpados, sim, lembram-se? Os "louros de olhos azuis". Mas, naquela hora, falou a seus "morenos de olhos marrons" e, convenham, pode-se concordar com as medidas que adotou ou delas discordar, mas é fato que liderou o país.
FHC e Lula têm vocação para o gozo — o que é saudável. Bolsonaro, simbolicamente, prefere o martírio. Não chega ao gozo nem se concilia com o sono porque, intimamente, julga não merecer a distinção. E certamente as vozes íntimas que o atormentam lhe dizem que outros poderiam fazer aquele trabalho com muito mais competência e desenvoltura.
A sua absurda agressividade deriva da sua escandalosa insegurança. Daí que, diante de interlocutores que ele sabe que podem afrontá-lo com os fatos, escolhe a agressão, o vitupério, a grosseria.
Bolsonaro implora que o derrubem. E só assim a sua fantasia narcísica lhe dirá: "Viu? Você estava certo!"
Ah, sim: alguns leitores poderiam perguntar se ele sabe disso tudo. Não! Ele sente isso tudo, o que deve ser devastador.
E isso que escrevo me dá uma certeza: ele não vai mudar. Responderá sempre a uma crise com ainda mais crise.
Na dimensão em que trato aqui, Bolsonaro não precisa nem de conselheiro. Precisa de um analista. Como é certo que não irá procurar ajuda, parece-me que é caso de satisfazer, sim, a sua fantasia narcísica.
Ele merece um pouco de paz.
O Brasil também.

Um protesto em favor dos sexagenários - Marli Gonçalves

SOCORRO, O PILOTO ENLOUQUECEU!

MARLI GONÇALVES

Vivemos agora um dos maiores e mais terríveis desafios da Humanidade – houve outros, claro, mas não estávamos por aqui. E se agora quisermos continuar por aqui, precisamos manter de qualquer forma ao máximo as medidas de isolamento social, quarentena, e de acordo com as organizações médicas mundiais. Os cintos se apertaram, mas o piloto não sumiu; apenas não sabe dirigir, e não pode sequestrar um país
Ninguém está querendo ficar em casa trancado, com crianças fora da escola, sem saber o que vai acontecer, trabalhando como pode, ou não trabalhando, sendo obrigado a não trabalhar por não ter como nem onde. O importante é entender o que precisamos fazer nesse momento, e que não é coisa local, é pandemia, mundial. Grave, grave, muito grave. Com reflexos econômicos imensuráveis, um futuro nebuloso.
Mas estamos vendo tudo só piorar por aqui, inclusive por altas incontroladas de preços, abusos de toda sorte, picaretagens e falsificações em produtos médicos, falta de insumos, o Brasil mostrando sua cara e suas deficiências sociais, econômicas, trabalhistas, de saneamento. Milhares de pessoas que nem casa têm para se isolar, nas ruas, com fome, sem poder contar com os solidários voluntários para lhes dar uma prato de comida, ao menos uma vez ao dia, sem água pra beber, porque os bares estão fechados. E os mandamos lavar as mãos com frequência e usar álcool em gel, como se vivêssemos uma linda fantasia conjunta.
Ninguém quer isso tudo o que está ocorrendo, mas o tal piloto, de cuja mente, dele e seus apaniguados, jorra diariamente uma quantidade de ignorâncias tal que torna mais insuportável esse momento, quer fazer parecer que é indolência nossa. Repare. As medidas que precisa tomar, não toma; as promessas que fez, inclusive econômicas, não cumpre. Nos leva a uma situação verdadeiramente insustentável, inclusive diante do resto do planeta. Esse é o fato.
Governados por um Bolsonaro inepto que conseguiu mostrar de vez a única e principal certeza desse momento, a sua total ignorância, incapacidade de liderar, dirigir, pensar. Suas ações e aparições a cada dia apenas têm servido para aumentar a angústia de todos nós, nos deixando marcas, e nos deixando doentes de muitas outras formas além do coronavírus. Depressivos, violentados, atônitos, escandalizados, revoltados.
Parem, por favor, apenas parem esse homem antes que seja tarde demais. Ele ri de nossa agonia. Nos desrespeita, juntando esses grupos de ódio de ignorantes que mancham, eles sim, o nosso verde e amarelo. Com o vermelho de nosso sangue e o verde de sua bílis nojenta. Covardes que se escondem atrás de robôs, que agora batem bumbos de dentro de seus carros potentes em inacreditáveis carreatas. Que dizem que não querem o Brasil parado e que vão nos matar se obtiverem sucesso nessa empreitada suicida, já demonstrada como muito suicida, e em várias partes do mundo.
Desrespeitam os profissionais da saúde que estão na linha de frente do combate; desrespeitam a Ciência; desrespeitam a lógica. Nos levarão ao abismo se permanecerem nessas cadeiras, nos levarão a claras revoltas locais, farão reviver todas as agruras do século passado, escutem, acreditem. Isso não vai acabar bem. Entramos em um perigosíssimo vácuo de poder.
Não podemos ficar em suas mãos como estamos agora, sabendo claramente que os números de infectados e mortos estão totalmente subestimados, porque não temos a base, nem os testes que possam aferir a realidade, e ela é dura.
Nunca tive problemas com idade, a não ser agora onde querem fazer parecer que quem tem mais de 60 anos pode – e quase deve - morrer, que não fará falta – alguns safados chegam a declarar isso textualmente, e ainda se acham brasileiros e que o dinheiro deles os salvará. Estaríamos marcados para morrer, não poder fazer nada? Não, somos a História desse país, temos o conhecimento capaz de combater o mal que tenta se instalar.
Sinto uma revolta como há muito não sentia. Sei que não estou sozinha. Todas as noites ouço o som dessa revolta nas panelas que batem e nos gritos das janelas de meu país, nas discussões que tomam as redes sociais. Mas é cada vez mais clara a situação: quando pudermos abrir as portas, e se possível até bem antes disso, agora, e antes que seja tarde demais, essa revolta precisa criar corpo, ser real, e arrancar dali o maluco que tomou a direção e está desgovernado, pretendendo nos matar.
No mínimo, de raiva.
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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano - Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. À venda nas livrarias e online, pela Editora e pela Amazon.
marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

Mensagem do General Carlos Alberto dos Santos Cruz: Corona Vírus, Liderança e Coordenação

Mensagem do General Carlos Alberto dos Santos Cruz, sobre o momento presente.
Paulo Roberto de Almeida

General Santos Cruz
5 h
CORONA VÍRUS – LIDERANÇA E COORDENAÇÃO
Pandemia do corona vírus - a responsabilidade é de todos e não só dos governos (federal, estaduais e municipais). As opções são difíceis e complexas. Elas exigem participação individual e coletiva. A crise é mundial. Recai sobre todos uma grande responsabilidade, principalmente sobre os governos, que precisam coordenar, orientar e regular todas as áreas. O ministério da saúde, desde o início, vem mantendo uma linha confiável, transmitindo tranquilidade, realismo e conhecimento. O pessoal dos setores público e privado da área de saúde têm sido exemplares.
Existe uma infinidade de opiniões pessoais, já que o problema é novo há muitas informações divergentes e até algumas falsas na mídia. Isso exige clareza, preparo e segurança nas informações oficiais. A vida das pessoas e a normalidade da vida do país estão afetadas e em risco. Nesse contexto é preciso liderança, coordenação, equilíbrio, flexibilidade e método decisório.
O apoio político à área técnica é fundamental. É hora de estar acima das disputas partidárias, ideológicas, eleitoreiras e de unir os governadores, prefeitos, poderes Executivo, Legislativo, Judiciário, empresariado, população. É importante confiar na área técnica, discutir as opções internamente na área governamental e, após decidir, preservando a flexibilidade, prestigiar as recomendações, ter uma coordenação de governo, transmitir tranquilidade, equilíbrio, coerência e exemplo.
Discussões públicas e contradições mostram falta de coordenação e não trazem a tranquilidade e a paz necessárias para a população enfrentar este período difícil. É na dificuldade que a liderança emerge. O líder tem que transmitir uma orientação segura, serena, exemplar e tem de prestigiar seus assessores, tem que assumir a responsabilidade de todo o processo. As mudanças e adaptações que a dinâmica impõe precisam ser dirigidas com mão segura pelo líder. A hora é crítica, pois afeta a vida das pessoas e todos os campos da vida nacional. A liderança, nesse momento crítico, exige percepção, calma e sensibilidade. Tem que ter bom senso, autoconfiança e humildade para tentar recuperar o tempo perdido.
Carlos Alberto dos Santos Cruz

O mundo global e a Covid-19 - Marcos S. Jank (OESP)

O mundo global e a Covid-19

Jornal “O Estado de S. Paulo”, Opinião, 27/03/2020.

Marcos S. Jank*

A globalização será fortemente impactada pelos dois tsunamis da pandemia.

A imagem mais dura e realista da crise que vivemos são as duas ondas que nos vão atingir em cheio. A primeira é uma onda de menor tamanho, que já recebe todas as atenções neste momento: a pandemia do coronavírus. A segunda, ainda desconhecida e muito mais avassaladora, é a recessão mundial que vem logo atrás da covid-19. Dois tsunamis sucessivos, porém de diferentes natureza e impacto.

O dilema é que quanto melhor forem a contenção e o isolamento das pessoas, maior será a vitória contra a primeira onda e mais desastroso será o impacto da segunda. Como diz o ditado, “se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”. Neste caso, se corrermos para fora de casa o bicho da covid pega todo mundo, se ficarmos confinados em casa o bicho da recessão nos come mais à frente.

A tragédia é que, enquanto a covid-19 ataca os mais velhos, a recessão atingirá principalmente os mais pobres, o mercado informal e as pequenas empresas, que têm pouco acesso a crédito e capital de giro, afetando milhões de empregos.

A crise atual origina-se na área sanitária, que determinou o isolamento social, e avança na área econômica, com a paralisação da oferta de bens e serviços. Esta crise exige, portanto, políticas públicas que consigam administrar o difícil trade-off entre riscos sanitários e riscos socioeconômicos, com suas respectivas medidas e ajustes.

No cenário otimista teremos um impacto momentâneo, com a doença causando poucas mortes e uma recessão moderada e administrável, compensada pelo inevitável surto de crescimento quando a vida se normalizar.

No cenário pessimista, a pandemia demora muito tempo para ser solucionada e a recessão resultante deixa pesadas sequelas em termos de desemprego, quebra de empresas, desorganização de cadeias produtivas, desespero e mesmo violência.

As fronteiras do mundo haviam desaparecido com a facilidade de se conectar, viajar, conversar e trabalhar online. Pessoas se integraram por meio de aviões, internet e redes sociais. Empresas e produtos que se tornaram globais. Mas esta crise está revelando aspectos até aqui inimagináveis, como a incapacidade dos países de prever e lidar com crises sanitárias. Com tanta riqueza acumulada, a humanidade da era digital foi abalroada pela falta de testes, máscaras e respiradores.

Isso sem contar a visível fragilidade das cadeias de suprimento e a inoperância de organizações multilaterais como ONU e G-20 para atuarem de forma coordenada e contundente num momento em que elas são mais necessárias.

O fato é que a crise do coronavírus traz o Estado-nação e as fronteiras nacionais de volta à cena e vai aumentar as pressões por controles de fronteira, protecionismo e favorecimento de produtores e produtos locais.

O mundo global pode sangrar se o nacionalismo pós-coronavírus levar à deterioração das relações EUA-China, ao colapso da arquitetura integrada da União Europeia e à redução do comércio e dos investimentos globais. Isolamento e quarentenas, xenofobia, movimentos antiglobalistas e antimigração podem produzir uma aversão a produtos importados, atingindo em cheio a crescente presença e competitividade do agronegócio brasileiro.

Um dos elos mais sensíveis no ambiente altamente tumultuado desta pandemia é o abastecimento de alimentos e bebidas. Pelo menos aqui, no Brasil, não vai faltar comida, já que produzimos muito mais do que consumimos. Mas dois problemas podem impactar o esforço de produção: a distribuição de produtos e a recessão global.

No médio e no longo prazos, temos de entender melhor qual será o impacto de uma recessão global nas nossas exportações. Conceitualmente, o agronegócio deveria ser um dos setores menos afetados, pois as pessoas não vão deixar de comer e o mundo depende do Brasil para sua segurança alimentar em diversas commodities. Mas uma recessão longa e penosa pode criar alta volatilidade e derrubar preços e margens, a exemplo da Grande Depressão de 1929.

No curto prazo, as medidas de contenção têm criado travas importantes no fluxo físico das cadeias de suprimento de produtos agropecuários e alimentos, que são longas e complexas, principalmente na área de produtos perecíveis, como frutas, verduras, carnes e lácteos, e de atividades cuja produção depende de mão de obra intensiva e aglomerada. 

Isso sem contar o impacto das restrições impostas sobre importantes canais de distribuição, como bares, restaurantes, hotéis e serviços de alimentação. Tenho ouvido relatos de arbitrariedades absurdas, fechamento de cidades, falta de serviços de apoio, atrasos e quebra de contratos nas cadeias do agro. A demanda de alimentos básicos é geralmente inelástica e seus efeito sobre o consumo total são limitados, mas os padrões de consumo podem mudar em função de restrições localizadas e preços relativos.

Em toda a minha vida, nunca vi um momento tão crítico como este, que exige estratégia sólida e coordenação firme de autoridades em diferentes níveis do governo e imenso esforço coletivo e cooperativo de empresas e pessoas. Os países que melhor lidaram até aqui com a mitigação da doença e da recessão foram os que implementaram estratégias firmes e focadas para lidar com problemas concretos (isolamento de doentes, por exemplo), ao lado de campanhas de ampla informação e conscientização da sociedade.

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