quinta-feira, 4 de janeiro de 2024

A nossa extrema-direita – e as deles - Demétrio Magnoli (Interesse Nacional)

Uma única correção a este artigo de Demetrio Magnoli: o artigo de Ernesto Araujo, Trump e o Ocidente”. Cadernos de Política Exterior, v. 3, n. 6, IPRI/FUNAG, Brasília, é de 2017, não de 2018. Eu era editor dos Cadernos nessa época, mas retirei o meu nome do expediente, não por causa da bizarrice, mas de outra questão.

Paulo Roberto de Almeida


A nossa extrema-direita – e as deles

Demetrio Magnoli

Interesse Nacional, janeiro de 2024

 

 Demétrio Magnoli é sociólogo, conselheiro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais, colunista dos jornais Folha de S.Paulo e O Globo, comentarista internacional na GloboNews.

 

 

O triunfo eleitoral de Donald Trump, em 2016, ativou os alarmes: as democracias ocidentais enfrentavam o desafio da ascensão do populismo de direita. Na Europa, partidos populistas de direita obtiveram, em 2018, perto de 15% dos votos totais, contra menos de 5% em 1998 – e alguns deles tinham forte presença nos gabinetes de governo. Por isso, naquele ano, a vitória do extremista Jair Bolsonaro parecia significar a inserção do Brasil numa tendência mais geral.

Sem surpresa, fixou-se uma narrativa predominante que inscreve a extrema-direita bolsonarista no panorama internacional do avanço da direita populista. O argumento deve ser divido em duas teses distintas: 1) o bolsonarismo articula-se politicamente com correntes internacionais da extrema-direita; 2) as raízes ideológicas do bolsonarismo são similares às das principais correntes internacionais da extrema-direita.

A primeira tese é factualmente comprovável – mas tende a superestimar a relevância dessas articulações. A segunda tese é basicamente equivocada: o bolsonarismo não é mera expressão nacional das ideias que movem o populismo de direita nos EUA ou na Europa.

 Deus e Pátria

“Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. A invocação da fé religiosa pontilhou os discursos oficiais do governo Bolsonaro, do presidente à ministra dos Direitos Humanos, passando por Ernesto Araújo, seu primeiro ministro das Relações Exteriores. Paralelamente, o governo insistiu nos ícones da nacionalidade. Como esquecer a frustrada iniciativa do ministro da Educação de solicitar às escolas vídeos de professores e alunos entoando o hino nacional, durante o hasteamento do auriverde pendão da esperança? Ou a conclamação do porta-voz presidencial, general Otávio Rêgo Barros, para “toda a sociedade prostrar-se diante da bandeira ao menos uma vez por semana”?

É um equívoco transferir a ladainha carola e “nacionalisteira” para o arquivo morto dos anacronismos. Há um sentido mais profundo no recurso exaustivo a tais referências: nos EUA, primeiro, e no Brasil, depois, o populismo de direita encontrou uma refutação eficaz do multiculturalismo.

Há décadas, as elites políticas liberais e de esquerda substituíram o discurso universalista (cidadãos) pelo discurso multiculturalista (minorias). A diferença converteu-se em valor supremo, enquanto dissolvia-se a aspiração à igualdade (de direitos, de oportunidades). A nação deu lugar a uma miríade de grupos singulares (negros, mulheres, gays). A ideia de direitos universais (educação, saúde, previdência, transportes) deu lugar à chamada discriminação positiva (leis e regras específicas, cotas de gênero ou de “raça”). Deus e a pátria fazem seu caminho no espaço aberto por essa abdicação histórica.

A estratégia manipula poderosos signos de igualdade. O “Brasil acima de tudo” cumpre dupla função. Na sua face oculta, tenta identificar a pátria ao governo, um expediente autoritário clássico. Mas, na sua face pública, veicula uma mensagem inclusiva: todos – ricos e pobres, homens e mulheres, “brancos” e “negros” – pertencem igualmente à comunidade nacional. O nacionalismo da direita populista carrega as sementes da xenofobia (diante do imigrante) e da intolerância política (diante das oposições). Ao mesmo tempo, oferece um abrangente manto comum – e, com ele, a promessa de resgate dos fracos e humilhados.

As religiões monoteístas deitaram raízes pois ofereciam uma base pétrea de legitimidade aos governantes (um Deus no céu, um imperador na Terra) e, simultaneamente, a esperança de justiça aos desamparados (todos são filhos do mesmo Deus). O “Deus acima de todos” também desempenha dois papeis. Numa ponta, corrói a laicidade estatal e propicia o acesso das igrejas à mesa do poder. Na outra, apela ao sentido popular de igualdade: nenhuma ovelha do rebanho será deixada para trás.

Deus, a bandeira e o hino são chaves narrativas compartilhas por Trump, nos EUA, Vladimir Putin, na Rússia, Recep Erdogan, na Turquia, Viktor Orbán, na Hungria, e a coalizão Meloni/Salvini, na Itália. Nesse plano mais genérico, Bolsonaro participa do movimento geral da direita populista.

Num artigo de ressonâncias místicas, publicado em novembro de 2018, Ernesto Araújo encontrou no “Deus de Trump” o motor da história.[1] O “pan-nacionalismo”, a identidade cristã, Spengler e a xenofobia unem-se como escudos contra o “cosmopolitismo” e o “liberalismo”. Três meses depois, Eduardo Bolsonaro tornou-se o “representante na América Latina” do movimento de partidos populistas de direita articulado por Steve Bannon. Era o ensaio de uma “Internacional dos nacionalistas”, uma contradição em termos fadada ao insucesso.

A geringoça andou um pouco. Na visita presidencial aos EUA, em março de 2019, a comitiva brasileira ofereceu um jantar que teve Bannon como convidado especial. Depois, em abril, Eduardo Bolsonaro fez um giro europeu de encontros com líderes da direita nacionalista, iniciado por uma visita ao então co-primeiro-ministro italiano Matteo Salvini. Mas o Movimento de Bannon logo desandou, esbarrando nas divergências entre os líderes da direita europeus e na resistência de vários deles a se submeterem ao ideólogo americano.

Sob o patrocínio de Trump e de Orbán, no lugar da “Internacional dos nacionalistas”, nasceu uma “Internacional cristã”: a International Religious Freedom (Belief Alliance).[2] Sob o manto da liberdade de crença, a aliança reuniu, além das lideranças políticas cristãs que a conceberam, correntes religiosas conservadoras hindus, muçulmanas e judaicas. Araújo participou de sua estruturação, em 2020.[3] Entretanto, suas atividades só deslancharam após a demissão do ministro, no início do ano seguinte. A articulação contou com a entusiasmada adesão do Brasil – mas basicamente a cargo de Damares Alves, do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, com discreta participação do Itamaraty.[4]

O “Deus de Trump” produziu escassos frutos, do ponto de vista dos alinhamentos geopolíticos internacionais. A política externa bolsonarista, enunciada aos brados por Araújo, praticamente limitou-se a visitas, encontros e conferências sectárias, além de frequentes votos antiliberais em fóruns internacionais. Muita fumaça, pouco fogo.

 Ideia fora de lugar

O bolsonarismo foi descrito como expressão brasileira da onda nacionalista e populista que varre o Ocidente. No fundo, porém, o bolsonarismo é uma exceção.

A poesia épica do populismo de direita nasce na gramática do medo. Nos EUA e na Europa, a angústia, a insegurança diante do futuro alimentou a onda populista em curso, que ainda não dá sinais consistentes de retrocesso. Nesse sentido genérico, o Brasil acompanhou a tendência internacional. Bolsonaro foi catapultado ao Planalto por eleitores temerosos, inseguros, indignados. Mas, por aqui, os eleitores não foram seduzidos pela narrativa ideológica do bolsonarismo. O voto negativo, não a adesão política, definiu o triunfo de um líder carente de bases sociais sólidas. Aí reside nossa excepcionalidade.

O grande tropeço da globalização, iniciado em 2008, deflagrou a ascensão do populismo nacionalista. Trump venceu no Colégio Eleitoral apoiando-se na baixa classe média branca submetida à corrosão da indústria tradicional. A crise do euro, seguida por longos programas de austeridade econômica, inflou o balão dos partidos da nova direita europeia. Dos megafones de Trump, Salvini, Le Pen, Farage, Orbán e tantos outros emanaram as conclamações antiliberais do nativismo, da xenofobia e do protecionismo.

No Brasil, Bolsonaro também emergiu do caos: a depressão econômica armada pelas estratégias fiscais do lulo-dilmismo. A campanha bolsonarista apertou as teclas sensíveis da corrupção e da criminalidade, mas o triunfo eleitoral derivou do colapso catastrófico do sistema político. Lá fora, uma corrente histórica profunda impulsiona a nova direita nacionalista. Aqui, um cruzamento de circunstâncias fortuitas colocou um político obscuro na cadeira presidencial.

A extrema-direita brasileira é uma ideia fora de lugar: a imitação sem disfarce de um discurso elaborado nos EUA ao longo de mais de dois séculos. Lá, a noção de liberdade foi moldada em oposição aos conceitos de democracia e igualdade perante a lei. A “liberdade dos estados” funcionou como oposição à existência de uma Constituição nacional, depois como alicerce do sistema escravista e, finalmente, como moldura das leis de segregação racial. Hoje, reciclada, a reivindicação fundamenta as legislações destinadas a restringir o acesso às urnas em estados controlados pelos republicanos.

No Brasil, uma semana antes do 7 de setembro de 2021, a Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) publicou o manifesto do bolsonarismo.[5] A Fiesp e a Febraban haviam ensaiado discurso da democracia, curiosamente definida como “harmonia entre os Poderes”. Em contraponto, a Fiemg intitulou sua declaração com a senha de combate da extrema-direita: Manifesto pela Liberdade.

Um centro de comando único, uma espécie de Comitê Central, esculpiu os discursos do bolsonarismo. Assim como o texto da Fiemg, as bandeiras dos atos bolsonaristas daquele 7 de setembro sofreram uma padronização, organizando-se em torno da senha principal. Tudo – os ataques ao STF, as injúrias contra governadores e parlamentares, a contestação das urnas eletrônicas – foi recoberto por uma mão de tinta fresca que exibia a palavra liberdade.

“Assistimos a uma sequência de posicionamentos do Poder Judiciário que acabam por tangenciar, de forma perigosa, o cerceamento à liberdade de expressão no país”, escreveram os industriais mineiros para condenar o inquérito das fake news – e, de passagem, oferecer um apoio implícito ao pedido de impeachment do juiz Alexandre de Moraes. Liberdade, desdobrada em “liberdade de expressão” e “liberdades individuais”, era esta a mensagem.

A senha emergiu, igualmente, em textos assinados pelo ministro da Defesa, Braga Netto, um expoente da agitação bolsonarista entre os militares. Na nota de repúdio às declarações do senador Omar Aziz (7 de julho), o general proclamou que “as Forças Armadas não aceitarão qualquer ataque leviano às instituições que defendem a democracia e a liberdade do povo brasileiro”.[6] Duas semanas depois, em nota de desmentido de ameaças de golpe (22 de julho), expressou o compromisso das Forças Armadas com “a manutenção da democracia e da liberdade do povo brasileiro”.[7]

A Constituição atribui às Forças Armadas as missões de “defesa da Pátria”, “garantia dos poderes constitucionais” e, por iniciativa de um deles, proteção “da lei e da ordem”. A “liberdade do povo brasileiro” era uma invenção (in)constitucional de Braga Netto –  ou melhor, dos mestres ideológicos que o controlavam. Mas, aqui, o que importa é registrar a consistência do discurso bolsonarista.

Liberdade – não democracia. A opção tem significado e implicações. O conteúdo da liberdade depende do ponto de vista do sujeito do discurso. Democracia, porém, tem conteúdo objetivo: o sistema de governo baseado na vontade da maioria filtrada por leis e instituições que limitam o poder dos governantes, asseguram os interesses permanentes da sociedade e protegem os direitos da minoria. Fora da democracia, liberdade é privilégio de uma minoria que tem poder. Os arautos bolsonaristas da “liberdade” são os saudosistas da ditadura militar que acalentaram o sonho de um golpe contra as liberdades democráticas.

 Aliança profana

Paulo Guedes, o superministro da Economia,  definiu o governo Bolsonaro como uma aliança entre conservadores e liberais.[8] Era, claro, um álibi destinado a justificar sua própria adesão ao presidente extremista – mas também um duplo equívoco conceitual. A extrema-direita bolsonarista não é conservadora, mas reacionária: defende uma ruptura com a democracia e um retrocesso à “idade de ouro” da ditadura militar. Já o liberalismo econômico do governo resumia-se a uma fantasia destinada a recobrir políticas fiscais populistas que desmoralizaram o teto de gastos e tentativas de subordinar a Petrobras às necessidades reeleitorais do presidente.

A “santa aliança” de Guedes deflagrou um debate público sobre as relações entre liberalismo e democracia. “É natural que a Fiesp assine um manifesto em defesa da democracia, já que não existe liberalismo, economia de mercado ou propriedade privada, valores tão caros à entidade e ao setor industrial, sem que exista segurança jurídica, cujo pilar essencial é a democracia e o Estado de Direito”, declarou Josué Gomes da Silva, presidente da entidade empresarial paulista no início da campanha eleitoral de 2022.[9]

O manifesto cumpria um papel positivo, mas a justificativa continha uma imprecisão conceitual: o liberalismo não precisa, necessariamente, da democracia.

O liberalismo tomou de assalto o Ocidente no século XIX, antes do advento das democracias contemporâneas. Os princípios liberais clássicos – os direitos individuais, as liberdades civis e políticas, o secularismo, o livre mercado – estabeleceram-se em regimes políticos aristocráticos ou oligárquicos. A democracia chegou depois.

Democracia supõe o direito universal de voto, algo que só se difundiu ao longo do século XX. Os sistemas pioneiros de governo liberais baseavam-se no consentimento de uma minoria que gozava do privilégio de plenos direitos políticos. Durante um longo período, massas de pobres eram excluídas do voto por muralhas ligadas à propriedade ou à renda e as mulheres simplesmente não tinham direito de voto.

O rótulo democracia liberal indica uma ruptura. O liberalismo sofreu uma revolução interna para adaptar-se ao advento da democracia de massas. Nesse passo, tornou-se menos “puro” na esfera econômica, pois teve que admitir as intervenções estatais destinadas a combater a pobreza extrema e as mais clamorosas desigualdades sociais.

Nem todos curvaram-se aos novos tempos. Uma corrente de economistas liberais, aferrada ao dogma da absoluta liberdade de mercado, enxergou na democracia liberal um malévolo disfarce do socialismo. Dessa crença nasceu uma atração por regimes autoritários dispostos a conduzir programas de radical liberalização econômica.

No ponto de partida, o pensamento liberal enxergava as liberdades políticas e econômicas como partes indissociáveis de uma mesma doutrina. Milton Friedman, pai-fundador da Escola de Chicago, desafiou essa tradição ao operar como conselheiro do ditador chileno Augusto Pinochet e do regime totalitário chinês. A liberdade, imaginava Friedman, floresce na esfera econômica, alastrando-se mais tarde pela esfera política.

A dissociação teórica entre as duas esferas propiciou um álibi político à corrente de liberais que enxergam a democracia como valor secundário ou mesmo como obstáculo à promoção irrestrita da liberdade de mercado. A adesão de significativa parcela do empresariado brasileiro à candidatura de Bolsonaro em 2018 encontra aí uma base ideológica.

Guedes falou em “democracia responsável”, conectando-se a uma extensa tradição autoritária de adjetivação da democracia.[10] Nesse passo, reuniu-se com personagens como Oliveira Salazar (“democracia orgânica”), Erdogan (“democracia conservadora”) e Putin (“democracia soberana”). Os falsos liberais brasileiros, sempre dispostos a conciliar com o populismo econômico, aliaram-se aos reacionários saudosistas da ditadura militar. A aliança profana entre Bolsonaro e Guedes ilumina a singularidade brasileira: nos EUA e na Europa, a direita nacionalista e a extrema-direita abominam o liberalismo.

A atual direita republicana nos EUA, ainda liderada por Trump, deita raízes no nativismo, na xenofobia e no isolacionismo. Contudo, no plano econômico, prega o protecionismo comercial e aponta a globalização (às vezes, nas formas da China e do México) como responsável pelas agruras que afligem o “americano esquecido”.

Os partidos da direita populista europeia que ascenderam recentemente deitam raízes em correntes profundas das histórias nacionais. A Reunião Nacional francesa deriva tanto da nostalgia do regime colaboracionista de Vichy quanto do neocolonialismo poujadista. O Vox, na Espanha, nutre-se da memória do franquismo. O Irmãos da Itália, de Giorgia Meloni, engaja-se na atualização do mussolinismo. Todos eles, porém, encontram-se no pátio da “democracia iliberal” pregada por Orbán.

Aliança entre liberais de araque e reacionários saudistas. A extrema-direita bolsonarista é, em parte, uma imitação. Mas, no fundo, é uma colcha de retalhos incongruentes e um fenômeno singular.   n


[1]. “Trump e o Ocidente”. Cadernos de Política Exterior, v. 3, n. 6, IPRI/FUNAG, Brasília, 2018.

[2]. https://bit.ly/3xMH3Hk

[3].  https://bit.ly/3ZdmdMZ

[4]. https://bit.ly/3ZcVbFD

[5].  Manifesto pela Liberdade, FIEMG. https://bit.ly/3KEK3NI

[6].  Nota Oficial – Ministério da Defesa, 7/7/2021. https://bit.ly/3Z2TQRW

[7]. Nota Oficial – Ministério da Defesa, 22/7/2021. https://bit.ly/3ZnzYci

[8]. O Estado de S. Paulo, 22/2/2022. https://bit.ly/3SroO3T

[9]Folha de S. Paulo, 4/8/2022. https://bit.ly/3ZmKJeU

[10]Valor, 26/11/2019. http://glo.bo/41ugLaH

 

 

Amorim, o chanceler real de Lula 3 - Carinne Souza (Gazeta do Povo)

 Celso Amorim não é ministro, mas dá as cartas na polêmica política externa esquerdista de Lula

Carinne Souza

Gazeta do Povo, 3/01/2024

https://www.gazetadopovo.com.br/republica/a-influencia-ideologica-de-celso-amorim-sobre-a-politica-externa-de-lula/amp/


Ainda que Mauro Vieira seja o chanceler oficial deste terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), especialistas avaliam que o verdadeiro mentor da política externa é seu assessor de assuntos especiais, Celso Amorim. Diplomata de carreira, Amorim foi o ministro de Relações Exteriores dos dois primeiros mandatos de Lula e é apontado como a figura que moldou a estratégia internacional do mandatário brasileiro, que flerta com ditadores e não se envergonha de fazer vistas grossas a grupos terroristas.

De perfil progressista, Amorim é filiado ao Partido dos Trabalhadores (PT) e é um dos fundadores do Grupo de Puebla — organismo sucessor ao Foro de São Paulo e que reúne lideranças de esquerda da América Latina. Para especialistas e antigos membros do governo, é Amorim o responsável por dar o tem ideológico à política externa que Lula vem adotando.

“O grande conselheiro de política externa de Lula era Marco Aurélio Garcia [que foi seu assessor especial nos dois primeiros mandatos] e hoje esse posto é ocupado Celso Amorim”, avalia o doutor em Filosofia pela PUC-RS e mestre em Relações Internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Cezar Roedel.

No período em que Amorim esteve no comando da chancelaria brasileira, o Brasil sempre tentou se envolver em discussões internacionais. Parte do potencial que Amorim via no Brasil (e em si mesmo) para participar de discussões de “gente grande”, se originou na participação em uma negociação diplomática do fim da década de 1990, que ficou conhecida como Painel do Iraque. Ela visava impedir que o ditador Sadan Hussein adquirisse armas nucleares.

À época, Amorim era chefe da Missão Permanente do Brasil nas Nações Unidas, em Nova Iorque, cargo que ocupava desde 1995 após indicação de Fernando Henrique Cardoso, de quem ele também foi embaixador. Durante a presidência do Brasil no Conselho de Segurança da ONU, em janeiro de 1999, Amorim conduziu a missão que inspecionou o Iraque e concluiu que o país havia desativado seu programa nuclear para desenvolvimento de uma bomba. Mesmo assim, em 2003, os Estados Unidos iniciaram uma guerra com o Iraque sob a falsa alegação de que Hussein possuía armas de destruição em massa.

Ainda em 2003, quando Lula foi eleito presidente do Brasil pela primeira vez, Amorim foi o escolhido para ocupar o cargo de ministro das Relações Exteriores. Juntos, os dois buscaram espaço no cenário internacional e tentaram intermediar grandes conflitos ao redor do globo. A primeira iniciativa foi aceitar a proposta dos Estados Unidos para liderar a partir de 2004 uma missão de paz da ONU para a estabilização do Haiti, que durou 13 anos.

Mas isso não saciou o apetite de Lula e Amorim. Mensagens diplomáticas de 2008 vazadas pelo Wikileaks mostravam que Amorim estava "farto do comércio internacional", atividade principal da diplomacia brasileira nas décadas anteriores. Segundo os cabos diplomáticos americanos, Amorim decidiu então envolver o Brasil nas negociações de paz no Oriente Médio, em uma tentativa de assumir um papel de liderança global.

Os americanos, segundo os documentos do Wikileaks, criticaram o fato de que já naquela época Amorim tomava partido de ditadores, como Bashar al-Assad, da Síria, e do aiatolá Ali Khamenei, do Irã, com o aparente objetivo de se contrapor a Washington. Em 2005, Amorim já se posicionava contra Israel e dificultava negociações de paz promovidas pelos americanos na região.

O auge dessas iniciativas foi a tentativa do Brasil de liderar, em parceria com a Turquia, um acordo para interromper o programa nuclear militar do Irã em 2010. Apesar das negociações terem avançado, Washington usou sua força geopolítica para afastar brasileiros e turcos da mesa de negociação e fechar seu próprio acordo com os iranianos.

Em 2014, já sob o mandato da ex-presidente Dilma Rousseff, do PT, o Brasil ganhou do governo israelense a alcunha de "anão diplomático". O Ministério das Relações Exteriores (Itamaraty) criticou ações militares de Israel destinadas a libertar soldados que haviam sido capturados por terroristas do Hamas. A crise foi depois amenizada, mas a alcunha "pegou".

Apesar de não responder pela chancelaria brasileira neste atual mandato de Lula, é Celso Amorim quem ainda atua nas questões mais polêmicas da política externa do governo. No primeiro ano de mandato da gestão Lula 3, ele foi enviado à Rússia para buscar informações sobre o conflito do país com a Ucrânia. Amorim também se envolveu pessoalmente nas discussões que buscavam uma solução para o conflito no Oriente Médio, entre Israel e Hamas.

Mais recentemente, o diplomata também esteve presente nas negociações entre Venezuela e Estados Unidos, a fim de colocar um fim nos embargos impostos por Washington a Caracas em troca de eleições justas e democráticas no país em 2024. Foi o brasileiro quem fez o lobby para o ditador Nicolas Maduro e negociou os termos do acordo assinado entre os dois países.

Roedel explica que a política externa de Lula e Amorim possuem grande influência do PT e por isso são caracterizadas por uma mentalidade “sul-globalista”. “O sul-globalista contesta a ordem vigente e até mesmo o direito internacional. Acredita que um novo mundo possa surgir sob a égide de potências autocráticas e contestadoras do Ocidente. Preferem o pragmatismo mercantil e ideológico com ditaduras do que o caminho complexo da defesa da democracia”, avalia.

O “match” ideológico de Lula e Amorim 

Antes de ser chanceler de Lula, Celso Amorim também foi ministro de Relações Exteriores do ex-presidente Itamar Franco, entre 1993 e 1995. Ainda que sua carreira no Itamaraty tenha se iniciado alguns anos antes, em 1977, os destaques na carreira diplomática tiveram início durante os governos de Itamar e Fernando Henrique Cardoso. Sob FHC, Amorim foi embaixador do Brasil em Londres e representou o país na Organização Mundial do Comércio (OMC) e na ONU, em Nova York.

Amorim sempre demonstrou maior apreço pela ideologia de esquerda e nesse período não ficava à vontade com políticas alinhadas aos Estados Unidos. Ele também não era maioria no Itamaraty durante a era FHC. Naquela época, a chancelaria brasileira era composta em sua maioria por diplomatas considerados “tucanos” — apelido dado aos filiados do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), partido fundado por FHC e que tinha um tucano como “mascote” da legenda. Os diplomatas se dividiam claramente na época entre petistas e tucanos. Partidários do grupo que estivesse mais em baixa eram mandados para representações diplomáticas em países mais pobres e isolados.

Em recente entrevista à Revista Piauí, ele afirmou que, apesar das diferenças ideológicas, nunca se sentiu prejudicado no Itamaraty. Amorim ainda disse que achava a pasta “acanhada” naquela época. As coisas mudaram nos anos seguintes, quando foi escolhido por Lula para assumir o Ministério das Relações Exteriores. Amorim então deu início ao que chama de política “ativa e altiva”. A tática tinha o objetivo de lançar o Brasil como um “dos grandes” e que pudesse estar envolvido em discussões que normalmente eram guiadas pela Casa Branca e países europeus.

Antes disso, o interesse do governo brasileiro ia além de ser uma liderança regional, um porta-voz para os países sul-americanos. Amorim e Lula diziam querer alçar voos maiores com o país. Através de organismos como a ONU, a Organização Mundial do Comércio (OMC), os Brics (bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), a Cúpula América do Sul - Países Árabes (Aspa) e o Fórum de Diálogo Índia-Brasil-África do Sul (Ibas) apostaram em um alegado "multilateralismo" que ia além das Américas.

O “match”, a ligação, entre Lula e Amorim também pode ser entendida a partir desse viés. Lula, um ex-líder sindical, conhecia os países e as organizações de esquerda da América Latina e Europa e queria uma integração desses países. Amorim queria aumentar a influência do Brasil no mundo. Aumentando os laços através dos diversos blocos em que o Brasil estava inserido, Amorim tentou cavar o espaço desejado para estar presente em grandes discussões. Assim, tentou vender a imagem de um país que teria influência não só na América Latina, mas também em relação a outros países.

Para Rubens Ricupero, ex-ministro da Fazenda e do Meio Ambiente e diplomata de carreira, a política externa de Amorim e Lula tem pontos positivos no que diz respeito ao desejo de colocar o Brasil “entre os grandes”, mas erra ao se pautar pela ideologia. “O que eu acho que é negativo é essa obediência à visão de mundo do PT. Essa ideia de união entre Brasil, Rússia e China, contra o Ocidente e os Estados Unidos”, disse à Gazeta do Povo.

Putin: o Hitler do século XXI - Dietmar Pichler (X)

 Alguma dúvida quanto ao status de Putin como o novo Hitler do século XXI?


From: Dietmar Pichler


If you are a teacher or journalist:

1) there was never a "civil war" or "ethnic conflict" in Ukraine

2) there was never any kind of "Russian language ban"

3) The founders of the "separatist republics" were Russian nationalists from Moscow not coal miners from Donbas


Putin's war against Ukraine is not about NATO, it is because he does not allow his neighbors to have a free, democratic and European🇪🇺 future and he wants to restore the "Russian Empire".

Ukraine was non-aligned in 2014, when Russia annexed Crimea and attacked in Donbas. This is why the idea of joining NATO became popular.

It is not a big country, attacking a similar, smaller country, it is a dictatorship attacking a free, democratic and European country.

The treaty signed between Russia and Ukraine after the dissolution of the USSR in which Ukraine ceded its atomic bombs to Russia obtaining a written guarantee that Russia undertook to renounce any modification of the borders between the two nations.

5 things about Russia's war against Ukraine that are seemingly almost forgotten 🧵

1)Russia downed MH17 passenger jet, claiming 298 lives

2)Russia is fully responsible for the war in Donbas that started in 2014

3)Russia annexed Crimea with 'little green men' (soldiers without insignia) and exerted pressure on the local population/politicians (Girkin admits that they had to use force on local politicians)

4) A few days before the war, the idea of an upcoming full-scale invasion was denied as a ridiculous fabrication by the West.

5) With the announcement of the so-called 'Special Military Operation,' Putin stated that 'there will be no occupation' of Ukraine.

"Putin attacked Ukraine after insisting for months there was no plan to do so. Now he says there's no plan to take over."

Considering not only Putin's lies and actions but also the unmatched propaganda against Ukraine and the West, it's absurd to think 'Putin is willing to negotiate' for a 'solution for both sides' unless for people which have swallowed the propaganda.

I forgot number 6: The ridiculous pretext for the full-scale invasion in Donbas. Amateur-style fabricated content and false-flag footage to 'create' a reason to invade. The evacuations and ridiculous videos made by the Kremlin's propaganda army.

Marcos Troyjo: *Um Brasil mais leve para a concorrência global* - Assis Moreira (Valor)

 Um Brasil mais leve para a concorrência global

O Brasil precisa ficar mais ágil na corrida com os outros países nesse universo da neoindustrialização e incertezas geopolíticas.

Assis Moreira, de Genebra

Valor Econômico04/01/2024  


Após deixar em março a presidência do Novo Banco do Desenvolvimento (NDB), o Banco do Brics, para dar lugar à Dilma Rousseff, Marcos Troyjo passou a lecionar na Universidade de Oxford, na cátedra antes ocupada por Iván Duque, ex-presidente da Colômbia, e também no Insead (França). Nesse período, ele visitou 18 países em contatos com autoridades, investidores e acadêmicos, e os questionamentos sobre o Brasil foram inevitáveis.

Para Troyjo, a convergência de crises atualizou a noção de policrise, com a pandemia mais grave que o mundo experimentou desde a gripe espanhola, depois a situação geopolítica mais delicada na Europa desde a Segunda Guerra Mundial, com a invasão da Ucrânia pela Rússia, e uma economia mundial que ainda não se recuperou na esteira de frouxidão fiscal e monetária que levou o centro macroeconômico mundial a fortes turbulências inflacionárias.

Essa situação acaba sendo muito exacerbada porque vem acompanhada de aumento do protecionismo no mundo, do que ele chama de recessão da globalização. Sua análise é de que a globalização não parou, mas há menos fluxos de mercadorias e capitais do que há 20 anos, e isso acaba por se converter em força de pressão inflacionária.

Olhando pela ótica do Brasil, Troyjo considera que esse é um cenário perigoso, mas que traz também muitas oportunidades para o país. Ele destaca a questão demográfica. Nota que nos próximos 25 anos a população mundial vai saltar de 8 bilhões para 10 bilhões de habitantes. Observa que no ano em que Jesus Cristo nasceu a população mundial era estimada em 150 milhões de habitantes. E calcula que nos próximos 25 anos teremos o mesmo acúmulo de população ocorrido em 1.929 anos. É como se enormes naves descessem na Terra trazendo uma nova Rússia, depois outro EUA, com 350 milhões de pessoas, e uma nave bem maior que deposita uma nova China com 1,5 bilhão de pessoas. É muita gente.

As características de aumento populacional ficam mais positivas para as grandes economias emergentes, com o maior potencial do que no caso do G7 industrializado (EUA, Alemanha, Japão, França, Reino Unido, Itália, Canadá). A expectativa é de a Índia crescer em média 5% ao ano, a Indonésia, 6%, e a China, por volta de 4%, a partir de renda per capita ainda baixas. E quando vão crescer num intervalo tão curto, a tendência é que essas rendas adicionais sejam direcionadas a alimentos, energia e infraestrutura.

Significa que o mundo terá de responder à pergunta de onde virão os alimentos, energia e insumos, também para fortalecer a economia verde. E o que Troyjo repete no exterior é que o Brasil tem resposta para isso: é um dos quatro maiores produtores mundiais de alimentos, é o país que tem o mais facilmente renovável estoque de acesso a recursos hídricos, por exemplo. Em comparação, se o chinês tomar um copo de água a mais por dia, a zona desértica do mundo chega à periferia de Pequim. Na Índia, de 10 litros de água, 8,5 vão para agricultura, o que mostra uma situação de esgotamento. EUA e Europa também têm recursos limitados. Quem tem esses recursos abundantes é o Brasil.

Portanto, esse crescimento populacional brutal é promissor para o Brasil nesse jogo. Haverá inevitavelmente maior participação das exportações brasileiras no PIB. O trem já saiu da estação, e não apenas do ponto de vista comercial, mas também infraestrutural.

Existe o discurso de que no Brasil as empresas do agro e energia são muito boas da porteira para dentro, mas enfrentam dificuldades da porteira para fora. Ocorre que, quando o mundo tem problemas de segurança enérgica e alimentar, as dificuldades brasileiras são problema global. Para Troyjo, daí uma parte da explicação para o nível persistente de Investimento Estrangeiro Direto (IED) para o país.

A doutrina do que ele chama de geoeconosegurança beneficia o Brasil na prática. Mas a concorrência é fortíssima. O capital humano é essencial nesse jogo. Hoje, o México forma mais engenheiros por ano que os EUA, e isso o torna um polo de atração, exemplifica o ex-presidente do Banco do Brics. Ou seja, o Brasil precisa ajustar as prioridades, para extrair o máximo de benefícios como protagonista comercial em alimentos, energia e como destino de investimentos.

Para Troyjo, o Brasil precisa ficar mais leve na corrida com os outros países nesse universo da neoindustrialização e incertezas geopolíticas. Antes, se falava que o mundo era plano, no qual a maioria dos concorrentes, com exceção da mão de obra, teria oportunidades iguais. Agora o mundo, ainda mais com inteligência artificial, está ficando muito mais rápido. Ele pergunta: nesse cenário, quem vai atrair mais IED, país com carga tributária de 20% ou de 35% do Produto Interno Bruto (PIB)? Quem tem Banco Central independente ou vinculado a objetivos políticos? Quem trata as empresas públicas pela lógica da eficiência ou quem vai transformá-las em departamento de fisiologia política? Quem fica mais leve é quem está sempre trabalhando para melhorar o país no ambiente de negócios ou quem acha que isso não é importante?

Assis Moreira é correspondente em Genebra e escreve quinzenalmente

E-mail: assis.moreira@valor.com.br

https://valor.globo.com/google/amp/brasil/coluna/um-brasil-mais-leve-para-a-concorrencia-global.ghtml

quarta-feira, 3 de janeiro de 2024

Ouro brasileiro foi a maior catástrofe econômica e política de Portugal - João Pereira Coutinho (Folha de S. Paulo)

 Ouro brasileiro foi a maior catástrofe econômica e política de Portugal

João Pereira Coutinho

Folha de S. Paulo, 2/01/2024


Saberá Flávio Dino que a descoberta das minas na antiga colônia foi motivo de atraso para o desenvolvimento do país

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Amigos brasileiros, meio a sério, meio a brincar, costumam pedir de volta "o ouro do Brasil". De início, ficava pasmo. Ouro? Qual ouro? Não uso joias. Sempre achei que um homem com joias é um erro de casting.

Não, não são joias, Little Couto. Eles querem de volta o ouro que os portugueses levaram do país a partir de finais do século 17.

 

Tempos atrás, por causa de um lamentável episódio xenófobo com uma brasileira em Portugal, o ministro Flávio Dino até deu cobertura oficial à exigência. Se os portugueses não gostam de brasileiros, podem devolver também o ouro de Minas Gerais!

Calma, ministro. A estupidez de um patrício não define um povo inteiro. E, sobre o ouro, saberá o senhor que a descoberta das minas foi, provavelmente, a maior catástrofe econômica e política de Portugal? E que o atraso do país na era contemporânea se explica, precisamente, pelo ouro que o senhor reclama?

A tese está contida num dos melhores livros de 2023, que merecia uma edição brasileira, até para acalmar os ânimos. O autor é Nuno Palma, historiador português e professor da Universidade de Manchester, que analisa com rigor "As Causas do Atraso Português" (D. Quixote/Leya, 408 págs.).

 

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No século 19, esse atraso consumiu os melhores espíritos e ficou célebre a conferência de Antero de Quental sobre as "Causas da Decadência dos Povos Peninsulares nos Últimos Três Séculos".

O atraso dos ibéricos, segundo o filósofo e poeta, era explicado, entre outros fatores, pelo catolicismo obscurantista que impediu o progresso material, institucional e mental.

Nuno Palma não compra essa versão: países católicos, como a Bélgica ou a França, foram casos de sucesso na Europa oitocentista. Se queremos encontrar as raízes do atraso temos de viajar até ao século 18, quando o ouro começou a chegar em quantidades apreciáveis.

Sim, no curto prazo, Portugal enriqueceu. Mas a "maldição" desse recurso distorceu a economia de forma profunda, levando ao abandono das fábricas (a industrialização do país que era promissora no último quartel do século 17), ao favorecimento das importações e ao colapso da competitividade pátria.

Em meados do século 18, quando o ouro ainda chegava, a economia portuguesa estagnou e Portugal perdia o trem da Revolução Industrial. Estavam abertas as portas para o medonho século 19, feito de guerras civis e bancarrotas.

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Mas o ouro do Brasil não teve apenas um impacto econômico nocivo. Argumenta Nuno Palma que, politicamente falando, o atraso institucional foi comparável. Quem pensa que o absolutismo régio português emergiu na passagem da Idade Média para a Idade Moderna, desconhece o papel das cortes na limitação do poder do rei para lá desse período.

Esse elemento "protoliberal", que em Inglaterra só se afirmou verdadeiramente com a Revolução Gloriosa de 1688-1689, sempre fez parte da cultura institucional portuguesa desde a fundação.

Se o rei queria cobrar impostos, por exemplo, tinha de ouvir os representantes municipais, eleitos pelos seus pares. Para usar um célebre bordão americano, "no taxation without representation". A convocação das cortes era a expressão institucional desse princípio.

No século 18, com o ouro brasileiro, as cortes não se reuniram uma única vez. Para quê? A liquidez de que a Coroa dispunha permitia-lhe atuar sem prestar contas a ninguém.

No fundo, permitia-lhe atuar sem freios e contrapesos, cultivando antes as suas clientelas parasitárias e venais. O Marquês de Pombal e seus sucessores representaram bem essa nova cultura despótica e "iluminada".

Moral da história?

O iliberalismo português, que obviamente contagiou o Brasil, não começa com Salazar e a ditadura do Estado Novo no século 20. Começa antes, muito antes, na experiência absolutista de 700, que se espraiou até aos nossos dias.

Devolver o ouro?

Ó, meus amigos, ó meus irmãos: pudesse eu viajar no tempo para influenciar as cabeças dos meus antepassados e o ouro ficaria escondido nas entranhas de Minas Gerais.

Pelo menos, até que portugueses ou brasileiros tivessem atingido um patamar de desenvolvimento político e econômico a partir do qual o ouro seria uma benesse, e não uma ruína.

 

terça-feira, 2 de janeiro de 2024

Brics ampliado nasce com 80% de autocracias - Redação revista Crusoé

 Brics ampliado nasce com 80% de autocracias Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Irã e Etiópia passam a fazer parte do Brics nesta segunda, 1º de janeiro de 2024. 

Redação revista Crusoé

 Com isso, o bloco passa a contar com dez membros. Em alguns lugares, o grupo tem sido chamado de Brics 10. A Argentina, que estava cotada para entrar no bloco, desistiu após a eleição do presidente Javier Milei. O Brics 10 nasce com uma maioria de ditaduras e autocracias. É o que se pode concluir após analisar como os dez membros se encaixam nas quatro categorias do V-Dem, o instituto que mede as democracias no mundo e fica em Gotemburgo, na Suécia. 

 Dos dez países do Brics 10, nenhum se encaixa na categoria de democracias liberais em que, além de eleições, há ampla liberdade de expressão e liberalismo econômico. Na categoria das democracias eleitorais estão apenas Brasil e África do Sul. No time das autocracias eleitorais, em que regimes fechados realizam eleições protocolares, estão quatro países: Índia, Egito, Etiópia e Rússia. Entre as autocracias fechadas estão mais quatro: China, Irã, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos. De acordo com o último ranking do V-Dem, pela primeira vez desde 1995, há mais autocracias fechadas no mundo que democracias liberais. 

O Brics ampliado, portanto, é um reflexo desse mundo cada vez mais autocrata. Um dos maiores entusiastas do Brics ampliado é o ditador chinês Xi Jinping. Em declarações que deu em agosto, na cúpula dos Brics que aconteceu na África do Sul, Xi disse que a expansão do bloco é histórica e um novo começo para a cooperação entre os países. No mesmo evento, Lula também enalteceu a ampliação do grupo, que foi criado por iniciativa do petista Celso Amorim e do russo Sergey Lavrov. “Nós éramos chamados de terceiro mundo, depois cansaram e começaram a chamar de países em via de desenvolvimento e agora nós somos o Sul Global. Veja a mudança de nome, que pomposo. 

O que é importante nisso é que o mundo está mudando. A economia também começa a mudar, a geopolítica começa a mudar porque as coisas vão acontecendo e a gente vai ganhando consciência de que nós temos que nos organizar”, disse Lula. “O nosso [bloco, o Brics] não pensa só economicamente, o nosso também pensa politicamente. E é por isso que eu acho que o Brics está consolidado como uma referência. 

Qualquer ser humano, jornalista, cientista político que quiser discutir a geopolítica econômica, a geopolítica científica e tecnológica, a geopolítica de qualquer coisa vai ter que conversar com o Brics também, não é só com Estados Unidos e G7 [grupo de sete dos países mais industrializados do mundo]”, afirmou o presidente. Como afirmou Lula, o Brics também pensa politicamente. E seu pendor é claramente pelas autocracias do mundo.  


Contra as sanções (a estranha amizade e proteção do Brasil a Putin e à Rússia) Duda Teixeira Crusoé

Contra as sanções 

Duda Teixeira
Crusoé, 2/01/2024

 E essa nem foi a primeira vez que Vieira fez o jogo de Moscou. Em abril, o ministro recebeu Lavrov pela primeira vez, em Brasília. O russo estava tentando angariar apoio internacional em um roteiro que incluiu países aliados, como Cuba, Venezuela e Nicarágua. De Vieira e dos ditadores latino-americanos, Lavrov ouviu o que queria: críticas às sanções impostas ao Ocidente por causa da invasão da Ucrânia. “Reiterei a posição brasileira contra a aplicação de sanções unilaterais. 

Tais medidas, além de não contarem com a aprovação do Conselho de Segurança da ONU, têm impacto negativo sobre as economias de todo mundo, em especial dos países em desenvolvimento”, disse Vieira à época. A esperança de que o Conselho de Segurança da ONU não faz sentido algum, uma vez que a Rússia integra o órgão e jamais concordaria com algo que iria contra os próprios interesses. Após falar com Vieira, Lavrov se encontrou com o presidente Lula. Apenas dois meses depois, em junho, Vieira recebeu novamente Lavrov dizendo que “estava com saudades“. 

 A depender de Lula e dos seus subordinados, o Brasil sempre estará “muito contente” em fazer o jogo de Putin e criticará qualquer sanção imposta à Rússia, sem importar para a ficha criminal do autocrata. Ministério de Relações Exteriores, Itamaraty, deveria ter como prerrogativa básica a defesa dos interesses nacionais. Sendo um órgão do Executivo, cabe ao presidente da República, eleito pelo povo, indicar que interesses seriam esses. No terceiro mandato de Lula, contudo, o Itamaraty parece mais empenhado em defender os interesses da Rússia que os do Brasil. 

 Na quarta, 27, o chanceler de ofício do Itamaraty, Mauro Vieira (foto), afirmou em entrevista à rede britânica BBC que o Brasil ficaria agradecido caso o presidente da Rússia, Vladimir Putin, viesse ao país para a cúpula do G20, agendada para novembro de 2020. “Se ele (Putin) quiser vir, nós estaremos muito contentes que esteja presente e nas reuniões do Brasil“, disse Vieira. A declaração de Vieira, que teoricamente está no topo da diplomacia brasileira, é assombrosa ao denotar completo desprezo pelo direito internacional.

 O Tribunal Penal Internacional, TPI, emitiu um mandado de prisão contra Putin por crimes contra a humanidade. Ele é suspeito de ter ordenado o sequestro de crianças ucranianas. Elas foram afastadas dos pais e receberam nova cidadania na Rússia. Vieira ainda aventou que o Brasil não seria obrigado a cumprir a ordem de prisão, o que é falso. O país é signatário do Tratado de Roma, que foi validado pelo Legislativo e pelo Supremo Tribunal Federal. Em respeito às instituições brasileiras e ao direito internacional, não há alternativa a não ser cumprir o que manda o TPI. “Obrigado a cumprir? Não. Tem que haver a ordem. Senão seria como o TNP (Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares) que é sobre não proliferação e desarmamento e só se pensa no desarmamento, na proliferação ninguém dá importância. Enfim… não é assim. Cada circunstância é uma circunstância“, disse Vieira na entrevista. É um acinte. 

O que temos é nada mais do que um ministro dizendo que os tratados internacionais não precisam ser respeitados. Se tudo varia com a circunstância, de que valem as negociações diplomáticas? O Acordo de Paris, em que os países adotaram voluntariamente cortes de emissão de gases de efeito estufa também não tem importância? A fala do chanceler, mesmo absurda, está infelizmente em linha com as de Lula, do assessor Celso Amorim, do ministro da Justiça Flávio Dino e do ministro de Direitos Humanos Silvio Almeida. Para justificar a acolhida ao autocrata russo, todos eles não titubearam em colocar em dúvida a legitimidade do TPI. Contra as sanções E essa nem foi a primeira vez que Vieira fez o jogo de Moscou. Em abril, o ministro recebeu Lavrov pela primeira vez, em Brasília.

 O russo estava tentando angariar apoio internacional em um roteiro que incluiu países aliados, como Cuba, Venezuela e Nicarágua. De Vieira e dos ditadores latino-americanos, Lavrov ouviu o que queria: críticas às sanções impostas ao Ocidente por causa da invasão da Ucrânia. “Reiterei a posição brasileira contra a aplicação de sanções unilaterais. Tais medidas, além de não contarem com a aprovação do Conselho de Segurança da ONU, têm impacto negativo sobre as economias de todo mundo, em especial dos países em desenvolvimento”, disse Vieira à época. 

 A esperança de que o Conselho de Segurança da ONU não faz sentido algum, uma vez que a Rússia integra o órgão e jamais concordaria com algo que iria contra os próprios interesses. Após falar com Vieira, Lavrov se encontrou com o presidente Lula. Apenas dois meses depois, em junho, Vieira recebeu novamente Lavrov dizendo que “estava com saudades“. A depender de Lula e dos seus subordinados, o Brasil sempre estará “muito contente” em fazer o jogo de Putin e criticará qualquer sanção imposta à Rússia, sem importar para a ficha criminal do autocrata. 


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