terça-feira, 11 de fevereiro de 2025

O fim de uma era, e o início das Trevas: autoritarismo competitivo, o governo de Trump, segundo Steven Levitsky

 Acadêmicos respondem a uma realidade com conceitos: 

Rather than fascism or single-party dictatorship, the United States is sliding toward a more 21st-century model of autocracy: competitive authoritarianism.” 

Steven Levitsky

Na verdade, o nome exato importa muito pouco. O fato é que Trump está destruindo os fundamentos da democracia americana, ou da própria República, e arrastando para o abismo as bases institucionais do multilateralismo contemporâneo, lançando o mundo numa turbulência jamais vista desde os anos 1930 ou da Guerra de Trinta Anos. 

O que resultará de seus ataques e ameaças a aliados e parceiros? Como responderão os seus inimigos?

Dificil dizer, quando se trata de uma mente insana e de um demente perigoso.

Congressistas experientes apenas assistem inertes a um espetáculo inédito nos anais da política americana e das relações internacionais.

Quo Vadis America?!?!

Paulo Roberto de Almeida 

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

Baixo crescimento na UE destaca desempenho dos países meridionais - Deutsche Welle (Revista IstoÉ)

 

‘Primos pobres’: Portugal e Grécia agora são amparo da zona do euro

Com a economia estagnada na zona do euro, principalmente pelo desempenho ruim da Alemanha, países do sul da União Europeia apresentam números animadores. Mas como isso ocorre?

Há apenas alguns anos, Portugal, Itália, Espanha e especialmente a Grécia eram as crianças-problema da União Europeia (UE) e da zona do euro. Recentemente, no Fórum Econômico Mundial em Davos, o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, disse estar convicto de esse não ser mais o caso: “Nós, do sul, também podemos contribuir com soluções para os problemas comuns”.

Ele falou sobre a possibilidade de produzir e exportar mais energia limpa – na Espanha, principalmente energia solar – em meio à crise energética gerada após a invasão russa da Ucrânia. Dessa forma, segundo Sánchez, seu país deverá se tornar a “melhor economia do mundo”.

Alemanha cria divisão sul-norte

Da perspectiva pan-europeia, no entanto, a situação não parece nada animadora: a economia na zona do euro está estagnada. O Produto Interno Bruto (PIB) da região permaneceu no nível do terceiro e quarto trimestres de 2024, informou no fim de janeiro o escritório de estatísticas da UE Eurostat. No segundo trimestre, houve um crescimento de 0,4%.

Muitos especialistas concordam que a principal razão para isso é o persistente mau desempenho econômico da maior economia da Europa. Na Alemanha, o PIB encolheu 0,2% no quarto trimestre, assim como durante todo o ano de 2024. “A Alemanha está ficando cada vez mais para trás”, disse Alexander Krüger, economista-chefe do banco privado Hauck Aufhäuser Lampe, à agência de notícias Reuters.

A maior economia da zona do euro está enfraquecendo, e os países antes considerados problemáticos estão decolando. Será que as nações do sul poderão assumir o papel da locomotivas da Europa no futuro? O diretor do Instituto Austríaco de Pesquisa Econômica (WIFO), Gabriel Felbermayr, é cético: para tal, esses países “simplesmente são pequenos demais economicamente”.

Alemanha e França “já respondem por mais de 50 por cento do PIB da zona do euro; esse bloco industrialmente forte do norte inclui países como Áustria, Eslovênia, Eslováquia e também a Holanda”, de acordo com o economista. Eles não são os únicos afetados: “Países da UE não pertencentes à zona do euro, especialmente a República Tcheca e, até certo ponto, a Polônia, também sofrem com a fraqueza do núcleo industrial da UE.”

Preços elevados da energia

O que torna os meridionais tão fortes, e os demais parecerem tão frágeis? Para o economista Hans-Werner Sinn, ex-chefe do Instituto Ifo de Munique, isso se deve a razões externas e também a decisões políticas: “Nos últimos anos, a Alemanha sofreu muito com a crise energética, causada por uma combinação da guerra [na Ucrânia] com a escassez de energia autoinfligida.”

Ele lamenta particularmente a pretendida transição dos combustíveis fósseis para fontes de energia verde. Ao fazer isso, “a UE e a Alemanha perderam o senso de proporção e equilíbrio”. “Devido a essas intervenções, nosso país tem agora os preços de eletricidade mais altos do mundo.”

Segundo Sinn, a indústria química, em particular, sofre com isso. O principal setor da Alemanha, o automobilístico, também está sob forte pressão: “As regras de consumo para frotas, definidas pela UE, roubaram a competitividade da indústria automotiva.”

Vantagens geográficas

Felbermayr vê a situação de forma semelhante. Nos países do sul, o turismo e a agricultura desempenham um papel maior, onde há “uma participação industrial significativamente menor no total da cadeia de valor. Os preços mais altos da energia em toda a Europa, as guerras comerciais, os desafios da descarbonização: tudo isso simplesmente afeta menos o sul do que o norte.”

Além disso, os meridionais têm uma vantagem que eles próprios conquistaram: desde 2010, suas taxas de inflação são mais baixas do que as do norte. “Isso impulsionou sua competitividade. As iniciativas de reforma após a crise de endividamento da zona do euro deram frutos. O mesmo pode ser dito para Grécia, Espanha e Portugal.”

Não há luz à vista no fim do túnel econômico. Na melhor das hipóteses, estaria surgindo um movimento ascendente anêmico, comentou o economista-chefe do Commerzbank, Jörg Krämer, à agência de notícias Reuters: “A profunda crise estrutural do setor, e as ameaças tarifárias de Donald Trump estão arrastando tudo para baixo.” O presidente dos EUA também ameaça a Europa com sobretaxas, o que afetaria particularmente a Alemanha, dependente das exportações.

Perigo reconhecido, perigo evitado?

“Até agora, não há sinais de recuperação”, confirma Sebastian Dullien, diretor do Instituto de Macroeconomia e Pesquisa de Ciclos Econômicos (IMK). Ele cita várias razões para a atual crise da economia alemã, incluindo “a política industrial agressiva da China, que pressiona as exportações”: “Além disso, as taxas de juros do Banco Central Europeu, que ainda estão altas, dada a atual situação econômica, estão desacelerando os investimentos.”

Enquanto isso permanece a esperança de essa tomada de consciência seja o primeiro passo para uma melhoria. O ministro da Economia alemão, Robert Habeck, parece ter chegado a essa conclusão. No Fórum Econômico Mundial, afirmou que “de certa forma, ignoramos o fato de que esta não é uma crise de curto prazo, mas uma crise estrutural”.

Isso é particularmente evidente na indústria, que enfrenta dificuldades com os altos preços da eletricidade. O comércio exterior, importante para a Alemanha, enfraquece, e o clima entre os consumidores está se deteriorando. “Temos que reinventar nosso modelo de negócios”, exigiu Habeck.

O que é necessário agora

No entanto, a Comissão Europeia espera uma ligeira recuperação econômica da zona do euro e um crescimento de 1,3% em 2025. O Banco Central Europeu, que especialistas acreditam estar próximo de cortar as taxas de juros, provavelmente tomará novas medidas de redução ao longo do ano.

Gabriel Felbermayr, não considera incomum o atual equilíbrio de poder entre os países setentrionais e meridionais. “Às vezes, o norte, forte em indústria, está na liderança, e outras vezes os países do sul, fortes em serviços. Não é diferente em outras grandes economias, como os EUA.”

Para o chefe da WIFO é crucial que “o norte impulsione as reformas necessárias para maior competitividade, mas que o sul não desista”: “Também é importante o mercado interno – que também é um veículo para equilibrar as regiões individuais – voltar a se fortalecer.”


Lauro Escorel: um intelectual brasileiro - Revista Piauí, fevereiro 2025; Rogerio S. Farias, colaboração a livro de Paulo R Almeida (org.)

Matéria  sobre o diplomata intelectual Lauro Escorel, na revista Piauí, de fevereiro de 2025.

Rio, 1964, revista Piauí

Por quase 40 anos, o diplomata Lauro Escorel guardou as cartas que seu filho de 18 anos lhe enviou em 1964. O jovem contava de seus projetos e também dos eventos que se seguiram ao golpe militar. Na piauí, Eduardo Escorel faz uma seleta dessas cartas. Leia: https://piaui.co/4hsUW2A


Meu homônimo começou a escrever, em março de 1964, as cartas transcritas a seguir, a maioria à máquina. Adolescente de 18 anos na época, ele morava com o irmão na Rua Dona Mariana, em Botafogo, no Rio de Janeiro. O pai deles era ministro-­conselheiro da Embaixada do Brasil, em Roma, desde o final de 1963. Pouco depois, a mãe e as duas irmãs menores chegaram para morar no Monte Mario, bairro da capital italiana, em uma rua cujo nome ninguém da família reteve na memória. Já a irmã mais velha foi sozinha, de Paris, de trem, e chegou a Roma no dia 31 de março de 1964.

(...)


Lauro Escorel, foi um dos grandes intelectuais do Itamaraty. Rogerio Farias escreveu sobre ele num livro que orgsnizei: Intelectuais na Diplomacia Brasileira, de próxima publicação.

Paulo Roberto de Almeida

(organizador)

 

Intelectuais na diplomacia brasileira:

a cultura a serviço da nação


Índice

 

Prefácio                                                                                                                                

            Celso Lafer

 

Apresentação: intelectuais brasileiros a serviço da diplomacia                                     

            Paulo Roberto de Almeida

     Nas origens da feliz interação entre o Itamaraty e a cultura brasileira                            

     Por que uma nova iniciativa aliando diplomatas e cultura, muitos anos depois?            

     Um novo projeto cobrindo outros intelectuais associados à diplomacia brasileira         

 

Bertha Lutz: feminista, educadora, cientista                                                                   

            Sarah Venites

 

Afonso Arinos de Melo Franco e a política externa independente                                

            Paulo Roberto de Almeida

   

San Tiago Dantas e a oxigenação da política externa                                                      

            Marcílio Marques Moreira

    

Roberto Campos: um humanista da economia na diplomacia                                     

            Paulo Roberto de Almeida 

     

Meira Penna: um liberal crítico do Estado patrimonial brasileiro                             

            Ricardo Vélez-Rodrígues

 

Lauro Escorel: um crítico engajado                                                                                

            Rogério de Souza Farias

     Esperançosa inteligência 

     Retórica militante                                                                                                

     Escolástico inútil                                                                                                  

     Cultura da política                                                                                                


Sergio Corrêa da Costa: diplomata, historiador e ensaísta                                          

            Antonio de Moraes Mesplé

 

Wladimir Murtinho: Brasília e a diplomacia da cultura brasileira                            

            Rubens Ricupero

      

Vasco Mariz: meu tipo inesquecível                                                                                

            Mary Del Priore

       

José Guilherme Merquior, o diplomata e as relações internacionais                          

            Gelson Fonseca Jr. 

       

A coruja e o sambódromo: sobre o pensamento de Sergio Paulo Rouanet                 

            João Almino

      

Apêndices: 

1. O Itamaraty na cultura brasileira (2001), sumário da obra 

2. Introdução de Alberto da Costa e Silva à edição de 2001   

3. Alberto da Costa e Silva – 1931-2023, Celso Lafer    


Sobre os intelectuais na diplomacia

Sobre os autores                                                                                                                  








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domingo, 9 de fevereiro de 2025

O ocaso do domínio lulopetista: O PT reacionário - Augusto de Franco (ID)

O ocaso do domínio lulopetista

O PT reacionário

O PT cometeu um erro decisivo em 1989. Quando Lula passou para o segundo turno, isso abriu o olho grande do comissariado, que então concluiu que era possível, sim, chegar de uma vez ao topo: conquistando logo a chefia do Estado e do governo num sistema presidencialista imperial.

Quais eram os poderes que encantaram os companheiros?

Entre outros, o de reeditar medidas provisórias (mais eficazes do que as ordens executivas trumpistas) eternamente (vigente na época); o de controlar a liberação de emendas para alugar o apoio de deputados e senadores, transformando o Congresso em órgão chancelador da vontade do presidente e do seu partido; o de aparelhar a máquina pública de alto a baixo; o de usar politicamente as estatais e os bancos públicos ao seu bel prazer; o de alinhar o país às ditaduras amigas de esquerda. E o de fazer mais um montão de coisas temerárias, algumas indevidas, como o mensalão e o petrolão e, enfim, "a revolução pela corrupção" (como disse o saudoso Ferrreira Gullar). 

Com tudo isso nas mãos, pensaram os companheiros, seria possível estabelecer uma ligação direta do grande líder com as massas, bypassando as mediações institucionais da democracia e dando um curto circuito no sistema controlado pelas elites "que nos dominam desde Cabral". 

Com essa fixação pelo poder desmedido de um presidencialismo imperial (e é por isso que o PT sempre foi contra o parlamentarismo), os companheiros deixaram de fazer a lição de casa, que aconselhava começar de baixo, construindo bases populares (comunidades políticas) nos bairros e municípios do interior e das periferias das médias e grandes cidades, conquistando prefeituras e câmaras municipais, governos e assembleias estaduais e o Congresso Nacional. Hoje o PT é minoria em todos esses âmbitos - e também, talvez, em parte por causa disso, nas mídias sociais, nas ruas e nas urnas. 

É uma construção sem alicerces, um ídolo com pés de barro, que ainda imagina que possa alterar a correlação de forças a partir do lero-lero do seu condutor de rebanhos, supostamente sempre capaz de mesmerizar as massas em cima de um palanque. 

Não é mais capaz. Os parlamentos e governos, em todos os níveis, afirmaram sua autonomia em relação ao executivo federal, as mídias digitais se tornarem imunes ao assalto de uma militância ainda analógica, exilada no passado da primeira guerra fria, as ruas não são mais ambientes propícios à manifestações sindicais no velho estilo do caminhão de som com líderes pançudos e barbudos vociferando para uma galera de bonezinho, disposta a agitar bandeiras fabricadas pelos aparatos burocráticos classistas (e não comparecem aos atos petistas ou cutistas, nem mesmo recebendo jeton em espécie, tubaína e sanduíche de mortadela). 

Até os mais pobres, transformados em pensionistas do Estado por programas, mal-desenhados porque sem saída, de transferência de renda, não estão mais satisfeitos em serem aprisionados em currais eleitorais. Para não falar dos também pobres, mas não miseráveis, que agora almejam ter condições de empreender e melhorar suas vidas em vez de permanecerem como objetos permanentes de programas assistenciais ou de algum auxílio ou intermediação governamental. 

A propaganda política revolucionária (muitas vezes travestida como “progressista”) do PT revelou-se, entretanto, conservadora e, até certo ponto, reacionária, na medida em que, diante do avanço de uma extrema-direita antissistema, que ataca as instituições da democracia, postou-se como defensora do passado, incapaz de imaginar um novo futuro. Sim, reacionária - e o melhor exemplo disso é o impulso de censurar as mídias sociais em vez de aprender a usar as novas formas de interação que elas ensejaram.

Com efeito, não há nada de novo no que diz e faz o PT. Os discursos de seus dirigentes e militantes são sempre mais do mesmo, como se ainda estivéssemos no século 20 (repita-se, na época da primeira guerra fria). 

Em vez de privilegiar relações com as democracias liberais, os lulopetistas alinham-se às maiores autocracias do planeta (como Rússia e China) ou às mais envelhecidas ditaduras (como Cuba). Por isso investem no BRICS e desprezam a OCDE. Contemporizam com a teocracia do Irã e seus braços terroristas (como o Hamas e o Hezbollah) e condenam injustamente não apenas o governo Bibi, mas o próprio regime democrático de Israel (o que denuncia um viés antissemita, via-de-regra disfarçado como antissionista). Não defendem a Ucrânia (invadida por Putin) e responsabilizam a OTAN pela guerra de conquista movida pelo imperialismo russo, transformando o agredido em agressor. Não dão uma palavra em defesa da democracia liberal de Taiwan ameaçada de anexação pelo ditador Xi Jinping. Não conseguem nem condenar a fraude eleitoral promovida pelo ditador Maduro e rezam para que a gente esqueça sua proximidade com o sandinismo revolucionário do ditador nicaraguense Ortega e com o ditador angolano Lourenço. 

Suas formas de organização continuam hierárquicas em uma sociedade em rede (e por isso o PT continua analógico num mundo digital). Suas dinâmicas de atuação não se libertaram do dirigismo e do hegemonismo, querendo que as pessoas não apenas ajam sob comando, mas pensem sob comando - o que indica que se trata de um projeto de dominação, não de libertação. E isso, não há como negar, nem conservador é - e sim reacionário.

Velharias regressivas que não encantam mais ninguém. Sintomas de que o projeto de dominação lulopetista aproxima-se rapidamente do seu ocaso.

Revista ID é uma publicação apoiada pelos leitores.


A Lista de Schindler: livro e filme - Marcos de Queiroz Grillo

A Lista de Schindler: livro e filme 

Marcos de Queiroz Grillo

... Com o avanço das forças aliadas e o recuo dos nazistas, o Reich decide fechar Campos de Concentração e acelerar a exterminação em massa dos judeus. Inicialmente, começam a incinerar os judeus mortos na própria Cracóvia. Posteriormente, passam a enviar diariamente 60 mil seres humanos aos fornos de Auschwitz. No período de 1939 a 1945, foram assassinados 6 milhões de judeus espalhados pelos vários campos de extermínio nos países europeus dominados pelo III Reich...

... O livro apresenta duas realidades inteiramente díspares. De um lado, os judeus poloneses sendo violentados em suas vidas pelos nazistas (transferidos para ghetos e depois para campo de concentração, sem qualquer solidariedade de seus compatriotas poloneses). De outro, os nazistas vivendo e desfrutando de suas vidas com plena segurança e conforto...

... Oscar Schindler, além de empresário, era membro do Partido Nazista e muito bem relacionado nos círculos militares. Tendo conseguido capitalizar-se com o dinheiro dos judeus, faz lobby junto a nazistas poderosos, conquista contrato para fabricação de utensílios para o exército e é autorizado a utilizar mão-de-obra judia escrava. Tudo isso acontece na base da troca de favores e do toma lá dá cá. Schindler pagava comissões ao oficialato alemão pelo trabalho fabril de cada judeu empregado, o que para ele resultava ser mais barato do que a contratação de poloneses. Schindler era especialista em comprar favores de oficiais da SS e do exército alemão, tanto superiores como subalternos...

 

A lista de Schindler

 

Por MARCOS DE QUEIROZ GRILLO*, 


Marcelo Guimarães Lima, Piranesi (VII) - I Carceri / As Prisões, desenho digital, 2023



Comentário sobre o livro de Thomas Keneally

1.

Romancista, dramaturgo e produtor, Thomas Keneally levou dois anos entrevistando 50 sobreviventes – Schindlerjuden (judeus Schindler) – em oito países: Austrália, Israel, Estados Unidos da América, Polônia, Alemanha Ocidental, Áustria, Argentina e Brasil. Baseado nesses depoimentos e nos testemunhos que se encontram na Seção de Lembrança de Mártires e Heróis do Museu Yad Vashem, em Jerusalém, ele realizou essa fabulosa recriação da história, narrada com a ênfase típica de uma ficção. Foi agraciado com o prêmio Booker, da Inglaterra.

Dentre os entrevistados o autor fez referência ao próprio Leopold Pfefferberg, ao juiz Mosh Bejski, da Suprema Corte de Israel, e Mieczyslaw Pemper – que além de transmitirem suas lembranças sobre o período, forneceram documentos que contribuíram para a exatidão da narrativa. Ainda constam da lista Emilie Schindler, Ludmila Pfefferberg, Sophia Stern, Helen Horowitz, Jonas Dresner, casal Henry Rosner, Leopold Rosner, Alex Rosner, Idek Schindel, Danuta Schindel, Regina Horowitz, Bronislawa Karakulska, Richard Horowitz, Shmuel Springmann, o falecido Jakob Sternberg, dentre muitos outros.

O livro fala da vida interrompida de milhares de judeus, que perdem suas identidades e não passam de carcaças esfomeadas marcadas com uma tatuagem numerada no antebraço. Eram apenas números, vidas insignificantes aos olhos nazistas e, como sempre dizia Himler, deveriam ser aniquiladas, para “o bem da Alemanha nazista”. Itzhak Stern, a Sra. Pfeffeberg, Hanukkah, Danka, Genia, Menasha Levartov, entre tantos outros, viveram anos de medo, dor de perder seus parentes, fome, frio, humilhações e privações por parte dos nazistas. Se escaparam, foi por sorte de encontrar pessoas como Oscar, que se arriscavam por eles.

O livro foi adaptado para o cinema pela Universal Pictures, que produziu o filme intitulado A lista de Schindler, dirigido por Stephen Spielberg, que ganhou diversos Oscars e prêmios (melhor filme, melhor diretor, melhor música e trilha sonora, melhor fotografia, melhor edição, entre outros) tendo sido considerado um dos maiores sucessos cinematográficos pela Associação de Críticos de Nova Iorque e Los Angeles.


2.

Trata-se de texto literário que documenta uma história real vivenciada durante a 2ª Guerra Mundial, retratando o drama daquela época de holocausto, construída em cima de depoimentos dos Schindlerjuden (judeus Schindler) e evita ficar somente na esfera de um documentário biográfico sobre Oscar Schindler.

Holocausto é um substantivo masculino que significa o sacrifício, praticado pelos antigos hebreus, em que a vítima era inteiramente queimada. Seus sinônimos são imolação, sacrifício, massacre.

Durante a ocupação nazista de quase toda Europa, o termo “holocausto” passou a significar o genocídio organizado pelos alemães nazistas, principalmente de judeus, durante a Segunda Guerra Mundial. Os judeus e qualquer outra minoria considerada inferior pelos nazistas eram sistemicamente agrupados, explorados até exaustão e, então, sumariamente executados. O Holocausto fez parte da “Solução Final”, um plano nazista que procurou eliminar os judeus da Europa, além de outras minorias, como ciganos, homossexuais e negros.

O livro apresenta duas realidades inteiramente díspares. De um lado, os judeus poloneses sendo violentados em suas vidas pelos nazistas (transferidos para ghetos e depois para campo de concentração, sem qualquer solidariedade de seus compatriotas poloneses). De outro, os nazistas vivendo e desfrutando de suas vidas com plena segurança e conforto.

Oscar Schindler, um empresário e lobista alemão, filiado ao Partido Nazista, consegue que alguns judeus ricos entreguem para ele o dinheiro que mantinham escondido. Eles se tornariam empregados “investidores” numa fábrica de utensílios (panelas). Receberiam, em troca, e a longo prazo, produtos que poderiam trocar no mercado negro, além de diminuírem o risco de irem para a Câmara de Gás. Era isso ou nada.

Embora não compactuasse com a ideologia do partido, de ‘limpar’ a Alemanha dos ‘malditos judeus’, ele lucrava com sua fábrica de esmaltados, e contribuía com o Partido.

Oscar Schindler, além de empresário, era membro do Partido Nazista e muito bem relacionado nos círculos militares. Tendo conseguido capitalizar-se com o dinheiro dos judeus, faz lobby junto a nazistas poderosos, conquista contrato para fabricação de utensílios para o exército e é autorizado a utilizar mão-de-obra judia escrava. Tudo isso acontece na base da troca de favores e do toma lá dá cá. Schindler pagava comissões ao oficialato alemão pelo trabalho fabril de cada judeu empregado, o que para ele resultava ser mais barato do que a contratação de poloneses. Schindler era especialista em comprar favores de oficiais da SS e do exército alemão, tanto superiores como subalternos.

Em princípio Schindler utiliza mão-de-obra escrava judia dos guetos. Posteriormente, quando os guetos são desmontados e os judeus transferidos para o Campo de Concentração da Cracóvia, consegue continuar utilizando a mesma mão-de-obra. Aproveita-se da situação de pavor dos judeus, que se sentem mais protegidos com ele, e delega toda a operação da fábrica para o contador judeu Stern, de quem busca aproximação.

Schindler sempre defende seus empregados por ocasião das vistorias dos soldados alemães, quando havia o risco de serem presos ou mortos, fingindo não se importar com seus destinos, mas que seria de grande prejuízo para sua fábrica e para o país o desperdício de ‘mão-de-obra especializada’ já treinada naquela indústria.

Apesar do trabalho escravo, os judeus preferem trabalhar na fábrica de Schindler pois, assim, diminuem o risco de trabalhos forçados mais pesados ou, o que era pior, de serem enviados para a Câmara de Gás.

Fruto da relação de infância de Schindler com Amon Göet, oficial da SS e Chefe do Campo de Concentração, na Cracóvia, seus funcionários têm menos riscos do que os demais judeus de serem assassinados a esmo e a sangue frio, esporte preferido daquele assassino bipolar. Ainda assim, algumas vezes isso acontece.

Com a produção de panelas com baixo custo de mão-de-obra para atender os contratos conquistados com o exército, Schindler acumula um patrimônio significativo, que o permite levar uma vida nababesca e pautada por orgias. Vive longe de sua mulher e tem várias amantes, sendo considerado uma pessoa de atração irresistível pela sua elegância, educação e charme.

Contudo, sua produção industrial não teria sido possível sem o concurso do contador Stern, que é a pessoa que, de fato, toca a fábrica e lidera as pessoas que lá trabalham, todas irmanadas pelo espírito de sobrevivência.


3.

Com o avanço das forças aliadas e o recuo dos nazistas, o Reich decide fechar Campos de Concentração e acelerar a exterminação em massa dos judeus. Inicialmente, começam a incinerar os judeus mortos na própria Cracóvia. Posteriormente, passam a enviar diariamente 60 mil seres humanos aos fornos de Auschwitz. No período de 1939 a 1945, foram assassinados 6 milhões de judeus espalhados pelos vários campos de extermínio nos países europeus dominados pelo III Reich.

Gradativamente, Schindler se apega mais ao contador Stern e aos seus demais funcionários judeus, a quem, anteriormente, considerava como meras peças de sua propriedade. Do ponto de vista pessoal, Schindler experimenta uma mudança na sua percepção de mundo e de vida, tornando-se mais humanista.

Ao constatar que o Campo de Concentração da Cracóvia, na Polônia, está em vias de ser desmobilizado e do desinteresse do exército na continuidade da compra de utensílios, Schindler conquista, junto ao exército alemão, um novo contrato, desta vez, para a produção de munição. Essa decisão fez parte de sua ideia de salvar seus funcionários da exterminação nas Câmaras de Gás de Auschwitz.

Investe quase todo seu patrimônio na compra de 1.200 judeus pagando o preço negociado com Amon Göet, oficial da SS e Chefe do Campo de Concentração da Cracóvia e obtém autorização para transferi-los para um novo Campo de Concentração, em Zwittau – Brinnlitz, na antiga Tchecoslováquia (sua cidade natal dos tempos do Império austro-húngaro), onde inicia a produção de munição, em nova fábrica.

Constrói às pressas, com o contador Stern, a lista dos judeus, para cujo preço total dispunha de recursos próprios suficientes.

Por ocasião da transferência deles, os homens e as mulheres são enviados em trens separados. Inadvertidamente, o trem das mulheres segue para Auschwitz. Schindler vai pessoalmente negociar com o oficial nazista a devolução das mulheres, negócio que foi pago em diamantes. Novo êxito logrado por um Oscar Schindler diferente, mais humanizado e já comprometido a salvar vidas.

Durante todos esses anos Schindler enfrenta grandes obstáculos nas suas negociações com seus pares nazistas, no perigoso toma lá dá cá, na tentativa de convencimento de oficiais sobre os quais não tem influência, correndo o risco de ser preso; uma verdadeira luta pela sobrevivência, de início, pensando no seu negócio e, depois, somente em proteger seus funcionários.

Schindler continua a proteger as vidas de seus trabalhadores evitando fuzilamentos sumários que eram impetrados com a maior normalidade pelos nazistas.

As munições produzidas por eles não passavam pelo controle de qualidade do exército e, por essa razão, Schindler passa a comprar com seu próprio dinheiro munições no mercado paralelo para honrar seu contrato com o exército alemão.

Reconquista a sua mulher e deixa de lado suas amantes e as orgias. A fábrica funciona aos trancos e barrancos até a rendição da Alemanha, em 1945.

Com a rendição da Alemanha, a ordem superior era de fuzilarem todos os judeus. Schindler convence os alemães que controlam o Campo de Concentração a não fuzilarem os judeus trabalhadores de sua fábrica, em desobediência às ordens do Reich. Em virtude do avanço das tropas soviéticas e dos pedidos de Schindler, os alemães abandonam o Campo, sem matar os judeus.

Schindler, amargurado por não ter podido salvar mais pessoas, despede-se dos seus empregados ocasião em que recebe uma carta explicativa de suas peripécias humanistas, assinada por todos eles. Na despedida também recebe um anel, feito com ouro extraído de um dente de um dos judeus, que aceitou dá-lo voluntariamente, com a seguinte inscrição do Talmud: “Quem salva uma vida, salva o mundo inteiro”.

Na convivência com seus empregados judeus Schindler evolui como pessoa e esforça-se para parar a roda do holocausto. Schindler foge da Tchecoslováquia com sua mulher Emilie, ambos trajando uniformes de judeu.

Ocorre a ocupação da Tchecoslováquia pelo exército soviético. Os judeus são liberados para seguirem seus caminhos, sendo desaconselhados a retornarem à Polônia.

Schindler enfrenta muitas dificuldades para escapar, lidando com americanos, franceses e suíços. Nesse processo, suas últimas posses são confiscadas. Finalmente, na França, quando consegue provar sua inocência, sua mulher e ele não tinham nada mais do que a roupa do corpo. Mas, tinham a proteção dos Schindlerjuden, que eram agora sua família. Vão viver por um tempo em Munique, na Alemanha, e decidem, depois, cruzar o Atlantico para morar na Argentina. Foram com ele uma dúzia de judeus amigos.

Em 1949 fizeram-lhe um pagamento ex gratia de USS 15.000 e deram-lhe uma referência (“A Quem Possa Interessar”) assinada por M.W. Beckelman, vice-presidente do Conselho Executivo da organização: “O Comitê Americano da Junta de Distribuição investigou minuciosamente as atividades do Sr. Schindler no período da guerra e da ocupação… A nossa recomendação irrestrita é que as organizações e pessoas, a quem o Sr. Schindler possa procurar, façam todo o possível para ajudá-lo, em reconhecimento pelos seus eminentes serviços…

Sob o pretexto de administrar uma fábrica nazista de trabalhos forçados, primeiro na Polônia e depois na Tchecoslováquia, o Sr. Schindler conseguiu recrutar como seus empregados e proteger judeus e judias destinados a morrer em Auschwitz e em outros infames campos de concentração… Testemunhas relataram ao nosso Comitê que o “campo de Schindler em Brinnlitz era o único, nos territórios ocupados pelos nazistas, em que nunca foi morto um judeu, ou mesmo espancado, mas, ao contrário, sempre tratado como um ser humano.”

Agora, quando ele vai iniciar uma nova vida, devemos ajudá-lo, como ele ajudou os nossos irmãos.

Durante dez anos dedicou-se à produção rural, mas terminou falindo. Talvez, como comentavam alguns, porque não tivesse um Stern para ajudá-lo. Retornou à Alemanha. Sua mulher Emilie permanece na Argentina. Vai viver em Frankfurt onde funda uma fábrica de cimento, que também não tem êxito. Todos os anos é convidado para visitar Israel para homenagens. Entrevistas em Israel, republicadas na Alemanha, não lhe ajudam em nada. Em Frankfurt é vaiado, insultado e apedrejado.

Os Schindlerjuden continuam mantendo-o sob proteção moral e financeira. Schindler morre em 9 de outubro de 1974. Em atenção ao seu desejo, é enterrado em cemitério católico de Jerusalém.

 

*Marcos de Queiroz Grillo é economista e mestre em administração pela UFRJ.

Referência




Thomas Keneally. A lista de Schindler

Tradução: Tati Moraes. Rio de Janeiro, Record, 2021, 424 págs. [https://amzn.to/41aujtS]

 


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