terça-feira, 15 de julho de 2025

Vou deixar algumas coisas bem claras quanto ao que eu penso da atualidade - Paulo Roberto de Almeida

Vou deixar algumas coisas bem claras quanto ao que eu penso da atualidade

1) O governo Netanyahu promove Genocídio na Faixa de Gaza, e  como tal deve ser punido, ele e seus auxiliares diretos;

2) Trump é um presidente desequilibrado; deveria ser deposto pelo Senado e levado ao Sanatório numa camisa de força, pois prejudica seriamente o seu país e o resto do mundo;

3) Putin é um psicopata militarista, à altura de um Hitler, e como não pode ser deposto pelo povo russo, como Hitler não o foi pelo povo alemão, tem de ser contido militarmente pelas potências democráticas, como Hitler não o foi em 1938, e aí tiveram de amargar 5 anos de guerra global e dezenas de milhões de mortos para derrotar um tirano que poderia ter sido obstado no momento crucial; esse momento já chegou no caso de Putin e as nações democráticas ainda não se decidiram a respeito, por covardia, como em 1938;

4) O Brasil não deve e não pode ceder à chantagem de Trump, no caso das tarifas vs anulação do processo contra os golpistas, e deve aguentar as duras consequências que podem vir em seguida. Não se pode transigir com princípios, mesmo ao custo de perdas imensas (que sempre são reparáveis). Não deveria, do seu lado, fazer bravatas, apenas seguir a Constituição e o Direito Internacional;

5) Bolsonaro, seus familiares e os sequazes na chantagem mafiosa de Trump são até indignos de serem chamados apenas de “traidores da pátria”; são seres abjetos ao convívio nacional, e suas ações devem ser enquadradas nos delitos pertinentes e serem condenados por golpismo e grave atentado à nação, com vários anos de prisão fechada;

6) Os idiotas que apoiam todos esses psicopatas políticos — Netanyahu, Putin, Trump, Bolsonaro — e mafiosos associados poderiam ser convidados a um curso de reeducação política, eventualmente sancionados, se insistirem em quebrar a legalidade democrática, como medida corretiva similar a uma condenação afeta aos pequenos crimes não intencionais.

Defensores das liberdades democráticas devem sempre atuar com base no Direito e na Moral, o que se aplica exatamente à postura de Lula com respeito aos casos similares da Palestina e da Ucrânia, frente aos quais ele adota posições opostas.

Como diria Popper, não se pode ser tomerante com os intolerantes, sob risco de sucumbir ao desastre e à desonra.

Paulo Roberto de Almeida

São Paulo, 15/07/2025


O Brasil em face da bifurcação, ou de várias bifurcações Paulo Roberto de Almeida

O Brasil em face da bifurcação, ou de várias bifurcações

Paulo Roberto de Almeida

        Existem momentos, na vida de uma nação, em que importantes escolhas da vida nacional passam a ser determinadas não por decisões puramente internas, soberanas, mas por fatores externos, independentemente da vontade própria, nacional, determinada pelos detentores do poder, ou influências poderosas na vida nacional (partidos no governo, lideranças econômica e políticas, a própria pressão da opinião pública, que é geralmente provinda da classe média). Isso distingue grandes potências (que podem impor um custo a desafiadores externos) de médias ou pequenas potências, que sofrem pressão externa (até mesmo guerras ou retaliações econômicas) e que devem, portanto, fazer escolhas de menor custo relativo.
        Esta é a posição do Brasil, atualmente: entre as preferências políticas dos dirigentes nacionais e as pressões externas, estas podem se revelar mais poderosas, o que obriga o poder nacional a adotar posturas que não seriam as suas normalmente, mas que eles precisam provisoriamente, ou a contragosto, acatar. Isso muda o próprio perfil econômico, político, social, cultural, que uma nação passa a aceitar, e incorporar nos seus "costumes".
        O Brasil, no quadro conflitivo atual do mundo, terá de fazer escolhas, e não é propriamente o Brasil inteiro, mas as forças que determinam a sua direção atual.
Não se trata apenas de Lula ou Bolsonaro, Trump ou Putin, de Rússia ou Ucrânia, de Mercosul ou sozinho, de direita ou esquerda, de liberal ou protecionista, mas TUDO ISSO JUNTO, que é o que se coloca ao Brasil atualmente, e imediatamente (ou pelo menos no futuro de breve prazo).
        Se não fizer nada, o Brasil sofrerá as consequências, o mesmo ocorrendo se fizer uma escolha, ela terá inevitavelmente custos.
        Quais são eles? Diversos, variados, alguns imprevisíveis, talvez dolorosos, mas eles serão impostos pela realidade, não pela vontade exclusiva dos dirigentes atuais ou de seus opositores.
        Num momento destes, afloram os estadistas, ou NÃO, se eles simplesmente não existem: seremos carregados pelo caudal de eventos, muitos dos quais eu retirei da leitura da imprensa corrente sobre nossas interfaces externas, como abaixo.

Paulo Roberto de Almeida
São Paulo, 15/07/2025


Algumas notícias glanadas nos boletins disponíveis:

Política Externa Brasileira
Atualização diária ⋅ 15 de julho de 2025
NOTÍCIAS

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Tarifar é intervenção externa? Não, mas pode ser o começo - Gazeta do Povo
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Líder do PT pede suspensão de passaporte diplomático de Eduardo e inclusão de ... - O Globo
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Brasil decide apoiar ação da África do Sul contra Israel na Corte de Haia, diz jornal InfoMoney

Chanceler orienta embaixadora após repreensão a representante dos EUA - Portal Tela
O governo brasileiro, sob a liderança do chanceler Mauro Vieira, tem intensificado sua postura em relação à política externa dos Estados Unidos, ...

Camila Camargo Dantas | Quando a diplomacia assume o leme
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O Brasil tem peso político, mas precisa adotar uma postura estratégica diante do novo realismo comercial.

Brics entre a ambiguidade e a consolidação - Outras Palavras
Uma das causas parece ser a ambiguidade crescente da política externa brasileira e a percepção geral de que a prioridade do país está no G20. A ...

segunda-feira, 14 de julho de 2025

Livro: Vidas Paralelas: Rubens Ricupero e Celso Lafer nas relações internacionais do Brasil - Paulo Roberto de Almeida (Ateliê de Humanidades)

Um livro quase pronto, sendo ultimado para publicação:


Vidas Paralelas: Rubens Ricupero e Celso Lafer nas relações internacionais do Brasil
Paulo Roberto de Almeida

(Ateliê de Humanidades)

Índice

1. Prefácio

2. Uma história intelectual: paralelas que se cruzam
1. Uma nota pessoal sobre minhas afinidades eletivas
2. Por que uma história intelectual paralela?
3. Por que vidas paralelas numa história intelectual?
4. Quão “paralelos” são Rubens Ricupero e Celso Lafer?
5. A importância de Ricupero e de Lafer nas relações internacionais do Brasil
6. O sentido ético de uma vida dedicada à construção do Brasil

3. Rubens Ricupero: um projeto para o Brasil no mundo
1. Do Brás italiano para o Rio de Janeiro cosmopolita
2. Um começo desconcertante na vida diplomática
3. Uma carreira progressivamente ascendente, pela via amazônica
4. Afinidades eletivas com base no estudo do Brasil e no conhecimento do mundo
5. Professor de diplomatas e de universitários, no Instituto Rio Branco e na UnB
6. O assessor internacional e o Diário de Bordo da viagem de Tancredo Neves
7. O Brasil no sistema multilateral de comércio
8. O mais importante plano de estabilização da história econômica brasileira
9. Unctad: a batalha pela redução das desigualdades globais
10. Um pensador internacionalista, o George Kennan brasileiro
11. A figura incontornável de Rio Branco, o paradigma da ação diplomática
12. Brasil: um futuro pior que o passado?
13. O Brasil foi construído pela sua diplomacia? De certo modo, sim
14. Quais as grandes leituras de Rubens Ricupero?

4. Celso Lafer: um dos pais fundadores das relações internacionais no Brasil
1. A abertura de asas de um intelectual promissor
2. A tese de Cornell sobre o Plano de Metas de JK
3. Irredutível liberal: ensaios e desafios
4. As relações econômicas internacionais: reciprocidade de interesses
5. A trajetória de Celso Lafer nas relações internacionais do Brasil
6. Direitos humanos: a dimensão moral do trabalho intelectual
7. Um diálogo permanente com Hannah Arendt
8. Norberto Bobbio: afinidades eletivas com o sábio italiano
9. A aventura da revista Política Externa e seu papel no cenário editorial
10. A diplomacia na prática: a primeira experiência na chancelaria, 1992
11. A diplomacia na prática: a segunda experiência na chancelaria, 2001-2002
12. No templo dos imortais: um “intelectual militante” e um “observador participante”
13. O judaísmo laico de Lafer e a unidade espiritual do mundo de Zweig
14. Uma coletânea dos mais importantes artigos num amplo espectro intelectual

5. Paralelas convergentes: considerações finais

Produção relevante dos personagens, bibliografia geral e nota sobre o autor, e seus livros principais.

JK: Meu caminho para Brasília: os três volumes da autobiografia de Juscelino Kubitschek disponíveis na Editora do Senado

JK: Meu caminho para Brasília
Kubitschek, Juscelino, 1902-1976
Publicador : Brasília : Senado Federal, Conselho Editorial
Data de publicação : 2020
Descrição física : 3 v. : il., fotos.
Série : Edições do Senado Federal ; v. 201A-201-C
Conteúdo : v. I. A experiência da humildade -- v. II. A escalada política -- v. III. 50 anos em 5.
Assuntos : Kubitschek, Juscelino, 1902-1976, biografia | Chefe de Estado, Brasil | Política e governo, Brasil, 1945-1963 | Quarta República (1945-1964), Brasil
Cobertura geográfica : Brasília (DF), construção | Brasília (DF), história
Responsabilidade : Juscelino Kubitschek
ISBN : 9788570185433 (v.I) | 9788570185440 (v.II) | 9788570185457 (v.III)

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Três impérios, três destinos - Paulo Roberto de Almeida

Três impérios, três destinos

Existem hoje, temporariamente, três impérios e meio no mundo.

O império chinês é guiado pela racionalidade instrumental dos mandarins tecnocráticos do PCC. 

O império russo é dominado pela obsessão expansionista de Putin. 

O império americano está sendo diminuído pela ignorância avassaladora de Trump.

Isso explica as trajetórias diferentes de cada um deles: sucesso sustentável no primeiro caso; impasses e disfunções no segundo caso, podendo levar a uma profunda crise estrutural da Rússia; aceleração do declinio no terceiro caso, mas que atinge não só os EUA, mas o mundo todo, dada a magnitude do ainda hegemônico império americano. 

De certa forma, o mundo econômico é uma vitima da extrema ignorância de um déspota eleito democraticamente.

O mundo político e geopolítico está sendo abalado pelo expansionismo obsessivo de um ditador totalitário.

O fabuloso Império do Meio do passado, que atraía comerciantes e aventureiros europeus da primeira globalização, a dos “descobrimentos”, está sendo pacientemente reconstruído pelos novos mandarins do PCC.

Em volta desses três impérios, e do meio império da UE, que não possui comando unificado no plano econômico ou militar, gira o destino de potências médias, como Índia e Brasil, assim como o de todos os demais países com alguma importância econômica ou política no mundo atual. 

Alguns destes são guiados por estadistas inteligentes e racionais; outros, infelizmente, o são por lideres impulsivos ou mal assessorados, que reagem de forma tão irracional quanto o atual candidato a déspota dos EUA; de certa forma, este último está facilitando o itinerário bem sucedido do primeiro império.

CQD!

Paulo Roberto de Almeida

São Paulo, 14/07/2025


JOSE DE SOUZA MARTINS: Um sociólogo em busca de contradições - Pablo Nogueira (Jornal da Unesp)

 

JOSE DE SOUZA MARTINS:

Um sociólogo em busca de contradições

Agraciado como Personalidade Acadêmica no próximo prêmio Jabuti Acadêmico, José de Souza Martins discute, em entrevista ao Jornal da Unesp, as linhas que orientam sua extensa produção no campo da Sociologia e a persistência da escravidão na sociedade brasileira

Jornal da Unesp, 12/072025


No último dia 23 de junho, a Câmara Brasileira do Livro (CBL) anunciou o sociólogo José de Souza Martins como Personalidade Acadêmica da segunda edição do Prêmio Jabuti Acadêmico. Professor emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, Martins é autor de uma vasta e diversificada obra que compreende mais de 40 livros e capítulos publicados no Brasil e no exterior.

Três desses livros foram vencedores do prêmio Jabuti na categoria Ciências Humanas: Subúrbio (Editora Unesp), A Chegada do estranho (Hucitec Editora) e A aparição do demônio na fábrica (Editora 34). Curador do prêmio Jabuti Acadêmico e ex-reitor da Unicamp, Marcelo Knobel afirmou que a indicação é “um reconhecimento justo para quem tanto se dedicou e contribuiu para estudar a sociedade contemporânea brasileira”. 

Seu último livro, publicado pela Editora Unesp, Capitalismo e Escravidão na Sociedade Pós-Escravista, analisa o fenômeno da servidão contemporânea e sua importância dentro do sistema de produção capitalista, um tema ao qual o pesquisador dedicou boa parte de sua trajetória profissional. Durante 12 anos (1996 a 2007), Martins atuou como representante das Américas na Junta de Curadores do Fundo Voluntário da ONU contra as Formas Contemporâneas de Escravidão. Em 2002 coordenou voluntariamente uma comissão da Secretaria de Direitos Humanos do Ministério da Justiça que elaborou o Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil e Escravo.

Nesta entrevista para o Jornal da Unesp, Martins discute as linhas de pesquisa que têm orientado sua extensa produção acadêmica, que ele descreve como “conjunto complexo de linhas conexas de investigação sociológica”, além de analisar algumas das causas da persistência da escravidão na sociedade brasileira.

***

O senhor recebeu o prêmio Personalidade Acadêmica no Prêmio Jabuti Acadêmico 2025 pelo conjunto da sua obra. Seus livros abordam uma diversidade grande de temas, como questões agrárias, imigração italiana, linchamentos no Brasil, escravidão moderna, história de São Paulo, entre outros. Existe um eixo principal que orientou esse seu percurso intelectual? 

José de Souza Martins: Existe um eixo, mas não apenas um eixo. Um eixo principal que vai do meu livro A Imigração e a Crise do Brasil Agrário, que é sobre a imigração italiana, mas que na verdade discute a formação do capitalismo no Brasil. 

O capitalismo no Brasil não é uma cópia do capitalismo de outros países. Fernando Henrique Cardoso, que foi meu professor, já havia chamado a atenção para isso na tese de doutorado dele Capitalismo e Escravidão no Brasil Meridional, e eu continuei investigando o tema. Contudo, à medida que a pesquisa andava, eu notei que haviam temas correlacionados mais abertos, que pediam uma investigação adicional. Então eu fui ampliando a pesquisa até esse livro mais recente, que é o Capitalismo e escravidão na sociedade pós-escravista, publicado pela Editora Unesp, em que praticamente eu fecho essa linha de análise da realidade brasileira. 

Durante esses meus estudos sempre surgem temas paralelos. Por exemplo, eu estava no campo durante pesquisa na região amazônica e começaram a surgir informações paralelas à pesquisa sobre linchamentos na região. Houve um episódio famoso em Matupá (MT), nos anos 90, quando dois ladrões assaltaram um banco numa pequena localidade do estado e foram bestialmente linchados e queimados vivos pela população local, tudo isso transmitido pela televisão. Então eu comecei uma linha adicional de pesquisa sobre linchamentos que durou 20 anos e resultou no meu livro Linchamentos: A justiça popular no Brasil

Ou seja, são temas correlatos, eles não estão separados. Ao mesmo tempo, eu desenvolvi uma linha de trabalho, também paralela, sobre Francisca Julia da Silva, uma grande poetisa paulista, que se matou em 1920. Apesar de ser uma poetisa conservadora, ela era uma romântica, e ainda assim acabou se tornando uma espécie de musa dos modernistas. Este é o tipo de contradição que me interessa. Minhas pesquisas todas estão baseadas nessas contradições, seja em que plano for. Essa é minha tese: o Brasil é uma sociedade do avesso. Isso aparece em alguns autores, como Guimarães Rosa e Walnice Galvão, e aparece também nos movimentos sociais. Minha obra é um conjunto complexo de linhas conexas de investigação sociológica e de explicação do que é o Brasil.

O que você quer dizer com o Brasil, um país do avesso?

José de Souza Martins: A dinâmica do Brasil é uma dinâmica oculta. Não é o que sai no jornal. Não é o que sai nas análises políticas. Nós estamos de cabeça para baixo. Tudo funciona do avesso. Nessa dinâmica, existe um protagonismo histórico das populações simples, dos desvalidos, dos marginalizados, dos excluídos. Eles fazem história indiretamente. Um dos meus livros, A sociabilidade do Homem Simples, é sobre isso. A Guerra de Canudos foi marcada por esse protagonismo do homem simples e a Guerra do Contestado também. Esse inclusive é o tema do meu próximo livro, que está quase pronto, pela Editora Unesp.

Nós não nos explicamos pelo modelo europeu de história. Nós somos a anti-história. Nós somos a margem do mundo. Então nós nunca temos uma consciência política verdadeira, nunca sabemos exatamente o que está acontecendo, mas achamos que sabemos. Somos um país anômalo e anômico, ou seja, aquilo que funciona com regras invertidas. Essa realidade que nós estamos vivendo hoje no Brasil atualmente é escandalosamente isso. O avesso marginalizado não protagoniza as decisões da história do país. É claro que para poder entender isso que eu estou tentando dizer tem que ler os livros. 

O seu livro mais recente tem como título Capitalismo e Escravidão na Sociedade Pós-Escravista. O que é essa sociedade pós-escravista, exatamente, e por que a gente vê a perseverança da escravidão no Brasil ainda nos dias de hoje?

José de Souza Martins: Porque nós não somos um país civilizado. Nós não somos um país capitalista. A gente acha que é, mas na verdade não somos. Nós temos um capitalismo que nunca chegou lá, nunca concluiu, nunca se fechou. É um capitalismo periférico, subdesenvolvido, que usa recursos pré-capitalistas para fazer acumulação de capital. É um capitalismo que depende, por exemplo, de grilagem de terra e de especulação imobiliária.

Nós nunca chegamos a ser aquilo que foi o capitalismo inglês, o capitalismo alemão, o capitalismo francês, o capitalismo norte-americano. Nós somos sempre um aquém. Nós não chegamos lá.

Nós temos escravidão até hoje no Brasil. Há uns três ou quatro anos tinha um sujeito vendendo dois escravos na feira do Pari, aqui na cidade de São Paulo. Isso é algo atual. Isso não é uma aberração. É uma contradição. Nós estamos vivendo um período pós-escravista legal aqui no Brasil. Estamos longe de 1888 e no entanto a escravidão ainda se reproduz. 

E por que o Brasil não se percebe do avesso? O Brasil se percebe uma grande economia capitalista, tanto que esses episódios que o senhor citou costumam causar reações de espanto na sociedade.

José de Souza Martins: Porque as sociedades contemporâneas dependem de alienação para existirem. Você tem que acreditar que a sociedade é uma coisa que de fato ela não é. Isso ocorre também nos Estados Unidos, na Inglaterra ou na França. É a chamada alienação. E nós temos a nossa alienação. Nós achamos que somos o país mais interessante do mundo, ou o “país do futuro”, como disse o escritor Stefan Zweig. Nós não somos o Brasil do futuro, infelizmente. Nós não somos sequer o país do presente. Nós estamos sempre por chegar lá, mas a gente nunca chega. 

O pós-escravismo é isso: um capitalismo que não depende de criatividade empresarial e industrial. Ele depende de especulação financeira, da renda da terra, da especulação imobiliária, depende de grilagem de terra. Atualmente, nós temos no Brasil quase 30 milhões de hectares de grandes empreendimentos agrários em terras griladas. Terras que foram obtidas de forma criminosa. No fim das contas, o crime é que governa o Brasil. 

Nós vimos nos últimos dez ou vinte anos a sociedade brasileira dar uma forte guinada para a direita, se tornando mais conservadora. Isso foi visto por muitas pessoas como uma surpresa e surgiram várias tentativas para explicar essa guinada. Uma dessas explicações é internacionalista, e entende essa mudança como algo que ocorre em outros lugares do mundo e relacionado às novas tecnologias. Existe uma forma de entender esse movimento com base na própria história do país?

José de Souza Martins: Sim. Nós nunca fomos um país de esquerda e a nossa esquerda sempre foi fragmentada, de classe média. Esse é um grande problema. Nós não temos uma esquerda operária clássica no Brasil. Existe o movimento de São Bernardo do Campo, mas não temos uma esquerda consolidada como você tem na Itália ou na França, por exemplo. Então, quando as contradições se agudizam, como se agudizaram nos últimos vinte ou trinta anos, é claro que vem para fora esse lado oculto. A ditadura militar nunca terminou no Brasil, esse é o primeiro detalhe. Essa gente que está aí, estava conspirando já antes da ditadura militar acabar. Bolsonaro é filho da ditadura e foi criado para cumprir o papel dele: desmantelar o sistema democrático no Brasil.

Nós temos uma ilusão que somos de esquerda. Na verdade, nós queremos ser de esquerda, mas não sabemos ser de esquerda. Somos um país que temos marxistas que nunca leram a obra de Karl Marx, que é complicadíssima. O pensamento de Marx é um pensamento científico. O capitalismo não é para ser contra, é para ser superado. Você constroi alternativas ao capitalismo em cima da práxis política. A práxis é a contradição de repetição e inovação. 

Os movimentos populares que poderiam ser a expressão de uma inovação na práxis política são subestimados e combatidos, ao invés de serem devidamente interpretados. A universidade tem uma responsabilidade nisso. Ela tem que se ajustar e interpretar a realidade como ela é. Isso depende de método científico. Isso não depende de ideologia política. 

Na imagem acima: sociólogo José de Souza Martins (Crédito: Marcos Santos/USP Imagens)

A armadilha chinesa no projeto da Ferrovia de Integração Bioceânica - Márcio Coimbra (Dantas.com.br)

A armadilha chinesa no projeto da Ferrovia de Integração Bioceânica

Por Márcio Coimbra

Dantas.com.br, 13/07/2025


Lula justifica que quer atrair a China para desenvolver uma cadeia de suprimentos que fortaleça a infraestrutura de lançamentos espaciais em Alcântara

Lula quer atrair a China para desenvolver uma cadeia de suprimentos que "fortaleça" a infraestrutura de lançamentos espaciais em Alcântara

A recente assinatura do memorando entre o Brasil e China para estudos da Ferrovia de Integração Bioceânica, ligando o porto chinês de Chancay, no litoral do Peru, ao porto Sul de Ilhéus, na Bahia, é apresentada como um marco de desenvolvimento. Contudo, sob o brilho da promessa de progresso logístico, escondem-se riscos profundos que demandam cautela.

A parceria com Pequim não pode ser analisada isoladamente, mas sim à luz do histórico de projetos de infraestrutura chineses. Experiências internacionais servem como alerta: aquilo que começa como investimento frequentemente evolui para relações de codependência, onde a soberania nacional é moeda de troca.

O modus operandi é preocupantemente familiar: empréstimos chineses, opacos em seus termos, financiam projetos executados por suas empresas estatais. O resultado é um desfecho com ares de neocolonialismo.

O Sri Lanka, por exemplo, foi forçado a entregar o controle do porto de Hambantota por 99 anos à China após inadimplência. Na Malásia, o governo cancelou projetos ferroviários chineses devido a termos considerados leoninos e insustentáveis. O Laos mergulhou em crise de dívida colossal, hoje equivalente a quase 100% do seu PIB, impulsionada pela ferrovia China-Laos. A Etiópia viu seu principal aeroporto ameaçado de controle chinês.

O padrão é o mesmo: endividamento insustentável seguido de perda de controle sobre ativos estratégicos.

No caso da Ferrovia Bioceânica, os riscos para a soberania brasileira são palpáveis. Os termos financeiros e operacionais, ainda desconhecidos, poderão conferir à China influência desproporcional sobre uma rota logística vital, transformando-a em um instrumento de pressão geopolítica.

Isto significa que a dependência de financiamento e tecnologia chinesa podem minar a capacidade do Brasil de tomar decisões autônomas sobre sua infraestrutura estratégica, seus recursos naturais e até mesmo sua política externa, amarrando o país a interesses estranhos a nossa soberania.

AVALIAÇÃO DE INVESTIMENTOS EXTERNOS

Neste contexto, a urgência de um mecanismo robusto de avaliação de investimentos estrangeiros torna-se inegável. É aqui que ganha relevância o Projeto de Lei 1051/2025, de autoria do Deputado Hauly, que cria o Comitê de Triagem e Cooperação para Investimentos Estrangeiros Diretos no Brasil.

Este órgão seria um escudo essencial na análise de investimentos estrangeiros em setores estratégicos como infraestrutura crítica, energia e recursos naturais, avaliando riscos concretos à segurança nacional, à soberania e à estabilidade econômica do país. A Ferrovia Bioceânica seria um caso emblemático que demandaria o crivo rigoroso de avaliação, garantindo transparência nos contratos, sustentabilidade financeira e salvaguardas contra perda de controle.

A ambição de integrar o continente com uma ferrovia bioceânica é louvável. Contudo, o caminho proposto, pavimentado pelo modelo chinês de financiamento e execução, é repleto de armadilhas históricas. Ignorar os exemplos da África e da Ásia, onde projetos similares geraram endividamento insustentável e erosão da soberania, seria uma temeridade.

O Brasil não pode trocar o progresso logístico pelo risco da dependência. É imperativo que o Congresso Nacional priorize a aprovação do PL 1051/2025 para que possamos negociar com segurança, assegurando que o desenvolvimento da nação não comprometa sua autonomia e seu futuro nas mãos de interesses estranhos. Os trilhos do progresso não podem custar nossa soberania.


* Márcio Coimbra é CEO da Casa Política e Presidente-Executivo do Instituto Monitor da Democracia. Conselheiro da Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais (Abrig). Cientista Político, mestre em Ação Política pela Universidad Rey Juan Carlos (2007). Ex-Diretor da Apex-Brasil e do Senado Federal

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Livro Marxismo e Socialismo finalmente disponível - Paulo Roberto de Almeida

Meu mais recente livro – que não tem nada a ver com o governo atual ou com sua diplomacia esquizofrênica, já vou logo avisando – ficou final...