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domingo, 6 de novembro de 2016

60 anos em Revista: a trajetoria da RBPI - Paulo Roberto de Almeida

Transcrevo abaixo, texto-guia que preparei para minha intervenção, muito rápida, no sseminário de amanhã. Como não pretendo ler, considero ser um suporte textual eventualmente útil aos que se interessam pela trajetória da RBPI, justamente, o que lhes habilita a conhecer mais um pouco, incita a curiosidade, e pode suscitar, talvez, algumas perguntas inteligentes na fase de debates do seminário.
Preparei, igualmente, um PowerPoint, resumindo, e fracionando, a informação aqui inserida, de maneira a tornar mais fácil a visualização das grandes etapas da revista, em conexão com os grandes eventos mundiais e brasileira no plano das relações internacionais e das relações exteriores e diplomacia do Brasil, objeto, igualmente, de uma ampla tabela cronológica que elaborei quando dos 60 anos do IBRI (1954-2014), dois anos atrás, portanto, quando eu me encontrava fora do Brasil, e só pude participar virtualmente. Esse quadro cronológico está referido e linkado abaixo.
Estes dois trabalhos, este texto, e o PowerPoint, estão disponíveis na plataforma Academia.edu:
texto: http://www.academia.edu/29702781/3054_60_Anos_em_Revista_a_trajetoria_da_RBPI_2016_
PP: http://www.academia.edu/29703025/3055_Apresentacao_PowerPoint_60_Anos_RBPI_Seminario_UnB_2016_ 
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 6 de novembro de 2016


60 anos em Revista: a trajetória da RBPI

Paulo Roberto de Almeida
Diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, Funag-MRE.
Editor-associado da RBPI, professor de pós-graduação no Uniceub.
Seminário “Sessenta anos da Revista Brasileira de Política Internacional
(IRel-UnB, 7 de novembro de 2016). 

Vamos caracterizar as grandes etapas do itinerário intelectual do IBRI e da RBPI, desde 1954 até a atualidade. O período pode ser dividido em distintas fases, tanto em função das grandes fases da história mundial contemporânea, quanto da trajetória política, econômica e social do Brasil, com algumas interfaces mais evidentes entre elas, mas também com nítidas diferenças entre as evoluções respectivas do sistema mundial e do Brasil. O IBRI foi fundado em 1954, no velho Palácio Itamaraty, no Rio de Janeiro, com a participação de diplomatas e outros próceres da República, tendo seus primeiros 60 anos sido comemorados em 2014, como informei numa série de postagens feitas em meu Diplomatizzando (seis, sob a rubrica “60 Anos da RBPI”, remetendo a materiais na RBPI, em Meridiano 47 e na plataforma Academia.edu). A RBPI, por sua vez, deu início a seu itinerário editorial em 1958, tendo igualmente contado com diplomatas, tribunos e famosos historiadores entre seus editores – como José Honório Rodrigues, por exemplo –, mas de fato dirigida, financiada e mantida, corajosa e constantemente, por Cleantho de Paiva Leite. Eu passei a colaborar com a RBPI na redemocratização do Brasil, depois de voltar de meu primeiro posto e do doutoramento na Europa, em 1985.
Com a morte de Cleantho, em 1992, tomei pessoalmente a liderança de um grupo de colegas diplomatas e acadêmicos, num esforço coletivo para a manutenção dessa revista que se identificava intimamente com o itinerário da política externa e da diplomacia brasileira desde o final dos anos 1950 até o início dos 90. Nossa iniciativa teve sucesso na transferência – na verdade recriação – tanto do IBRI quanto da RBPI para Brasília no primeiro semestre de 1993, e desde então a revista assumiu feições e características bem mais acadêmicas do que profissionais, como era o caso na sua encarnação anterior, com total sucesso na sua consolidação enquanto instrumento científico mais importante nessa área no Brasil.
Papeis importantes assumiram nessa feliz trajetória do IBRI e na da revista o professor José Carlos Brandi Aleixo, o primeiro e atual Diretor honorário do IBRI, e os professores Amado Luiz Cervo e Antonio Carlos Lessa, os dois editores da RBPI desde 1993. Meu próprio papel, nesses anos todos, foi eminentemente assessório, mas tenho orgulho de afirmar que sem a minha iniciativa imediata, no final de 1992, a revista talvez teria deixado de existir naquele momento. Esta é uma brevíssima história do IBRI e da RBPI, com o que podemos agora repassar, ou revisitar, estes 60 anos decorridos desde meados dos anos 1950, e o papel da RBPI no seguimento dos mais importantes eventos e processos brasileiros e internacionais ao longo desse período.
Vejamos como ficaria um quadro com a periodização intercalada das diferentes fases registradas no mundo, no Brasil e na revista. Antes de iniciar, contudo, gostaria de chamar a atenção para um número especial da RBPI, que eu coordenei em 1998, na passagem dos seus primeiros 40 anos, e que contém uma síntese analítica, oferecida nos diferentes temas cobertos pela revista por vários colegas acadêmicos, vários dos quais aqui presentes. Esse número especial pode ser consultado na base de dados do Scielo, neste link: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_issuetoc&pid=0034-732919980003&lng=en&nrm=iso. Talvez se possa refazer um exercício similar, seja como número especial, seja como uma espécie de Reader, numa próxima oportunidade.

Mundo, Brasil, IBRI e Revista Brasileira de Política Internacional, 1954-2016
Grandes etapas de trajetórias interligadas
Anos
Sistema mundial
Brasil
IBRI-RBPI

1954
a
1955
Auge da Guerra Fria; término da Guerra da Coreia se materializou na doutrina MAD; tremores da descolonização.
Alinhamento com os EUA (acordo militar) a despeito do nacionalismo econômico; crise política, suicídio de Vargas.
Fundação do Instituto Brasileiro de Relações Internacionais no velho Palácio Itamaraty do Rio de Janeiro.

1955
a
1961
Primeiros ensaios de coexistência pacífica; competição nuclear e espacial EUA-URSS; a terceira via do MNA.
Desenvolvimentismo e atração de investimentos diretos estrangeiros; um “plano Marshall”: OPA; criação do BID.
Primeiros ensaios de uma Política Externa não alinhada com os EUA: o desafio de Cuba; criação da RBPI: visão ousada.
1961
a
1964
Crise dos mísseis russos em Cuba; Kennedy lança Aliança para o Progresso; guerra do Vietnã.
Crises político-militares superam experimento de Política Externa dita Independente; golpe.
RBPI divulga novas posturas da diplomacia: diplomatas ativos na revista e nos debates.

1964
a
1967
Intensificação da guerra do Vietnã; coexistência e expansão da influência soviética no mundo; guerrilhas na AL.
Primeira fase do regime militar: alinhamento diplomático com EUA; oposição se reorganiza; início da luta armada.
José Honório Rodrigues, diretor do IPRI e editor da RBPI, números temáticos sobre grandes temas da diplomacia.

1967
a
1974
Tratados de controle de armas; reintegração da China no sistema da ONU; guerras de países árabes contra Israel.
Retorno a padrões mais independentes na política externa, mas apoio a golpes de direita na América Latina.
RBPI acompanha os grandes debates da diplomacia: recusa do TNP, mar territorial, papel das multinacionais.

1974
a
1979
Deterioração do ambiente entre grandes potências; novos mísseis na Europa; expansão socialista na África; EUA se retiram humilhados do Vietnã.
Mudanças dramáticas na política externa: relações com China, governo de Luanda; deterioração das relações com Argentina; fricções com os EUA.
RBPI: nova ordem internacional; CPI das multinacionais; denúncia do acordo militar com os EUA; crise energética e seus efeitos no Brasil.

1979
a
1985
URSS atolada na guerra do Afeganistão; Papa João Paulo II, Thatcher e Reagan enfrentam o comunismo; retorno ao liberalismo econômico.
Segundo choque do petróleo e aumento dos juros precipitam crise da dívida externa e aceleram a inflação; regime militar chega a seu termo.
RBPI: debates sobre dívida externa, crises na América Latina; relações Norte-Sul; entendimento com a Argentina; o terror na política internacional.

1985
a
1994
Crise final do socialismo, implosão da URSS; fim da Guerra Fria; avanço das reformas na China; acordos de Maastricht.
Redemocratização e reconstitucionalização; planos fracassados de estabilização; abertura econômica, privatização.
RBPI: acordos com a Argentina; dívida externa e Gatt; morte de Cleantho e transferência da revista para Brasília: nova fase.
1994
a
2002
Crises financeiras em países emergentes; euro na UE; ascensão da Ásia; Tribunal Penal da Haia.
Plano Real; governos de FHC; crises financeiras, acordos com o FMI; crise da Argentina: impactos.
RBPI em Brasília: novos padrões; Amado Cervo editor; Aleixo no IBRI; 1998: 40 anos da RBPI.
2003
a
2010
Emergência mundial da China; crises nos EUA e no Oriente Médio.
Lula-Amorim promovem diplomacia ativa; novas posturas na diplomacia.
IBRI: lançamento de vários livros; RBPI: novo editor, Antonio C. Lessa.
2011
a
2016
Lenta recuperação nos EUA e na Europa; postura agressiva da Rússia; nova Guerra Fria.
Governo desastroso de Dilma Rousseff, recuos na diplomacia; processo de impeachment.
RBPI: estabelecimento de padrões científicos de nível mundial; edições digitais: fluxo contínuo.
2017
e
2018
Guerra Fria econômica e possível nova Guerra Fria geopolítica?
Governo de transição: reformas econômicas; diplomacia profissional.
RBPI: agenda aberta para comemorações dos 60 anos; novos projetos.
Concepção e elaboração: Paulo Roberto de Almeida, 6/11/2016.


Referências úteis de pesquisa:

1) Antônio Carlos Lessa e Paulo Roberto de Almeida: “Os sessenta anos do Instituto Brasileiro de Relações Internacionais: Editorial”, Revista Brasileira de Política Internacional (vol. 55, n. 2/2014, p. 5-7; links: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_issuetoc&pid=0034-732920140002&lng=en&nrm=iso e http://ibri-rbpi.org/2014/12/31/editorial-rbpi-22014-os-sessenta-anos-do-instituto-brasileiro-de-relacoes-internacionais/); também disponível na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/10092375/1156_Nota_liminar_sobre_o_Instituto_Brasileiro_de_Rela%C3%A7%C3%B5es_Internacionais_2014_).





4) Paulo Roberto de Almeida: “O Brasil e suas relações internacionais de 1954 a 2014: O que mudou em 60 anos? O que ficou? O papel do IBRI”. Nota sobre o Instituto Brasileiro de Relações Internacionais (IBRI) e as relações internacionais do Brasil, entre 1954 e 2014. Postado no blog Diplomatizzando (2/11/2016; link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2016/11/60-anos-da-rbpi-1-preparando-o.html).

5) Revista Brasileira de Política Internacional: número especial sobre os primeiros 40 anos, de 1958 a 1998” (vol. 41, n. especial, 1998; disponível no link: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_issuetoc&pid=0034-732919980003&lng=en&nrm=iso; com colaborações de Eiiti Sato, Antonio Carlos Lessa, Amado Luiz Cervo, Eugênio Vargas Garcia, Antonio Jorge Ramalho da Rocha e Paulo Roberto de Almeida).


Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 6 novembro 2016.

RBPI: 60 anos, seminario em Brasília - IRel-UnB, 7/11/2016

Reproduzo aqui postagem já feita em 26 de outubro, sobre o seminário que terá lugar nesta segunda-feira, 7 de novembro, que não se destina a comemorar os 99 anos da Revolução bolchevique, mas sim os 60 anos da Revista Brasileira de Política Internacional, a ser comemorada a partir de seu volume 60, em 2017.
Em postagem subsequente, vou informar sobre minha intervenção, sobre:
60 anos em Revista – A trajetória da RBPI

RBPI: 60 anos, seminário em Brasília, 7/11/2016

Estou identificado intensamente com a RBPI, tendo colaborado com um de seus fundadores, Cleantho de Paiva Leite, ainda em sua fase do Rio de Janeiro (1958-1992), liderado o processo de sua transferência do Rio a Brasília (em 1993) e desde então na capital federal, com artigos ocasionais, e justamente nos momentos comemorativos como este.
Paulo Roberto de Almeida 

Seminário celebra 60 anos da RBPI

O Conselho Editorial da Revista Brasileira de Política Internacional e o Instituto Brasileiro de Relações Internacionais convidam para o Seminário Sessenta anos da Revista Brasileira de Política Internacional, a ser realizado a propósito da abertura das celebrações da publicação do sexagésimo volume da RBPI.
Fundada em 1958 no Rio de Janeiro, e transferida em 1993 para Brasília, a RBPI é uma das mais tradicionais publicações científicas da área de Relações Internacionais da América Latina e uma das mais influentes do Sul Global.
Em 2017 será publicado o sexagésimo volume da RBPI, e esta marca histórica será celebrada entre o final de 2016 e os primeiros meses de 2018, com a realização de várias atividades especiais. O marco inicial desta grande celebração será o seminário nacional que se realizará de acordo com a programação abaixo.

Programação

14h30min – Apresentação

  • Antônio Carlos Lessa, editor-chefe da Revista Brasileira de Política Internacional e professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília

14h40min – Mesa Redonda  – 60 anos em Revista – a inserção internacional do Brasil e a política internacional

  • Coordenação: José Flávio Sombra Saraiva, diretor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília
  • 60 anos em revista: A inserção internacional do Brasil e os desafios da modernização – Amado Luiz Cervo, professor emérito da Universidade de Brasília, ex-editor e presidente de honra do Conselho Editorial da RBPI
  • 60 anos em revista: A evolução da política internacional e a formação do mundo em que vivemos – Henrique Altemani de OIiveira, professor da Universidade Estadual da Paraíba – UEPB e representante do Conselho Editorial da RBPI

16h – Mesa Redonda – 60 anos em Revista – Inovação e renovação na publicação científica na área de Relações Internacionais no Brasil

  • Coordenação: Virgílio Arraes, professor do Departamento de História da Universidade de Brasília;
  • 60 anos em Revista – A trajetória da RBPI – Ministro Paulo Roberto de Almeida, diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais e editor-associado da RBPI
  • 60 anos em Revista – a  RBPI e a inovação na publicação científica na grande área de humanidades no Brasil – Antônio Carlos Lessa, professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília e editor-chefe da RBPI.

17h20min – Encerramento – Programação futura

  • Data e local: 7 de novembro de 2016, a partir das 14h30min, no Auditório do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (Campus Universitário Darcy Ribeiro, Asa Norte, Brasília – DF).
  • Será emitido certificado de participação. Inscrições podem ser feitas aqui.
  • Informações adicionais podem ser obtidas pelo e-mail secretaria@ibri-rbpi.org .

O Brasil como democracia falha, insuficiente, de baixa qualidade - Augusto de Franco

A tentação utópica
Augusto de Franco
DAGOBAH, NL 0030 - 05/11/2016
Dagobah.com.br

Esteve neste mês de outubro de 2016 no Brasil, para participar de um encontro sobre liberdade e democracia, o Vít Jedlicka, autonomeado presidente (ainda que se declare provisório) da Free Republic of Liberland, um país imaginário que pretende ser fundado em uma área territorial de 7 km quadrados, disputada entre a Sérvia e a Croácia. Vít quer fundar um país cuja forma de governo seja uma "república constitucional com elementos de democracia direta". Para tanto, além de reivindicar a área, já escreveu uma Constituição (provisória) e um conjunto de leis (idem). Também já confeccionou uma bandeira e um brasão de armas (ups!).

A despeito das boas intenções de Vít e das milhares de pessoas que se empolgaram com a proposta é improvável que a iniciativa seja democrática (no sentido de fazer avançar o processo de democratização). Não é da natureza da democracia surgir em experimentos planejados. A democracia surge pela primeira vez, na Atenas no século 5 AEC, como um movimento de desconstituição de autocracia (a tirania dos psistrátidas). E é reinventada no século 17 da nossa era também como um movimento de desconstituição do poder absoluto de Carlos I. Sim, a democracia é uma invenção, mas é preciso entender que essa surpreendente invenção política é... social! Ela surge nas redes de conversações entre pessoas concretas que vivem em sociedades concretas e que desejam não ter mais um senhor.

É explicável que as pessoas que gostariam de viver com mais liberdade procurem gestar novas formas de democracia. Mas não é razoável imaginar que isso possa ser feito artificialmente, construindo um país sem história e, sobretudo, erigindo para tanto um Estado. A grande vantagem da pólis democrática ateniense é que ela não era uma cidade-Estado (como as demais da sua época) e sim uma koinonia (comunidade) política. E o grande problema da democracia reinventada pelos modernos - a democracia representativa que conhecemos - foi ter que conviver com uma estrutura desenhada para a guerra: o Estado-nação, surgido da paz de Westfália.

Mas a questão é: se não vamos para um novo país, para onde vamos? Como escapar da forma Estado-nação que se universalizou? Não há como escapar do Estado-nação, que vige em cerca de 200 países. Não há países sociais, apenas países estatais. Examinemos, antes de tentar responder essas questões, o estado da democracia no mundo atual (2015).

A democracia no mundo

Os relatórios da Freedom House (FH) e da Economist Intelligence Unit (EIU) sobre a democracia no mundo em 2015 são congruentes (ainda que os critérios adotados e o universo de países considerados pelos dois centros de pesquisa sejam diferentes).

Para a Freedom House, devem ser considerados livres, com o grau máximo de Direitos Políticos e Liberdades Civis (1 | 1) os seguintes países (em ordem alfabética):

Alemanha
Andorra
Austrália
Áustria
Bahamas
Barbados
Bélgica
Canadá
Cabo Verde
Chile
Costa Rica
Chipre
Dinamarca
Eslováquia
Eslovênia
Espanha
Estados Unidos
Estônia
Finlândia
França
Holanda
Ilhas Marshall
Islândia
Irlanda
Itália
Japão
Kiribati
Liechtenstein
Lituânia
Luxemburgo
Malta
Micronésia
Nova Zelândia
Noruega
Palau
Polônia
Portugal
Reino Unido
República Checa
Saint Kitts and Nevis
Saint Lucia
São Vicente e Granada
San Marino
Suécia
Suiça
Tuvalu
Uruguai

Para a EIU, são democracias plenas (Full Democracies), considerando os indicadores adotados (Processo Eleitoral e Pluralismo, Funcionamento do Governo, Participação Política, Cultura Política e Liberdades Civis) os seguintes países (ordenados pelo overall score acima de 8):

Noruega
Islândia
Suécia
Nova Zelândia
Dinamarca
Suíça
Canadá
Finlândia
Austrália
Holanda
Luxemburgo
Irlanda
Alemanha
Áustria
Malta
Reino Unido
Espanha
Ilhas Maurício
Uruguai
Estados Unidos

Embora não se possa comparar rankings elaborados com critérios distintos, para efeitos demonstrativos um cruzamento dos países livres (FH) com as democracias plenas (EIU) e com as Flawed Democracies (com score acima de 7, também no relatório do EIU) geram a lista (até certo ponto aborrecidamente repetitiva) de países considerados "satisfatoriamente" democráticos (excluindo-se os países muito pequenos, como as ilhas e outros, com exceção de Malta e Chipre):

01. Alemanha ||
02. Austrália ||
03. Áustria ||
04. Bélgica |||
05. Cabo Verde |||
06. Canadá ||
07. Chile |||
08. Chipre |||
09. Costa Rica |||
10. Dinamarca ||
11. Eslováquia |||
12. Eslovênia |||
13. Espanha ||
14. Estados Unidos ||
15. Estônia |||
16. Finlândia ||
17. França |||
18. Holanda ||
19. Irlanda ||
20. Islândia ||
21. Itália |||
22. Japão |||
23. Lituânia |||
24. Luxemburgo ||
25. Malta ||
26. Noruega ||
27. Nova Zelândia ||
28. Polônia |||
29. Portugal |||
30. Reino Unido ||
31. República Checa |||
32. Suécia ||
33. Suíça ||
34. Uruguai ||

Na lista acima temos os países plenamente livres (FH), marcadas com duras barras verticais (||) as full democracies e com três barras verticais (|||) as flawed democracies (EIU) que se aproximam dos primeiros.

Sim, podemos dizer, em "cognição sumária" (hehehe, está na moda), que temos menos de 40 democracias (34) vigentes em Estados-nações que "deram certo". A constatação mais óbvia é que menos da metade da população mundial vive sob regimes livres e apenas 8,9% em democracias plenas. Na outra ponta, 34,1 (EIU) a 36% (FH) da população mundial vivem sob regimes autoritários ou não-livres (o que pode chegar a 2.611.399.627 de pessoas ou talvez mais).

A FH considera 195, enquanto que o EIU apenas 167 países (Estados-nações), mas essa diferença só incide sobre os pequenos países que excluímos para efeitos da presente comparação demonstrativa.

Para classificar regimes políticos (sem contrabandos introduzidos por variáveis contaminadas por indicadores sócio-econômicos) deveríamos adotar outros critérios, baseados em indicadores propriamente políticos de Liberdade, Eletividade, Publicidade (ou Transparência), Rotatividade (ou Alternância), Legalidade e Institucionalidade. O resultado, porém, não seria muito diferente, presume-se (a não ser que o número de autocracias seria um pouco maior: em vez dos 51 not-free countries da FH e dos, coincidentes apenas numericamente, 51 authoritarian regimes do EIU, teremos 60 autocracias: ditaduras mesmo, além de, talvez, mais de uma dezena de países em transição autocratizante, como Equador, Bolívia, Nicarágua e outros):

01. Afeganistão
02. Angola
03. Arábia Saudita
04. Argélia
05. Azerbaidjão
06. Barein
07. Belarus
08. Brunei
09. Burkina Faso
10. Burma (Mianmar)
11. Camarões
12. Camboja
13. Cazaquistão
14. Chade
15. China
16. Comoros
17. Congo (Kinshasa | Brazzaville)
18. Coréia do Norte
19. Costa do Marfim
20. Cuba
21. Djibuti
22. Egito
23. Emirados Árabes Unidos
24. Eritreia
25. Etiópia
26. Fiji
27. Gabão
28. Gâmbia
29. Guine
30. Guiné Equatorial
31. Guiné-Bissau
32. Irã
33. Jordan
34. Kuwait
35. Laos
36. Líbia
37. Madagascar
38. Marrocos
39. Nigéria
40. Omã
41. Palestina (Faixa de Gaza sob controle do Hamas)
42. Qatar
43. República Centro Africana
44. República Democrática do Congo
45. Ruanda
46. Rússia
47. Síria
48. Somália
49. Suazilândia
50. Sudão
51. Sudão do Sul
52. Tajiquistão
53. Togo
54. Turcomenistão
55. Turquia
56. Uzbequistão
57. Venezuela
58. Vietnam
59. Yemen
60. Zimbábue

Parece evidente que nenhuma experiência democrática mais avançada - em termos da usinagem de novos modelos políticos - poderia ser feita nestes 60 países da lista acima. E nem mesmo nos países em transição autocratizante (ou protoditaduras) - partly free (FH) e hybrid regimes e flawed democracies (EIU) - que se aproximam dos primeiros, como os países bolivarianos (Equador, Bolívia, Nicarágua, talvez El Salvador) e vários outros com índices insuficientes de democratização, sobretudo os países com Estados agigantados, como Brasil e Índia, ou países com cultura política estatista, fortemente influenciada pelo corporativismo ou que apresentem baixos níveis de capital social, como Argentina e Uruguai.

Estados intervencionistas se metem na vida dos cidadãos de tal modo que, na prática, acabam inviabilizando ou dificultando ensaios de novas formas mais democráticas de convivência social e de regulação política. Mesmo democracias quase plenas com forte presença do Estado (como a França) também não permitem a configuração de ambientes favoráveis à experimentação democrática inovadora. Além disso, até full democracies onde vigoram (ou vigoraram até recentemente) sistemas de proteção social (welfare states como Suécia, Dinamarca e Noruega ou democracias de "segunda leva", como Canadá, Austrália e Nova Zelândia) também perturbam o campo social: ainda que isso seja avaliado como benéfico pelos indicadores que são correntemente adotados (como os da FH e da EIU), a gravitatem do Estado como tronco gerador de programas verticalizadores costuma ser muito forte (a rigor não são social-democracias e sim estatal-democracias, excessivamente zelosas de seus modelos para permitir inovações no campo propriamente político).

É claro que democratizar a democracia em autocracias é muito mais difícil (seria como instaurar do zero ou quase uma democracia). Mas talvez não se deva excluir, em princípio, as flaweds democracies e os hybrid regimes (na classificação do EIU), o que aumenta consideravelmente a lista dos 34 países (obtida pelo cruzamento dos rankings de FH e EIU e publicada acima). Assim, teríamos, além daqueles já citados (com exceção de alguns que não são comuns aos dois levantamentos e retirando os países que classificamos como ditaduras ou autocracias) as seguintes flaweds democracies (ordenados pelo score do EIU):

Israel
Índia
Eslovênia
África do Sul
Lituânia
Chipre
Grécia
Jamaica
Latvia
Eslováquia
Timor Leste
Panamá
Bulgária
Trindade e Tobago
Polônia
Indonésia
Argentina
Brasil
Croácia
Gana
Filipinas
Hungria
Suriname
Tunísia
Servia
Romênia
República Dominicana
El Salvador
Mongólia
Colômbia
Lesoto
Peru
México
Hong Kong
Malásia
Sri Lanka
Moldávia
Paraguai
Namíbia
Zâmbia
Singapura
Senegal
Guiana
Papua Nova Guiné
Macedônia
Montenegro

E, com alguma boa vontade, os seguintes hybrid regimes:

Guatemala
Albânia
Georgia
Equador
Honduras
Bolívia
Bangladesh
Benin
Ucrânia
Mali
Tanzânia
Malawi
Quirguistão
Quenia
Nicarágua
Uganda
Tailândia
Liberia
Butão
Líbano
Madagascar
Bosnia e Herzegovínia
Nepal
Moçambique
Serra Leoa
Paquistão
Cambodja
Iraque
Armênia

Se excluirmos estes dois grupos (pelas razões já expostas acima), restariam apenas pequenos países que são (quase todos) full democracies, como mostra o arquipélago no espaço-tempo dos fluxos representado no mapa abaixo (atenção: não é um mapa geográfico e sim uma representação, para efeitos meramente demonstrativos, de possíveis conexões - segundo um padrão de rede distribuída - entre países que estão distantes espacialmente):


No mapa acima temos apenas os seguintes pequenos países, plenamente democráticos (segundo os critérios da FH e da EIU, quer dizer, da democracia representativa):

Andorra
Bahamas
Barbados
Cabo Verde
Chipre
Ilhas Marshall
Mauricio
Islândia
Kiribati
Liechtenstein
Luxemburgo
Malta
Micronésia
Palau
Santa Lúcia
São Vicente e Granadinas
São Marinho
Tuvalu

Se alguém quer tentar alguma experiência de "país social" mais democrático em um país estatal já existente, os exemplos acima podem ser mais promissores para a configuração de ambientes sociais favoráveis à geração de novos modelos.


Só que não

É tentador arrumar as malas e partir para um desses simpáticos países da última lista, sem dúvida. Todavia, há aqui um sério problema. A democracia não é um modelo de sociedade ideal. Mais democracia não corresponde a um modelo de sociedade mais ideal. A democracia só se realiza "dentro" de autocracias (ou como desconstituição de autocracia). Não é apenas que não haja para onde fugir. É que não se pode fugir. Fugir de resistir à autocracia é fugir da democracia.

A democracia é constituída por atos singulares e precários, imperfeitos, sujos e curvos, pelos quais resistimos à autocratização. Tentar escapar da deplorável situação atual animando as pessoas com esperanças vãs em torno de qualquer causa que prometa novos céus e nova terra, não é assumir a democracia. A democracia não é - nunca foi e nunca é demais repetir - um projeto de sociedade futura ideal: é o resultado dos pequenos gestos de desconstituição das dinâmicas autocráticas e dos seus correspondentes padrões de organização hierárquicos nas menores ações do instante presente.

De certo modo estamos diante da tentação de Platão ao fugir para Siracusa. Ou da tentação de todas as utopias. Todas as utopias são autoritárias. A democracia não é, como se acredita, uma utopia da política. É o oposto: a política é a utopia da democracia, pois o que a democracia quer é apenas que as pessoas com-vivam como seres políticos, autorregulando os seus conflitos.

É igualmente tentador inventar um país. O diabo é quando essa invenção é apenas uma reprodução da forma Estado-nação, como parece estar acontecendo com a proposta de Liberland. Porque não são as novas ideias, nem as novas leis, que determinarão um novo comportamento coletivo e sim o modo como as pessoas interagem (e regulam seus conflitos), que está, por sua vez, ligado por múltiplos laços de condicionamento recíproco com o padrão de organização que adotam. Não basta ter uma constituição libertária para ter uma comunidade cujo modo-de-vida seja libertário. Liberland lembra a triste história da Libéria, um país fundado e colonizado por escravos americanos libertos com a ajuda de uma organização privada no início dos anos 20 do século 19, que depois foi palco de ditaduras e guerra civil.

É inútil buscar uma sociedade mais harmônica e um outro mundo melhor (simplesmente porque não há mais um -- único -- mundo em termos sociais). Isso significa que, do ponto de vista da democracia, também é inútil gerar um novo modelo a partir de qualquer usinagem planejada, baseada em alguma engenharia social. Isso é próprio das iniciativas autoritárias, como o fascismo (não é bom esquecer das ideias de Filippo Tommaso Marinetti, compradas, em parte, por Mussolini), o nazismo, o stalinismo, o maoismo e todos as iniciativas estatistas de transformar as pessoas em objetos que replicam padrões autocráticos.

Agora serão muitos mundos (no plural). Estamos nos aproximando rapidamente daquele cenário imaginado por Bruce Sterling (1989) no romance Islands in the Net. Estamos vagando num grande oceano, ora aportando em uma ilha, ora evitando se acercar de outra, ora fugindo mesmo dos seus belicosos habitantes.

Sim, existirão ilhas na rede, mas não serão necessariamente as ilhas (stricto sensu) e os pequenos países da lista e da ilustração acima. Ademais, essas ilhas não serão fixas, algumas serão como bolhas e só poderemos ficar nelas durante um tempo, antes que espoquem.

As ilhas são clusters de pessoas: alguns serão democráticos e inovadores, outros conservadores, e outros, ainda, retrógrados, autocráticos, quando não perversos (ninhos de jihadistas, religiosos ou laicos, de esquerda ou de direita). Elas poderão ser configuradas nos mais diferentes lugares (ainda que seja mais difícil ensaiá-las - como um experimento - nas 60 ditaduras e nos países com graus insuficientes de democratização, o espírito democrático talvez possa se manifestar com mais vigor justamente nesses países).

Mas -- eis a nova esperança: de Star Wars, sem war -- ninguém (nenhum cluster) terá mais a hegemonia (sobre outros clusters) de suas visões (ainda bem), nem supremacia conquistada pela força, nem arrebanhamento pelo convencimento.

Não adiantará para nada debater: não é assim que a coisa funciona agora. Nos desculpem Joahannah (Arendt) e Jürgen (Habermas), mas John (Dewey) tinha razão. A formação democrática da vontade política terá mais como fonte originária a cooperação voluntária, com a convergência comunal de desejos pessoais para contender com um problema ou realizar um projeto, do que a liberdade individual de opinar protegida da interferência do Estado (segundo a visão liberal) ou do que o reino público constituído pela argumentação discursiva (segundo as visões do republicanismo político e do procedimentalismo democrático).

Com o aumento vertiginoso da interatividade, as pessoas se sintonizarão num glance, num blink. Ou não. Quando se sintonizarem, podem conseguir sinergias para serem carregadas juntas por um tempo pelo fluxo interativo da sua convivência social e podem conseguir reconfigurar seus ambientes e "é o ambiente que muda as pessoas, não a tecnologia": obrigado Marshall (McLuhan).

É até possível que, assim, se produzam simbioses que deem origem a novas pessoalidades (e daí nasçam novos mundos-bebês).

Vamos ter que aprender a abrir mão de buscar qualquer consenso: ou aprendemos a trabalhar com ecologias de diferenças coligadas, ou as democracias imaginadas não vão se concretizar como o que devem ser: avanços no processo de democratização.

ESTE ARTIGO É PARTE DE UMA ANÁLISE PROFUNDA DISPONÍVEL AOS ASSINANTES. PARA RECEBER O ARTIGO COMPLETO E OS COMENTÁRIOS DE AUGUSTO DE FRANCO EM VÍDEO,
ASSINE DAGOBAH - INTELIGÊNCIA DEMOCRÁTICA.

VEJA NOSSOS DESTAQUES
Platão em Siracusa: ­a Conversão do Tirano
Profa. Dra. Gilda Naécia Maciel de Barros Revista Internacional d´Humanitats 10 CEMOrOC­Feusp / Núcleo Humanidades­ESDC / Univ. Autónoma de Barcelona [...]
A terceira invenção da democracia
Texto publicado em janeiro de 2013 "¿Qué sucedió con los gobiernos? Según la tradición fueron cayendo gradualmente en desuso. [...]

Falacias academicas: ensaios sobre alguns mitos persistentes (draft book, 2010) - Paulo Roberto de Almeida

No decorrer da década passada, quando eu ainda colaborava com uma revista eletrônica tipicamente acadêmica (com tudo o que isso representa do que cada um pode imaginar), eu encontrava dezenas de exemplos de argumentos factualmente errados, ou seja, sem base empírica, tantos outros artigos sem qualquer consistência histórica, sem coerência lógica, para não dizer equivocados, no meio de um oceano de conceitos vagos, mas sempre recheados por aqueles inevitáveis: classes sociais, burguesia, dominação, hegemonia, imperialismo, exploração, neoliberal, financeirização, inclusão social, espaços de políticas públicas, e por aí vai.
Atraído por essa extraordinária falta de precisão (sendo generoso), comecei a redigir uma série a que dei o nome de
Falácias Acadêmicas
para bem especificar do que eu estava falando.
Escrevi mais de uma dezena delas, ao sabor do momento, sempre provocado por uma dessas falácias que eu encontrava em minhas leituras.
Acho que já confessei -- mas talvez não devesse -- que tenho alergia à burrice.
Não a dos ignorantes legítimos, claro, daqueles que nunca tiveram oportunidade de estudar, por falta de meios, condição social, essas coisas tristes que acontecem na vida daqueles que alguns chamam, até depreciativamente, de classes subalternas, e que os marquetólogos colocam nas categorias D e E (e que os companheiros pensavam ascender à classe C, com os resultados que se sabe).
Eu me refiro à ignorância deliberada daqueles bem informados, e de todos aqueles que dispõem de todos os meios para se informar corretamente, mas que ainda assim insistem em se colocar do lado da burrice, quando não da estupidez.
Isso é mais comum do que se pensa, sobretudo nos meios acadêmicos.
Foi por isso que comecei a escrever a minha série.
Quando deixei de colaborar com a revista em questão -- acho que me excluiram, pois eu andava contestando demais certos colegas, incomodando, enfim -- reuni todas as minhas "falácias" (na verdade as deles) e fiz uma postagem em meu antigo site, que ainda é o mesmo -- pralmeida.org -- mas com outro provedor, contendo todas as publicadas, linkando-as devidamente ao original.
Depois resolvi compor um livro, revisando cada uma, reescrevendo, preparando prefácio e posfácio. Juntei tudo, organizei, e me preparei para reescrever e completar.
Devido ao acúmulo de trabalhos, nunca empreendi tal obra, que ficou parada nos últimos seis anos.
Como não faz mais sentido retomar as "velhas" falácias, e sim cabe falar das novas, inclusive porque os companheiros já se foram e deixaram vasto material para compor novas e revisar as velhas, resolvi divulgar em formato de rascunho de livro (draft book) esses velhos textos, e deixar tudo para a crítica roedora dos ratos, como já disse alguém.
Aqui o titulo do livro e seu respectivo link:
Falácias Acadêmicas: ensaios sobre alguns mitos persistentes
(http://www.academia.edu/29701444/Falacias_Academicas_ensaios_sobre_alguns_mitos_persistentes_draft_book_2010_)
Aqui abaixo a série original (com links que podem ou não funcionar) e os projetos de outras falácias que nunca foram escritas.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 6 de novembro de 2016

Falácias acadêmicas: a série
(ensaios publicados e sugestões futuras)
Paulo Roberto de Almeida
(www.pralmeida.org)
Atualizado em 21 de Agosto de 2011; revisto em 10/05/2013

Lista dos ensaios já elaborados e publicados: (Em preparação)

16) Falácias acadêmicas, 16: ???? (surprise...).

15) Falácias acadêmicas, 15: o modo repetitivo de produção do marxismo vulgar no Brasil, Brasília, 26 junho 2011, 15 p. Discussão das mistificações cometidas contra o marxismo pelos repetidores de slogans superficiais. Espaço Acadêmico (ano 11, n. 122, julho 2011, p. 111-122). Relação de Publicados n. 1040. 

14) Falácias acadêmicas, 14: o mito do colonialismo como causador de subdesenvolvimento, Shanghai, 9 maio 2010, 19 p. Continuidade da série, abordando o fenômeno do colonialismo como indutor de progresso e avanços materiais (e até sociais) nas sociedades dominadas. Relação de Originais n. 2140. Espaço Acadêmico (vol. 10, n. 109, junho 2010, p. 12-26). Relação de publicados n. 972.
[O livro composto em 2010 só integra os textos abaixo, faltando os dois de cima]
13) Falácias acadêmicas, 13: o mito do socialismo de mercado na China, Brasília, 17 setembro 2009, 12 p. Continuidade do exercício serial, com abordagem  da experiência chinesa em matéria de transição renovada ao capitalismo. Espaço Acadêmico (ano 9, n. 101, outubro 2009; ISSN 1519-6186, p. 41-50).
12) Falácias acadêmicas, 12: o mito da exploração capitalista, Brasília, 26 agosto 2009, 11 p. Continuidade do exercício serial, contestando o caráter nocivo da exploração, tanto do homem pelo homem, quanto das sociedades pobres pelas ricas. Espaço Acadêmico (ano 9, n. 100, setembro 2009, p. 142-150).
11) Falácias Acadêmicas 11: o mito da transição do capitalismo ao socialismo, Brasília, 26 julho 2009, 20 p. Continuidade do exercício serial, com estudo sobre o processo de transição do socialismo ao capitalismo, com base nas experiências chinesa e soviética, aproveitando o trabalho 158.
10) Falácias acadêmicas, 10: mitos sobre o sistema monetário internacional, Brasília, 23 junho 2009, 9 p. Décimo artigo da série especial, sobre a fragilidade das recomendações pretensamente keynesianas a partir da crise econômica internacional. Espaço Acadêmico (vol. 9, n. 98, julho 2009, p. 15-21). 2019.
9) Falácias acadêmicas, 9: o mito do socialismo do século 21, Brasília, 24 maio 2009, 17 p. Nono artigo da série especial, desta vez sobre as loucuras econômicas de certos conselheiros do príncipe. Espaço Acadêmico (vol. 9, n. 97, junho 2009, p. 12-24). 2009.
8) Falácias acadêmicas, 8: os mitos da utopia marxista, Brasília, 3 maio 2009, 15 p. Continuidade da série proposta, enfocando os principais equívocos do pensamento marxista nos campos do materialismo histórico e da análise econômica. Espaço Acadêmico (n. 96, maio 2009; arquivo em pdf). 2002.
7) Falácias acadêmicas, 7: os mitos em torno do movimento militar de 1964, Brasília-Rio de Janeiro, 20 março 2009, 23 p. Continuidade do exercício, tocando no maniqueísmo construído em torno do golpe ou da revolução de 1964, condenando a historiografia simplista que converteu-se em referência nos manuais didáticos e paradidáticos. Espaço Acadêmico (n. 95, abril 2009); Espaço da Sophia (n. 26, maio 2009). 1990
6) Falácias acadêmicas, 6: o mito da Revolução Cubana, Brasília, 1 de março de 2009, 17 p. Continuidade do exercício, tocando nos problemas do socialismo em Cuba. Espaço Acadêmico (n. 94, março 2009; arquivo em pdf). 1986.
5) Falácias acadêmicas, 5: o mito do complô dos países ricos contra o desenvolvimento dos países pobres, Brasília, 21 janeiro 2009, 11 p. Continuação da série, tratando desta vez das teses do economista Ha-Joon Chang. Espaço Acadêmico (n. 93, fevereiro 2009; arquivo em pdf); 197
4) Falácias acadêmicas, 4: o mito do Estado corretor dos desequilíbrios de Mercado, Brasília, 15 novembro 2008, 12 p. Da série programada, com críticas a economistas keynesianos. Espaço Acadêmico (n. 91, dezembro 2008; arquivo em pdf); 195
3) Falácias acadêmicas, 3: o mito do marco teórico, Buenos Aires-Brasília, 30 setembro 2008, 6 p. Da série programada, com algumas criticas a filósofos famosos. Espaço Acadêmico(n. 89, outubro 2008; arquivo em pdf); 1931
2) Falácias acadêmicas, 2: o mito do Consenso de Washington, Brasília, 3 setembro 2008, 16 p. Considerações em torno dos equívocos conceituais, históricos e empíricos de setores acadêmicos com respeito ao CW. Espaço Acadêmico (n. 88, setembro 2008; arquivo em pdf); 1922.
1) Falácias acadêmicas, 1: o mito do neoliberalismo, Brasília, 26 julho 2008, 9 p. Considerações em torno de equívocos conceituais, históricos e empíricos de acadêmico selecionado para avaliação crítica. Espaço Acadêmico (n. 87, agosto 2008; arquivo em pdf); 1912.

Proposta parcial de temas para ensaios a serem elaborados gradualmente:
(sem nenhuma ordem específica programada)

O mito da especulação
O mito da deterioração dos termos do intercâmbio
O mito do desenvolvimentismo
O mito da mão invisível do mercado
O mito da mão visível do Estado
O mito da volatilidade financeira
O mito da concentração capitalista
O mito das crises terminais do capitalismo
O mito da reforma agrária
O mito do distributivismo
O mito do igualitarismo
O mito da justiça social
O mito do freudismo
O mito da objetividade acadêmica
Uma teoria das falácias acadêmicas
(sugestões são sempre bem-vindas...)

Primeira elaboração desta lista de sugestões: 
Buenos Aires, 30.09.2008

sábado, 5 de novembro de 2016

Os mandarins da republica que estao destruindo a Republica, e a Nacao - Reinaldo Azevedo

Há muito tempo que eu digo que o Brasil é um país fascista, ou, ao menos, dominado por corporações privatizantes do Estado (das quais eu não excluo o Serviço Exterior).
São essas corporações, na sua sanha extrativa (dos recursos da coletividade) que estão afundando os orçamentos públicos, e com isso inviabilizando qualquer gestão racional desses escassos recursos (por definição) e obstando ao crescimento da prosperidade geral dos cidadãos (ou seriam eles apenas súditos de um Estado extrator?).
Fizemos progressos, é verdade. Desde os tempos em que Raymundo Faoro (um fundador equivocado do PT, mas que teria certamente assinado o pedido de impeachment de Madame Pasadena, com Hélio Bicudo, outro fundador do partido degenerado), desde os tempos em que esse jurista proclamava que um dos males do Brasil era a preservação do velho patrimonialismo português, as corporações (políticos e burocratas) fizeram progressos na construção de um patrimonialismo weberiano, ou seja, aparentemente moderno, modernoso e moderninho (a partir da era Vargas e sob o regime militar), mas no fundo preservando as oligarquias, os donos do poder, os coroneis atualizados, os manda-chuvas de sempre.
Continuamos a fazer progressos, vejam vocês, especialmente a partir de 2003, quando o velho patrimonialismo português insepulto, e o novo patrimonialismo corporativo da era varguista se transformaram, por obra e graça do nosso peronismo de botequim, num patrimonialismo de tipo gangsterista, perfeitamente mafioso no fundo e na forma.
Lewandowski é exatamente o representante desse patrimonialismo gangsterista dentro da corporação dos magistrados, aqueles mesmos magistrado que representam, para Faoro, o cerne do patrimonialismo tradicional.
Estou quase aderindo à teoria circular de Arnold Toynbee para explicar como é que nós demos tantas voltas para chegar no mesmo lugar, ou pior...
Paulo Roberto de Almeida

Aí não dá, Lewandowski! Falta decoro! Falta pudor!
Reinaldo Azevedo,  04/11/2016
Ministro do Supremo resolve se comportar como líder da CUT em encontro de magistrados. É o fim da picada!

Se alguém me perguntar o que mais me irrita na vida pública brasileira além da roubalheira, da incompetência, da desídia — essas coisas que irritam toda gente —, a minha resposta será esta: a falta de decoro. As autoridades brasileiras, com raras exceções, estão perdendo qualquer senso de solenidade — muito especialmente a solenidade do cargo que ocupam. É um dos aspectos que admiro no presidente  Michel Temer: encarna o que me parece ser a correta neutralidade do estado. “Ah, ninguém é neutro etc. e tal…” Eu sei. Mas deixemos isso para ser decodificado por analistas, cientistas sociais, críticos profissionais, jornalistas… Que a autoridade se esforce!

Infelizmente, não é o que temos visto. O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo, comportou-se muito mal nesta quinta na abertura, em Porto Seguro, do 6º Encontro Nacional de Juízes Estaduais, que é realizado a cada três anos pela AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros). Ah, sim: com direito a show de Ivete Sangalo e Diogo Nogueira. Tá certo… Não faria muito sentido um encontro de magistrados, sei lá, na periferia de Salvador, de São Paulo ou do Rio, onde estão os que têm fome de Justiça, certo? Pareceu demagógico? Só estou evidenciando como é fácil fazer demagogia, outra das práticas corriqueiras no Brasil que me causam asco.

Pois bem! Lá estava o ministro do Supremo, certo? Um dos 11 varões e varoas de Plutarco da República. O único discurso que lhe cabe é o institucional. A única coisa aceitável é falar dos consensos que nos unem. Até os dissensos devem ser guardados para a Corte. A única tarefa de quem presidiu o Supremo até outro dia era falar em favor do povo brasileiro.

Mas não foi isso o que fez Lewandowski. A voz que se ouviu era a de um militante sindical, e do tipo que carrega no sotaque cutista. Disse ele, diante da categoria que compõe a elite salarial do Brasil, sobre a reivindicação dos magistrados por aumento de vencimentos: “Não há vergonha nenhuma nisso, porque os juízes, no fundo, são trabalhadores como outros quaisquer e têm seus vencimentos corroídos pela inflação (…). Condomínio aumenta, IPTU aumenta, a escola aumenta, a gasolina aumenta, o supermercado aumenta, e o salário do juiz não aumenta? E reivindicar é feio? É antissocial isso? Absolutamente, não”.

Foi aplaudido com entusiasmo. Ele tinha mais a declarar:

“Para que possamos prestar um serviço digno, é preciso que tenhamos condições de trabalho dignas e vencimentos condizentes com o valor do serviço que prestamos para a sociedade brasileira”.

Não quero parecer amargo, mas, se o brasileiro pobre fosse convidado a dizer quanto vale, na média, o serviço da Justiça, as palavras poderiam não ser as mais doces.

Notem: é claro que acho que juízes têm o direito de reivindicar reajuste de salário e que defendo que tenham vencimentos dignos. E eles têm! Mas disso devem cuidar as múltiplas associações de magistrados. As há mais no Brasil que queijos na França. É de um ridículo ímpar que um ministro do Supremo vá falar como líder de corporação.

Mais: é claro que ele sabe o peso dessas palavras num momento em que se discute a MP 241. Parece que Lewandowski está expressando uma opinião política, não? Ele sabe que também o Judiciário vai ter de lidar com algo que lhe era estranho: teto de gastos. Um ministro do Supremo tem a obrigação moral de falar para pacificar a nação e as contendas, não para exacerbá-las. Um ministro do Supremo não pode ter grupo.  Nem lado.

Que os senhores da AMB e os presentes se manifestassem nesses termos, vá lá. Que o homem que compõe a cúpula de um Poder, que ele próprio presidiu até outro dia, resolva discursar como sindicalista, bem, aí não dá.

Falta decoro.
Falta pudor.

A Rainha (Elizabeth I) e o Sultão (Murad III): uma estranha amizade - Delanceyplace

Today's selection -- from The Sultan and the Queen by Jerry Brotton.

After Queen Elizabeth I's father, King Henry VIII, split from the pope and started the Church of England, the king was excommunicated and England was largely cut off from trade with the Catholic nations. When Elizabeth continued her father's church policies, she suffered the same consequences. The result of this embargo was that England needed trade with the Islamic countries. And when the Turkish Sultan demanded that Elizabeth show deference to him in order to do so, she was clever enough to comply:

"Toward the end of September 1579, a letter arrived in London addressed to Queen Elizabeth I of England. Wrapped in a satin bag and fastened with a silver capsule, the letter was an object of exquisite beauty, unlike any other diplomatic correspondence the queen had ever received. It was written on a large parchment roll dusted with gold and dominated by an elaborate calligraphic monogram and emblazoned with a flourish across the top. The letter was composed in Ottoman Turkish, a stylized Arabic script that was used in all formal correspondence by its sender, the thirty-three-year-old Ottoman sultan Murad III. This was the very first communication between a Turkish sultan and an English ruler. It was written in response to the arrival in Constantinople that spring of an English merchant, William Harborne, who had requested commercial privileges for his country superior to those that had thus far been awarded to any other Christian nation by the Ottomans.

"It had taken six months for the letter to make its way from Constantinople to London, where it was presented to the queen alongside a Latin translation prepared by an imperial scribe. The letter followed the standard conventions of an Ottoman hukum, a written order to a subject, and was addressed as a direct 'Command to Elzābet, who is the queen of the domain of Anletār,' Murad told Elizabeth that he had been informed of the arrival of her 'traders and merchants of those parts coming to our divinely protected dominions and carrying on trade.' He issued an edict that if 'her agents and merchants shall come from the domain of Anletār by sea with their barks and with their ships, let no one interfere.' As long as this queen from a faraway country was prepared to accept Murad's superiority and to function as his subject, he would be happy to protect her merchants.

"Elizabeth responded quickly. The opening of her letter, dated October 25, 1579, was as revealing as Murad's. The queen began by describing herself as:

Elizabeth by the grace of the most mighty God, the only Creator of heaven and earth, of England, France and Ireland Queen, the most invincible and most mighty defender of the Christian faith against all kind of idolatries, of all that live among the Christians, and falsely profess the name of Christ, unto the most imperial and most invincible prince, Zuldan Murad Chan, the most mighty ruler of the kingdom of Turkey, sole and above all, the most sovereign monarch of the East Empire, greeting, and many happy and fortunate years.

"Elizabeth was eager to boast of her own imperial aspirations -- although it was stretching credulity to suggest she was queen of France -- and to assure Murad that she shared his antipathy toward Catholic 'idolatry' and those 'falsely' professing Christ. But her main interest was in establishing a commercial relationship with the Ottomans, even if it meant having to write from a position of subjection:

Most Imperial and most invincible Emperor, we have received the letters of your mighty highness written to us from Constantinople the fifteenth day of March this present year, whereby we understand how graciously, and how favorably the humble petitions of one William Harborne a subject of ours, resident in the Imperial city of your highness presented unto your Majesty for the obtaining of access for him and two other merchants, more of his company our merchants also, to come with merchandizes both by sea & land, to the countries and territories subject to your government, and from thence again to return home with good leave and liberty, were accepted of your most invincible Imperial highness.


"This was the start of a cordial seventeen-year-long correspondence between the sultan and the queen that marked the beginning of one of history's more unlikely alliances. For the wily Protestant queen who had already held on to her crown for twenty-one years in the face of implacable Catholic opposition to her rule, it was yet another shrewd move designed to ensure her political survival.

"Ever since Elizabeth's excommunication by Pope Pius V in 1570, Europe's Catholic powers had offered English merchants only limited commercial access to their ports and cities. In response to the growing economic crisis that ensued, a group of merchants came together and proposed to explore, with the queen's blessing, the possibility of direct trade with the fabled lands to the east."
The Sultan and the Queen: The Untold Story of Elizabeth and Islam

A educacao de Mauricio Tragtenberg: homenagem a um grande mestre - Paulo Roberto de Almeida (2002)

Como indiquei na postagem imediatamente anterior (neste link), fui aluno, talvez discípulo, certamente amigo do grande mestre Mauricio Tragtenberg.
A despeito da admiração que eu sinceramente sentia pelo grande professor e orientador que foi Tragtenberg, um exemplo para todos nós pela sua coragem e honestidade intelectual, nunca deixei de seguir suas recomendacões primárias: leiam, leiam, leiam, se informem, pensem, reflitam.
E nunca deixei de seguir suas outras recomendações: sempre leiam com espírito crítico, observem a realidade e tirem suas próprias conclusões.
Foi o que sempre fiz, inclusive com respeito ao pensamento do mestre.
Como muitos outros acadêmicos brasileiros, ou de qualquer parte, sobretudo os das humanidades, ele era um anticapitalista, um socialista, mas não da vertente stalinista, ou trotsquista (ainda que reconhecesse que os segundos eram mais inteligentes do que os primeiros), mas sim da vertente libertária, anarco-libertária, eu diria.
Ainda assim, ele tinha seus traços marxistas, que era o de acreditar numa economia planificada, na auto-organização dos trabalhadores, e na superação do capitalismo.
Com base em suas aulas, eu sai do Brasil, continuei a ler, mas sobretudo observei o mundo, e fui conhecer todos os socialismos, reais, surreais, esquizodrênicos.
E cheguei às minhas próprias conclusões, e elas eram simples, como eu disse ao mestre:
Eu conheci o socialismo e constatei que ele não funciona. E além do mais é um regime de opressão.
Simples assim.
Tragtenberg continuou socialista, ou melhor, anarco-libertário, até sua morte, pois reconheço que não é fácil se desvencilhar de determinadas ilusões, sobretudo essas que anunciam alternativas melhores do que o velho e duro capitalismo.
Enfim, independente disso, o mestre era um grande leitor, e fui educado, em certa medida, por ele. Pelo menos fui ler muitos dos livros ou autores que ele recomendava.
Por isso mesmo escrevi uma homenagem a ele neste meu artigo que pode ser lido como uma nota biográfica a dois.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 5 de novembro de 2016

910. “A educação de Maurício Tragtenberg (depoimento pessoal sobre um método político-pedagógico)”, Washington, 16 junho 2002, 22 p. Homenagem pessoal ao grande mestre e amigo. Revisto com base em comentários de Antônio Ozaí da Silva, incorporados em segunda versão de 10.07.02. Publicado na revista eletrônica Espaço Acadêmico (Maringá, a. II, n. 15, agosto 2002, http://www.espacoacademico.com.br/015/15pra.htm). Disponível na plataforma Academia.edu (http://www.academia.edu/29679088/910_A_educacao_de_Mauricio_Tragtenberg_depoimento_pessoal_sobre_um_metodo_politico-pedagogico_2002_). Relação de Publicados n. 351.

A editora da Unesp está publicando alguns de seus livros:
http://editoraunesp.com.br/blog/homenagem-a-mauricio-tragtenberg-
https://www.facebook.com/editoraunesp/posts/1463722260311364

A grande ilusão do socialismo e dos socialistas: Mauricio Tragtenberg - Paulo Roberto de Almeida (2010)

Ao ler algumas recentes homenagens ao velho mestre -- que foi também o meu, que o admirava por sua independência de pensamento, suas vastas leituras -- e informações sobre a republicação de algumas de suas obras, lembro-me que produzi, muitos anos atrás, um texto sobre nossa relação intelectual que também era uma homenagem a Mauricio Tragtenberg, mas que não deixava de assinalar os elementos utópicos de seu pensamento.
Esse artigo, bem longo, se chamava "A educação de Mauricio Tragtenberg", que vou recuperar para indicar o link de sua leitura.
Alguns anos depois, com um outro discípulo do mestre, e editor da revista Espaço Acadêmico, Antonio Ozai, homenageando Tragtenberg num pequeno artigo da revista, resolvi escrever novamente sobre ele, um pequeno artigo que posso reproduzir abaixo.
Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 5/11/2016


A grande ilusão do socialismo e dos socialistas - Mauricio Tragtenberg

Paulo Roberto de Almeida
terça-feira, 7 de setembro de 2010

Fui aluno, talvez discípulo, mas certamente amigo de Maurício Tragtenberg, com o qual convivi em meus anos de formação acadêmica. Dele obtive a melhor inspiração de leituras e reflexões, como ocorreu com tantos outros jovens que também foram seus alunos e que com ele conviveram dos anos 1960 aos 1990, nas diversas escolas e faculdades em que ele lecionou. Como todos, eu tinha o maior respeito pelo mestre, pelas suas aulas e ensinamentos, o que não quer dizer que acatei totalmente suas ideias e concepções.
No começo, sim, tendíamos a concordar com ele, pois éramos todos socialistas, quase todos marxistas, alguns libertários, como ele, o que não era difícil no ambiente universitário daqueles tempos – talvez mesmo hoje –, ainda mais no contexto da ditadura militar vivida pelo Brasil dos anos 1960 aos 80.
Estas rememorações me vieram à mente ao ler uma resenha feita por Antonio Ozaí na Espaço Acadêmico de setembro de 2010. Destacou ele um trecho de um dos livros – o qual já tinha lido em edição anterior – agora reeditado graças aos esforços de seus seguidores, alunos, discípulos. Assim reza o trecho:

"É pela socialização dos meios de produção controlados pela classe operária organizada em suas organizações diretamente representativas, que é possível efetuar-se a passagem de uma sociedade liberal capitalista a uma sociedade planificada, evitando o capitalismo de Estado e o totalitarismo, conservando as liberdades básicas do homem."
In: Mauricio Tragtenberg: O capitalismo no século XX (2ª. ed. revisada e ampliada. São Paulo: Editora UNESP, 2010; Coleção Maurício Tragtenberg, 186p.), p.170-171.

Ao ler esse trecho, constato que nesses poucos argumentos estão resumidos, de forma muito transparente, a grande tragédia do socialismo e dos socialistas, incluindo, portanto, o próprio Mauricio Tragtenberg. Rememoro meu último encontro com ele, exatamente como ocorreu, e depois retomo o argumento substantivo.
Fui visitar Mauricio Tragtenberg em sua casa, em meados dos anos 1980, depois de longos oito anos de intervalo, ao ter voltado de minha segunda estada na Europa, e depois de ter conhecido praticamente todos os socialismos reais, aliás, os únicos existentes. Tinha também conhecido um socialismo “surreal’ na Iugoslávia, a última réstia de esperança para aqueles que, como ele, valorizavam não o socialismo burocrático, centralizado, mas a sua vertente auto-gestionária, supostamente mais benigna ou pretensamente mais “funcional” (já que seria isento dos pecados do excesso de centralismo e de burocratismo estatal).
De forma puramente factual, pude confirmar, para decepção do velho mestre, que, em qualquer da modalidades, o socialismo não funcionava como modo de produção econômica, e menos ainda como forma de organização social. O sistema simplesmente não conseguia fornecer à população bens de uso corrente (esqueçamos produtos mais sofisticados), na quantidade e na qualidade requeridas
Se formos, então, analisar seu desempenho na área política, e nessa vertente a questão crucial das liberdades, seria forçoso concluir que TODAS as experiências socialistas redundaram em fracassos absolutos, já que todas elas recorreram à mais violenta das tentativas de remodelação social conhecidas na história, e todas conduziram a sistemas autoritários, quando não totalitários, e a uma opressão ainda maior do que aquela existente nos antigos sistemas feudais ou capitalistas.

Portanto, ao reler o velho mestre, nas linhas selecionadas na resenha, que acreditava que seria:

“...possível efetuar-se a passagem de uma sociedade liberal capitalista a uma sociedade planificada, evitando o capitalismo de Estado e o totalitarismo, conservando as liberdades básicas do homem

o que eu teria a dizer-lhe, novamente – e que já tinha dito diretamente a ele, em minha volta do socialismo – seria que, NÃO, infelizmente, essa passagem não é possível, pois NENHUMA sociedade planificada centralmente, no sentido socialista – ou seja, sem garantir a propriedade privada dos meios de produção – JAMAIS conseguiu preservar as liberdades básicas do homem.

Sorry, velho mestre, mas a História não esteve consigo, nesse particular, ou seja, não caminhou no sentido desejado por tantos libertários e outros sonhadores socialistas. Não se trata de falhas teóricas dos socialistas ou de incapacidade organizacional de seus movimentos de massa, e sim de impedimentos estruturais que têm a ver com as prescrições formuladas para a organização econômica da sociedade, de uma contradição primária, como diriam os “sábios” da academia soviética.
Tudo isso não me impede de saudar a enorme erudição do mestre, agradecer-lhe, sempre, as inúmeras lições intelectuais que recebi dele, as infinitas recomendações bibliográficas e de leitura, e aquele fino gosto pela ironia que era a marca registrada de Mauricio Tragtenberg.
Grato por tudo, velho mestre, mesmo estando do outro lado do processo histórico, do lado da utopia, esta era formulada com a melhor das intenções, e você foi um homem verdadeiramente digno, honesto intelectualmente, uma personalidade admirável. Minha homenagem a um educador exemplar.

Paulo Roberto de Almeida
(Shanghai, 8 de setembro de 2010)