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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

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domingo, 20 de dezembro de 2020

IMBECIL, imbecis - José Horta Manzano

Eu já disse que tenho alergia à burrice, não à ignorância dos ingênuos, mas à estupidez daqueles que poderiam não ser imbecis, pois dispõem de todos os meios para se informar e que ESCOLHEM ser imbecis.

Paulo Roberto de Almeida

IMBECIL

JOSÉ HORTA MANZANO


… Em francês, até o século 18, imbécil conservava o significado latino de pessoa fraca de corpo. Aos poucos, foi adquirindo o sentido de fraco de inteligência…

O adjetivo imbecil existia em latim sob a forma imbecillus. Na língua dos romanos, seu significado era diferente do que lhe atribuímos hoje. Era usado para indicar fraqueza de corpo. Em vários textos de Cícero, o adjetivo aparece como qualificativo de homem: homo imbecillus = indivíduo fisicamente diminuído.

É daquelas palavras órfãs que não parecem pertencer a nenhuma família. Sua origem é controversa. Alguns cogitam que talvez pudesse ser formada pela partícula in + becillum, uma forma alterada de bacillum, diminutivo de baculum (bastão). Se assim fosse, a palavra imbecil evocaria a imagem do indivíduo que se move apoiado num bastão. Apesar de simpática, a explicação não é geralmente aceita.

Em francês, até o século 18, imbécil conservava o significado latino de pessoa fraca de corpo. Aos poucos, foi adquirindo o sentido de fraco de inteligência.

Dado que o burro é um animal simpático (e não mais burro que uma galinha, um sapo ou uma girafa), me dói chamar de burro um indivíduo pouco inteligente. Prefiro imbecil, termo que evoluiu até tornar-se hoje perfeito para designar pessoa com forte déficit de inteligência.

Ainda ontem, pela enésima vez, doutor Bolsonaro avisou que não tomará a vacina contra a covid, seja ela qual for. Logo ele, que tem a pretensão de tornar-se nosso guia!

Seu universo mental é limitado e não lhe permite enxergar a realidade como ela é. Não se dá conta de que sua ostensiva resistência à vacinação vai influenciar boa parte dos cidadãos, que acabarão fugindo da imunização. E os não-vacinados continuarão a infectar-se entre si, prolongando a duração da pandemia. E a economia continuará sem fôlego. Ora, prosperidade econômica é a chave da reeleição! Mas ele não consegue enxergar isso.

O homem está preso a meia dúzia de ideias que vem ruminando há 30 ou 40 anos. São essas e mais nenhuma.

Acredita ter vocação para ditador e acalenta a tola esperança de que o povo se levante numa guerra civil e o consagre como defensor perpétuo da nação. Isso explica sua fixação em distribuir armas à população.

IMBECIL - COLUNA jhm

Homem de poucas letras e de cultura geral indigente, tem visão fragmentária do mundo exterior.

De alguma viagem que possa ter feito no passado, reteve algumas imagens que gostaria de aplicar ao Brasil. Isso explica

  • 1) sua insistência em transformar santuários marinhos em resorts tipo Cancún;
  • 2) sua vontade de fazer ancorar na minúscula ilha de Fernando de Noronha naves de cruzeiro de 6000 passageiros;
  •  3) sua afirmação de que ‘na Europa, não há mais florestas’, quando se sabe que a cobertura vegetal do território europeu é bem superior à do Brasil – excluída a selva amazônica.

Para falta de cultura, existe remédio. Se se esforçar, o indivíduo pode até cultivar o espírito através do estudo. Lula da Silva, um dos predecessores de Bolsonaro, é, de certa forma, um exemplo. Mesmo tendo chegado à Presidência ignorantão e não tendo estudado nada durante o mandato, manteve o espírito aberto e conseguiu absorver algum conhecimento.

Já o déficit de inteligência é mais cruel. É o caso de nosso doutor. Chegou à Presidência ignorantão e de lá há de sair ignorantão.

É a sina dos imbecis.

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JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos,  dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.


O amanhã já chegou; algumas coisas você já percebeu, outras ainda não se deu conta...

 Recebido de um amigo, desconheço o autor...

🔊 * Algumas previsões muito interessantes, mas também assustadoras. *

 * 1 *.  As oficinas de reparação de automóveis desaparecerão.

 * 2 *.  Um motor a gasolina / diesel tem 20.000 peças individuais.  Um motor elétrico tem 20. Os carros elétricos são vendidos com garantia vitalícia e só são reparados pelas concessionárias.  Leva apenas 10 minutos para remover e substituir um motor elétrico.

 * 3 *.  Motores elétricos defeituosos não são reparados na concessionária, mas são enviados a uma oficina regional que os repara com robôs.

 * 4 *.  A luz de mau funcionamento do seu motor elétrico acende, então você dirige até o que parece ser um lava-rápido e seu carro é rebocado enquanto você toma uma xícara de café e lá vem seu carro com um novo motor elétrico!

 * 5. * As bombas de gasolina irão embora.

 * 6. * As esquinas das ruas terão medidores que dispensam eletricidade.  As empresas irão instalar estações de recarga elétrica;  na verdade, eles já começaram no mundo desenvolvido.

 * 7 *.  Grandes fabricantes de automóveis inteligentes já destinaram dinheiro para começar a construir novas fábricas que só constroem carros elétricos.

 * 8 *.  As indústrias de carvão irão embora.  As companhias de gasolina / petróleo irão embora.  A perfuração de petróleo irá parar.  Portanto, diga adeus à * OPEP! * O Oriente Médio está em apuros.

 * 9. * As residências produzirão e armazenarão mais energia elétrica durante o dia e, em seguida, usarão e venderão de volta para a rede.  A rede armazena e distribui para indústrias que são grandes consumidoras de eletricidade.  Alguém viu o telhado do Tesla?

 * 10 *.  Um bebê de hoje só verá carros pessoais em museus.  O FUTURO está se aproximando mais rápido do que a maioria de nós pode suportar.

 * 11. * Em 1998, a Kodak tinha 170.000 funcionários e vendia 85% de todo o papel fotográfico em todo o mundo.  Em apenas alguns anos, seu modelo de negócios desapareceu e eles faliram.  Quem teria pensado que isso aconteceria?

 * 12. * O que aconteceu com a Kodak e a Polaroid acontecerá em muitos setores nos próximos 5 a 10 anos ... e a maioria das pessoas não imagina isso.

 * 13. * Você pensava em 1998 que 3 anos depois, você nunca mais tiraria fotos em filme?  Com os smartphones de hoje, quem ainda tem uma câmera hoje em dia?

 * 14. * Mesmo assim, as câmeras digitais foram inventadas em 1975. As primeiras tinham apenas 10.000 pixels, mas seguiam a lei de Moore.  Assim, como acontece com todas as tecnologias exponenciais, foi uma decepção por um tempo, antes de se tornar muito superior e se tornar dominante em apenas alguns anos.

 * 15. * Agora vai acontecer de novo (mas muito mais rápido) com Inteligência Artificial, saúde, carros autônomos e elétricos, educação, impressão 3D, agricultura e empregos.

 * 16 *.  Esqueça o livro “Choque do Futuro”, bem-vindo à 4ª Revolução Industrial.

 * 17. * O software interrompeu e continuará a perturbar a maioria dos setores tradicionais nos próximos 5 a 10 anos.

 * 18. * UBER é apenas uma ferramenta de software, eles não possuem nenhum carro e agora são a maior empresa de táxi do mundo!  Pergunte a qualquer motorista de táxi se ele percebeu isso.

 * 19. * O Airbnb é hoje a maior empresa hoteleira do mundo, embora não possua propriedades.  Pergunte aos hotéis Hilton se eles previram isso.

 * 20. * Inteligência Artificial: Os computadores tornam-se exponencialmente melhores na compreensão do mundo.  Este ano, um computador venceu o melhor Go-player do mundo, 10 anos antes do esperado.

 * 21. * Nos EUA, jovens advogados já não conseguem empregos.  Por causa do Watson da IBM, você pode obter aconselhamento jurídico (por enquanto, o básico) em segundos, com 90% de precisão em comparação com 70% quando feito por humanos.  Portanto, se você estuda Direito, pare imediatamente.  Haverá 90% menos advogados no futuro, (que idéia!) Apenas os especialistas oniscientes permanecerão.

 * 22. * O Watson já ajuda enfermeiras a diagnosticar câncer, é 4 vezes mais preciso do que enfermeiras humanas.

 * 23 *.  O Facebook agora tem um software de reconhecimento de padrões que pode reconhecer rostos melhor do que humanos.  Em 2030, os computadores se tornarão mais inteligentes do que os humanos.

 * 24. * Carros autônomos: Em 2018 já chegaram os primeiros carros autônomos.  Nos próximos 2 anos, toda a indústria começará a ser interrompida.  Você não vai querer mais ter um carro, pois você ligará para um carro com seu telefone, ele aparecerá em sua localização e o levará ao seu destino.

 * 25. * Você não precisa estacionar, você só paga pela distância percorrida e pode ser produtivo enquanto dirige.  As crianças de hoje nunca terão carteira de motorista e nunca terão carro.

 * 26. * Isso mudará nossas cidades, porque precisaremos de 90-95% menos carros.  Podemos transformar antigas vagas de estacionamento em parques verdes.

 * 27. * Cerca de 1,2 milhão de pessoas morrem a cada ano em acidentes de carro em todo o mundo, incluindo distração ou direção embriagada.  Agora temos um acidente a cada 60.000 milhas;  com direção autônoma que cairá para 1 acidente em 6 milhões de milhas.  Isso salvará mais de um milhão de vidas em todo o mundo a cada ano.

 * 28. * A maioria das montadoras tradicionais irá sem dúvida à falência.  Eles tentarão a abordagem evolucionária e apenas construirão um carro melhor, enquanto as empresas de tecnologia (Tesla, Apple, Google) farão a abordagem revolucionária e construirão um computador sobre rodas.

 * 29. * Veja o que a Volvo está fazendo agora;  não há mais motores de combustão interna em seus veículos a partir deste ano com os modelos 2019, usando todos elétricos ou híbridos apenas, com a intenção de eliminar gradualmente os modelos híbridos.

 * 30. * Muitos engenheiros da Volkswagen e Audi;  estão completamente apavorados com Tesla e deveriam estar.  Veja todas as empresas que oferecem todos os veículos elétricos.  Isso era inédito, apenas alguns anos atrás.

 * 31. * As seguradoras terão grandes problemas porque, sem acidentes, os custos ficarão mais baratos.  Seu modelo de negócio de seguro automóvel desaparecerá.

 * 32. * Os imóveis vão mudar.  Porque se você puder trabalhar enquanto se desloca, as pessoas abandonarão suas torres para se mudar para bairros mais bonitos e acessíveis.

 * 33 *.  Os carros elétricos se tornarão populares em 2030. As cidades serão menos barulhentas porque todos os carros novos funcionarão com eletricidade.

 * 34. * As cidades também terão um ar muito mais limpo.

 * 35. * A eletricidade se tornará incrivelmente barata e limpa.

 * 36. * A produção solar está em uma curva exponencial há 30 anos, mas agora você pode ver o impacto crescente.  E está apenas aumentando.

 * 37. * As empresas de energia fóssil estão tentando desesperadamente limitar o acesso à rede para evitar a competição das instalações solares domésticas, mas isso simplesmente não pode continuar - a tecnologia cuidará dessa estratégia.

 * 38. * * Saúde: * O preço do Tricorder X será anunciado este ano.  Existem empresas que irão construir um dispositivo médico (chamado "Tricorder" de Star Trek) que funciona com o seu telefone, que faz a varredura da retina, sua amostra de sangue e sua respiração.  Em seguida, analisa 54 biomarcadores que irão identificar quase todas as doenças.  Existem dezenas de aplicativos de telefone por aí agora para fins de saúde.

 * BEM-VINDO A AMANHÃ * - na verdade, chegou há alguns anos.


sábado, 19 de dezembro de 2020

BookBub: livros sobre o nazismo, sobre o bolchevismo, sobre as misérias do século XX, estão sempre em evidência...

Letters and Dispatches: 1924–1944

 

Letters and Dispatches: 1924–1944
By Raoul Wallenberg
Raoul Wallenberg saved the lives of thousands of Jewish people in Nazi–occupied Hungary… and then vanished in Soviet hands. In this fascinating collection, discover Wallenberg’s story in his own words. “A revealing epistolary portrait of one of World War II’s most daring heroes and mysterious victims” (Kirkus Reviews).

Hitler’s American Friends
Hitler’s American Friends
By Bradley W. Hart
Before World War II, the Nazi party had many sympathizers within the United States. This harrowing history of Hitler’s American supporters “will interest anyone who wants to know how nationalist movements succeed or fail” (Publishers Weekly).

The Gestapo
The Gestapo
By Jacques Delarue
“Nuanced… A well-researched book that clarifies many misconceptions” (Kirkus Reviews): The Gestapo was one of the most fearsome weapons in Nazi Germany’s arsenal. Based on interviews with ex-Gestapo agents, this in-depth account reveals the chilling inside story of the monstrous organization.

O Balzac da ferrugem na terra dos belgicanos - Paulo Roberto de Almeida; Resenha de Luiz de Miranda: Os Magadaes (Rio de Janeiro: Letra Capital, 2020) - O Estado da Arte

 Meu mais recente trabalho publicado, na verdade uma simples resenha: 

3809. “O Balzac da ferrugem na terra dos belgicanos”, Brasília, 3 dezembro 2020, 5 p. Resenha do livro de Luiz de Miranda: Os Magadaes (Rio de Janeiro: Letra Capital, 2020, 120 p.; ISBN: 978-65-87594-19-4). Publicado no Estado da ArteO Estado de S. Paulo (19/12/2020; link: https://estadodaarte.estadao.com.br/magadaes-pra-ea/). Relação de Publicados n. 3809. 


O Balzac da ferrugem na terra dos belgicanos

por Paulo Roberto de Almeida…………………………

Títulos podem ser crípticos, tanto o do livro quanto o desta resenha. Magadaes são personagens de um conto de Oscar Wilde, “A protected country”, que nascem velhos e se tornam jovens paulatinamente, morrendo quando se tornam crianças, como naquele filme americano Benjamin Button, mas este derivado de um conto de Scott Fitzgerald. Volto ao romance em seguida, assim que terminar de desvendar o título da resenha. O Balzac da ferrugem é o próprio autor do romance, Luiz de Miranda, com quem partilhamos anos felizes na Bélgica, em meados dos anos 1970, enquanto eu dava continuidade a meus estudos de ciências sociais na Universidade de Bruxelas, e ele, já formado, fazia uma tese de doutorado sobre a corrosão, daí a ferrugem, a inimiga mortal das estruturas metálicas e de seus guardiães. “Belgicanos” era como um presidente do Corinthians, Vicente Matheus, chamava os terríveis futebolistas da pequena Bélgica, gigantes selvagens no gramado, como deveriam ser as tribos daqueles dos quais eles descendiam em tempos pré-medievais.

Pois eu e Luiz de Miranda fomos contemporâneos na ULB, ele já com família — a doce e linda Leila, a quem é dedicado o livro, junto com Conrad Detrez, in memoriam, jornalista francófono —, eu leve, livre e solto, andando pela Europa em apoio às campanhas do Front Brésilien d’Information, naqueles anos de chumbo da ditadura militar no Brasil. Como eu era um pobre estudante sem dinheiro, almocei ou jantei várias vezes no apartamento de Luiz e Leila, pois ele tinha uma boa bolsa de doutoramento, e eu tinha de dar um duro lavando pratos, cortando grama ou posando na Académie des Beaux Arts para enfrentar as despesas do dia a dia. Como quase todos os universitários dessa época, em exílio da ditadura ou não, éramos contra o regime, e passávamos boa parte do tempo livre buscando informações sobre o Brasil, curtindo as músicas de Chico Buarque, e formulando hipóteses sobre o final da ditadura militar.

Como refletido em diversas passagens do romance, eram os tempos da guerra do Vietnã, de tribunal Bertrand Russell sobre os crimes de guerra das tropas americanas, de protestos contra as ditaduras militares latino-americanas, primeiro a do Brasil, depois a do general Pinochet, no Chile e, logo em seguida, a dos militares argentinos, que foram os mais “eficientes” na eliminação dos adversários. Conrad Detrez tinha apoiado os movimentos de esquerda no Brasil e no Chile, e também nos ajudava na transposição para o francês dos textos contra as ditaduras no continente. Mas o que nos atraía, fora dos estudos, eram os passeios pela Bélgica, um pequeno país, que daria para atravessar de carro em pouco tempo, mas que também poderia ser conhecido de bicicleta, como aliás eu fiz, no “plat pays” com certa facilidade, mas com maior esforço nas montanhas das Ardenas, as densas florestas do sudeste da Bélgica que tinham assistido a uma das últimas grandes batalhas da frente ocidental na Segunda Guerra Mundial, quando a Wehrmacht tentou obstar o avanço das tropas americanas em território alemão.

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O massacre de Malmedy

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Pois é justamente nas Ardenas belgas que é ambientada a maior parte desta nova obra de Luiz de Miranda, depois que dois curtos contos dão início ao pequeno livro de 120 páginas, cuja capa tem a reprodução de um curioso quadro do Baron Léon Fredéric, Le Ruisseau (1890), com original no Museu Real de Belas Artes de Bruxelas, que retrata centenas de Magadaes, infantis, nus, banhando-se nas águas frescas de um riacho. O primeiro conto, Genealogia, começa com a viagem da frota de Martim Afonso de Souza que, em 1530, resolve deixar um armeiro, Pero Gonçalves, nas praias da Bahia, a partir de quem começa uma família inacreditável dos mais diferentes personagem que povoaram, anonimamente, ou com certo destaque, as terras e a história do Brasil, passando pela colônia, independência, guerra do Paraguai, coluna Prestes, revolução de 1930 e outros episódios, até a morte do último descendente, 460 anos depois, um traficante do morro do Borel, morto nas mãos da polícia em 1991. O segundo conto, ainda mais curto, Dia da Preguiça, duas páginas e meia de considerações filosófico-religiosas, do tempo relativo de Einstein à reencarnação em pessoas de destaque na sociedade (nenhum mendigo), até terminar com um disco voador pousando displicentemente à beira da estrada.

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(Reprodução: Letra Capital)

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A história dos Magadaes, mesmo, começa com um “prefácio à guisa de explicação” no qual o autor tenta nos engabelar dizendo que a história parece fantástica, mas que “é, por incrível que pareça, verdadeira” (p. 19). Ele apela, todavia, para a complacência dos leitores, argumentando que o “artista” é “um eterno fingidor e incompetente contador de casos, porém entusiasta e relativamente honesto” (idem). A história que ele vai contar lhe foi relatada como sendo verdadeira pelo Dr. Dumont, antigo diretor do Asilo dos Lilases, situado em canto recuado das Ardenas belgas, e que abrigou durante várias estações, num tempo situado na primeira metade dos anos 1970, todos os velhinhos protagonistas desta história fantástica, que tenta provar a veracidade da fantástica lenda dos Magadaes (que no entanto nunca aparecem, sendo bem mais apenas uma alegoria). O último capítulo, “Bruxelas, 2016”, dois anos depois da morte do mesmo Dr. Dumont, já coloca o autor num mundo diferente daquele que ele havia frequentado em sua juventude de doutorando: a União Soviética desmoronou, a China da revolução cultural, capitalizou-se, o Vietnã vive em paz com os Estados Unidos e os países da Leste Europeu se incorporaram à União Europeia, que ele descreve como “capitalista, neoliberal, arrogante, direitista, rachada em países de extrema direita, racistas, ao ponto de negar um prato de comida aos refugiados sírios que marcharam mais de duzentos quilômetros, a pé, com seus velhos e coxos” (p. 117). Ao visitar novamente o Asilo dos Lilases constata que ele já tinha desaparecido, substituído por uma plantação de beterrabas.

Vamos agora ao que interessa, o núcleo dessa história diferente, mas eu não vou desvendar toda a trama, para não impedir ninguém de deliciar-se em sua própria leitura, de um romance que combina bastante Balzac, com seu realismo descritivo, um pouco de Erico Veríssimo, um de nossos melhores escritores psicológicos, e talvez, quem sabe?, Cortázar, com certa tendência a descrever o fantástico com ares de normalidade. Tem tudo isso, numa escrita primorosa de bem cuidada, com palavras e expressões que revelam uma intimidade enorme com a boa literatura, e uma meticulosidade na expressão que deve ser derivada da postura profissional do autor, um “caçador de corrosões”, aqui na alma dos personagens.

Desde o primeiro capítulo, estamos numa descrição minuciosa da encantadora mansão do Asilo, situado no vale do rio Semois, cuja linguagem é Balzac puro, com toda a graça que uma descrição retirada do Père Goriot, ou de várias outras novelas da Comédie Humaine, pode ser capaz de servir de fotografia em palavras para nos transmitir o charme vetusto daquela nobre construção do final do século XVIII. Vale transcrever o cenário dessa história, começando pela própria história do imóvel que veio a ser o Asilo:

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Antes de se tornar o que é hoje, a mansão conheceu em seus dias juvenis momentos bem mais felizes. Com efeito, Le Site aux-lilás era conhecido até em França, quando propriedade da família Poussin-de-Tassigny. De linhagem nobre, essa família organizava caçadas para as quais nobres franceses não hesitavam em aceitar o convite do marquês e, principalmente, da belíssima marquesa. Era um casal distinto e elegante, e o senhor marquês era tão exímio na caça ao javali quanto a marquesa o era na caça aos prazeres.

Como todas as mansões nobres daquela época, o asilo ainda contém um pátio central retangular e perimetrado por colunas que sustentam graciosos arcos trabalhados. No centro do pátio, há uma estátua de Diana, a caçadora, sobre uma fonte de bronze, onde se lê com alguma dificuldade a data de 1782. A mansão possui cerca de dezoito dormitórios, três salões, duas cozinhas e as demais dependências usuais como banheiro, quartos para a criadagem, estábulo e até mesmo um pequena estufa onde Joseph, o jardineiro, apesar da idade, conhece as plantas por nomes por ele batizadas.

Site aux-Lilas foi comprado por uma quantia irrisória ao último descendente da família Poussin-de-Tassigny, o barão Emile Charles Louis Poussin-de-Tassigny, pela Sociedade de Montepios Esperança de Nova Vida. (pp. 21-22)

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Junto com a descrição das peças habitadas por cada um dos residentes no asilo, o autor vai falando de cada um deles, com suas peculiaridades, e com uma decoração ou móveis eventualmente combinando com seus habitantes, como a grande biblioteca do Dr. Dumont, o médico que ficava tomando notas do comportamento de cada um de seus co-moradores. Havia o velho Homero, um revolucionário do entre guerras, cujo anti-imperialismo visceral se manifestava num projeto pouco secreto de aprender a língua dos vietnamitas para lutar contra os americanos nos campos de batalha do Vietnã. Havia a velha Nicole, que vai justamente ficar jovem ao final da história, e mais o “alquimista” Theo, cujo projeto mais relevante era o de produzir rosas azuis, e ainda o velho Jules, que tinha feito fortuna com diamantes extraídos da colônia do Congo Belga, na região do Alto Katanga (que nunca se entendeu com Homero, por razões obviamente ideológicas). Mais adiante na história, que não ouso revelar em sua integridade para não roubar essa satisfação aos leitores, se fala do velho Nestor, “antigo sacristão, até então completamente casto”, que será desviado de sua longeva virgindade pela devassa Nicole, cujos detalhes cabe pudicamente resguardar. Havia ainda, no asilo, outros velhinhos, “em adiantado estado de senilidade”, no número máximo de vinte pessoas, tal como limitado pela Sociedade Esperança de Nova Vida, mas que não participam do enredo e dos principais episódios relatados no cativante texto de Luiz de Miranda.

O lado balzaquiano da história está presente em todas as descrições dos principais “atores” da história, dos insetos e animais da natureza ao redor do asilo, dos personagens que eventualmente entram e saem do relato. O lado “Erico Veríssimo” da escrita passa, em parte, pelo perfil psicológico dos personagens, suas motivações pessoais, a maneira pela qual cada um deles participa do enredo, pelas surpresas que se acumulam de um capítulo a outro, dezenove no total, ademais do último, que sai dos anos 1970 e termina em Bruxelas, em 2016. Mas, antes do capítulo XIX, que é o desfecho da toda a história dos residentes do asilo, figura em menos de duas páginas, um capítulo, não numerado, que remete a “Bruxelas 2012”, que é quando o autor volta à Bélgica e tem um último encontro com o Dr. Dumont, sua fonte principal para quase todos os episódios, já com 92 anos, numa casa alugada em Arlon. Sem revelar o desenlace da estranha história, que pende para o lado do escritor Julio Cortazar, e suas liberdades mágicas de novelista, vale transcrever algumas passagens sobre o depoimento do principal “arquivo vivo” sobre o outrora florido asilo dos lilases, deixando Luiz de Miranda de relatar o que teria sido o destino ulterior dos poucos sobreviventes rejuvenescidos por uma dessas diabruras de romancista:

…………………………….

Estava [o Dr. Dumont] em péssimo estado físico, magro, calvo, com enorme dificuldade de ouvir e praticamente cego. Mas sua memória parecia estar absolutamente em forma. […] E não foi, sem uma profunda emoção, que encontrei o Dr. Dumont sentado numa cadeira de rodas, portando óculos escuros. E o que ele me relatou foi deveras impressionante. […]

O Dr. Dumont pediu-me que me aproximasse mais de seus olhos para fitar-me com atenção. Creio que viu algo de bom, pois logo em seguida serviu-se de uma chávena de chá e ordenou que eu me sentasse à sua frente, com a condição de não tomar nota de nada. Apenas o escutasse. Fiz o que me pediu, à exceção do gravador de meu celular que registrou toda a conversa. Mesmo com a consciência um pouco pesada, não poderia fiar apenas na minha memória. (pp. 111-12)

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E o que o Dr. Dumont relatou, durante todas as estações vibrantes do asilo nos distantes anos 1970, até seu incêndio trágico no desenlace da história? Isso está no capítulo XIX, que deixo aos leitores descobrir, depois da breve informação sobre os escombros do asilo e sobre o que adveio aos seus residentes sobreviventes, levados a uma espécie de Jardim das Maravilhas, ocupado por muitos Magadaes. Quanto ao Dr. Dumont, morreu “em profunda solidão, em novembro de 2014, dois anos após nosso derradeiro encontro” (p. 117).

A essa altura, o Asilo dos Lilases já tinha sido convertido em campo de beterrabas. Mas Luiz de Miranda sabe terminar sua história com todos os ingredientes balzaquianos e dos demais autores que imagina lhe tenham sido fontes de inspiração na confecção dessa bela e estranha história dos Magadaes. Eu o sigo, mas seletivamente:

…………………

Estava prestes a chegar ao Asilo dos Lilases. Mas o que lá encontrei foi um campo de beterrabas, alinhado para a próxima colheita. […]

Uma certa nostalgia invadiu minha alma, ainda mais do que podia imaginar… […] [L]evantei-me e fui caminhando entre as paqueretes azuis e florzinhas brancas que foram ganhando rostos e dançando. Meu cérebro só percebia cores fantasmagóricas avermelhadas, raios azuis e sons inaudíveis. […] Eu suava frio, coração em disparada e subitamente uma estranha calmaria jamais sentida invadiu meu ser e me deu uma paz interior jamais sentida. Entrei no carro e retornei a Bruxelas. (pp. 118-19)

…………………………..

Deixo a história completa para ser saboreada pelos leitores curiosos, como foi por mim saboreada, levando-me novamente aos melhores anos de minha vida estudiosa, nos distantes anos 1970 em minha segunda pátria, o país de todos os meus diplomas superiores, a Bélgica de Bruxelas, do “plat pays” e das Ardenas. Vale ler Luiz de Miranda.………………………..………………

P.S.: Na edição eletrônica deste livro, pode-se ouvir os dois trechos musicais inseridos no capítulo XIX — segunda parte da suíte de Ravel, “Daphnis et Chloé” — e no capítulo final, “Bruxelas 2016”, a suíte de Rimsky Korsakov, “A lenda da cidade invisível de Kitezh”.

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Luiz de Miranda

Os Magadaes

Rio de Janeiro: Letra Capital, 2020, 120 p.


Amado Luiz Cervo e a historiografia brasileira de relações internacionais - Paulo Roberto de Almeida

 Provavelmente minha última publicação deste ano, a que vai encerrar a lista dos publicados em 2020: 



3669. “Amado Luiz Cervo e a historiografia brasileira de relações internacionais”, Brasília, 14 maio 2020, 8 p. Ensaio em homenagem aos 80 anos do professor Amado Luiz Cervo, para a revista Intelligere: revista de história intelectual (revistaintelligere@usp.br); edição especial organizada pelo professor Estevão Chaves de Rezende Martins; Editora executiva: Sara Albieri. 

Publicado na revista Intelligere: revista de história intelectual (n. 10, dezembro 2020, ISSN: 2447-9020). 

Relação de Publicados n. 1477. 


A Companhia (Odebrecht) - Malu Gaspar (Companhia das Letras); Apresentação, Paulo Roberto de Almeida


 Impressionante o relato da Malu Gaspar, como reportagem, como história, como análise da maior fraude corporativa do Brasil, do continente, e possivelmente uma das maiores do mundo. Só perde para a cleptocracia do Putin, que dispõe, digamos assim, de métodos mais expeditivos. 

Mas o trabalho dela é um modelo de reportagem-histórica. Mereceria um prêmio Pulitzer, se houvesse algo do gênero no Brasil, ou o próximo Jabuti. Realmente, a anatomia de uma organização que talvez só tenha concorrente em alguma super máfia, que, na verdade, possui o seu próprio Código de Ética. 

Sob o Marcelo, parece que ele aposentou o código de ética do avô, para construir o seu manual de corrupção, por meio do Departamento de Operações Estruturadas, um modelo, digamos assim, de organização perfeita para os fins desejados. Mas sempre tem algum incidente de percurso: encontraram procuradores e um juiz motivados para perseguir a quadrilha até o fim, mesmo com meios pouco ortodoxos. 

E sempre tem uma secretária que fala, e abre a chave do cofre. Sempre é assim. 

Daria um bom roteiro para um filme, que serviria também de manual para os "inquisidores", um pouco como aquele filme "Catch me if you can...". 

Marcelo poderia trabalhar para alguma SEC americana... 

O livro é uma espécie de romance da corrupção corporativa. O esquema da Odebrecht mereceria teses e teses de doutorado em Business Administration.

A "organização" montou um sistema ainda mais sofisticado do que o da Enron – talvez a maior corrupção corporativa nos EUA – e desses cartéis que são regularmente desmantelados pelas autoridades europeias de defesa da concorrência. 

O esquema corrupto da Odebrecht era muito mais elaborado e o lado mais prosaico, digamos, o mais "romanceavel", era a relação de pseudônimos que adotava para identificar os políticos que ela corrompia ou pelos quais ela se deixava corromper. Essa lista, completa, deveria ser divulgada amplamente, para informação dos eleitores no próximo encontro do calendário eleitoral.

Para terminar o exercício, e ficar mais explícito, tanto na forma de "business administration", quanto de romance mafioso, seria interessante dispor de um quadro, sob forma de contabilidade em dupla partida, colocando cada um dos projetos de um lado, com o custo real avaliado, e o cobrado de fato, e do outro lado, os pagamentos efetuados para funcionários governamentais e políticos intermediários. 

A diferença entre ativos e passivos seria monumental, o que talvez explique o crescimento do faturamento sob a presidência criminosa de Marcelo Odebrecht, de meros 40 bilhões para mais de 120 bilhões anuais. 

Um desempenho fantástico, que mereceria uma espécie de prêmio Nobel dos negócios, se não fosse pelo lado obscuro da coisa.

Paulo Roberto de Almeida


A Organização

A Odebrecht e o esquema de corrupção que chocou o mundo

Malu Gaspar

São Paulo, Companhia das Letras, 2o20

ISBN: 978-85-359-3399-4 


Sumário

Nota da autora , 11 

Personagens, 13 

Prólogo, 25 

1. Marcelo sobe, 31 

2. Na lama, de terno branco,  46 

3. Apocalipse perfeito, 60 

4. No olho do furacão, 83 

5. O novo amigo, 106 

6. Questão de sobrevivência,  119 

7. O príncipe,  135 

8. Mais coragem do que análise,  141 

9. Nova ordem,  157 

10. Decolando, 175 

11. O príncipe na trincheira, 194 

12. “Tudo que é fácil, não é para nós”, 217 

13. Boca de jacaré,  237 

14. Pacto de sangue, 264 

15. Servindo ao rei, 274

16. Vivendo perigosamente, 294 

17. Organizando a suruba, 315 

18. Uma general autista, 332 

19. Higienizando apetrechos, 359 

20. A casa cai, 383 

21. A rendição,  418 

22. A mesa, 442 

23. Aos 46 minutos do segundo tempo, 468 

24. Deus perdoa o pecado, mas não o escândalo, 487 

25. “Enquanto tiver bala, atire”, 513 

Epílogo,  554 

Agradecimentos,  561 

Notas, 563 

Créditos das imagens, 619 

Índice remissivo, 621


Nota da autora

A Odebrecht tem uma longa trajetória de conquistas e de realizações, mas será sempre lembrada como a empresa que engendrou o maior esquema de corrupção já descoberto. Reconstituir sua história foi um mergulho nos meandros do relacionamento do empresariado com o Estado na última metade do século xx, no Brasil e na América Latina. Foi, também, um dos desafios mais difíceis que um repórter pode enfrentar. A Organização Odebrecht se autointitula uma “sociedade de confiança”, e isso forjou uma cultura do segredo que não pereceu com a delação. Bem ao contrário. A confissão à Lava Jato alcançou governos e autoridades de variadas orientações ideológicas, em todos os níveis, em doze países nas Américas e na África. Mas também deixou lacunas — fortuitas e propositais. Tal contingência, mais as cicatrizes deixadas pelo episódio, fizeram com que muitos na organização preferissem simplesmente esquecer tudo. Para outros, era o caso de lutar a guerra de narrativas até o final. Felizmente encontrei quem acredite, como eu, que conhecer essa história é essencial para entender o Brasil. A própria empresa também se dispôs a prestar informações, e o fez ao longo de todo o processo, mesmo tendo ficado claro desde o início que não se tratava de um livro chapa-branca. Para mover-me entre tantos e tão diversos interesses e chegar à versão mais acurada possível dos fatos, não havia outro recurso que não a apuração exaustiva. O conteúdo das delações da Odebrecht e de muitas outras foi só o ponto de partida. Ao longo de três anos, ouvi pouco mais de 120 pessoas, entre executivos e familiares, delatores, concorrentes, parceiros de negócios, políticos, advogados e investigadores de variadas instâncias. Contaram histórias sobre si próprios e sobre os outros, e em todas elas fiz dupla ou tripla checagem: em novas entrevistas, nas cerca de duzentas horas de depoimentos gravados em áudio e vídeo pelo Ministério Público ou pela Polícia Federal, em centenas de páginas de documentos, disponíveis ao público ou exclusivos, obtidos por mim ao longo do trabalho de pesquisa. 

Dada a sensibilidade dos temas envolvidos, que até hoje mexem com a política brasileira e suas paixões, a maior parte consistiu em declarações prestadas em off , protegidas pelo sigilo da fonte. Pela grande quantidade de pessoas consultadas para confirmar cada cena ou diálogo, o leitor não deve supor que seus personagens foram, necessariamente, as fontes daquela informação. Em alguns casos sim, em outros não. Como se verá ao longo deste livro, a cultura do segredo não sobrepujou o jogo de interesses e a disputa de narrativas naquela que durante décadas foi a empreiteira mais poderosa do Brasil. Muitos dos episódios retratados neste livro deram origem a ações judiciais em que se digladiaram Ministério Público e as defesas de centenas de acusados. O texto seguiu o caminho da apuração e dos fatos, independentemente do que digam ou concluam os processos. Mas as versões divergentes também foram contempladas, ou no corpo do texto ou em notas de rodapé. Afinal, elas também fazem parte da história. O que certamente não se encontrará, nestas páginas, são julgamentos peremptórios baseados em tópicos do Código Penal. Trata-se tão somente de uma reportagem. É vida real, com todas as suas nuances e imperfeições. A saga de pessoas que influenciaram os rumos do país e do continente ao longo de décadas, e assim nos ajudaram a chegar onde estamos.


Apresentação da Companhia das Letras:

Em 2015, quando a força-tarefa da Lava Jato fulminou o "clube" de empreiteiras que controlava os contratos com a Petrobras, a Odebrecht liderava com folga o ranking das empresas de engenharia nacionais. Delatados por colaboradores da Justiça, alguns de seus principais executivos foram presos, acusados de uma volumosa coleção de crimes.
Para tentar sobreviver à hecatombe, a organização -- era assim que os controladores e funcionários se referiam à companhia -- e seus dirigentes confessaram um longo histórico de práticas escusas que abalou a República e chocou o mundo, envolvendo propinas a centenas de políticos, de prefeitos a presidentes. Emilio e Marcelo Odebrecht, pai e filho, cujo relacionamento sempre fora difícil, romperam publicamente em meio a um duelo de denúncias.
Neste livro sobre a glória e a desgraça da Odebrecht, Malu Gaspar desvenda as engrenagens de um sistema de corrupção que parecia inviolável, e lança luz sobre as espúrias relações entre Estado e empresas que condicionaram por muito tempo uma espécie de "capitalismo à brasileira".

O labirinto do isolamento: Bolsonaro, a China e os EUA - Mauricio Santoro (Nexo Jornal)

 O labirinto do isolamento: Bolsonaro, a China e os EUA

Maurício Santoro


Ao se aliar ideologicamente a Trump e adotar um discurso hostil contra o país asiático, o Brasil se colocou em uma situação inédita, correndo risco de retaliações de seus principais parceiros comerciais

Em 2020 o Brasil enfrentou uma sucessão de crises — sanitária, econômica, política — e ao longo do ano as relações do governo brasileiro degeneraram em hostilidade com os dois maiores parceiros comerciais do país, China e Estados Unidos. Como isso aconteceu e quais serão as consequências?

Há uma nova ordem global em gestação, marcada pela ascensão chinesa e pelo acirramento das tensões entre Pequim e Washington. As pressões cruzadas têm levado muitos países a terem que fazer escolhas difíceis: devem permitir que a Huawei, gigante chinesa de telecomunicações, participe da instalação do padrão 5G de internet? Irão aderir à Nova Rota da Seda, o projeto chinês de investimentos globais em infraestrutura? Nesse contexto, o que distingue o Brasil foi ter tomado decisões que o deixaram indisposto com ambos, sem conseguir ganhar benefícios em termos de seus interesses nacionais.

O Brasil estabeleceu relações diplomáticas com a República Popular da China em 1974. O diálogo entre a ditadura brasileira, anticomunista, e o regime marxista de Mao Tsé-Tung se deu com base na percepção de que ambos compartilhavam interesses na política internacional, como grandes países em desenvolvimento que com frequência discordavam das nações ricas do Ocidente.

Em 1993, Brasília e Pequim firmaram uma parceria estratégica. Na década de 2000, com o boom global de commodities, a China se tornou o maior mercado para as exportações brasileiras, sobretudo de soja, minério de ferro, petróleo e carnes. Em anos recentes, os chineses viraram também investidores significativos no Brasil, em especial no setor de energia elétrica.

Jair Bolsonaro é o primeiro presidente brasileiro desde Ernesto Geisel (1974-79) a chegar ao Planalto com um discurso hostil à China, que enxerga como um país comunista cuja influência econômica seria uma ameaça à segurança nacional brasileira. Contudo, a visão ideológica do capitão esbarrou nos interesses dos grandes grupos empresariais do Brasil, para os quais a China é um sócio importante. No primeiro ano de seu governo, em linhas gerais, se manteve a parceria estratégica dos 25 anos anteriores, ainda que permanecessem tensões latentes como a questão da Huawei e do 5G.

Isso mudou com a pandemia. A família Bolsonaro replicou no Brasil o discurso anti-China de Donald Trump, e os filhos do presidente usaram as redes sociais para incitar seus apoiadores contra o país asiático, a quem culpavam pelo coronavírus, e a ameaçar a Huawei. O clã presidencial se engajou na campanha pela reeleição de Trump e entrou em uma disputa partidária com o governador de São Paulo pela distribuição da vacina chinesa junto à população brasileira. Os diplomatas chineses no Brasil responderam em tom de agressividade inédita, com críticas públicas ao governo.

O MAIOR ERRO DO ALINHAMENTO COM OS EUA FOI A VINCULAÇÃO DE BOLSONARO A TRUMP, IGNORANDO A REALIDADE DE UMA SOCIEDADE AMERICANA PROFUNDAMENTE DIVIDIDA COM RELAÇÃO A SEU PRESIDENTE

A pandemia é um marco em uma diplomacia chinesa mais assertiva contra os críticos do país, com uma nova geração de diplomatas muito atuantes nas redes sociais e na política doméstica das nações onde servem — os chamados “lobos guerreiros”. O Brasil se tornou um campo para esse tipo de ativismo em política externa e corre o risco de sofrer represálias comerciais, como as que a China implementa contra a Austrália.

O pilar da política externa de Bolsonaro em seus dois primeiros anos de governo foi a busca de relação preferencial com os Estados Unidos, o que na prática significou o alinhamento ideológico com Donald Trump e conflitos com o Partido Democrata, que mesmo na oposição controlava a Câmara dos Deputados. Esses esforços resultaram em ganhos partidários para a família Bolsonaro, como visitas à Casa Branca e fotos com Trump, mas não renderam benefícios tangíveis para o Brasil. Produtos brasileiros sofrem com o impacto negativo do aumento do protecionismo americano e o país se indispôs com parceiros importantes na Organização Mundial do Comércio e nas instituições latino-americanas por seguir as diretrizes de Washington em detrimento das posições de outras nações em desenvolvimento.

O alinhamento com os Estados Unidos havia sido uma parte importante da diplomacia brasileira no passado, em particular no período em que o barão do Rio Branco foi ministro (1902-12) e na Segunda Guerra Mundial. Nesses dois momentos, os americanos eram o maior mercado para as exportações brasileiras de café, produto que dominava o comércio exterior do Brasil. O cenário hoje é distinto, e atualmente os Estados Unidos não compram sequer 10% das exportações nacionais, que se tornaram mais diversificadas tanto em mercadorias quanto em mercados, com parceiros significativos na Ásia, União Europeia e América Latina

Contudo, o maior erro dessa estratégia foi a vinculação de Bolsonaro a Trump, ignorando a realidade complexa de uma sociedade americana profundamente dividida com relação a seu presidente. A vitória dos democratas nas eleições presidenciais de 2020 leva de volta à Casa Branca agendas de meio ambiente e direitos humanos, em conflito com as ações de Bolsonaro, em particular no que toca ao desmatamento da Amazônia e a seus impactos sobre o aquecimento global.

O Brasil tem pela frente um 2021 bastante difícil, com a pandemia se aproximando dos 200 mil mortos no país e os impactos mais duros da recessão, com o fim do auxílio emergencial. Em meio a tudo isso, a situação inédita de correr risco de retaliações de seus dois principais parceiros comerciais, China e Estados Unidos. O Brasil é uma das dez maiores economias do mundo, ator-chave em várias negociações globais, do comércio à mudança climática. Os conflitos e isolamento que o país arrisca não são uma tragédia inevitável, são fruto de escolhas ideológicas. Como, aliás, sua catástrofe humanitária durante a pandemia.

Maurício Santoro é doutor em ciência política pelo Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro) e professor-adjunto do departamento de relações internacionais da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro).