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segunda-feira, 7 de novembro de 2011

O TNP e a posição do Brasil: Paulo Roberto de Almeida


O Tratado de Não proliferação Nuclear (TNP) e a posição do Brasil:
Algumas posições pessoais (Paulo Roberto de Almeida)

Entrevista concedida 
para trabalho acadêmico
(Brasília, 7/11/2011)

Perguntas: 

1) O que o Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP) representa, em sua opinião? Segundo a hipótese do meu trabalho, o TNP teria trazido mais pacifismo ao mundo, porém provei no decorrer dos estudos que esta afirmação não se sustenta. Esse tratado teria trazido mais paz aos EUA e Brasil na sua visão?

PRA: Não foi exatamente o TNP que trouxe mais paz ao mundo, e sim o seu objeto próprio, ou seja, as armas nucleares. Por mais contraditório que possa parecer, os vetores nucleares, e as ameaças terríveis que eles fazem pesar sobre o destino dos Estados e o próprio futuro das sociedades – assim como, visto numa perspectiva ainda mais catastrófica, a própria sobrevivência da humanidade – contribuíram, desde Hiroshima e Nagasaki e o término da Segunda Guerra Mundial para que nenhum outro conflito global de grandes proporções tenha ocorrido entre as grandes potências. Foi a ameaça do holocausto nuclear que conteve os ânimos belicosos das grandes potências e impediu-as de “subir aos extremos”, ou seja, deslanchar qualquer tipo de aventura guerreira contra uma outra, igualmente detentora de arma nuclear.
O TNP é apenas uma decorrência dessa terrível perspectiva potencial – a de um conflito entre grandes potências que implicasse o uso desse tipo de vetor – e tem a ver, mais exatamente, com o monopólio desse tipo de arma de destruição em massa por um número reduzido de grandes atores internacionais, basicamente os que já detinham a posse dessas armas no momento da negociação do TNP, em meados dos anos 1960. O TNP representa, assim, uma garantia – por certo não total, ou absoluta – de que essas armas permanecerão sob controle exclusivo de um pequeno grupo de países, considerados como nuclearmente responsáveis, já que sua disseminação por um número maior de entes estatais – ou até não estatais – poderia trazer enormes riscos para a segurança estratégica dessas grandes potências, para a paz mundial, e como dito, para a própria sobrevivência da espécie humana em nosso planeta.
O TNP não trouxe mais paz ao mundo, ele apenas garantiu que a paz ficasse dependente de certo equilíbrio nuclear, desde que esse equilíbrio pudesse ser assegurado por um entendimento tácito entre os patrocinadores desse instrumento discriminatório, iníquo, desigual e unilateral, imposto ao restante dos atores estatais pelos três negociadores originais. Ele pode ser visto como parte de uma arquitetura estratégica não exatamente de paz, mas de não-guerra, pelo menos não de guerra total, e sobretudo de uma guerra direta entre as potências nuclearmente armadas.
O Brasil não é um poder nuclear, e sequer é um ente estratégico significativo, mesmo nos vetores convencionais de guerra e de dissuasão; portanto, ele não pode ser visto como um ator relevante em qualquer questão que tenha a ver com uma discussão séria em torno do equilíbrio nuclear. O Brasil é apenas um dos Estados, dentre muitos outros, que ficou reduzido à condição de participante não nuclear do TNP, embora estivesse ao seu alcance, teoricamente pelo menos, recusar o TNP e qualificar-se nuclearmente por meios próprios, como fizeram outros países (Israel, Índia, Paquistão, Coreia do Norte, por exemplo). O fato de não fazê-lo, antes da vigência da Constituição de 1988 – que proibiu ao país dotar-se de armamentos nucleares – não tem a ver com alguma falta de vontade estratégica (já que ela existia, entre a maioria dos militares e entre muitos outros membros da elite, como os diplomatas), mas sobretudo com a falta de meios financeiros, tecnológicos científicos, para se capacitar nuclearmente, pelo menos no terreno especificamente militar.
O mundo dispõe, portanto, de um acordo que não é mundial, mas tão somente internacional, que regula parcialmente o problema, que é o TNP, o tratado de não-proliferação nuclear (Washington-Moscou-Londres, 1968). Esse tratado não é certamente universal e, sobretudo, não é multilateral, uma vez que apenas três países o negociaram e depois o “ofereceram” à comunidade internacional. Ele foi posteriormente “estendido” ao resto do mundo, na ausência – talvez na oposição – dos dois outros únicos países nucleares à época, que eram a França e a China (que a ele só aderiram no início dos anos 1990). Essa extensão se fez sob os olhos por vezes invejosos, outras vezes preocupados, de outros países, alguns deles interessados em desenvolver seus próprios artefatos nucleares, alguns outros temerosos de que a proliferação indevida dessas terríveis armas pudesse conduzir ao holocausto nuclear.

2)             Sobre a obtenção de armas nucleares por um grupo seleto de países, qual seria sua visão sobre a atitude desses países?

PRA: Não se define qual seria esse seleto grupo de países, uma equação que é altamente aleatória, pois os Estados dispõem, no universo de Westfália que ainda é o nosso, de soberania absoluta para decidir se querem, ou não, dotar-se de armamentos nucleares. É claro que, depois do TNP, aumentaram significativamente os custos – políticos, econômicos, estratégicos – para que esse passo seja dado, mas ele não é impossível, como o provam as trajetórias de países como Israel, Índia, Paquistão, Coreia do Norte e, possivelmente, a África do Sul (o único país que renunciou à posse da arma atômica, depois de ter entrado no domínio dessas tecnologias, e de ter capacidade para se qualificar ainda mais, ou seja, desenvolver vetores de entrega).
De toda forma, trata-se de um arranjo de conveniência, no qual potências médias, ou países menores, renunciam a dotar-se de armas nucleares, contra a garantia, dada pelas potências nucleares de que não irão usar essas armas como ameaça, ou chantagem de uso, contra esses países que aderiram ao TNP no status de não detentor.
Resta saber como fica a situação de potências nucleares, mas militarmente médias, como Israel, Índia, Paquistão, Coreia do Norte, que não assinaram ou se retiraram do TNP e que não possuem um status muito bem definido. Existem também países que assinaram o TNP, que observam suas prescrições, mas que poderiam, se assim o desejassem, se dotar mais facilmente de vetores nucleares em prazo médio, ou até curto: seriam grandes ou médias potências econômicas, tipo Alemanha, Japão, Canadá, Espanha, algumas até em desenvolvimento (como Argentina, Brasil, México, Indonésia, e algumas outras) e talvez até países menores mas avançados, como a Suíça, a Suécia e outros.
Creio que são poucas as vantagens decorrentes do armamento atômico, pois ele traz uma série de consequências provavelmente prejudiciais ao país, como se observou – e se observa ainda – nos casos do Iraque, da Líbia e propriamente do Irã (um caso ainda não resolvido, junto com a Coreia do Norte). As sanções econômicas eventuais – o que a Índia e o Paquistão experimentaram apenas parcialmente – podem impedir a capacitação tecnológica em outras áreas. O Brasil, aliás, sofre até hoje de restrições ao acesso de materiais, tecnologias e equipamentos sensíveis por causa de seu histórico de rejeição ao TNP (até 1996) e de tentativas de capacitação nuclear no passado (ainda com alguns efeitos residuais na área de enriquecimento de urânio).

3) Sobre a tentativa de novos países obterem armas nucleares, como o Irã e Coréia do Norte, que retomou a fabricação de bombas atômicas recentemente, de que forma o Senhor explica a atitude desses países? Essa seria uma característica de um novo paradigma mundial, revelado pela nova conjuntura da globalização mundial?

PRA: A globalização não tem absolutamente nada a ver com a capacitação nuclear desses dois países, e sim a vontade de suas elites dirigentes, paranoicas ou calculistas, que estão se armando, seja para dissuadir o “império” americano, seja para intimidar possíveis contendores (no caso do Irã, o Iraque, anteriormente, possivelmente outros na região, e sobretudo Israel). Não existe tampouco nenhum paradigma mundial nesses dois casos, mas pode-se eventualmente falar do paradigma da dissuasão, que me parece, contudo, um elemento secundário, no cálculo estratégico que ambos fizeram. Certas lideranças são fascinadas, com razão, ou sem, pela perspectiva de serem consideradas potências nucleares, acreditando que isso fará com que seus países, ou seu próprio poder, seja mais respeitado e temido. São, de toda forma, países não confiáveis no plano estratégico – o que seria o caso com dois outros nucleares não reconhecidos mas de fato, como Israel e Índia – e portanto vão continuar a sofrer sanções da comunidade internacional. Cada país é um caso diferente, com capacitações diferentes, mas ambos entram naquela categoria que o maniqueísmo político americano já chamou de “Estados vilões”.

4) Como um estudioso de Relações Internacionais e tomando a posição brasileira, o Senhor concorda com a atitude brasileira de ser uma potência “pacífica” por apenas fabricar a energia nuclear para fins de pacifismo, ou acredita que seria importante o Brasil possuir armas nucleares para possuir mais poder de barganha no cenário internacional?

PRA: Não se trata de ser, ou não, potência “pacífica”, e sim de ser um país responsável, sobretudo no plano do direito internacional e dos esforços de todos os países confiáveis para assegurar a paz e a segurança internacionais. Não é a detenção da arma atômica que confere maior poder de barganha no plano internacional, se tanto isso se dá no terreno da dissuasão estrita (como fez a Índia, mais pensando na China, do que no Paquistão, que por sua vez se armou por causa da Índia, com a ajuda da China, por sinal). O que confere maior poder de barganha é ser respeitado pelas suas boas ações, e por certa capacidade militar convencional, a única que conta em certos teatros de guerra.
O Brasil não possui nenhum contenciosos estratégico com vizinhos ou países mais distantes, e não precisa, assim, exibir qualquer dissuasão nuclear, ou mesmo em vetores mais tradicionais. Ele tem, sim, de dispor de vetores convencionais para poder participar de missões de manutenção E DE imposição da paz sob coberta do CSNU. O Brasil precisar ser dotado militarmente de meios capazes de assegurar sua defesa e de eventualmente impor a paz a outros, mas jamais na posse de arma nucleares, que não resolve nenhum problema básico do país e cria dezenas de outros indesejáveis.

5) Em sua opinião, ainda sob a visão nuclear para fins não pacíficos, daqui a 50 anos teremos um mundo...

PRA: Dentro de meio século, o mundo não será muito diferente do que é hoje, ou seja, contraditório, inseguro, com focos de conflitos, mas com ainda menos potencial para conflitos nucleares, já que supostamente aumenta a consciência dos povos quanto aos efeitos nefastos da detenção de armas atômicas.
            Em todo caso, meio século é um prazo muito longo para tratar de questões estratégicas e militares, que podem mudar rapidamente com a ascensão de novos países, e a decadência ou crise de outros países. Observando-se a China, por exemplo, constata-se que ela saiu de uma miséria abjeta a uma pobreza aceitável em menos de 20 anos, tendo construído infraestrutura e capacidades tecnológicas inigualáveis no plano mundial. Mas, ela pode entrar em crise, também, e sofrer problemas ainda não de todo detectados na presente conjuntura.

6) Caso o Senhor deseje expor mais alguma opinião sobre este tema, por gentileza, fique a vontade para colocar suas ideias.

PRA: Acredito que o recurso à guerra total já não é mais possível na era nuclear, com a crescente interpenetração dos “impérios” regionais. Isto não quer dizer que o direito internacional – e suas manifestações institucionais, como a ONU e outras agências intergovernamentais – venha a prevalecer sobre a vontade dos Estados-nacionais e, sobretudo, acima desses impérios: a ameaça do uso da força deve permanecer como a ultima ratio da política internacional durante um bom tempo ainda, enquanto, pelo menos, a lógica westfaliana continuar a prevalecer (e isto pode durar mais um século e meio, aproximadamente).
            Em todo caso, na equação estratégica contemporânea, a detenção de artefatos nucleares continua a ser o elemento dominante, em ultima ratio, do jogo do poder. Existem, obviamente, outros vetores de poder, em especial o tecnológico e o econômico, este constituindo, em última instância – segundo o modelo analítico marxista, que neste particular conserva plena validade –, o elemento crucial de afirmação de supremacia, de modo continuado. Não se compreende, aliás, o desenvolvimento e a posse de artefatos nucleares senão ao cabo de certo grau de avanço científico e tecnológico, que costuma estar ligado ao nível de desenvolvimento econômico do país.
Certamente que países economicamente poderosos estão em condições de assegurar um modo de vida satisfatório aos seus cidadãos, podendo influenciar decisivamente a agenda política e econômica mundial e contribuir, no mundo contemporâneo, para o desenvolvimento econômico e social de outros povos e países. Isso é plenamente verdade. Mas, se formos decidir, em determinados momentos, sobre a paz e a guerra, e definir quem, no momento decisivo, é capaz de impor sua vontade – ou de impedir que outros imponham a sua própria vontade –, então, a posse de armas nucleares torna-se o diferencial absoluto de poder, independentemente do poder econômico relativo de cada um dos contendores.
A questão nuclear, no seu sentido amplo, estratégico, apresenta três aspectos que não estão necessariamente conectados entre si de modo estrutural, mas que foram conceitualmente reunidos pelo próprio instrumento que “regula” a questão no plano internacional: (a) a não-proliferação, que é obviamente o aspecto principal subjacente às intenções dos proponentes do TNP; (b) a cooperação nuclear para fins civis, ou pacíficos, que representa uma promessa e uma garantia das potências nuclearmente armadas em direção de todas as outras; (c) o desarmamento, que é uma hipótese fantasiosa inventada pelos proponentes do TNP para atrair – enganar seria o termo mais exato – os demais países a esse instrumento discriminatório e desigual. Em relação a esta terceira dimensão da questão nuclear, se poderia repetir o velho argumento tantas vezes utilizado em outras circunstâncias: em relação ao desarmamento, as potências nuclearmente armadas fingem que pretendem desarmar, um dia, e todos os demais fingem que acreditam nessa hipocrisia. De fato, parece difícil reverter a situação ao status quo ante: uma vez que o “gênio” nuclear saiu da sua lâmpada militar, é praticamente impossível fazê-lo retornar à sua “inexistência” anterior.
Para todos os efeitos práticos, o que vale, para as potências do TNP é a garantia de não-proliferação, com alguma cooperação na dimensão da cooperação – sob o olhar vigilante da AIEA – e a total desconsideração da dimensão desarmamento. Para todos os “nucleares”, portanto, essa questão apresenta dois aspectos: o da projeção da força e o da dissuasão. O primeiro aspecto, depois de Hiroshima e Nagasaki, não mais voltou ao cenário internacional (a despeito de alguns “ensaios”, como em Cuba, em 1962). A arma nuclear não mais voltou a ser usada como arma de terreno para abreviar o final de uma guerra, ainda que ela tenha sido cogitada em alguns cenários ou teatros possíveis de operação (como a sugestão do general MacArthur, em face da ofensiva chinesa durante a guerra da Coréia). Mesmo no caso de Cuba (1962), quando os dois grandes contendores da fase pré-TNP parecem ter chegado ao limite do abismo nuclear, não estavam reunidas todas as condições para que o jogo de pôquer, naquelas circunstâncias, chegasse a uma “solução final”.
A arma nuclear é usada, portanto, para fins essencialmente dissuasórios, e é como tal que Israel a concebe, em face de uma coalizão agressiva de Estados árabes que gostariam de varrê-lo do mapa. Existem, certamente, militares, que concebem alguma utilização tática da arma nuclear; mas os estadistas responsáveis e planejadores sensatos dos países nuclearmente “capazes” – e não apenas daqueles nuclearmente armados – assim imaginam sua equação nuclear nacional. De fato, repassando a lista dos nucleares, veremos que eles sempre tiveram em mente algum perigo estratégico, para o qual se buscou a solução de última instância.
Com a possível exceção da França – que estava exercendo uma opção de “orgulho nacional”, depois de tantas humilhações sofridas desde o século 19 – e, possivelmente, da África do Sul – que se sentia acuada pelos demais países africanos no momento do Apartheid –, todos os demais países tinham algum contendor em mente no desenvolvimento do seu programa nuclear. A China se armou contra os EUA e contra a própria URSS; a Índia o fez contra a China, menos do que contra o Paquistão; o Paquistão contra a Índia (com a ajuda da China); Israel contra os países árabes, e eles são muitos; a Coréia do Norte contra os EUA (possivelmente o Irã, também, mais do que contra o Iraque). As aventuras nucleares de Saddam Hussein (ditador do Iraque até sua derrubada pelos EUA em março de 2003) e as do coronel Kadhafy, da Líbia (estas, finalizadas depois de duras sanções contra o país), entram nesta equação a título de bizarrice, embora o ditador do Iraque tivesse o inimigo iraniano no seu planejamento militar. De todos esses países, o único que desarmou voluntariamente foi a África do Sul; mas ela o fez no momento da transição para o regime de maioria negra, e esse elemento pode ter entrado no cálculo estratégico da liderança branca que assim decidiu no início dos anos 1990. Quanto à Coréia do Norte, a supor que ela desarme, efetivamente, tal fato pode ser atribuído à dupla pressão da China e dos EUA, nessa ordem.
Parece haver uma teoria das relações internacionais contemporâneas – mas não testada na prática – que afirma que os Estados que se tornam nuclearmente armados passam a se comportar de modo mais responsável e condizente com suas novas responsabilidades no plano internacional. Este foi certamente o caso da China, de Israel, da Índia, embora haja desconfianças em relação ao que possam algum dia fazer o Paquistão, a Coréia do Norte e, eventualmente, o Irã. Mesmo com relação à China, se questiona se seu papel foi responsável, uma vez que ela pode ter sido decisiva na capacitação nuclear do Paquistão, que por sua vez foi, em parte, negligente com o seu programa: um físico desse país está na origem de uma das mais importantes redes de disseminação de tecnologia e materiais nucleares, num contexto de “proliferação” por empreendimento individual, um pouco como faziam os piratas de antigamente, que também podiam servir de corsários para seus Estados respectivos. Alguns cenários podem ser preocupantes, nessa hipótese de uma proliferação não controlada pelos atores responsáveis, o que poderia ser o caso do Paquistão, da Coréia do Norte e do Irã, precisamente.
Mesmo quando um país nuclearmente “capaz” não parece ameaçar a paz mundial, cenários de conflito são sempre imprevisíveis, pois as fontes podem emergir não da situação objetiva de um país determinado, em seu contexto geopolítico próprio, mas como resultado da paixão dos homens, falíveis por definição. Imaginemos, por um instante, uma ocupação das Malvinas por tropas argentinas respaldadas por um artefato nuclear que teria sido previamente desenvolvido pela ditadura militar. A história poderia ter sido bastante diferente.
O TNP vem se “universalizando” nos últimos anos, em que pese sua notória falta de legitimidade intrínseca. Por outro lado, mais países estão se tornando nuclearmente capazes, quando não nuclearmente armados. A Índia já criou uma situação nova e vem sendo aceita como uma potência nuclear de fato, ainda que não o venha a ser de direito. O grande responsável por essa transformação foi, a rigor, a potência garantidora, por excelência, do TNP e aquela teoricamente mais engajada na não-proliferação: os EUA. A dissuasão e o cálculo estratégico estão aqui bem presentes. As boas relações entre Índia e EUA, nesse terreno, têm a ver com a China, embora equivocadamente considerada como a fonte possível de desafios estratégicos para os EUA. O acordo nuclear entre EUA e Índia vale estritamente para fins civis, e não tem o poder de qualificá-la para o clube formal das potências nucleares, o que de toda forma exigiria reforma do TNP, algo praticamente impossível de ocorrer nessas bases.
O TNP precisa, sim, de reformas, mas elas teriam de ser bem mais radicais do que poderiam admitir os cinco privilegiados da atualidade. Nem eles poderiam admitir o seu desarmamento, o que obviamente não ocorrerá, nem eles vão querer estimular em demasia o desenvolvimento nuclear – ainda que para fins eminentemente pacíficos – dos demais países. Assim, parecem existir poucas chances de progresso institucional na questão nuclear, com base nos instrumentos atualmente disponíveis, em primeiro lugar o TNP. Haverá, portanto, muita hipocrisia e muito more of the same nesta agenda.
Não se concebe, com efeito, as potências nuclearmente armadas favorecendo o ingresso de países “candidatos” no clube nuclear. Eles precisariam “forçar a porta” e garantir o seu ingresso, mas sempre serão passageiros incômodos, por não disporem do bilhete desde a partida. Em outros termos, não haverá nenhum levantamento de restrições à transferência de tecnologia. Mas os próprios países que aspiram ingressar no grande jogo estratégico terão de buscar sua equiparação progressiva – embora rudimentar – com os cinco grandes, com base em sua própria capacitação. Esta dependerá em grande medida do aprendizado próprio – ou seja, ciência e indústria, com base em tecnologia endógena ou copiada –, da política dirigida ao comércio de materiais sensíveis, alguma cooperação bilateral e um pouco de espionagem.
Quanto ao problema da reforma da Carta das Nações Unidas e a ampliação do seu Conselho de Segurança, esse processo não tem a ver, diretamente, com a posse de algum artefato nuclear. O Japão – potencialmente capaz de desenvolver a arma, mas que prefere, por enquanto, viver castrado nessa dimensão – e a Índia são, teoricamente, os dois únicos países que estariam na lista dos EUA para ingresso no CSNU, mas não por algum cálculo de natureza estratégica que envolva a posse de armas nucleares. De toda forma, o alegado desejo dos países membros e dos candidatos em promover uma “democratização” das estruturas de poder internacional não passa de uma hipótese pouco credível para quem acompanha a realidade das relações internacionais. Os cinco permanentes atuais não desejam a reforma e não pretendem diluir o seu poder com novos candidatos. O status quo lhes convém e assim será mantido até que novos dados da realidade alterem substancialmente a equação estratégica do cenário internacional contemporâneo. Uma coisa é certa: o “gênio” nuclear continuará fora da garrafa.
E o Brasil, como se situa ele, neste cenário de unilateralismo arrogante, de arranjos oligárquicos e de pressões sobre os países “desviantes”? Ele mesmo poderia ser incluído nessa categoria, ao persistir sua recusa do Protocolo adicional ao TNP, mesmo depois de aceitar relutantemente esse instrumento discriminatório em 1996. É certo que, na origem, isto é, nos anos 1950, o Brasil mantinha concepções otimistas – talvez ingênuas – sobre a utilização do poder nuclear, tanto sob a forma de energia, como em aplicações médicas e mesmo em obras de engenharia civil. Depois ele alimentou o sonho de aceder à tecnologia de processamento e de sua eventual utilização militar, ao empreender, entre outros programas, a cooperação nuclear com a Alemanha (que, junto com o Brasil, foi objeto de intensas pressões dos EUA). Sua capacitação interna foi prejudicada por insuficiência de recursos e de vontade política, independentemente do eventual sucesso tecnológico do acordo com a Alemanha, que não foi conduzida a termo. Foi, provavelmente, melhor assim, pois o espectro de uma corrida nuclear com a Argentina foi afastado e ambos os países terminaram não apenas acedendo ao TNP, como também desenvolveram um programa exemplar de cooperação em salvaguardas nucleares que pode servir de modelo para outras situações do gênero (provavelmente no sul da Ásia, com o impasse indo-paquistanês ainda pendente).
Continuam pendentes, portanto, o problema da recusa brasileira ao Protocolo adicional ao TNP – que parece ter a ver com uma hipotética “tecnologia original” utilizada na fábrica de processamento de Resende – e a questão da postura em relação à nova “doutrina nuclear” dos EUA, que envolve o controle das atividades civis, em todos os seus aspectos (comerciais, tecnológicos, produtivos). Tendo em vista o nacionalismo e o soberanismo brasileiros, não haverá progresso sensível no futuro imediato, mas essa questão não é crucial no plano da segurança estratégica para a ordem política mundial: afinal de contas, o Brasil não é um elemento desestabilizador da ordem internacional e o mundo pode facilmente conviver com esse tipo de nacionalismo “nuclear”.

Paulo Roberto de Almeida
(Brasília, 7/11/2011)

Um comentário:

JOB FERREIRA DA CUNHA disse...

É O ( SONHO PACIFICO ) DO SENHOR É BONITO E SENSATO ....PENA QUE NÂO POSSA SER REAL ...È APENAS UM SONHO ...COMO EU ESCREVI ONTEM , O SENHOR TEM IDEIAS(QUASE) PERFEITA...NÂO ESTOU OFENDENDO O SENHOR APENAS SENDO SINCERO .......