sexta-feira, 30 de julho de 2010

Negociatas nas telecomunicacoes (3): casamento do PT com a PT

Por trás dessas operações, está a mão (e os pés, o corpo todo, o cérebro, sobretudo) daquele que já foi o ministro mais poderoso do governo Lula, e que ainda permanece sendk poderoso, agora no mundo dos negócios privados (com alguma promiscuidade no governo, que ninguém pode deixar de apelar a quem tem o poder de decidir...).
Paulo Roberto de Almeida

Casamento do PT com a PT é um golpe de gênio
Blog Vespeiro, 29/07/2010

A negociação entre a Oi e a Portugal Telecom entrou nos finalmentes em maio passado, quando José Sócrates, o Lula de Portugal, se encontrou, aqui na terrinha, com Lula, o José Sócrates do Brasil. Ali foram acertados os contornos gerais da jogada cujo desenlace foi anunciado ontem.

Esses contornos estão resumidos muito precisa e suscintamente nas declarações do encarregado da negociação pela parte brasileira, o vice-presidente da Lafonte, Pedro Jereissati, a Graziella Valente, Heloisa Magalhães e Vera Saavedra Durão no Valor de quinta-feira. Ele explicou que as negociações “partiram de premissas básicas”: uma, que “não haveria mudança de controle de forma nenhuma”; outra, “que qualquer movimento que viessemos a fazer devia respeitar uma simetria: eles adquirindo uma parte da Oi e nós da PT. Só depois veio a discussão do preço” … que é uma consequência dessas premissas.

Esta é, em poucas palavras, a pauta que ele recebeu de Lula.

As tres repórteres intuem muito bem a natureza dessa operação, aliás, quando constatam que “A compra da fatia da Portugal Telecom na Vivo pela Telefônica foi feita sem complexidade na estrutura societária mas muita dificuldade na negociação. Foram quase tres meses de negociações publicas e troca de ameaças entre os sócios. Ja a complexa estrutura para a entrada dos portugueses na Oi foi costurada em poucos dias, embora o contato entre os grupos já seja muito antigo”.

É que esta é uma operação essencialmente política enquanto aquela era uma operação de negócios (que acabou sendo protelada por uma interferência política). Lá a essência da coisa era definir o valor presente e o valor futuro de um asset estratégico numa grande operação de negócios. Aqui, trata-se, antes de mais nada, de armar o Partido dos Trabalhadores (a reboque do qual virá, agora, o Partido Socialista de Portugal) com a imbativel arma de um sistema completo e verticalizado de telecomunicações, com projeção nacional e internacional, que lhe dará poderes incontestaveis sobre o verdadeiro esqueleto em cima do qual se estruturam e se apoiam toda a economia e, para ser direto e resumido, todas as atividades humanas hoje em dia.

Aos arquitetos políticos da operação, cabe definir com absoluta precisão e segurança, quem mandará em quem dentro dessa sociedade. Os detalhes envolvendo acionistas majoritários e minoritários ficam para os “capitalistas de relacionamentos” que, tanto do lado português quanto do lado brasileiro, põem a cara à frente do que realmente interessa aos arquitetos politicos da operação que, por cima deles e dos seus acionistas, definem em ultima instância o que acontece e o que não acontece, quando e como.

O modo como a Oi foi constituída no Brasil, mediante um decreto que transformou em pó a essência da Lei Geral de Telecomunicações que regia o setor, dá a exata medida do valor que Lula dá a essa dimensão do problema. A lei, as regras pré-estabelecidas do jogo estão aí para serem mudadas na medida exata do seu interesse político. Do lado português não é muito diferente, como provou o uso das 500 golden share em poder de José Sócrates para anular a vontade expressa de 76% dos detentores de ações da PT que aceitaram a oferta da Telefônica. Quanto Lula e José Sócrates se assemelham naquilo que esperam da “sua” telefonica e nos métodos que empregam para conseguí-lo você poderá conferir voltando à série sobre O Jogo Mundial do Poder, publicada aqui no Vespeiro ha dois meses.

No seu já clássico estilo “gerson” Lula disse uma verdade no meio da mentira quando explicou que da equação financeira não entendia nada e por isso não ia se meter, e que a unica coisa que lhe interessava é que a empresa seja comandada pelo Brasil. De fato, o esquema acionário que os jornais tentaram explicar ontem ninguem entende, nem mesmo, aparentemente, os próprios envolvidos na negociação. Mas isso arruma-se. Afinal, o Bndes, o Tesouro Nacional e os fundos de pensão das estatais estão aí para obturar as cáries que possam, eventualmente, vir a macular o sorriso de felicidade geral dos envolvidos na foto do aperto de mãos final desta transação.

Mas essa felicidade vai se limitar aos diretamente envolvidos. Para os usuários de telefonia, essa manobra só torna mais próximo o momento em que estaremos entregues a um monopólio.

Com a operação Lula/Sócrates, ficam em campo, no Brasil, apenas tres teles de peso: a espanhola Telefonica, a mexicana América Movil (Claro/Net) e a luso-brasileira Oi. Mas o governo é sócio de apenas uma delas…

TIM (da Telecom Itália) e GVT (da francesa Vivendi) entram na fila como bolas da vez para o próximo movimento de consolidação que não promete muito suspense, uma vez que a Telefonica já é socia da Telecom Itália na Europa o que torna a compra da Vivo ilegal pelas regras da Anatel, que não admite um player associado a dois operadores diferentes de telefonia móvel no país…

Já a entrada da Portugal Telecom na Oi resolve vários problemas. A criação da “tele brasileira” tambem foi uma operação política, feita naquela base do “depois vê-se”. Arranjaram-se os “empresários” que nunca tinham lidado com o assunto antes; arranjou-se o dinheiro na fonte de sempre (o nosso bolso); arranjou-se a regulamentação, na medida exigida pelo projeto político a ser desenvolvido. Mesmo assim, ficou um enorme buraco de R$ 26 bilhões em dívidas que virtualmente inviabilizava as possibilidades de desenvolvimento da Oi já tremendamente dificultadas pela completa ausência de know how dentro da companhia. Agora, acrescenta-se a esse arranjo dinheiro novo para reduzir essa dívida, know how para desenvolver telecomunicações, bases já plantadas na África lusófona e mais o Marrocos, na América Latina e, se os chineses deixarem, tambem em Macau (pelo menos em televisão, é o plano atual).

E, last but not least, adquire-se know how em materia de produção de conteudos nas áreas de informação e entretenimento (ironicamente roubado à Globo via Portugal), incorporando ao esquema o substancial aparato que a Portugal Telecom ou seus associados “privados” já têm, em pleno funcionamento, nas areas de internet e produção audiovisual espalhado por esses territórios. Operações subsidiadas pelos faturamentos das teles, inteiramente desproporcionais ao da publicidade que sustenta as sempre execradas imprensa e produção intelectual independentes.

Esse componente da equação da PT fascina o PT ha muitos anos. A relação entre os dois, como se poderá conferir na matéria já citada, vem, pelo menos, dos tempos do Mensalão. E se ha um país no mundo onde as relações entre o governo e o poder econômico são mais explícitamente libidinosas que no Brasil, esse país é Portugal. A Portugal Telecom é a unica empresa da antiga Metrópole com potencial de se projetar internacionalmente. E, sendo assim, levá-la adiante é uma questão de vida ou morte para todos os grandes egos de Portugal, tanto no setor publico quanto no privado. Com os socialistas acuados por denuncias de corrupção, as ambições midiáticas da PT ganharam um impulso temerariamente excessivo, ha dois anos. De uma operação indireta, a cargo de associados da empresa, que visava um futuro mais distante, passou-se a tentar uma ação direta de ocupação de espaços na imprensa e na televisão portuguesas que acabou sendo barrada por uma investigação da Assembléia da Republica (Parlamento).

O projeto de “hegemonia no setor de midia no mundo lusófono” posto em curso em Portugal foi momentaneamente barrado em função do escandalo político provocado pela divulgação pela imprensa de gravações telefonicas em que José Sócrates e seus cumplices tramavam a operação com suas contrapartes no mundo empresarial português, o que fez com que o principal agente “privado” dessa operação, parceiro de velhos tempos do nosso conhecido Jose Dirceu, passasse a concentrar suas atenções no Brasil, na África e no Oriente, enquanto espera a poeira baixar em Portugal. Esse agente lançou aqui o jornal Brasil Economico, comprou o grupo O Dia, lançou jornais em São Paulo e no Rio de Janeiro e tornou-se dono de uma das duas licensas de TV por assinatura do país, usando uma empresa de fachada da qual a mulher de Dirceu é diretora. Não vai parar por aí agora que, detentor de quase 7% da Portugal Telecom, que obteve por meio de expedientes misteriosos que o Parlamento de seu país também investiga, teve o seu cacife enormemente aumentado com a venda da Vivo.

Seja como for, é inegavelmente uma operação brilhante esta em que o esquema todo se fecha e se viabiliza economicamente com o dinheiro dos espanhóis. E esse aspecto da questão é certamente muito mais interessante, importante e jornalístico do que as infindáveis especulações a respeito das possíveis vantagens que possam resultar desse complô para os usuários de telefones a que a imprensa brasileira tem se dedicado prioritariamente.

Um comentário:

  1. Brilhante, Paulo. Subscrevo inteiramente a sua análise e dou graças a Deus por um blogue tão lúcido, nas questões brasileiras e portuguesas quanto aos recentes e tão preocupantes jogos de poder PT/PS.

    Parabéns pela independência e pelo estilo cordato, como deve ser.

    Um abraço bem fraterno, de Portugal.

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