Acho que a Miriam Leitão foi incompleta nessa sua matéria abaixo, sobre o custo dos empréstimos do BNDES para a sociedade, isto é, para todos nós.
Esse custo dos subsidios é apenas uma parte, a menos obscura, digamos assim, do custo BNDES.
Seria preciso computar os custos indiretos, a deformação de um verdadeiro mercado de capitais no Brasil, a concentração de recursos nas mãos do Estado, a despoupaça estatal (sim, porque tudo isso que é recolhido da sociedade poderia estar sendo consumido ou investido diretamente pela sociedade, com maior racionalidade).
A bolsa milionários é apenas a parte visível desse custo todo...
Paulo Roberto de Almeida
Bolsa Milionários
Miriam Leitão
O Globo, 08/08/2010
O manifesto das doze entidades empresariais em defesa dos empréstimos subsidiados do BNDES omitiu uma importante informação: quanto eles devem ao banco. Se dissessem, se saberia que defendem seu próprio bolso. Mas é revelador de como a elite adora o governo Lula e sua incrível volta à terra das políticas mortas do governo militar.
Lula, em cada palanque que sobe, critica “as elites” como sendo um grupo que tentou tirá-lo do poder. Ninguém tentou tirá-lo do poder, e a elite empresarial o adora como se vê nesse manifesto.
Quando tenta criar um inimigo incorpóreo, o presidente está conscientemente fazendo mais uma tentativa de manipular a opinião pública em época eleitoral. Nenhuma novidade.
Ele é assim mesmo. O que espanta é a maneira transparente com que as entidades empresariais disseram desta vez que querem continuar recebendo dinheiro público. “Sem dúvida, reconhecemos que o desembolso feito pelo Tesouro é um custo para a sociedade”, disseram os empresários em um raro momento de sinceridade.
Qual é o custo? Esse é um dos problemas. A sociedade que paga precisa saber quanto é o subsídio, a quem se destina o dinheiro, com que critérios os beneficiários são escolhidos. E são essas as perguntas feitas. Perguntas legítimas em uma sociedade democrática, em que o contribuinte exige respeito e informação sobre o que é feito com o dinheiro dele.
É ridícula a acusação de que há “um ataque ao BNDES.” O banco existe há 56 anos, sempre concedeu empréstimos com juros facilitados, cometeu muitos erros no passado, concentrou renda e comprou participações em empresas que faliram.
Ao longo dos anos foi tornando sua atuação mais transparente, mais auditável, corrigindo excessos e se firmou como um importante instrumento de todos os governos.
Só uma visão de Luiz XIV, do tipo “o banco sou eu”, faz com que o atual presidente Luciano Coutinho reaja às críticas à sua condução como sendo um atentado ao banco em si.
Um dos argumentos apresentados pela atual direção do banco, pelo governo e pelos empresários é que a instituição expandiu seus empréstimos com dinheiro do Tesouro apenas para enfrentar a crise econômica.
“Mas a crise passou e aparentemente o que valia em 2009 não vale mais em 2010”, lamenta o documento dos empresários.
De fato. Medidas emergenciais são para emergências.
Depois, os excessos têm que ser corrigidos.
Uma lição importante é que a bondade dos bancos públicos com dinheiro do contribuinte vira rombos que aumentam a dívida pública, que excessos e absurdos dessa transferência de renda para os ricos são inflacionários.
Mesmo na ação contra a crise, as decisões que o banco tomou são controversas.
O que há de anticrise nos empréstimos concedidos ao frigorífico JBS Friboi para comprar outro frigorífico no exterior? Ou a montanha de dinheiro transferida para a Telemar comprar a Brasil Telecom? Só para citar algumas das maiores operações que não criaram emprego, não ampliaram investimentos. Nestas duas operações os ganhos foram apenas dos seus acionistas.
“Ao contrário do que vem sendo dito, o BNDES não subsidia a compra de empresas, nem escolhe vencedores”, diz o manifesto dos super-ricos. Engraçada essa parte. Ela contraria os atos e palavras do banco. O próprio Luciano Coutinho justifica a neoescolha de campeões. Disse que sentia vergonha de que o Brasil não tivesse grandes empresas em algumas áreas.
Os jornalistas Mauro Zanatta e Alda do Amaral Rocha, do “Valor Econômico”, mostraram em reportagem na semana passada que o banco negou empréstimo a vários frigoríficos médios e deu empréstimos gigantes ao JBS Friboi e Marfrig numa escolha deliberada de alguns grupos para receber o dinheiro barato. O JBS comprou vários outros com esse dinheiro, aqui e no exterior.
Alguns frigoríficos estão falindo; outros nadando em dinheiro do banco. E que não se fale que a escolha do BNDES é por empresas mais sólidas. Como se sabe, o banco torrou R$ 400 milhões em empréstimo e compras de ação do frigorífico Independência, que quebrou em seguida.
O Brasil lutou muito pela estabilização da moeda. Foram anos dedicados ao esforço de corrigir distorções em inúmeras áreas. Uma das frentes da luta foi no saneamento dos bancos públicos.
A bagunça nas suas contas, a falta de transparência, a bondade excessiva aos grandes grupos empresariais, os perdões de dívida estavam na raiz do processo inflacionário. Aquelas políticas de apropriação do dinheiro público pelos muito ricos deixaram uma herança maldita e foram sendo eliminadas uma a uma. Não foi fácil. Só quem viu o dia a dia pode contar.
Grandes grupos empresariais conspiraram contra o processo de modernização.
São os mesmos que agora escrevem manifestos. Defendem essa estranha volta dos mortos-vivos; lutam com sucesso no cemitério das políticas extintas.
O Brasil tem muito a discutir para garantir o futuro depois da estabilização e do aumento da inclusão de brasileiros que a estabilização permitiu. É espantoso e triste que esteja às voltas com a discussão sobre se as políticas de concentração de renda e de benesses com o dinheiro público adotadas nos anos 70 eram boas ou não. Foram péssimas. Elas fizeram um enorme mal ao país. Isso está medido e contabilizado.
A quem interessa repetir os erros de um passado condenável e perigoso? Agora é mais fácil saber.
Os grandes empresários defendem a velha ordem. Eles são a elite amiga de Lula.
Eles não querem o fim do Bolsa Milionários.
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