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terça-feira, 4 de janeiro de 2011
Wikileaks: Brasil anti-americano? Pas du tout...
O resto é paranoia e exageros...
Necessidade neurótica de ser igual aos EUA'
José Meirelles Passos
O Globo, 04/01/2011
Para diplomatas, Brasil não confia nos americanos e ainda vê a Casa Branca como ameaça à sua liderança regional
O governo brasileiro advertiu que não poderia ignorar "as sérias implicações" da presença dos EUA na estabilidade da região
Documentos agora revelados pelo WikiLeaks mostram, claramente, que apesar das declarações formais de ambas as partes - reafirmando um relacionamento bilateral cada dia mais amistoso - ainda existe uma carga enorme de suspeição nas relações entre os Estados Unidos e o Brasil.
"O Brasil tem uma necessidade quase neurótica de ser igual aos Estados Unidos, e de ser visto assim, e leva muito a sério mensagens dos EUA considerando o Brasil como o líder regional que procuramos para resolver problemas na América do Sul", diz um telegrama enviado pela embaixada americana em Brasília ao Departamento de Estado, em 30 de outubro de 2009, caracterizando o sentimento brasileiro.
"Chancelaria brasileira ciumenta e anti-ianque"
A análise diz, ainda, que o Brasil "não confia nas intenções dos EUA, em particular com relação à Amazônia, aos esforços do Brasil pela integração regional e, mais recentemente, às descobertas de petróleo em seu litoral". E arremata: "Por um lado, o governo do Brasil vê a presença dos EUA como usurpação de sua área, uma ameaça à sua liderança e à sua segurança, tanto diretamente, por causa das tensões criadas com a Venezuela, como indiretamente. Por outro lado, o Brasil se sente traído pela falha do governo dos EUA em reconhecer a primazia brasileira na região, deixando de consultar com antecipação sobre nossas atividades na América do Sul, e especialmente aquelas com implicações de segurança nacional".
Os comentários surgem ao final de uma série de oito telegramas, entre julho de 2006 e outubro de 2009, referentes especificamente às reações contrárias do Brasil ao, então recentemente firmado, Acordo de Cooperação de Defesa EUA-Colômbia - com a implantação de bases americanas naquele país. O então embaixador colombiano em Brasília, Tony Jozame, em conversa com diplomatas americanos, atribuiu o repúdio brasileiro a três fatores: "Jozame compartilhou sua visão pessoal sobre por que os brasileiros tiveram uma reação inicial tão negativa, dizendo que a maior parte do problema é causada pelo Ministério de Relações Exteriores que é esquerdista, anti-ianque, e ciumento da liderança de qualquer outro país na região".
Mais adiante, a encarregada de negócios da Embaixada dos EUA, Lisa Kubiske, registrou: "Jozame disse que a liderança no Ministério de Relações Exteriores (do Brasil) é muito esquerdista e, por isso, eles não apoiam uma cooperação maior entre a Colômbia e os Estados Unidos. Além disso, ele acredita que o Brasil tem ciúmes porque não gosta que assuntos sejam negociados ou discutidos sem que o Brasil apareça num papel de liderança". Jozame chegou a dizer que Marco Aurélio Garcia, o assessor especial de política externa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva - e que continua no cargo no governo de Dilma Rousseff - "é conhecido como simpatizante das Farc" (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia).
O embaixador Marcel Biato, outro conselheiro de política externa de Lula, explicou aos americanos que, embora reconhecendo o direito soberano da Colômbia de negociar um acordo militar com os EUA, o Brasil não poderia ignorar "as sérias implicações" disso para a estabilidade na região. E completou: "Enquanto os EUA mantiverem uma presença na região, essa será uma difícil e nevrálgica questão que ressurgirá periodicamente e exigirá uma administração constante. Ao mesmo tempo em que o Brasil entende as razões para uma presença dos EUA na Colômbia, a meta do governo brasileiro é trabalhar para remover as condições que fazem necessária tal presença".
Temor de abalo nas relações bilaterais com o Brasil
Segundo a embaixada americana, ao informar sobre o acordo militar entre EUA e Colômbia, a mídia brasileira foi "sensacionalista e se baseou pouco nos fatos", caracterizando a iniciativa como a criação de bases americanas no país vizinho. "Ao mesmo tempo, o incidente pesou profunda e amplamente nas suspeições das intenções dos EUA na América do Sul, com base na leitura do Brasil de anteriores intervenções americanas na região", diz um dos telegramas sugerindo, a seguir, que em certa medida isso poderia vir a travar as relações bilaterais.
"Juntando isso com as preocupações do Brasil sobre a Quarta Frota (dos EUA, atuando na região) e as velhas preocupações sobre perder a Amazônia, esse último incidente traz à tona o baixo nível de confiança que muitos brasileiros têm nos EUA, o que é algo a considerar essencialmente à medida em que buscamos expandir nossa parceria bilateral".
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